Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.
21 Estando com seus discípulos em
Cafarnaum, Jesus, num dia de sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar.
22 Todos ficavam admirados com o seu
ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da
Lei. 23 Estava então na sinagoga um homem
possuído por um espírito mau. Ele gritou: 24 “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste
para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus”. 25 Jesus o intimou: “Cala-te e sai
dele!”. 26 Então o espírito mau sacudiu o homem
com violência, deu um grande grito e saiu. 27 E todos ficaram muito espantados e
perguntavam uns aos outros: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com
autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!”. 28 E a fama de Jesus logo se espalhou
por toda a parte, em toda a região da Galileia.
JOSÉ ANTONIO
PAGOLA
UM
ENSINAMENTO NOVO
O episódio é surpreendente e avassalador. Tudo ocorre na “sinagoga”, o lugar onde se ensina
oficialmente a Lei, tal como é interpretada pelos mestres autorizados. Sucede
no “sábado”, dia em que os judeus
observantes se reúnem para escutar o comentário de seus dirigentes. É nesse
contexto em que Jesus começa, pela primeira vez, a “ensinar”.
Não se fala sobre o conteúdo de suas palavras. Não é isso
que interessa aqui, mas o impacto que produz sua intervenção. Jesus provoca
assombro e admiração. As pessoas
percebem nele algo especial que não encontram em seus mestres religiosos:
Jesus “não ensina como os escribas, mas com autoridade”.
Os doutores ensinam em nome da instituição. Restringem-se às
tradições. Citam várias vezes mestres ilustres do passado. Sua autoridade
provém de sua função de interpretar oficialmente a Lei. A autoridade de Jesus é diferente. Não vem da instituição. Não se
baseia na tradição. Tem outra fonte. Ele
está repleto do Espírito vivificador de Deus.
Poderão comprová-lo em seguida. De forma inesperada, um
possuído interrompe, aos gritos, seu ensinamento. Ele não o pode suportar. Está
aterrorizado: “Vieste para nos destruir?”. Aquele
homem se sentia bem ao escutar o ensinamento dos escribas. Por que ele se
sente, agora, ameaçado?
Jesus não vem destruir ninguém. Sua “autoridade” está, justamente, em dar vida às pessoas. Seu
ensinamento humaniza e liberta de escravidões. Suas palavras convidam a confiar
em Deus. Sua mensagem é a melhor notícia que pode escutar aquele homem
atormentado interiormente. Quando Jesus o cura, as pessoas exclamam: “Um
ensinamento novo dado com autoridade”.
As pesquisas de opinião indicam que a palavra da Igreja está
perdendo autoridade e credibilidade. Não basta falar de maneira autoritária
para anunciar a Boa Notícia de Deus. Não é suficiente transmitir, corretamente,
a tradição para abrir os corações à alegria da fé. O que precisamos, urgentemente, é um “ensinamento novo”.
Não somos “escribas”, mas discípulos de Jesus. Devemos
comunicar a sua mensagem, não nossas tradições. Temos de ensinar curando a
vida, não doutrinando as mentes. Devemos anunciar seu Espírito, não nossas
teologias.
APRENDER
A ENSINAR
O modo de ensinar de Jesus provocou nas pessoas a impressão
de que estavam diante de algo desconhecido e admirável. Indica-o a fonte cristã
mais antiga e os pesquisadores pensam que foi assim realmente. Jesus não
ensinava como os “doutores” da Lei. Fazia-o com “autoridade”: sua palavra
libertava as pessoas de “espíritos malignos”.
Não se deve confundir “autoridade” com “poder”. O
evangelista Marcos é muito preciso em sua linguagem. A palavra de Jesus não provém do poder. Jesus não procura impor sua
própria vontade sobre os demais. Não ensina a fim de controlar o comportamento
das pessoas. Não utiliza de coação nem ameaças.
Sua palavra não é como aquela dos doutores da religião
judaica. Não está revestida de poder institucional. Sua “autoridade” nasce da força do Espírito. Provém do amor às pessoas.
Busca aliviar o sofrimento, curar feridas, promover uma vida mais saudável. Jesus não gera submissão, infantilismo ou
passividade. Liberta dos medos, infunde confiança em Deus, anima as pessoas
a buscar um mundo novo.
A ninguém passa despercebido que estamos vivendo uma grave
crise de autoridade. A confiança na palavra institucional está abaixo do
mínimo. Dentro da Igreja se fala de uma forte “desvalorização do Magistério”.
As homilias aborrecem. As palavras estão desgastadas.
Não é este o momento de voltar a Jesus e aprender a ensinar
como ele fazia? A palavra da Igreja tem
de nascer do amor real às pessoas. Deve ser dita depois de uma atenta escuta do
sofrimento que há no mundo, não antes. Deve ser próxima, acolhedora, capaz
de acompanhar a vida sofredora do ser humano.
Necessitamos de uma palavra mais livre da sedução do poder e
mais cheia da força do Espírito. Um ensinamento nascido do respeito e da estima
positiva das pessoas, que produz esperança e cure feridas.
Seria grave que, dentro da Igreja, se escutasse uma “doutrina
de doutores” e não a palavra curadora de Jesus que tanto as pessoas necessitam,
hoje, para viver.
Traduzido do
espanhol por Telmo José Amaral de
Figueiredo.
Fonte:
MUSICALITURGICA.COM – Homilías de José A. Pagola – Quarta-feira, 28 de
janeiro de 2015 – 11h34 – Internet: clique aqui.
Entrevista
com Marússia Whately* Pelo Coletivo Conta d’Água**
Inês Castilho
Como a negação
eleitoreira da crise colocou São Paulo à beira de um racionamento selvagem ou
do retrocesso bizarro aos caminhões-pipas
Marússia Whately - ambientalista
A falta d’água afeta a dignidade humana, tem implicações de
saúde pública, desespera, paralisa a atividade econômica. Pois prepare-se: 2015
começou sob a sombra da crise hídrica. O cenário que se está montando é
gravíssimo.
Já quase terminado janeiro, contata-se que choveu muito menos do que era esperado:
·No Sistema
Cantareira, choveu 35% da média histórica.
·No Sistema
Alto Tietê, meros 26% da média histórica.
·E o quadro não encontra alívio nos demais
mananciais, também deficitários.
A própria Sabesp
admite que o que existe de água em todos os sistemas, considerando o padrão de
consumo atual, vai dar pra 50 dias, ou seja, março. E daí? Aí, acabou. Não
é que vai faltar um pouco de água. É que
não tem água; não tem para onde correr.
Para entender melhor as dimensões humanas, sociais,
econômicas e ambientais dessa crise, o projeto Conta D’Água procurou uma
das maiores especialistas do tema, a ambientalista Marussia Whately, dirigente do projeto Água São Paulo, do Instituto
Socioambiental (ISA), e uma das principais protagonistas da Aliança pela Água, uma iniciativa
reunindo 30 ONGs, visando propor soluções e cobrar providências do poder
público.
A crise na vida real
MARUSSIA WHATELY:
Tornou-se séria a perspectiva de o Sistema Alto Tietê, que abastece a zona
leste de São Paulo, entrar em colapso. Isso quer dizer que quatro milhões de
pessoas deixarão de ter água pra beber. Hoje, o nível do reservatório está em
10,4%, o que é extremamente crítico porque se trata de um reservatório com
apenas metade da capacidade do sistema Cantareira. E está baixando.
Como você vai fazer pra manejar essa região? Onde as pessoas
vão pegar água? Uma das possibilidades é levar água potável com caminhões-pipa
provenientes de Ubatuba, São José. Quantos litros serão necessários para
abastecer a zona leste todos os dias? Qual a qualidade da água que chegará aos
consumidores?
Nessa região, você tem reservatórios de distribuição, as
caixas d’água da Sabesp, como a que existe na avenida Consolação, ou no
Paraíso. Esses reservatórios, logicamente, estarão vazios. Mas eles têm de ser
o lugar para onde os caminhões-pipas serão levados.
Não se pode deixar caminhão-pipa no mercado. A partir de
agora, será preciso que se mapeiem todos
os poços que estão autorizados a captar água mineral. Num Plano de
Contingência, todos esses 50 mil poços
têm de ter sua outorga suspensa e a exploração será de uso exclusivo do Estado.
Agora, a Sabesp vai fazer isso? Não. Esta é uma
responsabilidade do governo do Estado, com as prefeituras. É uma agenda que
temos que trabalhar para que se torne realidade.
Sistema Cantareira já está quase esgotando o volume morto
Vamos um pouco mais em frente com esse cenário.
Os caminhões-pipas foram captar a água. E como essa frota
chegará à zona leste? Será necessário organizar uma grande operação de
logística durante as madrugadas, com menos trânsito, para transportar toda essa
água. Porque serão centenas de caminhões-pipas.
Os caminhões encherão o reservatório e amanhã, das 10h às
12h, a população de Ferraz de Vasconcelos, com seu comprovante de residência em
mãos, vai poder retirar uma quantidade de água por pessoa. Das 12h a tal hora,
vai ser a população da zona leste…
Isso é um Plano de Contingência numa situação de estresse
grave. Água pra escovar os dentes, tomar banho e cozinhar. Para outros fins — como
dar descarga, lavar roupa, limpar a casa —, a saída será a água da chuva. Para
isso, postos de saúde, escolas, creches,
unidades de serviço público, precisarão se equipar com caixas para captar água
da chuva, com filtro, tudo direitinho.
É preciso que a cidade se prepare. É preciso que o poder
público se organize. A possibilidade de
implantação de um racionamento de cinco dias sem água [por semana] é bem
concreta. Mas uma coisa é viver cinco dias sem água em uma situação
organizada. Outra coisa, bem diferente, é ter o racionamento em uma área como a
zona leste da Capital, com uma rede toda remendada, com áreas inteiras de
ocupação irregular. O resultado torna-se muito mais imprevisível.
Para dar um exemplo. Ontem, a partir das 16h30, não tinha
mais água da rua em minha casa. Mas se trata de uma casa com apenas dois
moradores. Manejando o consumo, conseguimos ficar até cinco dias sem água da
rua. Vamos ter restrição? Claro, mas dá para garantir as necessidades básicas.
Essa situação é totalmente diferente da que é vivida em uma comunidade com
poucas caixas d’água, com casas habitadas por um número muito maior de
moradores.
Mas fica pior quando se considera que essas pessoas funcionam
em horários difíceis – gente chegando muito tarde em casa, por causa do
transporte deficiente (quando a água já foi fechada), e que sai muito cedo de
casa, também por causa do transporte deficiente (e a água ainda não voltou).
Uma creche que não
abre porque não tem água gera um efeito cascata. Se as crianças não podem ir
para a creche, a mãe tem de faltar no emprego. Tomemos o caso de uma
diarista. Quantos dias ela poderá faltar no emprego? Será que ela vai poder
levar os filhos ao emprego? E isso impacta a vida da patroa dela também. Assim,
começa um efeito de instabilidade grande
na sociedade. Esse é um dos efeitos que ainda não estão devidamente
dimensionados. Os governantes estão desatentos a essa questão.
E há a situação crítica das populações mais sensíveis, que
precisam ser levadas em consideração. Sabe-se que a população da terceira idade, mais de 60 anos, e as crianças até 7 anos têm uma
vulnerabilidade maior à desidratação. E há ainda os acamados, com deficiência de
mobilidade e idosos, aos quais é preciso garantir o suprimento básico de
água no próprio domicílio. Em suma, há uma série de desdobramentos éticos
envolvida na gestão da crise.
Já se esperam protestos. Em Itu, vizinho de São Paulo, até
donas de casa colocaram fogo nas ruas. Aqui em São Paulo, vai haver um
escalonamento de manifestações e de violência porque a água mexe com a questão da dignidade. Quantos dias nós aguentamos sem
poder dar descarga?
É preciso instalar um
Comitê de Crise. Temos de falar e
explicar que se trata de uma crise sem precedentes. O mais natural seria o
governador do Estado de São Paulo [Geraldo Alckmin] puxar isso, mas se ele não
puxar, a sociedade civil tem de fazê-lo.
O Comitê é fundamental no sentido de começar a desenhar as
linhas de ação de um Plano de
Contingência. A população precisará de referências públicas em relação à
água. Também é importante o acesso à
informação.
Vários bairros da capital já não têm água todos os dias!
Nós lançaremos em fevereiro um copilado de propostas de
especialistas para a gestão dessa crise. Um dos itens importantes, por exemplo,
é a questão da qualidade da água
oferecida pelos caminhões-pipa. Teria de haver em cada subprefeitura uma
lista de caminhões-pipas autorizados a operar. E informações claras do tipo: “Aqui, na área desta Subprefeitura, faltará
água nos próximos cinco dias; água potável poderá ser encontrada nesses endereços,
de tal hora a tal hora”. Isso tem que ser feito e não é responsabilidade da
Sabesp.
Em última instância, quem
vai ter de decretar os estados de emergência são as prefeituras, mas elas estão
receosas de assumir o protagonismo da crise. Pela lei de saneamento, as
prefeituras são os titulares do saneamento. Teoricamente, seriam as prefeituras que deveriam mandar nessa confusão.
O contrato de prestação de serviços da Sabesp é assinado com a prefeitura, que
delega a regulação para a Arsesp, Agência Reguladora de Saneamento e Energia do
Estado de São Paulo.
Eu acredito que tem um canal, que vai ser começado pelo
município de São Paulo, que está revendo
o contrato com a Sabesp, e está percebendo que os moradores do município
vão ficar sem água, enquanto a empresa recebe uma grana incrível em cima e não
reinveste.
Um acionista da Sabesp que eu acho que está sendo pouco
questionado é o próprio governo do Estado, que detém 51% da empresa. Quando são
pagos os dividendos, 51% voltam para o
governo do Estado, e não necessariamente o governo tem reinvestido na Sabesp.
(Grande parte do investimento em infraestrutura que a Sabesp fez nos últimos
anos foi com financiamento da Caixa, financiamento do Banco Mundial, várias
fontes).
Plano de Contingência
MARUSSIA WHATELY:
O Plano de Contingência é a principal reivindicação da Aliança pela Água. Em final de outubro do ano passado, fizemos um
processo rápido de escuta de mais ou menos 280 especialistas de diferentes
áreas. E o Plano de Contingência apareceu como uma das principais
reivindicações desses especialistas.
Naquela ocasião, a ideia predominante era que se adotasse um
Plano de Contingência que permitisse que chegássemos a abril deste ano com um
nível de reservação de água nas represas, que desse para aguentar o período da
estiagem. Infelizmente, esse plano não
foi elaborado e muito menos realizado.
O que aconteceu na
prática foi uma negação da crise hídrica por parte do governo do Estado até
dezembro de 2014 —uma negação que vai levar para outras instâncias de
responsabilização.
O governador terminou o ano dizendo que não teríamos
racionamento e que não haveria falta d’água. E começou 2015 dizendo que existe
o racionamento e que pode ser que falte água.
No vídeo abaixo, o governador Geraldo Alkmin,
durante um debate político realizado pela Rede Globo/SP
nega que estivesse faltando água em São Paulo ou
que, um dia, fosse faltar!
(30/setembro/2014)
Se fosse um novo governador, a gente até poderia aceitar,
mas se trata do mesmo cara. Então tem uma questão aí: a forma como a crise foi conduzida nos fez perder muito tempo em termos
de ações para chegar a um nível seguro em abril.
Realmente, existe um componente de clima na crise que não dá
para negar. Já está confirmado que 2014 foi o ano mais quente da história. O
que já seria um quadro de extrema gravidade, entretanto, tem sido agravado
porque desde 2011 a Sabesp está
superexplorando as represas. Ou seja, tirando delas mais água do que entra.
O governo do Estado deveria ter assumido a liderança em
relação à crise da água em São Paulo. No caso do sistema Cantareira, essa
liderança deveria ser dividida com o governo federal, por intermédio da Agência
Nacional de Águas e do Ministério do Meio Ambiente, a quem compete organizar a
Política Nacional de Recursos Hídricos. O
problema é que muitos dos nossos instrumentos de gestão vêm sendo desmantelados
em escala federal, estadual e municipal.
“O Ministério do Meio Ambiente está omisso em relação aos
recursos hídricos. A Agência Nacional de Águas transformou-se num mero órgão
que faz a outorga, já que ficou enfraquecido nesse processo de construção de
Belo Monte.” A síntese é a seguinte: “Já basta a licença ambiental, não me
venham inventar mais uma licença de recursos hídricos, pra empacar a
hidrelétrica”.
É preciso recuperar
as represas. O Sistema Cantareira está com o nível em torno dos 5%. Não dá
mais! Não vai encher. Vai ter que ter racionamento.
A perspectiva com a qual a Aliança da Água trabalha é a de
união entre diferentes setores (especialistas na pauta do meio ambiente e
sociedade) para a elaboração de um Plano
de Contingência mais sólido. Ficar refém, à espera de um plano elaborado
pela Sabesp, além de não ser propositivo também não é eficaz. É fundamental que
os movimentos sociais e as universidades debatam esse tema com profundidade e
urgência.
Quem é o responsável?
MARUSSIA WHATELY:
O padrão de chuvas, repito, foi aquém da média histórica, mas houve o acúmulo
de infelicidades. Uma que é certamente muito grave foi a ausência de visão estratégica mínima do responsável, que é o governo
estadual paulista. Ele deveria ter liderado a gestão da água, mas perdeu um
ano negando a existência da crise, afirmando para a população que não faltaria
água, criando uma medida que foi o bônus, apresentado como uma alternativa ao
racionamento. Só que o bônus é muito questionável porque descapitaliza a
empresa. Diminui a capacidade de investimento da Sabesp. Do ponto de vista econômico, no momento de escassez de um produto, você
baixar o preço dele, é um contrassenso.
Durante os nove meses de campanha, não se conseguiu mudar o
padrão de consumo. Metade dos
consumidores aderiu e reduziu 20% o gasto de água. Um em cada quatro reduziu,
mas não atingiu a meta. E um em quatro aumentou o consumo. A verdade é que
junto com o bônus teria de ter a sobretaxa para o excesso de consumo e uma
série de ações. O bônus foi apenas uma
ação paliativa, tentando substituir uma ação mais radical que seria o
racionamento. Ao mesmo tempo, de um ponto de vista mais técnico e
operacional, só isso não gerou a redução do consumo de água que seria
necessário.
Desde o início do ano passado, falava-se em reduzir pela
metade a retirada de água do sistema Cantareira. Ou seja, sair de 31 metros
cúbicos por segundo para 16. Mas isso só está sendo atingido agora. Eles foram
baixando de 31 para 27, para 24…
No total do abastecimento de água de São Paulo, conseguiu-se
reduzir o consumo de 69 metros cúbicos por segundo para 55. Ou seja, todas as medidas adotadas – bônus, redução
da pressão, ampliação de captação, melhoria no índice de vazamentos—
lograram uma economia de 20%. É pouco em termos de redução
da retirada de água dos mananciais. Precisaria ser no mínimo 50%.
Em janeiro de 2014 houve um primeiro Plano de Contingência,
que previa um plano de racionamento no sistema Cantareira. Esse primeiro plano
simplesmente sumiu. Ele não está mais disponível. A proposta era que o
Cantareira, que em janeiro de 2014 estava com 24% de reservação, sem contar o
volume morto, já começasse a fazer um racionamento brando. Veja que esses 24%
de reservação (sem contar o volume morto) equivaliam a 46% da capacidade total
do sistema – e mesmo assim, já soou o alarme e se propôs o racionamento.
Hoje, o Cantareira
está com um nível de reservação em 5,6%, já considerando o uso do segundo
volume morto. Corremos o risco de ter de decretar agora um racionamento de
cinco dias sem água.
Quem deve ser o responsável pela gestão da crise?
MARUSSIA WHATELY:
A questão das responsabilidades é essencial para estabelecer um Plano de
Contingência. Qual é a grade de responsabilidades e atribuições? Quem tem de
fazer o quê?
A Sabesp é uma
companhia prestadora de serviço. E, como prestadora de serviço tem de ter constância,
indicador, desempenho, eficiência, meta… A
Sabesp não é a gestora da política. Não é ela quem deve decidir onde é melhor
investir, quem vai ficar sem água. Quem tem que decidir isso é a Arsesp [Agência Reguladora de
Saneamento e Energia do Estado de São Paulo], a agência reguladora. A gente tem
feito cobranças equivocadas em cima da Sabesp, quando a cobrança tem de ser em
cima da regulação.
É muito fácil colocar a Sabesp na linha de tiro. E ninguém
fala nada sobre as responsabilidades da Secretaria
de Recursos Hídricos, da Arsesp,
da Secretaria de Meio Ambiente, que
dá licenças, como a de uso do volume morto. Alguém viu o licenciamento
ambiental desse uso extremo do Cantareira? Quais foram as condicionantes, os
compromissos de mitigação? Foi uma licença emergencial?
Não é só que a água não está mais atingindo suas margens
normais. É que, por centenas de quilômetros, o solo ficará ressecado, com
impactos substanciais sobre todo o meio ambiente em torno.
Construir soluções para a crise vai depender de um Plano de Contingência que não é um
plano da Sabesp, é um plano do governo
federal, estadual, prefeituras e com a sociedade. Vai ter que entrar defesa
civil, vigilância sanitária, secretaria de segurança…
Como resolver a crise
MARUSSIA WHATELY:
O governo do Estado apostou alto que ia chover. E, na outra mão, ele veio com
um conjunto de obras que conseguirão criar — daqui a cinco anos — mais 20 mil
litros. A gente não precisa de mais 20 mil litros. A gente precisa consumir melhor a água que tem.
Daqui a cinco anos, eu terei feito a transposição de águas
do rio Paraíba do Sul para cá, o Paraíba do Sul, aliás, que agora está com
apenas 5% de água. Então, veja, eu faço
uma megaobra para trazer água e, de repente, pode não haver água pra ser
trazida para cá.
E se, em vez disso, houvesse a recuperação da represa
Billings, que está aqui ao lado? Nela, cabe a mesma quantidade de água do que a
Cantareira é capaz de produzir. Ela não produz a mesma quantidade, mas ela pode
guardar. Ou seja, eu posso trazer de outros lugares a água para a Billings em
quantidades menores; posso interligar algumas represas do Alto Tietê; ou mesmo
pensar em pequenos reservatórios no topo da serra do Mar, que seria uma água de
altíssima qualidade, e trazer para a Billings…
São várias ideias que
nem chegaram a serem discutidas, a respeito de uma represa que está aqui, mais
perto do que as alternativas de abastecimento colocadas na mesa. A
Billings, como se sabe, é o destino do esgoto que a Sabesp não consegue tratar,
que é jogado no Tamanduateí, no Anhangabaú, no Pinheiros, no Tietê, em todos os
rios que a gente colocou avenidas em cima.
Depois, tem a drenagem urbana que é esquizofrênica porque
uma parte quem cuida é o Estado, outra são as prefeituras. Só aí haveria uma
capacidade de geração de água de chuva que seria mais ou menos o equivalente à
vazão do rio São Lourenço, 4 metros cúbicos por segundo. O novo sistema São Lourenço, que deve ficar pronto em 2017, custará R$ 2 bi só em obras, terá custo
operacional de mais R$ 6 bi em cima. Trata-se de uma megaobra para trazer água lá de longe do rio Ribeira, sem pagar
devidamente os encargos ambientais que serão gerados naquela região, sem
que aquilo gere prosperidade naquela região.
Os ensinamentos da crise
MARUSSIA WHATELY:
Com a água acontece uma coisa curiosa: como cai do céu, é difícil acreditar que
vá faltar. Acaba a água da torneira, mas está tudo alagado lá fora. Isso,
imagino, gera uma confusão pra muita gente… Mas ao mesmo tempo gera um aumento
de consciência. Essa água que está
alagando as ruas, será que ela não poderia ser usada?
Essa água é própria para o consumo?, alguém poderia
perguntar. Há controvérsias. Há pessoas filtrando e fazendo testes, dizendo que
é melhor do que a água da Sabesp. Cada vez mais, eu acredito que, quanto mais a
gente tornar as pessoas autônomas em relação a garantir o seu básico, mais a
gente estará caminhando para um mundo sustentável. Ensinar a garantir o mínimo
da sua água, o mínimo da sua comida, pode ser um caminho.
A gente está tendo
falta de água, apagão de energia, enchentes. Todos esses problemas estão
ligados à gestão da água. Todo esse processo é muito didático e deve
induzir mudanças de atitude. Como
continuar aceitando como normal descarregar a privada com água potável? O baixo
nível dos reservatórios está mostrando o baixo nível das nossas políticas em
relação a isso. Se não for didático, então a única saída é o êxodo.
*Marussia Whately é formada em Arquitetura e Urbanismo com especialização
em gestão de recursos hídricos , sustentabilidade e meio ambiente urbano. Atua
há mais de 15 anos na área de coordenação de projetos, produção de conteúdos e
campanhas socioambientais. Trabalhou no Instituto Socioambiental, onde foi
coordenadora do programa Mananciais de São Paulo e Campanha De Olho nos
Mananciais. Foi uma das responsáveis pela coordenação da equipe de produção de
conteúdo da Campanha Presidencial Marina Silva/Guilherme Leal. Foi coordenadora
executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade e da liderou a Campanha
Floresta Faz a Diferença. Atualmente é colaboradora do IMAZON para apoiar o
Programa Municípios Verdes do Governo do Pará.
** Participaram membros das Redações do Barão de Itararé, Brasil de Fato, Fórum, Mídia Ninja, Outras Palavras, Ponte e
SpressoSP.
Fonte: Outras
Palavras – 27/01/2015 – Internet: clique aqui.
Papa Francisco discursa na Sala Paulo VI - Vaticano Audiência da Quarta-feira
Como acontece toda semana, fiéis e peregrinos vindos a Roma
de todas as partes do mundo receberam com entusiasmo o papa Francisco para a
audiência geral das quartas-feiras. Hoje, na Sala Paulo VI, um grupo de
artistas do Circo Medrano apresentou um espetáculo no final da audiência, que
divertiu o papa e todos os participantes.
Francisco deu
continuidade às catequeses sobre a família e, desta vez, falou sobre a figura do pai. No resumo
final, ele disse:
«Queridos irmãos e irmãs! Em nossa reflexão sobre a família,
hoje nos concentramos na palavra pai. Pai é uma palavra universal, conhecida
por todos, que indica uma relação fundamental cuja realidade é tão antiga
quanto a história do homem. É a palavra com que Jesus nos ensinou a chamar a
Deus, dando-lhe um novo e profundo sentido e revelando-nos, assim, o mistério
da intimidade de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, que é o centro da nossa fé
cristã.
Em nossos dias, chegou-se a falar de uma sociedade sem pais.
A ausência desta figura foi interpretada como uma “libertação”, especialmente
quando o pai é percebido como a autoridade cruel que limita a liberdade dos
filhos, ou quando os filhos se sentem desatendidos por pais focados unicamente
em seus problemas, em seu trabalho ou na própria realização pessoal, ou caracterizados
pela notável ausência do lar. Tudo isto cria uma situação de orfandade nas
crianças e nos jovens de hoje, que vivem desorientados sem o bom exemplo e a
orientação prudente de um pai. Deste modo, todas as comunidades cristãs e a
comunidade civil devem ficar atentas à ausência da figura paterna, pois ela
deixa lacunas e feridas na educação dos jovens. Sem guias nos quais confiar, os
jovens podem se encher de ídolos que acabam lhes roubando o coração, os sonhos,
as autênticas riquezas; roubando a sua esperança.»
O papa saudou em seguida os peregrinos latino-americanos e
recordou que Jesus prometeu que não nos deixaria órfãos. “Vivamos com a esperança firme nele, sabendo que o amor pode vencer o
ódio e que é possível um futuro de fraternidade e de paz para todos. Que Deus
os abençoe. Muito obrigado”.
Após as saudações em diversas línguas, o pontífice dedicou
um pensamento especial aos jovens,
aos enfermos e aos recém-casados, lembrando a todos que
hoje celebramos a memória de Santo Tomás de Aquino, doutor da Igreja. Por isso,
ele desejou aos jovens que a sua dedicação ao estudo favoreça neles o
compromisso da inteligência e da vontade a serviço do Evangelho. Aos enfermos,
desejou que a fé os ajude a se voltar ao Senhor também nas provações. E aos
esposos recém-casados, que a mansidão de Jesus lhes indique o estilo das
relações entre os cônjuges dentro da família.
Íntegra da catequese do
Papa sobre a figura paterna:
Queridos
irmãos e irmãs, bom dia!
Retomamos o
caminho das catequeses sobre família. Hoje nos deixamos guiar pela palavra
“pai”. Uma palavra mais que qualquer outra querida a nós cristãos, porque é o
nome com o qual Jesus nos ensinou a chamar Deus: pai. Hoje o sentido deste nome
recebeu uma nova profundidade justamente a partir do modo em que Jesus o usava
para se dirigir a Deus e manifestar a sua especial relação com Ele. O mistério
abençoado da intimidade de Deus, Pai, Filho e Espírito, revelado por Jesus, é o
coração da nossa fé cristã.
“Pai” é uma
palavra conhecida por todos, uma palavra universal. Essa indica uma relação
fundamental cuja realidade é tão antiga quanto a história do homem. Hoje,
todavia, chegou-se a afirmar que a nossa seria uma “sociedade sem pais”. Em
outros termos, em particular na cultura ocidental, a figura do pai seria
simbolicamente ausente, dissipada, removida. Em um primeiro momento, a coisa
foi percebida como uma libertação: libertação do pai-patrão, do pai como
representante da lei que se impõe de fora, do pai como censor da felicidade dos
filhos e obstáculo da emancipação e da autonomia dos jovens. Às vezes, em algumas
casas, reinava no passado o autoritarismo, em certos casos até mesmo a
opressão: pais que tratavam os filhos como servos, não respeitando as
exigências pessoais do crescimento deles; pais que não os ajudavam a empreender
o seu caminho com liberdade – mas não é fácil educar um filho em liberdade – ;
pais que não os ajudavam a assumir as próprias responsabilidades para construir
o seu futuro e o da sociedade.
Isto,
certamente, é uma atitude não boa; porém, como acontece muitas vezes, se passa
de um extremo a outro. O problema dos nossos dias não parece mais ser tanto a
presença invasiva dos pais quanto a sua ausência, a sua falta de ação. Os pais
estão, por vezes, tão concentrados em si mesmos e no próprio trabalho e às
vezes nas próprias realizações individuais a ponto de esquecer a família. E
deixam sozinhos os pequenos e os jovens. Já como bispo de Buenos Aires percebi
o sentido de orfandade que vivem os jovens; muitas vezes eu perguntava aos pais
se brincavam com os seus filhos, se tinham a coragem e o amor de perder tempo
com os filhos. E a resposta era ruim, na maioria dos casos: “Mas, não posso,
porque tenho tanto trabalho…” E o pai era ausente daquele filho que crescia,
não brincava com ele, não, não perdia tempo com ele.
Ora, neste
caminho comum de reflexão sobre família, gostaria de dizer a todas as
comunidades cristãs que devemos ser mais atentos: a ausência da figura paterna
na vida dos pequenos e dos jovens produz lacunas e feridas que podem ser também
muito graves. E, de fato, os desvios de crianças e de adolescentes podem, em
boa parte, ser atribuídos a esta falta, à carência de exemplos e de guias
autoritárias em suas vidas de cada dia, à carência de proximidade, à carência
de amor por parte dos pais. O sentido de orfandade que tantos jovens vivem é
mais profundo que aquilo que pensamos.
São órfãos
na família, porque os pais muitas vezes são ausentes, mesmo fisicamente, da
casa, mas sobretudo porque, quando estão ali, não se comportam como pais, não
dialogam com os seus filhos, não cumprem o seu papel educativo, não dão aos
filhos, com o seu exemplo acompanhado de palavras, aqueles princípios, aqueles
valores, aquelas regras de vida de que precisam como precisam do pão. A
qualidade educativa da presença paterna é tanto mais necessária quanto mais o
pai é obrigado pelo trabalho a estar distante de casa. Às vezes parece que os
pais não sabem bem qual posto ocupar na família e como educar os filhos. E,
então, na dúvida, se abstém, se retiram e negligenciam suas responsabilidades,
talvez refugiando-se em uma improvável relação “em pé de igualdade” com os
filhos. É verdade que você deve ser “companheiro” do teu filho, mas sem
esquecer que você é o pai! Se você se comporta somente como um companheiro em
pé de igualdade com o filho, isto não fará bem ao menino.
E vemos
este problema também na comunidade civil. A comunidade civil, com as suas
instituições, tem uma certa responsabilidade – podemos dizer paterna – com os
jovens, uma responsabilidade que às vezes negligencia ou exerce mal. Também
essa muitas vezes os deixa órfãos e não propõe a eles uma verdade de
perspectiva. Os jovens permanecem, assim, órfãos de caminho seguros a
percorrer, órfãos de mestres em quem confiar, órfãos de ideais que aquecem o
coração, órfãos de valores e de esperanças que os apoiam cotidianamente. São
preenchidos, talvez, por ídolos, mas se rouba o coração deles; são impelidos a
sonhar com diversão e prazer, mas não se dá a eles o trabalho; são iludidos com
o deus dinheiro, e se nega a eles as verdadeiras riquezas.
E então
fará bem a todos, aos pais e aos filhos, escutar novamente a promessa que Jesus
fez aos seus discípulos: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18). É Ele, de fato,
o Caminho a percorrer, o Mestre a escutar, a Esperança de que o mundo pode
mudar, que o amor vence o ódio, que pode haver um futuro de fraternidade e de
paz para todos. Alguém de vocês poderá me dizer: “Mas, padre, hoje o senhor foi
muito negativo. Falou somente da ausência dos pais, o que acontece quando os
pais não são próximos aos filhos…” É verdade, quis destacar isso, porque na
quarta-feira que vem prosseguirei esta catequese colocando o foco na beleza da
paternidade. Por isso escolhi começar pelo escuro para chegar à luz. Que o
Senhor nos ajude a entender bem estas coisas. Obrigado.
Tradução: Canção Nova.
Fonte: ZENIT.ORG –
Cidade do Vaticano/Roma, 28 de janeiro de 2015 – Internet: clique aqui e aqui.
Apresentação da Mensagem Anual da Quaresma de Papa Francisco (da esquerda para a direita, temos): Mons. Segundo Tejado Muñoz - subsecretário do Pontifício Conselho Cor Unum; Mons. Gianpietro Dal Toso - Secretário do Pontifício Conselho Cor Unum Padre Federico Lombardi - diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé e Michel Roy - secretário-geral da Cáritas Internacional.
“Como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta,
particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de
misericórdia no meio do mar da indiferença!” Foi o que indicou o Papa Francisco
na mensagem anual da Quaresma (que
este ano vai de 22 de fevereiro a 5 de abril, dia da Páscoa). O texto
concentra-se na ideia, importante para o Papa, da superação da “globalização da indiferença”.
Deus “não é
indiferente a nós”, explicou Jorge Bergoglio na mensagem assinada em 04 de
outubro, festa de São Francisco de Assis, e que foi apresentada nesta
terça-feira no Vaticano. “Interessa-Se por cada um de nós; o seu amor impede-O
de ficar indiferente perante aquilo que acontece conosco. Coisa diversa se passa conosco! Quando estamos bem e comodamente
instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca
faz!), não nos interessam os seus
problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso
coração cai na indiferença”. O mundo “tende a fechar-se em si mesmo e a fechar
a referida porta pela qual Deus entra no mundo e o mundo n’Ele. Sendo assim, a
mão, que é a Igreja – explicou o Papa –, não deve jamais surpreender-se, se se
vir rejeitada, esmagada e ferida”. A
indiferença é uma “tentação real inclusive para nós cristãos”, e, como
consequência, temos necessidade de ouvir “cada Quaresma o grito dos profetas
que levantam sua voz e nos despertam”.
O Pontífice argentino destacou que “o Povo de Deus” necessita renovar-se “para não ser indiferente e para
não se fechar em si mesmo”, motivo pelo qual propôs três passos que devem ser meditados “para esta renovação”.
[1º]Em primeiro
lugar, a partir da Carta de São Paulo
aos Coríntios (“Se um membro sofre,
com ele sofrem todos os membros” – 1Cor 12,26), o Papa Francisco indicou
que “só se pode testemunhar algo que
antes experimentamos”, razão pela qual a Quaresma “é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e,
deste modo, tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto quando ouvimos a
Palavra de Deus e recebemos os sacramentos, especialmente a Eucaristia. Nesta,
tornamo-nos naquilo que recebemos: o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra
lugar a tal indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos
nossos corações; porque, quem é de
Cristo, pertence a um único corpo e, n’Ele, um não olha o outro com indiferença”.
[2º]Em segundo
lugar, explicou Francisco, a partir da pergunta do Gênesis “Onde está o teu irmão?” [Gn 4,9], “tudo
o que se disse a propósito da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo na
vida das paróquias e comunidades. Nestas
realidades eclesiais, consegue-se, porventura, experimentar que fazemos parte
de um único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo
que Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais
frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto a
comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta
fechada?” Por isso, a esperança de que
“cada comunidade cristã” possa “cruzar o umbral que a põe em relação com a
sociedade que a cerca, com os pobres e os incrédulos”, já que “a Igreja é,
por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os
homens”. “Amados irmãos e irmãs – escreveu o Papa Francisco –, como desejo que
os lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as
nossas comunidades, se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da
indiferença!”
[3º]Para
concluir, retomando o versículo da Carta
de Tiago que este ano inspira o título da mensagem papal (“Fortalecei os vossos corações” – Tg 5,8),
o Papa insiste em que “também como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens
impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo
toda a nossa incapacidade de intervir. O que fazer para não nos deixarmos
absorver por esta espiral de terror e impotência?” A resposta do Pontífice é, em primeiro lugar, rezar (“A iniciativa
24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível
diocesano – nos dias 13 e 14 de março, pretende dar expressão a esta
necessidade da oração”), e depois vem a
caridade (“A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo
outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa
participação na humanidade”), para concluir
com a conversão, “porque a
necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha
dependência de Deus e dos irmãos” e permite encontrar “um coração forte e
misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai
na vertigem da globalização da indiferença”.
Participaram da apresentação da mensagem do Papa na Sala de
Imprensa vaticana, mons. Giampietro Dal
Toso, secretário do Pontifício
Conselho Cor Unum, mons. Segundo
Tejado Muñoz, subsecretário do mesmo dicastério, e Michel Roy, secretário-geral da Cáritas
Internacional. Mons. Dal Toso, em particular, indicou três âmbitos da
intervenção caritativa: a reconstrução
do Haiti após o terremoto (para o que a Igreja católica já contribuiu com
cerca de 21,5 milhões de dólares), o Oriente
Médio, particularmente a Síria e o Iraque, e as Filipinas, para onde acaba de viajar o Papa Francisco.
Ao responder aos jornalistas sobre a fusão do Pontifício
Conselho Cor Unum com outros dicastérios vaticanos, no contexto da reforma do
Papa Francisco, Dal Toso afirmou que “a caridade abre muitas portas, e é cartão
de apresentação para a Igreja; isso será seguramente levado em consideração na
revisão das estruturas da cúria, e posso imaginar que a eventual reestruturação
dê um impulso maior ao grande mundo da caridade e da presença da Igreja no
mundo para a promoção da humanidade”.
Para ter acesso à íntegra dessa mensagem do papa, clique aqui.
Traduzido do italiano por André Langer. Para ter acesso ao artigo
na versão original italiana, clique aqui.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 28 de janeiro de 2015 –
Internet: clique aqui.
Repetida à exaustão durante a campanha para a reeleição da
presidente Dilma Rousseff, a propalada
redução da pobreza nos governos do PT [Partido dos Trabalhadores],
especialmente nos últimos quatro anos, teve papel central na conquista de votos
que asseguraram a vitória da candidata petista por estreita margem. Se os
dados mais recentes sobre a pobreza no Brasil fossem conhecidos durante a
campanha eleitoral, porém, talvez a candidata da situação não tivesse
conquistado todos os votos que obteve - e o resultado da eleição poderia ter
sido diferente.
O que se constata agora - e já se podia perceber por dados
compilados por instituições oficiais antes das eleições, mas espertamente
retidos pelo governo, que só autorizou sua publicação depois de conhecido o
resultado das urnas - é que, no governo
Dilma, o processo de redução da pobreza começou a dar sinais claros de
esgotamento. Na parte mais baixa da escala econômico-social, o quadro está
piorando, como mostrou o Panorama Social da América Latina 2014* que a Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou há dias. Segundo o estudo, a pobreza extrema voltou
a crescer no Brasil.
Em trabalho divulgado no fim de 2014, no qual procurou
demonstrar a continuidade da melhora da renda dos mais pobres, o Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) alegou que, "entre 2001 e 2013, a extrema
pobreza teria caído mais da metade, saindo de 8,1% para 3,1% da
população".
Por se basear em metodologia diferente, o estudo da Cepal
chega a resultados maiores. Independentemente dos números, o que importa é
avaliar sua tendência. O que se constata é que, ainda que fosse bem melhor do
que a situação aferida em 2001, em 2013 o quadro social brasileiro foi pior do
que o de 2012. Os brasileiros que vivem
em extrema pobreza passaram de 5,4% para 5,9% da população total. Isso quer
dizer que as condições de vida pioraram
para cerca de 1 milhão de brasileiros. Foi o que mostrou também um estudo
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), segundo o qual, após uma
década de queda da miséria, o número de brasileiros em condições de extrema
pobreza aumentou entre 2012 e 2013.
Os petistas repetem que, combinados, o crescimento econômico
e as políticas de renda - como o Bolsa Família - incorporaram ao mercado
milhões de brasileiros. Apesar do exagerado tom eleitoral, tais declarações
tinham alguma sustentação nos dados sociais.
Os quatro anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff, porém,
produziram resultados que desmentem aquelas afirmações demagógicas. O crescimento [da economia] foi medíocre
- e particularmente ruim nos dois últimos anos do período, justamente aqueles
em que, como se começa a constatar, os indicadores sociais passaram a piorar.
Ainda que do ponto de vista numérico nem tudo é piora - a
economia ainda consegue criar postos de trabalho, a pobreza no conceito mais
amplo continua a diminuir proporcionalmente à população -, é inegável que, do ponto de vista qualitativo, a situação
se deteriora. A redução da pobreza se alcança graças, principalmente, a
políticas que se assemelham a ações de caridade, não a iniciativas públicas que
efetivamente incorporem a população carente à economia, proporcionando-lhe
oportunidades de obter renda regular graças a seu trabalho. Os empregos que
ainda se criam são em setores que exigem pouca qualificação e,
consequentemente, pagam salários mais baixos.
"A recuperação da crise financeira
internacional não parece ter sido aproveitada suficientemente para o
fortalecimento de políticas de proteção social que diminuam a vulnerabilidade
frente aos ciclos econômicos", observaram os autores do relatório
da Cepal. A observação se aplica a toda a região, mas tem particular
significado para o Brasil. O indispensável ajuste econômico, sobretudo das
finanças do governo federal, exigirá políticas públicas austeras. Combinadas
com a provável contenção do ritmo da economia, essas políticas podem ter efeito
sobre um mercado de trabalho já fragilizado, com impacto sobre os indicadores
sociais.
* Para ter
acesso a este relatório, seja em espanhol como em inglês, cliqueaqui(os links para baixar, gratuitamente, esse
documento encontram-se à direita da página).
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Notas e Informações – Quarta-feira, 28 de janeiro de 2015 – Pg. A3 –
Internet: clique aqui.
Juro alto não derruba inflação em 2015
Paulo Rabello
de Castro*
Paulo Rabello de Castro - economista
O governo Dilma Rousseff do segundo mandato perdeu a atitude
crítica que tinha diante dos efeitos deletérios do juro alto na economia
brasileira. Dilma parece resignada com o
fato de que o Banco Central (BC) vai continuar se reunindo no Comitê de Política Monetária para subir
a taxa de juros até que a curva inflacionária dê sinais efetivos de reversão.
A antiga disposição da presidente de debater as sequelas
deixadas por quase duas décadas de uma política de juros sem paralelo - afinal,
o Brasil é o maior campeão mundial de
juros altos de todos os tempos! - esvaneceu-se ante o ditame do mercado,
que aqui associa diretamente o movimento altista da Selic, comandada pelo BC, a
uma suposta recuperação do controle da inflação. Nada mais longe da verdade.
O ano de 2015 mostrará que, além de extremamente custosa
para o equilíbrio orçamentário, a recorrente elevação do juro básico só
consegue alcançar, na economia brasileira, um coeficiente muito pobre de
resposta como instrumento de combate à inflação. Em outras palavras, combater inflação como fazemos no Brasil
custa caríssimo para o bolso do contribuinte e obtém resultados pífios no
cotejo com os sacrifícios impostos ao setor produtivo nacional.
O ano de 2015 mostrará, mais uma vez, as consequências de
uma política econômica deletéria e desastrosa na qual, desgraçadamente,
governos sucessivos têm insistido: esperar que apenas o juro alto dê conta de
trazer a inflação oficial para o centro da meta projetada de 4,5% ao ano. O BC,
ao elevar ainda mais o juro real, já o mais alto do planeta, em completo
desalinho com as taxas médias reais próximas ou abaixo de zero praticadas lá
fora, cria sequelas terríveis que, na prática, anulam o esforço inicial de
contenção de demanda previsto pelos economistas oficiais. Não é por outro
motivo que aqui se costuma calcular o chamado "juro neutro" - aquele
que, em tese, equilibraria a demanda geral da economia com a oferta efetiva de
bens e serviços - num nível real de 4% a 5%. São cálculos etéreos, sem nenhum
fundamento científico, mas que dão uma ideia, isso sim, do grau de loucura a que chegaram os profissionais da economia no Brasil,
insensíveis às graves consequências de aplicarem nas condições locais o remédio
que aprendem nos livros escritos para descrever processos inflacionários
distintos em economias consideradas "normais".
A economia brasileira
não é "normal". Aqui mantemos um elevado grau de atrelamento
automático anual de preços, salários e contratos à inflação passada, que nem de
longe se enxerga no dia a dia de outros países avançados ou emergentes. A
indexação à inflação é uma praga violenta que o Brasil nunca extirpou por
completo. Convivemos com reajustes
anuais considerados "pétreos", dos quais ninguém abre mão. Só
isso já é suficiente para impor uma rigidez tremenda aos preços na economia,
sobretudo se o próprio governo é o primeiro
a praticar tais reajustes automáticos, inclusive sobre impostos (embora,
ladinamente, deixando de ajustar a tabela de Imposto de Renda). Portanto, esperar que juros altos derrubem
uma inflação rígida é esperar que fogo brando consiga amolecer uma barra de aço.
Não obstante a indexação resistente, o pior inimigo da política do juro alto no Brasil é ela mesma. Em
que sentido? Os juros altos têm sócios relevantes em terras de Cabral:
·Rentistas preferem juro alto.
·Bancos engordam lucros com juro alto.
·Carteiras de aplicação financeira obtêm ganhos
quando os juros sobem, por terem papéis (as LFTs) atrelados ao seu rendimento
diário, uma excrescência da dívida pública megainflacionária que sobrevive até
os dias de hoje.
Fazem bem os rentistas e bancos em buscar o maior juro e o
melhor spread**.
Errado é o governo, que, anos a fio, se conforma em aceitar juros de mau
pagador. Distintamente de países de vida financeira normal, aqui a elevação de juros é comemorada por
relevantes segmentos da economia, atrelados a vantagens na rolagem da enorme
dívida do governo, que consome a bagatela de R$ 260 bilhões ao ano em custo
de financiamento. Até o governo, pasmem, "lucra" com os encargos que
faz o contribuinte pagar, pois cobra Imposto de Renda aos rentistas!
Vivemos um festival
de distorções na política financeira tupiniquim que liquida as chances de um
movimento altista de juros vir a atuar de modo eficaz como freio efetivo à
demanda agregada. De fato, os rentistas, que comandam expressiva fatia da
renda nacional, gastarão mais, nunca menos. Assim como gastarão mais todos os
imensos segmentos de pessoas que recebem cheques do governo - são 60 milhões
(!) de contracheques emitidos pelo governo federal por mês -, que não ficarão
mais curtos só porque o juro subiu, afetando a economia produtiva privada. Esta, sim - a indústria, o comércio, o
agronegócio -, pagará caro pela alta dos juros, refletida no seu custo de
empréstimos. A oferta geral, isto é, a
produção da economia, será freada. Muito mais do que a demanda, pois parte
relevante desta, como sabemos, é insensível ao recado dos juros em alta.
Por fim, a elevação da Selic, ao agigantar os encargos
financeiros mais pesados do mundo (o Brasil também é campeão mundial em
encargos do governo, com seus 5,3% do PIB ao ano em custos de juros), torna
quase impossível a tarefa de produzir o "superávit fiscal primário"
que, justamente, é formado para cobrir tais encargos. Quem arcará com essa conta dantesca? O pagador de impostos, claro, ou
seja, você, cuja disponibilidade para produzir ou gastar será reduzida pelos
impostos extras criados para cobrir o buraco dos juros públicos de um governo
perdulário. Óbvio que a política econômica assim desenhada não tem a mínima
chance de funcionar bem, tanto menos de trazer a curva inflacionária para um
patamar decente, a um custo social e tributário razoável.
*
Paulo Rabello de Castro é coordenador do “Movimento Brasil
Eficiente”, lançou recentemente o livro O
Mito do Governo Grátis (Edições de Janeiro, 2014).
**Spread
bancário é a diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos
e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou
jurídica. No valor do spread bancário estão embutidos também impostos como o
IOF [Imposto sobre Operações Financeiras]. Nesse contexto, o termo inglês
"spread" significa
"margem". [...] Para os bancos, quanto maior o spread, maior é o lucro nas suas operações. O spread bancário brasileiro é um dos mais altos do mundo, o que gera
muitas críticas, uma vez que é um dinheiro que poderia estar fazendo girar a
economia e não ser totalmente utilizado pelos bancos (Fonte: clique aqui).
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 27 de janeiro de 2015 – Pg. A2 –
Internet: clique aqui.