«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

21º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 16,13-20

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)

Famosa gruta que dá acesso a um grande abismo - "portão do inferno" - em Cesareia de Filipe, atual BANIAS (Israel)
 

Somos pedra de construção ou de tropeço na edificação do Reino de Deus?

O Evangelho deste domingo é Mateus capítulo 16, versículos 13 a 20, também muito importante para a história da Igreja. Qual é o contexto? Jesus alertou seus discípulos sobre o “fermento dos fariseus” (cf. Mt 16,11-12), uma doutrina religiosa baseada no deus da lei, do sacrifício, do mérito, do puro e do impuro. Jesus quer que eles entendam que Deus é um pai que é só amor. Para isso, leva-os ao extremo norte do país -— além do mais, em terras pagãs — a Cesareia de Filipe, cidade em construção, onde existe uma das três nascentes do rio Jordão e sobretudo onde existia um grande abismo, uma caverna, que se acreditava ser a entrada para o reino dos mortos. 

Mateus 16,13-14: «Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e aí perguntou a seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.»

Aqui neste lugar – portanto longe da influência dos fariseus – Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” E o evangelista contrasta o filho do homem – o homem que tem a condição divina – e os homens que não a têm. A resposta é decepcionante e é consequência da confusão que os discípulos têm em suas cabeças e da pregação que fizeram. Na verdade, falam de todos os personagens do passado, dos grandes reformadores; alguns dizem João Batista porque se pensava que os mártires seriam ressuscitados; outros Elias, o famoso profeta que viria antes do messias; outros Jeremias ou alguns dos profetas. Todas respostas que dizem respeito ao passado, não compreenderam a novidade de Jesus: são todos personagens reformadores das instituições, mas Jesus não veio para reformar as instituições, mas para eliminá-las. O que se acreditava permitir a comunhão com Deus, para Jesus, é o que a impedia. 

Mateus 16,15-16: « Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.»

Então Jesus pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?Simão Pedro responde por todos afirmando que: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Finalmente um dos discípulos, Simão Pedro, compreende que Jesus não é o filho de Davi, mas o Filho de Deus. O filho de Davi é aquele que se assemelha ao famoso rei Davi, que impôs o reino tirando a vida de inimigos, o Filho de Deus é aquele que dará a vida até pelos seus inimigos. Então, finalmente, Simão Pedro entende, mas veremos que essa situação será por pouco tempo. 

Mateus 16,17: «Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu.»

E Jesus o elogia, o chama de bem-aventurado, é a bem-aventurança dos puros, dos que veem a Deus, e o chama: “Simão, filho de Jonas”. Por que filho de Jonas? Quem é Jonas? Porque Jonas é o único profeta que fez exatamente o oposto do que Deus lhe havia ordenado. Deus lhe ordenou que pregasse a conversão em Nínive e Jonas foi para outro lugar; então, eventualmente, ele se converte. Desse modo, chamando-o de filho de Jonas, Jesus fotografa Pedro para fazer entender qual será o seu itinerário, sempre em oposição a Jesus, mas depois ele finalmente se converterá. E Jesus afirma que foi o Pai quem lhe revelou isto. 

Mateus 16,18: «Por isso, eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la.»

E aqui está um versículo muito difícil, mas não tanto pelo conteúdo quanto pelas traduções. Vejamos: “eu te digo que tu és Pedro” — Pedro é a tradução do termo grego “petros” que indica uma pedra, um tijolo ou, em qualquer caso, algo adequado para uma construção — prossegue o evangelista “e sobre esta pedra” —, e o evangelista usa o termo “petra” que não é o feminino de “petros”, mas significa rocha. É um pouco como em português, se eu disser “o porto” e “a porta”, não é que um substantivo seja masculino e o outro seja feminino. Então Jesus diz: “Tu és um tijolo sobre esta rocha que eu sou”. Jesus já havia falado desta rocha, é aquela onde o homem constrói a sua casa e quando chegam as chuvas, as enchentes e os ventos, ela fica parada (cf. Mt 7,24-25). A rocha é a fé em Jesus ou Jesus mesmo, por isso esta distinção entre “petros” que significa tijolo e “petra”, a rocha sobre a qual construir, é importante.

Vendo que finalmente um dos discípulos compreendeu que ele é o Filho de Deus que comunica vida, Jesus diz: “Eis que tu és o primeiro tijolo com o qual construir”, edificarei a minha Igreja. O termo grego “ekklesia” significa assembleia dos convocados. E as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. O local onde Jesus e seus discípulos se encontram é importante: dissemos que existia esta famosa caverna que se acreditava ser a entrada para o reino dos mortos; pois bem Jesus está dizendo: “Eis que as forças da morte nunca terão poder sobre uma comunidade fundada no Deus vivo”, a vida será sempre mais forte que a morte! 

Mateus 16,19: «Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”.»

Prossegue Jesus, dizendo: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus”; é útil lembrar que “Reino dos Céus” em Mateus não significa a vida após a morte, mas a sociedade alternativa que Jesus veio inaugurar. Essas chaves não são como Pedro ficou na imaginação de muitos, como sendo as chaves que ele abre e fecha o Reino de Deus. Não são isso! Qual é, então, o significado dessas chaves? Aquele a quem eram entregues as chaves da cidade era o responsável pela saúde e bem-estar das pessoas que ali se encontravam; este é o significado de ter as chaves: cuidar, proteger.

Então Jesus usa uma expressão típica dos rabinos: “tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”. É a linguagem rabínica usada para indicar o ensino, interpretando a lei declarando a doutrina verdadeira ou não. Os escribas eram aqueles que tinham as chaves da ciência. Portanto, Jesus assegura que uma comunidade que se baseia na fé no Deus vivo e, portanto, coloca em primeiro lugar o objetivo da criação, o bem, o bem-estar do homem, o ensinamento desta comunidade é endossado pelo céu. 

Mateus 16,20: «Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.»

Mas há algo que não deu certo! Jesus ordenou aos seus discípulos que não contassem a ninguém que ele era o Cristo, por quê? Se Pedro respondeu certo, por que não divulgar? Porque Pedro não expressou a resposta totalmente correta! Ele afirmou que Jesus era “o Messias/o Cristo”. Empregando o artigo definido “o”, indica o messias da tradição, aquele que será o vencedor, aquele que conquistará o poder. Então Jesus ordena não esparramar essa falta notícia a ninguém, pois ele começará a explicar qual é a realidade do verdadeiro messias. E aqui haverá o confronto com Pedro, aquele que foi chamado de “pedra de construção”, depois de alguns minutos, se tornará pedra de tropeço (cf. Mt 16,23)! 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Que eu te conheça, ó conhecedor meu! Que eu também te conheça como sou conhecido!»

(Santo Agostinho: 354 a 430 — bispo, filósofo, teólogo e Doutor da Igreja)

Tinha razão, Jesus, em querer afastar seus discípulos do ensinamento e da mentalidade dos fariseus e saduceus, conforme relata Mateus antes da passagem do Evangelho deste domingo (cf. Mt 16,6-12). Jesus já havia alertado seus seguidores: “Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo repuxa o tecido e o rasgão fica maior ainda” (Mt 9,16). É melhor deixar totalmente de lado algumas mentalidades e costumes, do contrário eles não permitirão que o novo, a novidade aconteça! A proposta do Reino de Deus trazida por Jesus não frutificaria, caso as pessoas seguissem com a velha mentalidade. 

E uma das questões fundamentais desse Reino trazido pelo Cristo, refere-se ao exercício da autoridade. Na Igreja, isso é importante ter claro, não deve haver “poder”, mas “autoridade”, que é a função de quem cuida, administra, aconselha, protege e ajuda a preservar os verdadeiros objetivos. Ao invés do poder, Jesus propôs a diaconia, ou seja, o serviço: “Afinal, quem é o maior: o que está à mesa, ou o que está servindo? Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27). Por isso, na Igreja e no Reino de Deus o maior, quem pode mais, quem mais aparece é aquele que mais serve! Jesus inverte os valores da sociedade de seu tempo! Devido a isso, seus seguidores tiveram — e têm ainda hoje (!) — tanta dificuldade em compreender e aceitar o tipo de Messias, o tipo de Salvador que ele foi e é! 

Pedro, e por conseguinte os papas, não tem um poder absoluto nem concentra em si o poder de abrir ou fechar a porta do céu e do inferno para as pessoas! As famosas “chaves” que Jesus dá a Pedro têm a ver com o cuidado, a proteção e a promoção do bem-estar que compete ao líder da Igreja. Assim como Deus é um Pai, o Papa, cuja palavra significa, justamente “pai”, tem por função cuidar e pastorear a Igreja com amor paternal e, inclusive, maternal! Se isso vale para o Papa, tanto mais vale para os bispos, padres e religiosos de modo geral. 

Jesus quis um líder que não deixasse as “portas do inferno/Hades” (Mt 16,18) prevalecerem sobre o “Povo de Deus”, a sua Igreja, os seus seguidores verdadeiros. Não há perigo maior para a nossa Igreja e as demais que se autoproclamam de cristãs, do que fazer como Pedro: diante de Cristo (dentro de nossos templos) dar uma resposta formalmente exata (“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” – Mt 16,16), porém, nas ações, decisões e atitudes do dia a dia, viver em busca de poder, dinheiro, influência, glória, fama e prazeres (“Deus te livre, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” – Mt 16,22). Uma Igreja assim, cristãos e cristãs desse modo, jamais conseguirão ser pedras de construção do Reino de Deus! 

Cesareia de Filipe, atual BANIAS (norte de Israel)

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Eu te amo, meu Deus, em teus dons; amo-te no meu nada, porque até nisso compreendo a tua infinita sabedoria; amo-te nos muitos, variados ou extraordinários acontecimentos com que acompanhas a minha vida... Amo-te em tudo, seja na angústia ou na paz; porque não procuro, nem nunca procurei, as tuas consolações; mas tu, Deus das consolações. Portanto, nunca me glorifiquei ou me alegrei com o que tu me fizeste sentir em teu amor Divino somente pela graça gratuita, nem me angustiei e perturbei se lançada na aridez e na insignificância.»

(Fonte: Beata Teresa Scrilli, O.Carm., Autobiografia, 62 apud: Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 503.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 21ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 23 agosto 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 23/08/2023).

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

19º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 14,22-33 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Permitir que Jesus conduza a sua Igreja é deixar-se conduzir por um amor universal

O amor universal de Deus por toda a humanidade, que Jesus veio manifestar com a sua vida e a sua mensagem, encontra resistência precisamente no grupo dos discípulos que não aceita que o amor de Deus seja para toda a humanidade, inclusive os pagãos; eles acham que o privilégio pertença a Israel. 

Mateus 14,22-23a: «[Depois da multiplicação dos pães,] Jesus mandou que os discípulos entrassem na barca e seguissem, à sua frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões. Depois de despedi-las, Jesus subiu ao monte, para orar a sós.»

Assim nos escreve Mateus em seu Evangelho, no capítulo 14, do versículo 22 em diante: “Logo depois” (a expressão “Depois da multiplicação dos pães” é um acréscimo ao texto bíblico pelo lecionário da Igreja), o depois está relacionado com a partilha dos pães e peixes na terra de Israel, “Jesus mandou”, porque Jesus deve forçar os discípulos? Porque vai contra a resistência deles, eles não querem saber, tem que obrigar, fazer o quê? “Que os discípulos entrassem na barca” — a barca é a imagem da comunidade cristã e, portanto, da Igreja. “E seguissem, à sua frente” — agora entendemos o porquê da resistência — “para o outro lado do mar”. Quando no Evangelho encontramos esta expressão “a outra margem/outro lado do mar”, indica sempre a margem oriental do lago da Galileia, ou seja, a terra pagã. Os discípulos não têm intenção de ir para terras pagãs e, sempre que Jesus os convida ou os empurra para irem para terras pagãs, acontece um incidente. “Enquanto ele despediria as multidões. 

Depois de despedi-las, Jesus subiu ao monte”, a montanha tem o artigo definido e indica a montanha que apareceu anteriormente, ou seja, a montanha das bem-aventuranças onde Jesus, de fato, anunciou sua mensagem de amor universal; “a sós/à parte”, esta expressão é usada pelos evangelistas para indicar que há resistência, oposição ou incompreensão por parte dos discípulos.

“Para orar”, é a primeira vez que Jesus reza – neste Evangelho, Jesus ora duas vezes – e sempre em situações de dificuldade e perigo para os seus discípulos, isso se dá aqui e no Getsêmani. 

Mateus 14,23b: «A noite chegou, e Jesus continuava ali, sozinho.»

A noite chegou”, é estranho que o evangelista repita o que acabara de dizer alguns versículos antes, no versículo 15, por que o faz? “Ao entardecer/ao anoitecer” (grego: opsías) é o mesmo termo que indica a última ceia de Jesus (cf. Mt 26,20); portanto, este amor universal é o que Jesus manifestou com o dom de si mesmo por toda a humanidade. “E Jesus continuava ali, sozinho”, sabe-se que está sozinho: os discípulos não estão lá, a multidão foi dispensada, mas o evangelista sublinha a solidão não só física, mas espiritual de Jesus, os discípulos o acompanham, mas eles não o seguem! 

Mateus 14,24: «A barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário.»

Este vento é a resistência dos discípulos ao convite de Jesus para ir para a terra pagã; eles não querem saber disso, não querem saber de levar esse amor universal à terra pagã, onde Jesus então repartirá os pães novamente (cf. Mt 15,29-39), eles acham que isso deve ser e permanecer um privilégio de Israel. Por isso, o vento estava contra, são os mesmos discípulos. 

Mateus 14,25-27: «Pelas três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar. Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: “É um fantasma”. E gritaram de medo. Jesus, porém, logo lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”»

Pelas três horas da manhã”, o detalhe refere-se a um salmo, o Salmo 46[45],6, onde se indica que Deus ajuda ao amanhecer, “Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar”, porque o evangelista nos escreve que Jesus caminha sobre o mar? O mar era a imagem do caos e só Deus poderia domá-lo; no livro de Jó (cf. Jó 38,16), Deus é aquele que caminha sobre as ondas do mar. Assim, caminhar sobre o mar indica a manifestação da condição divina, da plenitude da condição divina por parte de Jesus. “Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar” — vendo, portanto, a condição divina — “ficaram apavorados”, por que eles reagem assim? Porque a religião havia cavado um abismo entre Deus, distante, inacessível, e o homem; era impensável, inimaginável que Deus pudesse se manifestar em um homem e que um homem pudesse ter a condição divina; pois isso “e disseram: ‘É um fantasma’”, então é impossível para eles que um homem também possa ser Deus. “E gritaram de medo. Jesus, porém, logo lhes disse: ‘Coragem! Sou eu’”. Jesus com esta expressão — “eu sou/sou eu” — que é a mesma resposta que Deus deu a Moisés no famoso episódio da sarça ardente (cf. Ex 3,6.14), reivindica a plenitude da condição divina: “Eu sou. Não tenhais medo!”. 

Mateus 14,28-29a: «Então Pedro lhe disse: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. E Jesus respondeu: “Vem!”»

Então Pedro”, este discípulo é apresentado apenas com o apelido negativo, que indica sua obstinação, sua teimosia, deixando assim claro que ele está fazendo algo que não está em harmonia com Jesus. “Disse-lhe: ‘Senhor, se és tu’”, exatamente como o diabo no deserto: “se tu és” (Mt 4,3.6), Pedro faz o papel do satanás tentador, tanto que, mais tarde, Jesus o repreenderá chamando-o de “satanás”. “Se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”: Pedro também quer a condição divina. “E Jesus respondeu: ‘Vem!’”, a condição divina não é exclusiva de Jesus, está à disposição de todos os que a acolhem. 

Mateus 14,29b-31: «Pedro desceu da barca e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!” Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”»

Ficou com medo e, começando a afundar”, por que nos diz o evangelista esta expressão? Jesus, na conclusão do Sermão da Montanha (Mt 5—7), onde havia anunciado esse amor universal de Deus pela humanidade, havia falado de uma casa que foi construída sobre a areia; vindo ventos furiosos e águas, a casa desabou (cf. Mt 7,26-27). Isso porque as palavras de Jesus não haviam se enraizado na pessoa; eis que esta é a figura de Pedro, por isso ele afunda. “Ele gritou: ‘Senhor, salva-me!’ Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro”, é interessante que Jesus chamou Simão, convidou-o para ser pescador de homens, e em vez disso é ele quem deve ser pescado!E lhe disse: ‘Homem fraco na fé’”, é a segunda vez que Jesus tem que repreender por falta de fé, “por que duvidaste?” Ele acreditava que a condição divina viesse por uma ordem divina, a condição divina não é alcançada exceto por meio de perseguição, de oposição e, muitas vezes, pelo sacrifício da própria vida

Mateus 14,32-33: «Assim que subiram no barco, o vento se acalmou. Os que estavam no barco, prostraram-se diante dele, dizendo: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”»

Assim que subiram no barco, o vento se acalmou”, esse espírito contrário cessa assim que a comunidade volta a receber Jesus. “Os que estavam no barco, prostraram-se diante dele”; reencontraremos este verbo no monte da ressurreição, que é o mesmo monte das bem-aventuranças, onde os discípulos encontram o ressuscitado. “Dizendo: ‘Verdadeiramente, tu és’”, e aqui está a novidade, “Filho de Deus”. Eles não dizem “o filho de Deus” (como está na tradução do lecionário festivo brasileiro); o filho de Deus indicava o Deus da tradição, aquele que exterminava os pecadores, aquele que detestava os pagãos. Jesus é Filho de Deus, uma forma completamente nova de manifestar Deus e sua filiação, e qual é? O de um amor universal do qual ninguém pode ser excluído

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo

 

«Eles amam te dizer: “Fique dentro dos limites”. Mas existe algo melhor do outro lado.»

(John Clayton Mayer: nascido em 1997 — cantor e compositor, guitarrista e produtor musical norte-americano)

É forçoso e triste, ao mesmo tempo, admitir que muito das crises e dificuldades pelas quais a Igreja (a barca de Jesus) passa nos tempos atuais tem sua origem no interior da própria Igreja! Sim, essa é a mais pura verdade! Assim como os discípulos, no tempo de Jesus, resistiam à proposta de uma salvação, de um amor que fossem destinados a todos, judeus e não judeus, do mesmo modo, a Igreja resiste, nos tempos atuais, a admitir que sua crise, seus problemas advêm, em grande parte, de sua mediocridade e medo internos! Contentamo-nos com uma Igreja que não evangeliza, de verdade, mas, somente, sobrevive graças às devoções populares e à forte sacramentalização promovida desde há muito tempo! 

É mais fácil viver de rituais, de cultos, de práticas tradicionais e simplistas do que buscar anunciar o Cristo que os Evangelhos nos revelam! Afinal, existe somente um modo de falar de Deus, é falando de seu Filho! Pois, conhecermos e compreendermos o ser mesmo de Deus, nos é impossível! E como Deus não é uma ideia, não é um conceito, um “objeto mental” criado por nós, pois ele, em muito, nos ultrapassa e nos supera, ele é fato, ele é existência, ele é aquilo que é (cf. Ex 3,14), não lhe restou outra alternativa a não ser “encarnar-se” em um ser humano, no caso, Jesus, o Nazareno. Deus se humaniza a fim de tornar-se reconhecível em Jesus! Isso é fundamental para a nossa fé e para a nossa vivência cristã. 

Portanto, somente seguindo Jesus, estando com Jesus, ouvindo e obedecendo Jesus poderemos aprender o que Deus é para nós. E os seus primeiros discípulos reconheceram que Deus é para nós “Filho de Deus” conforme professam ao final do Evangelho de hoje: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33). Eles chegaram a essa conclusão após experimentarem, em si mesmos, que:

«Em Jesus, aprendemos que Deus nos busca na noite, quando nos sentimos assustados, quando temos medo, quando nos vemos desamparados e perdidos... É Deus que se faz presente no amigo que nos ajuda, na situação desesperadora da qual saímos, na bondade das pessoas boas que nos ajudam» (José María Castillo). 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, às vezes nos enchemos de entusiasmo e esquecemos que tu és a fonte da nossa alegria. Nos momentos de tristeza não te procuramos nem queremos a tua intervenção milagrosa. Agora, sabemos que tu nunca nos abandonas, que não precisamos ter medo. A oração também é a nossa força. Aumenta a nossa fé, estamos dispostos a arriscar nossas vidas pelo teu Reino. Amém.»

(Fonte: SCORRANO, Tiberio, O.Carm. Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 484.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –19ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 9 agosto 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/07/2023).

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Festa da Transfiguração do Senhor – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 17,1-9 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Ao passar pela morte, não somos destruídos, mas fortalecidos por Deus

No Evangelho de Mateus, são mencionadas quatro montanhas, uma em relação à outra. À montanha da ressurreição corresponde a montanha das bem-aventuranças, ou seja, praticando a mensagem de Jesus, experimenta-se o Cristo ressuscitado e a vida indestrutível; o monte da transfiguração corresponde ao monte das tentações. A condição divina, segundo o evangelista, não se obtém pela adoração do poder, mas pelo dom de si. É o que o evangelista expressa no capítulo 17 de seu evangelho. Vamos ler. 

Mateus 17,1: «Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha.»

Seis dias depois”, a data é preciosa, é importante: o sexto dia, na tradição bíblica, é o dia da criação do ser humano, e é também o dia em que Deus, o Senhor, manifestou a sua glória no Sinai. Em Jesus, a glória de Deus se manifesta na plenitude de sua criação. “Jesus tomou consigo”, Jesus leva consigo três discípulos, os mais difíceis, aqueles que mais tarde terá como companheiros, também no momento da sua paixão. O primeiro é apresentado com o seu apelido negativo, que significa o teimoso, Simão, o qual é apresentado com o apelido de Pedro. “Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte”, é uma preciosa indicação que o evangelista nos dá: sempre que Mateus usa a fórmula “à parte”, é para indicar incompreensão ou hostilidade, obtusidade para com Jesus e seu ensinamento, então já sabemos como termina a passagem. “Sobre uma alta montanha”, aqui, esta montanha é a resposta à montanha muito alta, para onde o diabo levou Jesus, oferecendo-lhe todos os reinos do mundo, na condição de que adorasse o poder, ou seja, afirmando a Jesus que a condição divina é obtida através poder (cf. Mt 4,8-9). Jesus não concorda, Jesus mostra ao seu tentador, que a condição divina não se obtém pelo poder, mas pelo dom do amor próprio. E lembramos que foi Pedro, neste evangelho, quem recebeu de Jesus o epíteto satanás, o seu diabo tentador (cf. Mt 16,23). 

Mateus 17,2: «E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz.»

E foi transfigurado”, literalmente sofreu uma metamorfose, “diante deles”, o evangelista mostra qual é a condição do ser humano que passa pela morte. Pedro, na passagem anterior, havia se voltado contra Jesus porque não aceitava a ideia de um messias que iria morrer. Agora, Jesus mostra-lhes que a morte não é um fim, mas uma plenitude de vida, a morte não destrói a pessoa, mas a capacita. “O seu rosto brilhou como o sol”, o sol é a imagem da plenitude da condição divina, “e as suas roupas ficaram brancas como a luz”, é a imagem na condição divina, como quando Jesus dirá que “os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13,43), e essas vestes cândidas são as da ressurreição. Assim, Jesus mostra que, ao passar pela morte, sua figura não só não foi destruída, mas também fortalecida

Mateus 17,3: «Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus.»

Nisto apareceram-lhes Moisés”, Moisés é o grande legislador, “e Elias”, Elias é o grande profeta que, pelo uso da violência, impôs a observância da lei divina, “conversando com Jesus”, é importante este esclarecimento. Elias e Moisés, assim chamamos o Antigo Testamento, a lei e os profetas, nada têm a dizer à comunidade de Jesus, conversam com Jesus; como os personagens que conversaram com Deus, agora, conversam com Jesus. 

Mateus 17,4: «Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias”.»

E aqui está a reviravolta, “Pedro”, apresentado apenas com o apelido negativo “tomou a palavra e disse: ‘Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas’”, é importante o que Pedro pretende fazer. Pedro, mais uma vez neste Evangelho, continua na ação de satanás, do diabo que tentou Jesus, e qual é a tentação? Segundo a tradição, o messias apareceria repentinamente durante a festa mais importante de Israel. Das grandes festas de Israel, havia uma, que se chamava simplesmente “a festa”, não havia necessidade de indicá-la, de nomeá-la. Era a festa por excelência, era a Festa das Tendas: entre setembro e outubro, durante uma semana, os judeus viviam em tendas/cabanas, em memória de sua libertação da escravidão egípcia. Nessa festa que comemorava a libertação, apareceria o novo libertador.

Vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias”, no centro, para Pedro, não há Jesus. Quando há três personagens, o mais importante está sempre no centro. Não é o caso para Jesus, para Pedro não é Jesus o personagem mais importante, mas é Moisés. Qual é a tentação de Pedro a Jesus? Eis o messias que eu quero: um messias que cumpre a lei de Moisés, com o zelo profético e violento do profeta Elias. 

Mateus 17,5: «Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!”»

Pedro ainda estava falando”, mas aparentemente Deus não concorda com o que diz Pedro, “quando uma nuvem luminosa”, imagem que, no livro do Êxodo (cf. 13,21-22; 19,16-20), indica a presença libertadora de Deus, “os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia”, claro que é a voz de Deus, “Este é o meu Filho”, filho não significa apenas aquele que nasceu, mas aquele que se assemelha ao pai no comportamento, “amado”, isto é, o herdeiro de tudo, “no qual eu pus todo meu agrado”, as mesmas palavras que Deus pronunciou sobre Jesus, no momento do seu batismo (cf. Mt 3,17), e depois um verbo imperativo: “Escutai-o!”. É como se Deus dissesse: “Vós não deveis ouvir Moisés ou Elias, mas é em Jesus que está a plenitude da minha vontade, da revelação divina, ele deve ser escutado”! 

Mateus 17,6-8: «Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos, e não tenhais medo”. Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus.»

Quando ouviram isto”, esta intervenção divina causa desânimo e desolação, e sinal de derrota, “os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra”, é uma imagem que indica o sentimento de derrota, de destruição, por quê? O messias que seguem em Jesus não é o que esperavam, o messias vitorioso, o messias que imporá a lei, o messias violento, mas um messias completamente diferente e, portanto, é uma derrota dos seus sonhos de ambição, de seus desejos de supremacia. “Jesus se aproximou, tocou neles”, Jesus deve tocá-los exatamente como toca os enfermos, como toca os mortos, “e disse: ‘Levantai-vos, e não tenhais medo’”. Mas a reação dos discípulos é mais uma vez negativa:Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém”, ainda buscam, ainda procuram os pontos de referência da tradição do passado, ainda procuram Moisés, a lei que dá segurança, eles ainda estão procurando o profeta Elias, que, com seu zelo, faz cumprir esta lei, não há mais ninguém. Não há Moisés nem Elias e, quase com relutância, o evangelista escreve: “não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus”. Jesus sozinho não é suficiente para eles, eles querem Jesus, segundo a linha de Moisés e Elias. 

Mateus 17,9: «Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”.»

Ao descer da montanha, Jesus se impõe. Já experimentaram qual é a condição do ser humano que passa pela morte, mas não devem se iludir, ainda não viram que tipo de morte Jesus enfrentará, a morte que a Bíblia reservou para os malditos de Deus, uma morte infame, a morte de cruz. Portanto, para evitar sentimentos de entusiasmo equivocados, Jesus lhes ordena que não contem nada a ninguém, até que ele ressuscite, ou seja, primeiro ele tem que passar pela morte, e esse tipo de morte! 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.


Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita.»

(Mahatma Gandhi: 1869 a 1948 — líder pacifista indiano que lutou pela independência da Índia e pela paz entre hindus e muçulmanos)

Vivemos em um mundo onde se valoriza o “estímulo” que deve ser oferecido aos seres humanos para que eles se comportem do modo “correto” e “produtivo” na sociedade em que nos situamos. Parte-se do princípio que o nosso comportamento não deixa de ser determinado pelo tipo de consequências que colhemos com ele:

* se colhemos resultados positivos, isso nos estimula a reproduzirmos aquilo que nos traz o melhor para nós mesmos. E a tendência de todo ser humano é buscar sobreviver, se proteger, se autorrealizar no mundo em que está.

* Se, ao contrário, os resultados são negativos, nossa tendência é abandonar aquele tipo de comportamento que não nos traz satisfação, alegria e realização. 

É algo parecido que se passou entre os discípulos de Jesus. No início estavam todos muito estimulados com a perspectiva de estarem seguindo uma pessoa, Jesus de Nazaré, que realizaria uma verdadeira revolução em Israel, fazendo aquele povo tornar a ser orgulhoso, independente e poderoso como havia sido — para dizer a verdade — em um curto período de sua história pregressa. Esses homens pensavam estar seguindo um futuro rei, um líder político um messias prometido por alguns escritos do Antigo Testamento. 

A decepção, no entanto, começou a aumentar à medida que o tempo passava e Jesus atuava em meio ao povo simples da Galileia. Ficava claro, cada vez mais, o tipo de messias, de salvador que ele era! O poder, a violência, a conquista, a riqueza estavam muito distantes de seus objetivos e pretensões! Era necessário reestimular seus discípulos, ressignificar a sua missão e clarificar os seus objetivos. Esse é o papel cumprido pela cena da transfiguração que lemos, hoje, em Mateus. 

Pois bem, essa cena da transfiguração revela-nos que o modelo idealizado de messias que o judaísmo havia concebido não vigora, não irá se realizar! A nova lei, o novo mandamento é “escutar o meu Filho amado” (cf. Mt 17,5). Escutar Jesus é o que importa! Afinal, Deus é um mistério insondável, estranho, inatingível (“nuvem luminosa”, “sombra” — cf. Mt 17,5). Mas Jesus está entre nós! Ele nos toca, nos motiva, combate nossos temores (“Levantai-vos, e não tenhais medo” — Mt 17,7). Ele nos traz uma paz inconfundível, que somente ele, o Filho de Deus, pode nos proporcionar! 

Portanto, a transfiguração não é a exaltação do fracasso ou do fracassado, como nos recorda José María Castillo. Mas é a comprovação de que Deus, o altíssimo, o excelso, o Criador, revela-se, encontra-se no ser humano mais humilhado: seu Filho, o crucificado, o amaldiçoado, o desprezado, o rebelde condenado à cruz! Isso significa que, nos crucificados pela vida encontramos o Cristo, o verdadeiro messias! E ao final de tudo, somente resta ele: “Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus” (Mt 17,8). 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Gozemo-nos, Amado! Vamo-nos ver em tua formosura, no monte e na colina, onde brota a água pura; entremos mais adentro na espessura.»

(Fonte: São João da Cruz. Cântico espiritual, 36. Apud: Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 143.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –2ª Domenica di Quaresima – Anno A – 8 marzo 2020 – Internet: clique aqui  (Acesso em: 26/07/2023).