«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Desligue a criança!

Alerta: como desconectar seu filho

Beatriz Lucas

Durante o confinamento houve uma explosão no consumo de telas
e a superexposição implica riscos de ansiedade,
sobrepeso e inclusive a perda de visão
Quanto tempo em frente a uma tela é saudável para as crianças ... 
Com o desconfinamento, chegou ao consultório da psicóloga María Guerrero um novo perfil de paciente: crianças que usavam muito pouco ou nada as telas e agora não há maneira de que façam algo sem elas. No caso dos adolescentes, a dependência geralmente lhes:
* tira horas de sono ou
* faz com que gastem dinheiro em jogos online ou
* em melhorias de aplicativos.

Além do hábito, María Guerrero está preocupada com as consequências para a saúde física e mental. “Vários estudos nos falam sobre a relação entre o abuso de tecnologia e o isolamento, problemas:
* de obesidade,
* hábitos sedentários com perda de massa muscular,
* perda de visão...
* Mas também pode desencadear ansiedade ou depressão e,
* de acordo com uma experiência realizada pela revista americana de pediatria, crianças que estão em contato de forma habitual com dispositivos móveis, tablets ou computadores são mais irritáveis e mostram menos capacidade de atenção, memória e concentração do que aquelas que não estão”, diz Guerrero, que é psicóloga do aplicativo de controle parental Qustodio.

Segundo Guerrero, o cérebro de uma criança “funciona por hábitos e estes demoram cerca de 21 dias para se estabelecer. E a tecnologia foi a única via de comunicação e lazer durante mais de 100 dias”. Esta especialista costuma explicar aos pais que, se seu filho está mais preso do que o normal, não é que ele seja esquisito, mas é algo comum: “A maioria dos jogos, redes sociais e aplicativos para crianças foi projetada para o que cérebro secrete substâncias relacionadas ao prazer. Se é difícil para um adulto abandonar um hábito, no caso do cérebro de uma criança, que é mais imaturo e com menor capacidade de autocontrole, é ainda mais delicado”.

Mas antes que o leitor coloque as mãos na cabeça e se deixe levar pelo catastrofismo, a psicóloga alerta: “Existe um caminho de volta, mas não é fácil e haverá resistência à mudança”, diz esta especialista em novas tecnologias.

Existe solução, concorda e insiste o professor barcelonês e conselheiro de famílias Francisco Castaño: “Não somos supermães nem superpais. Não temos culpa de que saíram no nosso controle. Tivemos de ficar em casa, fazer teletrabalho e cozinhar com as crianças, que devem ser cuidadas, e as deixamos esquecidas na frente da tela... Não devemos nos criticar. São circunstâncias supervenientes e vamos mudar isso”, aponta o professor, que acaba de publicar o livro La Mejor Versión de Tu Hijo (A Melhor Versão do Seu Filho).
Crianças menores de 1 ano não devem usar aparelhos digitais ... 
Etapa 1
Calma, seus filhos certamente não são viciados em telas

Antes do confinamento os especialistas já tinham alertado sobre o preocupante aumento do uso de tecnologias nas meninas, meninos e adolescentes.

Manuel Bruscas, vice-presidente da área de produto do Qustodio, um aplicativo de controle parental usado por mais de 50.000 famílias na Espanha, explica que em fevereiro já havia um uso médio de duas horas por dia por parte de crianças entre 4 e 15 anos, de acordo com dados de uso dos usuários do aplicativo. E que em alguns aplicativos como o YouTube passou de 39 minutos por dia em 2019 para mais de 63 exatamente antes do confinamento, e que se tornaram 75 minutos em 30 de abril. “O uso das tecnologias aumentou 180% e será difícil recuperar os números iniciais. Muitas crianças notarão que lhes falta algo, as relações são construídas com olhares, com empatia, com relação física e isso a tela não te dá, então é aí que devemos provocar o processo de desconexão”, explica Bruscas.

Mas o fato de que as tecnologias sejam usadas mais do que antes ou que crianças e adolescentes relutem em largar a tela não significa que sejam viciados. O psicólogo Garicoitz Mendigutxia, diretor do programa Suspertu, para a prevenção de dependências do Projeto Hombre Navarra, acredita que com a volta do contato social diminuirão esses hábitos, que considera “conjunturais”. Em seu projeto, as meninas, os meninos e os adolescentes que eram atendidos antes do confinamento por esses usos conflitivos representavam apenas 10% do total de pacientes. “E não detectamos uma mudança alarmante de comportamento por causa desses processos”, explica.

Também esclarece que, para que seja considerada uma dependência, ou melhor, um “uso conflitivo das tecnologias”, estas devem lhes subtrair tempo e inclusive dinheiro de outras atividades da vida. “Deve haver situações de isolamento social, afetando sua dinâmica de vida ― por exemplo, que a família não possa sair para jantar porque o filho prefere ficar conectado ―, só se relacionam com as redes ou têm problemas e conflitos familiares ou porque ficam conectados até as quatro da manhã e isso afeta o desempenho escolar”, explica o psicólogo. Se não for esse o caso, o plano de ação será mais fácil que funcione se também forem acrescentadas quatro palavras:
* tenacidade,
* perseverança,
* limites e
* alternativas.
6 Sinais de que seus filhos precisam de mais atenção | Sou da ... 
Etapa 2
Fale com as crianças e defina os limites para a desconexão progressiva

Educadores, psicólogos e especialistas em dependência concordam que esses hábitos saudáveis devem começar quando as crianças são muito pequenas e começam a ter acesso às telas: é preciso sentar para conversar com elas e estabelecer os limites de uso tanto de tempos e horários quanto de espaços. “É um relaxo deixá-lo diante da tela quando é pequeno e vamos a um restaurante, mas é preciso pensar duas vezes porque isso terá consequências”, aponta o psicólogo, que é a favor de que meninos, meninas e adolescentes passem a maior parte do dia sem telas. Os gurus de Silicon Valey, por exemplo, educam sem telas porque sabem que é melhor para um crescimento saudável. “Assim como educamos na alimentação e no consumo, devemos educar digitalmente nossos filhos”, diz Manuel Bruscas, do Qustodio.

“É preciso sentar para explicar-lhes as normas e por que devem ser seguidas. Se você fizer com que participem, sentirão que fazem parte do processo e entenderão o motivo, serão muito mais colaborativos. Eles seguem as regras perfeitamente se as entenderem”, explica Mendigutxia.

María Guerrero acredita que é preciso recorrer a argumentos científicos e explicar-lhes que as telas podem prejudicar a saúde. Os especialistas em visão alertaram para um agravamento da saúde visual em grande escala durante o confinamento e a Fundação Pau Gasol afirma que a Espanha é a líder europeia em obesidade infantil. O excesso de telas gera estresse, irritabilidade, isolamento e depressão...

“Com crianças não vale qualquer argumento, elas precisam de dados concretos e claros para colaborar”, explica Guerrero.

E ressalta: “Proibir é inútil, porque terão de usar a Internet para estudar, manter contato com os colegas... E quando proibimos totalmente algo impedimos que nossos filhos aprendam a estabelecer uma relação saudável e isso gera problemas mais graves a longo prazo, porque acaba se tornando um objeto de grande desejo”.
Tire o celular das crianças | Tecnologia | EL PAÍS Brasil 
Etapa 3
Aqui sim, agora sim

Os especialistas também propõem que os espaços e os momentos sejam limitados:

“O celular ou o tablet deve ser usado em um espaço comum da casa,
não deve ser usado enquanto estivermos com a família nas refeições
e tampouco deixá-los sozinhos.
Assim como você não deixa seu filho sozinho em uma boate
ou no meio de Nova York, não devemos deixá-los sozinhos na Internet,
devemos estar ao lado deles, supervisionando-os”, aponta.

Os aplicativos de controle parental podem ajudar nesses limites: se o dispositivo for desligado, eles não culpam os pais e, além disso, as famílias podem monitorar o que os filhos veem e conversar com eles sobre isso.

Também recomendam estabelecer tempos máximos de uso, dependendo da idade. Embora Bruscas ressalte que não se trata tanto do tempo, mas da qualidade do que veem na rede. “Se seu filho é fã de piano ou de programação e passa horas assistindo a tutoriais online, na realidade está cultivando um hobby”, diz. Além disso, não recomenda a desconexão total: “Você não pode colocar portas no campo e passar do tudo ao nada, mas educar para um uso saudável. E, embora não seja possível estabelecer receitas para todos os casos, Francisco Castaño recorre à literatura científica para argumentar onde começa a ser um uso pouco recomendável e define duas horas como limite para os maiores. A seguir, uma proposta para o uso das telas de acordo com a idade, com base nas recomendações do professor Castaño.
Comunicação Entre Pais e Filhos: Você Escuta (de Verdade) O Que ... 
Etapa 4
Seja seu modelo

“Somos o que nossos pais nos ensinaram quando tentavam não nos ensinar nada”. Esta frase do filósofo e escritor Umberto Eco é uma das favoritas do educador Francisco Castaño para explicar às famílias que passam por seu consultório a importância do que mães e pais fazem nos processos educacionais.

Os menores acabam fazendo o que os adultos fazem. Assim como você não pode dizer ao seu filho para não beber álcool com uma cerveja na mão, você não pode pedir para ele desligar o celular se você não para de olhá-lo. Por isso a reflexão e o plano de ação devem ser em família e com o compromisso de todos, de pais e mães, de preservar espaços sem tecnologia”, conclui Castaño.

Assim, mães e pais do mundo preocupados porque seus filhos não largam os dispositivos tecnológicos, olhem-se no espelho e desconectem-se também.
 Importância do brincar: crianças criativas, curiosas e saudáveis!
Etapa 5
Tempo juntos: alternativas de lazer, sair ao ar livre e compartilhar isso com as crianças

Bruscas acredita que as telas nunca deveriam “substituir interações ricas com outras pessoas, com a família ou com amigos”. Por isso propõe compartilhar esportes, passeios, atividades ao ar livre, atividades domésticas, fazer refeições, tarefas de limpeza, organização da casa... “Fazer coisas com elas também te dá motivo para falar e permite que você se aproxime das telas e veja em que seu filho está interessado, conheça isso e o questione”, diz Mendigutxia, psicólogo do Projeto Hombre Navarra.

Para María Guerrero, a melhor alternativa é ao ar livre, em família. “As crianças precisam brincar ao ar livre porque seu cérebro se desenvolve mais”, explica.

Um estudo com 12.000 famílias mostrou que os presos dos Estados Unidos
passam mais tempo ao ar livre, no pátio da prisão, do que crianças.

[...] O psicólogo e fundador da empresa, Joan Amorós, diz que a natureza pode atenuar a depressão e a ansiedade, ajudar a prevenir ou reduzir a obesidade e a miopia, fortalecer o sistema imunológico e relata muitas outras vantagens para a saúde física e psicológica. Precisamente, a maioria dos problemas de saúde que as telas podem provocar. Amorós propõe “uma hora da natureza para cada hora de tela”. E em que se baseia essa recomendação? “Os ambientes naturais nos ajudam a descongestionar a vista e a atenção que você presta a um estímulo tão forte e conciso quanto a tela. Oferecem estímulos suaves, como o mar, as nuvens ou o pôr do sol, que atraem a atenção sem que tenhamos de estar concentrados e isso permite descansar a mente do cansaço produzido pelas telas ou pelo trabalho”.

Mãos à obra, puxe o cabo!

Fonte: El País – Sociedade / Educação – Sábado, 18 de julho de 2020 – Publicado às 15h51 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 30/07/2020).

quinta-feira, 30 de julho de 2020

A religião é relevante?

Enquanto a Igreja não colocar o Evangelho no centro da vida, o cristianismo não contribuirá com a solução que o mundo necessita

José María Castillo
Teólogo espanhol
Religión Digital
25-07-2020

Aquilo que o teólogo afirma, diz respeito à realidade da Europa,
porém, em breve, será algo comum, aqui, no Brasil!
A fé e a pandemia - ISTOÉ Independente 
Uma das coisas que mais me fazem pensar, em relação ao vírus e a pandemia, é o desinteresse religioso por esses. A doença preocupa quase todo o mundo, quais os remédios para curá-la, qual a vacina para preveni-la, quais as graves consequências que carrega, qual o futuro que nos espera...

É verdade também se fala do religioso. Mas, por quê? Com bastante frequência, o religioso associa-se com o festivo: a Semana Santa, o Natal, a festividade da Padroeira em paróquias e comunidades, as romarias e suas procissões, os batizados, as comunhões, as bodas, os enterros, etc. Tudo isso interessa a muita gente. Porém, onde e em que está o interesse? Não há de se pensar muito para se dar conta de que...

... a “religiosidade popular” interessa a muitas pessoas,
mais pelo festivo que pelo estritamente religioso, tal como se vive e se celebra.

Isso todo mundo entende e não se necessita de muitas explicações.

Mas, claro que o acabo de apontar, que chama a minha atenção, nas condições do que está nos acontecendo, não é a rejeição de Deus e da religião, mas o desinteresse por tudo que se relaciona (ou se pode relacionar) com Deus e, em geral, com todo o transcendente. Hoje já é evidente – ao meu ver – o que acertadamente quis indicar Pröpper: a mensagem cristã tornou-se uma “oferta sem demanda”. No meu ponto de vista de crente em Deus, ruim é negar ou rejeitar sua existência. Mas é ainda pior desinteressar-se de Deus, e de tudo o que é de Deus, até tal extremo, que haja tanta gente que não se importa com o que se pensa, se diz ou se faça porque Deus quer ou não quer, porque Deus disse ou deixou de dizer.

E que conste, ao falar deste assunto, não me refiro somente a Deus em si mesmo, mas também os que o representam: os homens do clero. A uma importante maioria da população, o que os clérigos pensam e falam, importa a cada dia menos. A não ser que um clérigo faça ou diga alguma extravagância.

Por que a religião interessa cada dia menos? Por que decaiu, e segue decaindo sem parar, a prática religiosa? Este assunto é muito complexo e delicado. Não é possível dar uma resposta adequada e completa em uma breve reflexão.

De qualquer forma, há um fato inquestionável:
os problemas que nos ameaçam e nos dominam estão aumentando,
a ponto de ver o futuro da humanidade, da terra e da vida
a cada dia mais duvidoso e avassalador.

E sendo esse o caso, em que contribui a religião e em que contribuem os homens da religião, em resposta às muitas perguntas que as pessoas sentem em suas vidas e para as quais não encontram solução?
Jesus Cristo Extreme: EVANGELHO X RELIGIÃO 
Nesta breve reflexão, ouso propor um ponto de partida, que possa abrir horizontes de luz para nós. Eu quero dizer o seguinte: o cristianismo, desde o século III até o século VIII, viveu e administrou a Igreja de uma maneira que produziu confusão não resolvida, depois de tantos séculos. A confusão era que se misturou e fundiu o Evangelho de Jesus com a religião, originada no judaísmo e como se vivia no Império. Agora, essa fusão de “religião” e “evangelho” ainda não foi resolvida. Por isso, a Igreja vive, naturalmente, várias coisas que são muito fundamentais. E são coisas que contradizem o que Jesus, a Palavra de Deus e o Filho de Deus, disse e fez. Dando tanta importância – a essas coisas – que foi o que lhe custou a vida.

De que coisas estou falando?
a) O “poder” e a maneira concreta de exercê-lo.
b) O “dinheiro” e as tristes relações que a Igreja tem com esse assunto capital.
c) E as “relações humanas” que a Igreja permite e mantém, que não são precisamente relações de “igualdade” e “bondade” em amor mútuo, que a Igreja não resolve.

Antes de decisões eclesiásticas, há o Evangelho, no qual Deus revelou-se para nós. Enquanto a Igreja não colocar o Evangelho no centro da vida, o cristianismo não contribuirá com a solução que este mundo necessita.

Traduzido do espanhol por Wagner Fernandes de Azevedo.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 30 de julho de 2020 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/07/2020).

terça-feira, 28 de julho de 2020

A conversão pastoral da Igreja

Renovar toda a Igreja no Evangelho

Eliseu Wisniewski
Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba

A renovação é incômoda, traz inseguranças, questiona hábitos passados, compreensões tradicionais, formulações familiares, concepções estáticas de Igreja

Sobre o livro «Renovar toda a Igreja no Evangelho. Desafios e perspectivas para a conversão pastoral na Igreja» do Prof. Dr. Pe. Francisco de Aquino Junior.

Vivemos numa cultura marcada por transformações aceleradas. Renovar é um sempre um desafio. É um chamado à conversão de mentalidade e de estruturas. Sem essas conversões qualquer renovação se torna inviável.

O longo passado da Igreja nos ensina que as renovações eclesiais sempre foram tempos agitados por atingirem mentalidades e comportamentos. A renovação é incômoda, traz inseguranças, questiona hábitos passados, compreensões tradicionais, formulações familiares, concepções estáticas de Igreja. Traz por isso resistências. Mas, contudo, entretanto, todavia, sem embargo as renovações sempre acompanharam a Igreja no curso dos séculos.

Revisitando o peregrinar na Igreja identificamos diferentes modelos eclesiológicos com seus respectivos modelos de ação:
* na Igreja entendida como mistério de comunhão encontramos a pastoral profética,
* na Igreja entendida como corpo de Cristo encontramos a pastoral sacramental,
* na Igreja entendida como sociedade perfeita encontramos a pastoral coletiva,
* na Igreja entendida como Povo de Deus encontramos a pastoral de conjunto.

É no modelo normativo neotestamentário, ou seja, a Igreja:
* é apostólica,
* é una,
* é a Igreja da Palavra e dos sinais sacramentais,
* é regida por uma ordem de carismas e ministérios,
* é a comunidade dos convertidos e dos que nasceram para a fé,
* está no mundo, mas não é deste mundo,
* é uma realidade escatológica...
... que encontramos os elementos essenciais que devem estar presentes em qualquer modelo eclesiológico e modelo de ação.

Papa Francisco corajosamente assumiu a renovação eclesial iniciada pelo Concílio Vaticano II. Uma Igreja que se renova constantemente através de uma verdadeira volta às fontes bíblicas e patrísticas. A renovação da Igreja a partir do Evangelho é tema do livro: Renovar toda a Igreja no Evangelho. Desafios e perspectivas para a conversão pastoral na Igreja (Editora Santuário, 2019) de autoria do Prof. Francisco de Aquino Júnior.

Francisco de Aquino Junior é presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte/CE, doutor em Teologia pela Westfälischen Wilhelms-Universität, Münster, Alemanha, e professor de Teologia na Faculdade Católica de Fortaleza e na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Conversa com o Pe. Aquino Junior sobre a Laudato Si e a questão ...
Prof. Dr. Pe. Francisco de Aquino Junior

O livro Renovar toda a Igreja no Evangelho. Desafios e perspectivas para a conversão pastoral na Igreja, com prefácio do Prof. Dr. Agenor Brighenti, reúne um conjunto de textos que tratam da renovação eclesial ou da conversão pastoral e missionária (cf. páginas 9-16). Foram originalmente escritos e publicados como artigos independentes, mas estão sintonizados com as preocupações e orientações pastorais do Papa Francisco: buscam acolher seu convite de renovação, segundo a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013).

O autor abre o texto com algumas considerações gerais sobre o atual panorama da Igreja católica. Destaca a novidade do Papa Francisco, indica alguns apelos (a missão e a organização da Igreja) e alguns desafios evangélicos que emergem do atual panorama eclesial (páginas 21-43).

Em seguida, indica alguns sinais de desvio de rota da Igreja (cf. páginas 45-55). Estes desvios produzem o que o autor chama de “depressão eclesial” (página 45). Por outro lado, em sintonia com o Papa Francisco, insiste na necessidade de conversão eclesial, ou seja, na retomada do caminho de Jesus ou o retorno ao Evangelho do reinado de Deus (páginas 51-55).

Os dois primeiros capítulos apresentam o atual contexto eclesial e assinalam os principais desafios pastorais com os quais a Igreja se defronta hoje (p. 21-55).

O terceiro capítulo, escrito no contexto da celebração dos cinquenta anos da Conferência de Medellín (1968) e dos cinco anos do pontificado de Francisco (2018), destaca a importância de Medellín e de Francisco para a Igreja e para a sociedade (páginas 57-79). Explicita a perspectiva teológico-pastoral fundamental do Papa e indica, a partir dessa perspectiva, alguns desafios com os quais a Igreja se depara hoje, em sua missão evangelizadora:
* autocompreensão e configuração em vista da missão (eclesiologia) e
* apelos e exigências que brotam da situação histórica atual (sinais dos tempos).
Medellín em gotas: linhas pastorais 
O capítulo seguinte [capítulo quarto] aborda a centralidade dos pobres na Igreja (págians 81-105). Destaca seus atuais clamores e resistências. Evidencia que a celebração dos cinquenta anos da Conferência de Medellín foi uma ocasião privilegiada para revisitar seus textos, explicitar sua importância histórica e, sobretudo, para reafirmar e atualizar, crítica e criativamente, seu legado teológico-pastoral. A novidade e o impacto de Medellín na América Latina, e mesmo, no conjunto da Igreja, está radicalmente vinculado ao que, sobretudo a partir de Puebla, se convencionou chamar de “opção preferencial pelos pobres”, caracterizado na Conferência de Aparecida (2007) como “uma das peculiaridades que marcam a fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha”. Assinala que a opção pelos pobres e marginalizados e suas lutas por libertação são o ponto fundamental e determinante de Medellín. Afirma sua atualidade e descreve como ela se configura, hoje, a partir de seus clamores e resistências. Enfim, conclui afirmando que Medellín aparece não como um evento passado, mas atual, e que nos interpela e obriga a um criativo processo de atualização histórica.

O último capítulo [capítulo quinto] contempla as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Elas marcaram decisivamente o processo de recepção do Concílio na América Latina e, por um tempo, se impuseram como fato eclesial e social mais importante de nossa Igreja. Destaca o caráter institucional que elas adquiriram nas Conferências de Medellín (1968) e Puebla (1979), aspecto decisivo, tenso e ambíguo. Elas aparecem nos documentos finais destas Conferências não como uma experiência isolada, mas como projeto pastoral para o conjunto da Igreja latino-americana (páginas 107-123). Ao concluir, o autor indica os desafios e as perspectivas atuais da Igreja na América Latina em relação às CEBs:
* repensar seu lugar (cada vez mais marginal) e
* sua atuação (cada vez mais profética) no conjunto da Igreja (páginas 125-127).

Livro interessante sobre renovação da Igreja. A contribuição do autor é a seguinte: sintoniza o leitor com desafios eclesiais da atualidade, com perspectivas pastorais do Papa Francisco, com o Vaticano II e a tradição libertadora da Igreja na América Latina. É didático, claro e poderá ser usado por agentes de pastoral como referência para entenderem/aprofundarem como se tornar sujeitos da renovação eclesial, assim expressa no título: “renovar toda a Igreja no Evangelho”. Além disso, o livro é um valioso subsídio para ajudar as paróquias e comunidades a pôr em marcha de modo humilde, mas responsável, um processo de renovação caminhando para uma nova fase de comunidade cristã deixando para as futuras gerações paróquias melhores orientadas para a mensagem do Evangelho, centradas na pessoa de Jesus e abertas aos caminhos do Reino de Deus. Daí a necessidade de uma Ecclesia semper reformanda (Igreja em contínua reforma)...

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 25 de julho de 2020 – Internet: clique aqui (acesso em: 28/07/2020).

segunda-feira, 27 de julho de 2020

E daí?

A expressão espontânea de uma
natureza pervertida

Zenon Lotufo Junior & Francisco Lotufo Neto*

“Não estamos diante de um doente mental que não pode ser responsabilizado por seus atos (situação que, por si, já é catastrófica),
mas diante de alguém simplesmente mau e destituído de
qualquer resquício de empatia e compaixão

Em sua coluna de 03 de maio último, Vera Magalhães (“O ‘e daí’ como política”) levanta interessantes questões sobre o papel dessa expressão em contextos nos quais ela revela problemas sérios de caráter; situações em que seu autor “coloca em risco a saúde pública”, “se esquiva de responsabilidade pelos seus atos” e, talvez o mais grave “demonstra num só ato sua absoluta ausência de empatia com os mais vulneráveis”. Embora a perspicaz jornalista não use o termo, temos aí sinais peculiares de psicopatia, sinais que, sugere Magalhães, são exibidos pelo presidente com o intuito de apresentar-se como um doente mental, como quem não tem condições de responder por seus próprios atos, ou seja, como alguém inimputável. A tese é, ao mesmo tempo, contundente e plausível, fazendo por merecer algumas considerações.

Se partirmos da hipótese, atualmente bastante encontradiça em meios acadêmicos, de que o ser humano tende, por natureza, a ser empático, compassivo (ver, p. ex., a coletânea organizada por Dacher Keltner, da Universidade da California em Berkeley, “The Compassionate Instinct” [tradução livre: O Instinto Compassivo], ou “The Psychology of Compassion and Cruelty” [tradução livre: A Psicologia da Compaixão e da Crueldade], organizado por Thomas Plante, de Stanford, do qual participamos com um dos capítulos) a ausência dessas qualidades requer que se busquem explicações em fatores não biológicos, quer dizer, em causas psicológicas e socioculturais. Vejamos, ainda que à vol d’oiseau [= de modo rápido], algumas delas e como podem produzir os “e daí” da vida.

Herdamos das culturas que mais nos influenciaram, a crença de que o mundo é justo e que as pessoas recebem sempre o que merecem, visão que dota os acontecimentos de certa previsibilidade, além de explicar sofrimentos, tragédias e sucessos. A persistência dessas crenças e os problemas delas decorrentes levaram Melvin Lerner, durante muitos anos professor de Psicologia Social na Universidade de Waterloo, a dedicar muitos anos de sua vida aos aspectos psicológicos da justiça, sobretudo ao que foi chamado “Hipótese Mundo Justo” ou “Falácia Mundo Justo”. Lerner e pesquisadores que caminharam em suas pegadas realizaram grande número de estudos abordando várias áreas do comportamento humano sob o prisma dessa falácia. São especialmente interessantes, dentre essas pesquisas, as desenvolvidas por John T. Jost e Orsolya Hunyady, respectivamente das universidades de Nova York e Adelphi, apontando para o fato de que a cultura atual é permeada por ideologias que permitem às pessoas “justificarem e racionalizarem o modo com o as coisas são, de tal forma que situações sociais, econômicas e políticas atuais tendem a ser percebidas como justas e legítimas.”
Vídeo Completo SEM Corte: 'E daí? Lamento. Quer Que eu Faça o Quê ... 
Assim, o sentimento que naturalmente decorreria da presença de miséria e sofrimento pode ser desativado pela constatação panglossiana de que “Tout est pour le mieux dans le meilleur des mondes” [tradução livre: Tudo é para o melhor no melhor de todos os mundos possíveis]. “E daí? Não tenho nada a ver com isso”, seria manifestação típica dessa racionalização. Em outro escrito, registramos que ideologias desse tipo funcionam como “lobotomias não invasivas”, considerando o parentesco destas com aquelas cirurgias que, para tranquilizar doentes psiquiátricos, destruíam áreas nobres de seus cérebros.

Mas nossa espécie é criativa quando se trata de encontrar nebulosas justificativas para comportamentos antissociais, moralmente reprováveis seja por comissão, seja por omissão. Quem estudou mais de perto essas contorções mentais foi um dos mais importantes psicólogos da atualidade, o canadense Albert Bandura, que propôs o conceito de “desengajamento moral” (“moral disengajement”) para analisar os processos aí envolvidos, identificando oito variações:

Justificação moral
Ex.: “Um homem deve lançar mão de todos os recursos disponíveis quando se trata de evitar que um filho corra o risco de ser condenado pela justiça”.

Comparação vantajosa
Ex.: “E daí que morra muita gente nesta pandemia? Paralisar a economia é pior”.

Linguagem eufemística
Ex.: “Não há por que fazer tanto barulho por uma simples gripezinha”.

Distorção das consequências
Ex.: “É válido incentivar aglomerações durante a epidemia porque põe em evidência o direito de reunião”.

Desumanização
Ex.: “Quilombolas são tão desprezíveis que não merecem ser tratados como seres humanos”.

Atribuição de culpa
Ex.: “Vejo com bons olhos o fechamento do STF porque estou indignado pelo modo como me desautorizam”.

Deslocamento de responsabilidade
Ex.: “Se um policial trabalha em um ambiente violento, ele não tem culpa se vez por outra mata um inocente”.

Difusão de responsabilidade
Ex.: “Um militar não pode ser condenado por torturar alguém quando ele o faz sob ordens superiores e a prática é comum em seu meio”.

Passemos às explicações propriamente psiquiátricas. “Descaso pela segurança de si ou de outros. Irresponsabilidade reiterada” são duas das características apontadas pelo Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais, DSM-5, coerentes com a atitude “E daí?” e indicadoras de Transtorno da Personalidade Antissocial, padrão anteriormente referido como psicopatia ou sociopatia. A descrição das “Características Diagnósticas” assim inicia: “A característica essencial do transtorno da personalidade antissocial é um padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros” (realce nosso).

É relativamente farta a literatura científica que associa psicopatia (o termo ainda mais usado) ao sucesso nas áreas organizacional, política e militar, êxito explicável por certas características nada éticas, mas valiosas em circunstâncias nas quais competição é a palavra de ordem e o esprit du temps [tradução livre: espírito dos tempos = mentalidade da época] incensa o sucesso a qualquer preço. Martha Stout, autora de conhecida obra sobre sociopatia, observa: Estranhamente, alguns atos envolvem tal deterioração emocional que eles requerem a ausência de consciência, da mesma forma que a astrofísica requer inteligência e a arte requer talento. Com relação aos guerreiros que podem agir sem consciência, o tenente-coronel Dave Grossman escreve, em On Killing [tradução livre: Sobre Matar], “Chamemo-los psicopatas, cães pastores, guerreiros ou heróis, eles estão lá, constituem uma distinta minoria e, em tempos de perigo, uma nação precisa deles desesperadamente (“The Sociopath Next Door” = O Sociopata ao Lado).

Nesse contexto, Bolsonaro não estaria simplesmente representando um papel com vistas a parecer inimputável. Como ressaltam encomiasticamente seus asseclas, um de seus grandes méritos está em ser autêntico. Contudo – ponto para Vera Magalhães:

há psiquiatras com irretocáveis credenciais acadêmicas que
defendem a tese de que boa parte dos indivíduos rotulados como PSICOPATAS
não podem ser considerados doentes.

Em artigo publicado ano passado, sob o título “Cruel, Immoral Behavior Is Not Mental Illness” [tradução livre: Comportamento Cruel e Imoral não é Doença Mental], os professores norte-americanos James Knoll e Ronald Pies explicam:

É altamente desconfortável aceitar a noção de que
extremo egoísmo, ressentimentos e tendências infames
são simplesmente parte do amplo espectro da natureza humana.
Mas esses traços têm estado conosco desde o alvorecer de nossa espécie.

Esse tipo de turbulência psicológica pode ser tratado por profissionais de saúde mental, mas apenas com envolvimento e dedicação de um “paciente”. Indivíduos coagidos, ameaçados ou desinteressados tendem a se mostrar pacientes muito problemáticos.

Pode-se pensar, então, que não estamos diante de um doente mental que não pode ser responsabilizado por seus atos (situação que, por si, já é catastrófica), mas diante de alguém simplesmente mau e destituído de qualquer resquício de empatia e compaixão. “E daí?”, então, seria simplesmente a expressão espontânea de uma natureza pervertida.

* Sobre os AUTORES deste artigo: Zenon Lotufo Junior, filósofo, teólogo, analista transacional, doutor em Psicologia da Religião pela PUC-SP e autor de "Kind God, Cruel God: How Images of God Shape Belief, Attitude, and Outlook", e Francisco Lotufo Neto, doutor em Psiquiatria, professor associado da Universidade de São Paulo e da Pós-Graduação em Psicologia Clínica da USP e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 25 de julho de 2020 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/07/2020).

Carta ao Povo de Deus

Carta de 152 bispos católicos do
Brasil sobre a situação de nosso País

Mônica Bergamo
Jornalista e Colunista

O Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua história,
vivendo uma “tempestade perfeita”...
Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador.
Cientistas católicos vão assessorar Igreja em novas áreas do ...
Bispos brasileiros reunidos em celebração no interior do Santuário Nacional de Aparecida
Aparecida - SP

Uma carta com duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro foi assinada por 152 bispos, arcebispos e bispos eméritos do Brasil. Ela deveria ter sido publicada na quarta (22 de julho), mas foi suspensa para ser analisada pelo conselho permanente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). [...]

O texto, chamado de “Carta ao Povo de Deus”, afirma que o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua história, vivendo uma “tempestade perfeita”. Ela combinaria uma:
a) crise sem precedentes na saúde e
b) um “avassalador colapso na economia”
c) com a tensão sobre “fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República [Jair Bolsonaro] e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança”. [...]

O documento afirma ainda que o “sistema do atual governo” não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço”. [...]

O texto é assinado, entre outros, pelo cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Claudio Hummes, pelo bispo emérito de Blumenau, dom Angélico Sândalo Bernardino, pelo bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson Taschetto Damian, pelo arcebispo de Belém (PA), dom Alberto Taveira Corrêa, pelo bispo prelado emérito do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, pelo bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), dom Joaquim Giovani Mol, e pelo arcebispo de Manaus (AM) e ex-secretário-geral da CNBB dom Leonardo Ulrich Steiner. [E pelo nosso bispo diocesano de Jales (SP), dom Reginaldo Andrietta.]
Começa a 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos ...
Celebração com os bispos do Brasil, durante a 57ª Assembleia Geral Ordinária da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Santuário Nacional de Aparecida - Aparecida (SP)

Eis a “Carta ao Povo de Deus” na íntegra:

Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.

Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Papa Francisco, Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Papa Francisco, Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta.

É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.

O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.

Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença.

É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra.
Em seu aniversário de 80 anos, papa Francisco faz elogio à velhice ...
PAPA FRANCISCO

Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós”
(Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do
Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).

Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente:
* a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino,
* o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e
* os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço.
Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social.

É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo,
que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento
da grande maioria da população.

O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Papa Francisco, Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.

O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível:
* nas demonstrações de raiva pela educação pública;
* no apelo a ideias obscurantistas;
* na escolha da educação como inimiga;
* nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura;
* no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil;
* na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa;
* na desqualificação das relações diplomáticas com vários países;
* na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde;
* na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia;
* na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.

No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.

Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam:
* as comunidades indígenas,
* quilombolas,
* ribeirinhas,
* as populações das periferias urbanas,
* dos cortiços e
* o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil.
Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).

Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes.

Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?

O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.

Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).

Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).

O Senhor vos abençoe e vos guarde.
Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós.
O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz!
(Nm 6,24-26).

Fonte: Folha de S. Paulo – colunas e blogs – Domingo, 26 de julho de 2020 – Publicado às 17h23 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 27/07/2020).