«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

1º Domingo do Advento – Ano B – Homilia

 Evangelho: Marcos 13,33-37 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Estamos nas mãos de Deus

A liturgia do primeiro Domingo do Advento apresenta-nos os últimos cinco versículos do capítulo mais difícil do Evangelho de Marcos, o capítulo 13, tão complexo que o próprio evangelista escreve neste capítulo “o leitor entenda!” (Mc 13,14). O que Jesus diz de extraordinário e difícil neste capítulo? Jesus anuncia que toda instituição que não favorece o ser humano e que não realça o humano está destinada a desaparecer. Mas para que desapareça Jesus precisa da colaboração dos seus discípulos que anunciam a Boa Nova e, portanto, farão desaparecer todas as notícias falsas e deixarão claro que são mentiras.

Naturalmente, o poder que se sente ameaçado não fica parado, mas começa as perseguições, mesmo mortais, mas Jesus garante aos seus discípulos: “Não se preocupem porque entre aqueles que perseguem em nome de Deus e aqueles que são perseguidos, Deus está do lado destes últimos” (cf. Mt 5,10-12). “E também quanto ao vosso fim” – conforme encontramos no versículo 32, anterior ao texto da liturgia de hoje – “não vos preocupeis porque o Pai o sabe”. Ou seja, o nosso destino, a nossa vida é conhecida pelo Pai, estamos nas mãos do Pai, portanto máxima serenidade. 

Marcos 13,33: «Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento.»

Aqui, o evangelista apresenta a formulação das palavras de Jesus com dois imperativos para sublinhar a importância do que diz. O primeiro imperativo é: “Tende cuidado” e o segundo: “ficai acordados/atentos”. Esse é um convite a ficar acordado. Por quê? Porque ele diz: “não sabeis quando chegará o momento”. Na língua grega, usavam-se duas expressões para o tempo: uma, que também conhecemos na língua portuguesa porque entrou em nossa linguagem, é kronos, do qual derivam cronologia e cronômetro, essa expressão indica o tempo em sua forma quantitativa, sentido numérico; o outro termo é kairós. O que era o kairós? Na mitologia grega, o kairós era um jovem, uma divindade que estava completamente nua, tinha asas nos pés, estava sempre correndo, era careca e tinha um topete na testa. Quando ele vinha em sua direção ou você o agarrava na hora ou ele se perdia completamente. É daí que vem a expressão que todos nós conhecemos e usamos: “aproveitar na hora uma oportunidade”. De onde ela vem? Deriva precisamente desta mitologia.

No Evangelho de Marcos, este termo kairós é usado cinco vezes para indicar urgência; qual é esse momento oportuno? O que é este momento precioso, esta oportunidade? É aquele em que o Senhor vem ao nosso encontro e nos oferece o seu amor e a sua vida de uma maneira nova, cabe-nos acolher este amor e esta vida e saber formulá-la em novas formas. 

Marcos 13,34-37: «É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”»

Depois, Jesus, por três vezes, convida a estar vigilantes: “Vigiai, vigiai, vigiai”, essa mesma expressão a encontraremos, por três vezes, no próximo capítulo, no Getsêmani (cf. Mc 14,32-42), quando Jesus pede novamente aos seus discípulos para “Vigiarem”, ou seja, ficarem acordados. Por que temos que ficar acordados? Dormir, na linguagem bíblica, significa não estar interessado no que está acontecendo, ter a mente em outro lugar. Por isso, Jesus convida-nos a sermos solidários para realizar com ele e como ele esta mudança na sociedade: uma sociedade onde o que é humano emerge cada vez mais porque Deus está em nós e...

... este Deus se manifesta em nós não quando subimos ao céu, mas quanto mais somos humanos.

Quanto mais humanos somos, mais o divino se manifesta em nós. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Muitas pessoas estão vivas, mas elas não tocam o milagre que é estar vivo.»

(Thích Nhất Hạnh: 1926 a 2022 – monge budista, pacifista, escritor e poeta vietnamita)

É deveroso constatar uma incômoda realidade: a maioria das pessoas que se diz cristã, ou seja, seguidora de Jesus, o Cristo, o Messias, o Salvador do mundo, dorme! Sim, percebemos isso nas seguintes atitudes tão comuns:

* os tais “cristãos” distraídos com suas próprias vidas, com o seu próprio bem-estar, não têm interesse por aquilo que se passa com as demais pessoas e com o nosso mundo;

* eles são passivos na comunidade, não encaram a missão de anunciar o Reino de Deus como tarefa de todos os batizados, mas, somente, reservada aos consagrados para esse fim: padres, freiras, monges, missionários etc.

* Esses cristãos se preocupam com o fim do mundo, o fim dos tempos, a sua morte, porém, não se empenham em viver, concretamente, o Reino proposto pelo nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo!

Se a maioria dos cristãos vivesse desperta, acordada, vigilante, o mundo, certamente, seria outro, seria bem diferente! Não nos esqueçamos que cada um de nós recebeu uma tarefa, uma função por parte do senhor da casa, o chefe da família a qual pertencemos, isto é, a Igreja de Jesus: “É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa” (Mc 13,34).

Portanto, na Igreja de Cristo, na família dele, todos têm função, importância e atividade! Todos os fiéis são necessários. Passou da hora de a Igreja desmantelar o clericalismo que, ainda, vigora em seu interior, separando “aqueles que mandam, que governam a Igreja” ― papa, bispos, padres, religiosos(as) ― e “aqueles que obedecem, recebem orientações”!

É por isso que a nossa Igreja não experimenta tanta criatividade e iniciativas. Os cristãos leigos vivem na dependência e sujeição às ideias, iniciativas e propostas dos clérigos! Há receio, temor e, até mesmo, medo de se tomar iniciativas no interior de nossa Igreja! Isso atravanca, torna a resposta da nossa Igreja aos desafios dos tempos atuais muito mais lenta e ineficiente.

Na “casa de Jesus”, que é a Igreja, há um só Mestre e Senhor, o próprio Jesus Cristo! E a fidelidade a ele e ao seu projeto é o que há de mais importante. O fundamental é atuarmos para que o Reino de seu Pai comece a tornar-se realidade já, aqui e agora, neste mundo em que vivemos. 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Ó Deus Pai, nós te damos graças por teu Filho Jesus Cristo que veio ao mundo para nos elevar e nos colocar no justo caminho. Quando despertas em nossos corações a sede de oração e de caridade, tu nos preparas para o amanhecer daquele novo dia em que nossa glória se manifestará junto com todos os santos na presença do Filho do Homem, que vive e reina nos séculos dos séculos. Amém.»

(Fonte: CAMILLERI, Charlò, O.Carm. 1ª Domenica di Avvento: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 23.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 1ª Domenica di Avvento – Anno B – 29 novembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 29/11/2023).

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Solenidade de N.S. Jesus Cristo, Rei do Universo – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 25,31-46 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Quem se fecha para a vida se amaldiçoa

No Evangelho de Mateus que comentamos, capítulo 25, versículos 31 a 46, é relatado o último ensinamento importante de Jesus. Para este ensinamento, Jesus se refere a uma imagem conhecida no mundo judaico e que encontramos no Talmud onde lemos que «na vida após a morte, o Santo, bendito seja ele, pegará um rolo da Torá, a Lei, colocará entre os joelhos e dirá: “Quem se ocupou disso, venha receber a sua recompensa”».

Pois bem, Jesus toma esta descrição como modelo, mas muda o seu conteúdo. O que determina a realização do indivíduo não é a relação que terá tido com a lei, com Deus, mas o comportamento, a relação que terá tido com as outras pessoas. Por que isso? Com Jesus, Deus – como Mateus descreve no início do seu evangelho – é o Deus conosco. Então, com Jesus, a direção da humanidade não é mais para Deus, mas com Deus e como Deus para com os homens.

O Deus de Jesus nunca perguntará se você acreditou nele, mas se você amou como ele!

Mateus 25,31-33: «Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.»

Vejamos então o ensinamento de Jesus: Jesus apresenta-se como o Filho do Homem que aparece na sua glória e divide os povos pagãos. Não é um julgamento universal. Israel já foi julgado neste evangelho, é o julgamento daqueles que não conheceram a Deus.

Assim como o agricultor distingue os frutos bons dos frutos podres, assim como o pescador, neste Evangelho, soube distinguir os peixes bons e descartar os podres, assim o Senhor reconhece imediatamente aqueles que orientaram a sua vida para o bem dos outros

Mateus 25,34-36: «Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’.»

Ele os abençoa porque foram eles que realizaram o plano de Deus para a humanidade. E, depois, elenca seis ações de carência, de sofrimento, de necessidade por parte da humanidade com as respostas que foram dadas.

Destas seis ações nada diz respeito à atitude perante a religião, nada diz respeito ao comportamento para com Deus, mas sim para com as necessidades dos necessitados da humanidade.

O que permite a vida eterna não é, portanto, o comportamento religioso, mas o comportamento humano.

O que se destaca nessas seis situações é o encarcerado. “Eu estava na prisão e viestes me visitar.” Naquele tempo, o preso não despertava compaixão, não despertava piedade, mas apenas desprezo. Ir visitar um preso também significava alimentá-lo, já que os carcereiros certamente não forneciam sua alimentação. 

Mateus 25,37-40: «Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?’ Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’»

A surpresa é a reação dessas pessoas a quem Jesus disse que lhe fizeram todas essas coisas: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, etc.” Pois bem, a resposta de Jesus: “Em verdade vos digo: tudo o que fizeste a um destes meus menores irmãos...” Quem são os menores irmãos? São as pessoas invisíveis da sociedade, são os necessitados, os marginalizados, os excluídos. Bem, Jesus considera isso feito a ele.

Isto não significa que devemos amar os outros por Jesus, mas amá-los com Jesus e como Jesus.

Mateus 25,41-43: «Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos. Pois eu estava com fome e não me destes de comer; eu estava com sede e não me destes de beber; eu era estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me vestistes; eu estava doente e na prisão e não fostes me visitar’.»

E aqui está o outro lado da moeda. “Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos!’” É importante sublinhar isto. Enquanto, anteriormente, Jesus chamou os justos de “bem-aventurados por meu Pai”, aqui, ele declara “amaldiçoados” os injustos, mas não por seu Pai; Deus não amaldiçoa, Deus só abençoa! Esta maldição – é a única vez que aparece no Evangelho – recorda a primeira maldição da Bíblia, no livro do Gênesis, lançada contra Caim, que assassinou o seu irmão (cf. Gn 4,11).

Então Jesus é muito severo. Não oferecer ajuda, não responder às carências básicas, ao sofrimento e às necessidades dos outros equivale a homicídio! Eles não são amaldiçoados por Deus, mas o seu egoísmo, o seu fechamento às necessidades dos outros, faz com que se amaldiçoem!

Quem se fecha para a vida se amaldiçoa.

Ide para o fogo eterno”, fogo eterno significa aquilo que tudo destrói, “preparado para o diabo”. É a última vez, neste evangelho, que o diabo aparece em sua destruição final, significa sua derrota definitiva porque termina no fogo eterno que tem a imagem daquilo que tudo destrói, “e seus anjos”, ou seja, seus emissários, aquelas pessoas que se tornaram instrumentos de morte. Jesus não repreende estas pessoas por terem feito algo de mau, mas por se tornarem instrumentos de morte porque não fizeram o bem em ocasiões de necessidade, em ocasiões de sobrevivência. 

Mateus 25,44-45: «E responderão também eles: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou nu, doente ou preso, e não te servimos?’ Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo, todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!’»

Estes também respondem – e o fazem resumindo todas as situações de sofrimento da humanidade, a fome, a sede, mas é interessante o final:e não te servimos?Os justos não dizem isso! Obviamente, estes acreditam que serviram ao Senhor, que o serviram na liturgia, no culto, não compreenderam que, com Jesus, Deus não pede para ser servido, mas ele que é Deus se coloca ao serviço da humanidade para que os homens, com ele e como ele, se coloquem a serviço dos outros.

Em verdade eu vos digo, todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!” Portanto, mais uma vez, o que determina o sucesso na vida e o comportamento de uma pessoa não é o relacionamento que se teve com Deus, mas o relacionamento que se teve com os outros.

Quando nos fechamos aos outros, fechamo-nos a Deus!

Mateus 25,46: «Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.»

E aqui está a sentença de Jesus:estes irão para o suplício eterno”. Esta é uma imagem tirada do livro do profeta Daniel, capítulo 12, versículo 2, que significa o fracasso definitivo da própria vida. O termo traduzido como “suplício”, em grego significa “mutilar”. O castigo, portanto, não é devido ao Pai, mas foram eles próprios que se puniram, pois a sua vida é mutilada, uma vida que não atingiu a sua plenitude.

Portanto não se trata de um castigo, mas de um fracasso total, que no Apocalipse será definido como “segunda morte” (Ap 20,14). Mas o evangelho termina com uma imagem positiva:os justos irão para a vida eterna”. Quem viveu fazendo o bem, comunicando vida a quem precisava, realizou a sua existência e, sobretudo, cumpriu o plano de Deus para a humanidade. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com ações e em verdade!»

(1João 3,18)

Se alguém, ainda, tivesse alguma dúvida, neste Evangelho Jesus deixa claríssimo uma verdade absoluta: não é a religião que salva, mas o amor vivido, concretamente, em favor dos necessitados e marginalizados deste mundo! É chocante constatar que Jesus não menciona nem mesmo um único item religioso entre os critérios que serão levados em conta na avaliação de nossa vida nesta terra!

Com isso, todos os critérios humanos de sucesso, realização e êxito na vida caem por terra! Afinal, o que “dá um valor imperecível à vida não é o status social, o talento pessoal ou o sucesso alcançado ao longo dos anos. O decisivo é o amor concreto e solidário aos necessitados de auxílio” (J. A. Pagola).

Da mesma forma, ficam relativizadas todas as práticas devocionais e religiosas, pois de nada vale frequentar igrejas, sacramentos, celebrações, novenas e buscar observar doutrinas, preceitos e mandamentos se a nossa vida concreta não for a manifestação do serviço em favor dos mais necessitados deste mundo.

Desse modo, o pobre, o despossuído, o esquecido, o marginalizado é posto no lugar de “sacramento” (sinal) da presença de Deus! Isso mesmo, e não estou exagerando! Quem desejar duvidar disso, ouça o que diz o próprio Cristo:

“Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40).

 Uma vez que Cristo é o sacramento original, o sacramento radical, pois Jesus, o Messias, é o Filho de Deus. Isso significa dizer que Cristo é Deus de uma maneira humana, e homem de uma maneira divina. Por isso, o Deus invisível e inacessível se faz visível e próximo em Jesus:

“Quem me viu, viu o Pai... Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (João 14,9b.10a).

Portanto, “Jesus pode ser considerado o sacramento por excelência, na medida em que é a única realidade que pode expressar plenamente o que Deus é (cf. Jo 1,18), e na medida em que só ele pode assumir plenamente o que no homem tem ou pode ter de experiência de Deus” (J. M. Castillo). Sendo assim, quando Cristo se reconhece na pessoa do pobre, do sofredor, do invisível, ele os eleva à categoria de “sacramento-símbolo” como ele o é do Pai, ou seja, de Deus.

Quem não frequentar e apoiar esse sacramento, que é o pobre, não terá lugar ao lado de Deus em seu Reino! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho

 «Senhor Deus, tu fizeste de teu Filho Jesus rei e juiz universal. Ele virá no fim dos tempos para julgar todas as nações. Ele vem até nós todos os dias de mil maneiras e nos pede para acolhê-lo. Nós o encontramos na Palavra e no pão partido. Mas também o encontramos, especialmente, nos irmãos partidos e desfigurados pela fome, pela opressão, pela injustiça, pela doença, pela culpa da sociedade... Abre os nossos corações para poder acolhê-lo no hoje da nossa vida, para sermos acolhidos por ele na eternidade do seu Reino. Pedimos-te isto pelo próprio Cristo, nosso Senhor. Amém.»

(Fonte: VELLA, Alexander, O.Carm. 34ª Domenica: Gesù Cristo Re dell’Universo: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 612.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 34ª Domenica del Tempo Ordinario – Cristo Re – Anno A – 22 novembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 21/11/2023).

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

33º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 25,14-30 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Deus nos quer livres como ele, não pessoas atemorizadas

Com Jesus a relação com Deus, com o Pai, muda. Não mais servos do Senhor, mas filhos do Pai. Mas uma ideia errada de Deus pode arruinar a existência de uma pessoa e impedir a transição de servo para filho. É o que estamos refletindo, desde o domingo passado, mediante três parábolas que Jesus começou a contar-nos:

* parábola das virgens prudentes e imprudentes (Mt 25,1-13) ― domingo passado;

* parábola dos talentos (Mt 25,14-30) ― este domingo e

* parábola do juízo universal (Mt 25,31-46) ― próximo domingo. 

Mateus 25,14-17: «Jesus contou esta parábola a seus discípulos: “Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou. O empregado que havia recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles, e lucrou outros cinco. Do mesmo modo, o que havia recebido dois lucrou outros dois.»

Jesus está falando sobre o reino, o Reino dos Céus. No mundo oriental, todos os empregados de uma pessoa importante são chamados de servos, mesmo que, como neste caso, sejam funcionários de alto escalão. Este senhor não deixa seus bens sob custódia, mas os transfere. O verbo “entregar” usado pelo evangelista significa “dar” sem depois receber de volta. O talento era uma medida de valor muito importante, um talento oscilava entre 26 e 36 kg de ouro; um talento correspondia aproximadamente a 6.000 denários, ou seja, 20 anos de salário de um trabalhador, portanto uma fortuna. “... a cada qual de acordo com a sua capacidade”, literalmente, “força”. O senhor, o mestre conhece seus oficiais e conhece suas habilidades. E aquele que recebeu dois talentos faz o mesmo. O primeiro ganha mais cinco, e o outro dobra igualmente, ganha mais dois, agem como senhores, como se o talento fosse deles. 

Mateus 25,18: «Mas aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão.»

Cuidado, não é que com um só talento esse funcionário tenha recebido pouco, pois um talento equivale a cerca de 30 kg de ouro ou 20 anos de salário para um trabalhador, portanto uma enorme fortuna. No entanto, ele continua servo em sua mentalidade, não se sente como um senhor. Ao enterrar este talento é como se ele estivesse enterrando a sua própria vida, mas também o faz porque, segundo a lei rabínica, se alguém enterrasse o dinheiro que lhe foi dado, em caso de roubo, não era obrigado a devolver.

Então ele toma todos os cuidados, não acredita na generosidade do seu senhor. 

Mateus 25,19-23: «Depois de muito tempo, o patrão voltou e foi acertar contas com os empregados. O empregado que havia recebido cinco talentos entregou-lhe mais cinco, dizendo: ‘Senhor, tu me entregaste cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei’. O patrão lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!’ Chegou também o que havia recebido dois talentos, e disse: ‘Senhor, tu me entregaste dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei’. O patrão lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!’»

O evangelista fala no presente, para representar uma ação que continua na comunidade de Jesus, “e queria acertar contas com eles”. Ele não vem para receber de volta o que doou, mas para ver o que fizeram com isso. Pois bem, neste momento o senhor, o patrão, não pede de volta aquilo que deu, mas se alegra e exclama: “Muito bem, e esta exclamação se assemelha à do Criador no livro do Gênesis quando Deus admira a sua obra (cf. Gn 1,31). O patrão fala de “administração de tão pouco”, mas é uma enormidade, uma fortuna imensa, 150 kg de ouro, uma fortuna extraordinária, e o dono diz que foi pouco. Convida-o a fazer parte de todos os seus bens, de toda a sua vida e faz com que passe da condição de servo à de senhor, livre como ele. Da mesma forma para aquele que recebeu dois talentos. 

Mateus 25,24-28: «Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: ‘Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso, fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence’. O patrão lhe respondeu: ‘Servo mau e preguiçoso! Tu sabias que eu colho onde não plantei e que ceifo onde não semeei? Então, devias ter depositado meu dinheiro no banco, para que, ao voltar, eu recebesse com juros o que me pertence’. Em seguida, o patrão ordenou: ‘Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez!»

Porém, a situação é diferente para quem recebeu um talento. Ele raciocina com base no que sabe, mas é um conhecimento errado. Esta é uma imagem distorcida que não é justificada pela narrativa. Na narrativa vemos um senhor que não é generoso, mas loucamente generoso, que não só não quer de volta a enorme fortuna que deixou aos seus funcionários, mas na verdade os torna parte de todo o seu patrimônio, de toda a sua vida. “Eu estava com medo”. É aqui que o evangelista quer chegar, uma imagem distorcida de Deus, o temor de Deus pode ser fatal para a pessoa, que tem medo de agir por receio de reprovação, ou de errar. João dirá na primeira carta: “Não há medo no amor. Quem teme não é perfeito no amor” (1Jo 4,18).

Enquanto os outros tomavam posse da riqueza que lhes fora confiada e agiam livremente, ele permaneceu servo, e ele mesmo sublinha: “... escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence”. Ele nunca considerou isso seu. O senhor não concorda com a imagem que o servo tem dele, é uma imagem distorcida.

O medo de errar, no indivíduo, paralisou a sua ação, o seu crescimento.

E aqui está a sentença: “Tirai dele o talento”. Ele não sabia o que fazer com isso, era uma fortuna e ele não sabia como usá-la, aliás para ele essa fortuna que o senhor lhe havia dado tornou-se motivo de angústia, ansiedade e preocupação. Aí o senhor lhe diz “não adianta você ficar com ele”, e complementa: “e dai-o àquele que tem dez!”.

Esse indivíduo não está sendo punido por ter feito algo de ruim, ele simplesmente não fez nada

Mateus 25,29-30: «Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado. Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Aí haverá choro e ranger de dentes!’”.»

“... a todo aquele que tem”. Já encontramos este verbo “ter” no Evangelho de Mateus na parábola dos quatro terrenos (Mt 13), e indica produzir, aquele que produz, “quem tem”, ou seja, quem produz e frutifica com o que lhe é dado: “será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado”.

Quem produz amor recebe do Pai uma capacidade muito maior de amar. Por outro lado, quem não ama, quem não orienta a vida para os outros, atrofia e fica sem nada.

Este servo inútil...”, inútil porque não soube o que fazer com essa fortuna, “jogai-o lá fora, na escuridão”. Na verdade, ele já está aí porque ao enterrar o talento ele se enterrou!Aí haverá choro e ranger de dentes!”, é uma expressão um tanto equivalente ao nosso português: “arrancar os cabelos”. É o desespero por ter falhado na existência. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Não tenho medo de Deus. Tenho medo do homem.»

(Svetlana Aleksiévitch: nascida em 1948 – jornalista e escritora bielorrussa, Nobel de Literatura de 2015)

É incrível como a imagem que fazemos de Deus é determinante para o tipo de relação que estabelecemos seja com ele, seja com as demais pessoas! O medo insano foi a ruína do terceiro servo da parábola dos talentos, que acabamos de refletir em seus detalhes. Um deus que agisse como um policial, um investigador, um juiz, um capataz de fazenda, observando atentamente, anotando todas as nossas faltas e desvios, bem como, nos punindo por tudo o que fizéssemos de errado na vida, não seria um deus merecedor de nosso amor, de nosso carinho e, muito menos, do apelativo “deus”! 

O senhor da parábola, imagem do próprio Deus, não se irritou com o funcionário que enterrou, ou seja, anulou o talento recebido porque a sua produtividade, o seu rendimento não foi o esperado! Não, o que irritou o senhor foi a paralisia, o comodismo, a autodefesa, o fechamento em si mesmo e, principalmente, a imagem deturpada que ele tinha de seu senhor! No fundo ― aquele servo e muitos de nós ainda hoje ―, tinha medo de sua liberdade! Isso mesmo!

Ser livre é ser capaz de suportar o fardo da responsabilidade por aquilo que somos e fazemos!

E isso nem todos estão dispostos a viver! Por isso, o Deus do medo, o Deus juiz é tão popular e permanece em tantas mentes e corações, mesmo, após a vinda de Jesus a esta terra! Esse Deus não existe, ele é produto de nossa invenção. Afinal, esse Deus do medo, da punição, do castigo é um Deus que nos dá segurança. Pois, um fiel que tem medo de Deus submete-se como um rebanho de ovelhas, aguenta todo tipo de jugo, pois sente-se “seguro” em meio ao “caos” deste mundo. Daí, a preocupação de certos fiéis em ter respostas prontas e claras para tudo, pois a sua liberdade eles a entregaram a um guia, um guru, um padre, um pastor, um monge tibetano, um mestre filosófico, enfim, a alguém que pensa por eles e lhes indica o caminho da vida. 

É mais fácil viver, assim, não há dúvida! Porém, essa é a atitude condenada por Jesus na parábola deste domingo! Ela leva a uma vida inútil, estéril, pois não produz nada de novo. Trata-se de devolver a Deus aquilo que já era dele, ou seja, é negar-se a dar-lhe algo que seja fruto de nossa vivência, de nossos esforços, de nossas quedas e soerguimentos. No fundo, é negar-se a viver, a jogar-se na existência, sem medo! 

O sentido dessa parábola está otimamente retratado pelas corretas palavras de Papa Francisco, logo no início de seu pontificado:

«... prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37)» (Evangelii Gaudium, 49).


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Obrigado, Pai, pelo dom do Espírito que me faz pertencer a Cristo, a ponto de ser um com Ele. Obrigado, Pai, porque no Espírito Santo me fizeste filho em teu Filho Jesus. Obrigado, Pai, porque, no Espírito que me deste, posso te chamar: "Papai". Obrigado, Pai, pelo Espírito que habita em mim: aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos também me dará a vida que não morre! Obrigado, Pai, porque, pela força do Espírito Santo, tu me deste a capacidade de viver não na escravidão e no medo, mas na liberdade e na alegria dos filhos de Deus. Amém.»

(Fonte: MESTERS, Carlos, O.Carm. 33ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione iniziale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 596.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 33ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 15 novembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 14/11/2023).

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

32º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 25,1-13 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Deus vem ao nosso encontro, estejamos preparados

O capítulo 25 do Evangelho de Mateus integra o último dos cinco discursos que dividem a sua obra (Mt 24―25), numa imitação dos cinco livros da lei que se acredita terem sido escritos por Moisés. Pois bem, este capítulo contém a última dica, a última vez, em que o evangelista fala do reino dos céus que, recordando, não é um reino nos céus, mas significa o Reino de Deus. E o evangelista o faz reconectando este discurso sobre o reino dos céus com aquela parábola, no final do Sermão da Montanha (cf. Mt 7,21-23). Em particular quando Jesus afirma que: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!, entrará no Reino dos Céus’” (Mt 7,21a). Não bastam certificados de ortodoxia para estar em comunhão com ele, mas sim aquele que colabora na ação criadora do Pai, “aquele que realiza a vontade de meu Pai” (Mt 7,21b). E Jesus concluiu o Sermão da Montanha com a imagem do louco que vai construir a casa sobre a areia e ao primeiro mau tempo a casa desaba, e do homem sábio e inteligente que a constrói sobre a rocha (cf. Mt 7,24-27). Era a imagem daqueles que ouvem a sua palavra, mas depois não a põem em prática e por isso a sua vida cai em ruínas, e daqueles que a ouvem e depois a praticam. Leiamos então o capítulo 25 de Mateus. 

Mateus 25,1-2: «Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos esta parábola: “O Reino dos Céus é como a história das dez jovens que pegaram suas lâmpadas de óleo e saíram ao encontro do noivo. Cinco delas eram imprevidentes, e as outras cinco eram previdentes.»

Então” (em grego: tóte), o evangelista se conecta à vinda do Senhor em suas manifestações na história humana, “o reino dos céus”, que significa a sociedade alternativa que Jesus veio criar, “será como dez virgens”, virgens significa moças ainda solteiras, portanto em idade de se casar, “que pegaram suas lâmpadas de óleo”, por lâmpadas não devemos entender aquelas de uso doméstico, mas aqui estamos falando de tochas, “e saíram ao encontro do noivo”. O “noivo” é a imagem de Deus, desde o profeta Oseias em diante, era ele o noivo e seu povo a noiva. “Cinco delas eram insensatas”, literalmente loucas, e aqui o evangelista usa o mesmo termo que Jesus proíbe de ser usado em sua comunidade, ele diz “quem chama seu irmão de louco” (Mt 5,22c), e este termo foi usado justamente na conclusão do discurso da montanha para o louco que vai construir sua casa sobre a areia e vai à ruína. “E cinco sábias”, sábias como o homem que constrói sobre a rocha. 

Mateus 25,3-5: «As imprevidentes pegaram as suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. As previdentes, porém, levaram vasilhas com óleo junto com as lâmpadas. O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormindo.»

O tema dessa passagem do Evangelho não é o da vigilância porque todas adormecem, mas se trata de ter ou não a possibilidade de ir ao encontro do noivo

Mateus 25,6-9: «No meio da noite, ouviu-se um grito: ‘O noivo está chegando. Ide ao seu encontro!’ Então as dez jovens se levantaram e prepararam as lâmpadas. As imprevidentes disseram às previdentes: ‘Dai-nos um pouco de óleo, porque nossas lâmpadas estão se apagando’. As previdentes responderam: ‘De modo nenhum, porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar dos vendedores’.»

Aqui, Jesus não se refere aos costumes matrimoniais da época, mas antes os inverte, porque não eram as moças que iam ao encontro do noivo, mas era a noiva que, acompanhada das amigas, entrava na casa do noivo. Por que esta diversidade? Apenas para atrair a atenção daqueles que ouvem. A resposta negativa das moças sábias pode parecer estranha, agora. Mas agem racionalmente, porque é melhor ter algumas com lâmpadas para receber o noivo, do que muitas, porém no escuro. Então esse óleo representa algo que todos podem ter, mas que não pode ser emprestado e entenderemos isso mais adiante. 

Mateus 25,10: «Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo chegou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou.»

O evangelista dá-nos a imagem do encontro nupcial, a vida do crente não é feita sabe-se lá de quais sacrifícios dolorosos, mas é um crescendo de alegria na relação com o noivo. Diz-se: “e as virgens que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e a porta foi fechada”, esta também é outra incoerência. No matrimônio, nas núpcias, todo o povoado era convidado e as portas não eram fechadas. Porém, o evangelista enfatiza precisamente essas esquisitices para atrair a atenção dos ouvintes, e de fato ele se refere ao que Jesus havia expressado no final do Sermão no Montanha. 

Mateus 25,11-12: «Por fim, chegaram também as outras jovens e disseram: ‘Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!’ Ele, porém, respondeu: ‘Em verdade eu vos digo: Não vos conheço!’»

Ocorre, aqui, exatamente como aqueles que gritaram: “Senhor! Senhor!” (Mt 7,21) e o Senhor disse não lhes conhecia: “Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7,23), literalmente construtores do nada.

Não basta acreditar, não basta um certificado de ortodoxia, não basta a fidelidade à doutrina, o Senhor pede-nos que sejamos colaboradores na sua ação criadora e a ação criadora de Deus se faz comunicando a vida.

Essa é a imagem deste óleo. No evangelho, sempre no evangelho de Mateus, Jesus dirá: “Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16). Aqui está esta luz, este óleo que ilumina são as boas obras e não se pode emprestar boas obras a outro, ou existem ou não existem.

E assim o noivo, aqui, responde exatamente como Jesus fez aos que praticam a iniquidade: “Em verdade eu vos digo: Não vos conheço!”. Jesus, o Senhor, não conhece aqueles que têm com Ele uma relação baseada na ortodoxia, em certificados de fidelidade, mas sim aqueles que traduzem esta ortodoxia, estes certificados de fidelidade em atitudes plenamente humanas, atendendo às carências e às necessidades, aos sofrimentos dos outros. 

Mateus 25,13: «Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia, nem a hora”.»

E depois o convite final: “Portanto, ficai vigiando”. Aqui, vigiar não significa ficar acordado à noite porque na verdade todos estão dormindo, mas significa estar plenamente consciente e atento ao que acontece, viver cada momento da própria vida ao máximo, para poder colaborar na ação criadora do Senhor. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Não vos façais de surdos ao escutar a voz de que chega o esposo, porque é uma voz realmente potente, e está cheia de bondade. Não ordenou que a natureza dos homens fosse para ele, mas ele pessoalmente veio junto a nós.»

(São João Crisóstomo: século V ― bispo, teólogo e Doutor da Igreja)

Neste domingo, inicia-se uma sequência de três parábolas narradas por Jesus, no capítulo 25 de Mateus. Todas têm a mesma finalidade: preparar-nos para o encontro com Deus e com o final de tudo. Nos próximos dois domingos, serão proclamadas as duas parábolas restantes: a parábola dos talentos (Mt 25,14-30) e aquela do Juízo universal (Mt 25,31-46).

Como frei Maggi já frisou em seu comentário acima, a questão central da parábola das virgens não é a vigilância, mas na preparação para o encontro com Deus. Quem não se prevenir, ficará sem encontrá-lo! 

E, ao menos, dois fatores podem ser decisivos para impedir esse encontro definitivo com Deus:

a) a diminuição ou extinção do amor no coração dos cristãos (cf. Mt 24,12). É o óleo que falta para manter a “lâmpada” acesa. Quem não ama não poderá conhecer nem mesmo encontrar-se com Deus, que é amor (cf. 1Jo 4,8.16b).

b) a superficialidade e fragilidade da fé. Não basta orar “Senhor! Senhor!”, é preciso realizar, concretamente, a vontade de Deus, já neste mundo! Uma prática formalista da fé, da boca para fora, não promove o encontro real com Deus (cf. Mt 7,22-23). Como é possível sermos cristãos sem conhecer o projeto de Jesus, nem nos sentirmos atraídos pelo seu estilo de vida?

Portanto, trata-se de não perdermos o “momento oportuno” (em grego: kairós), no qual o Cristo quer nos encontrar. Se gastamos nossas energias naquilo que nos distrai e distancia do Evangelho, então, perdemos essa ocasião fundamental em nossas vidas. Mais do que nunca, necessitamos de uma nova qualidade em nossa relação com ele! Pois, somente o Cristo pode renovar nossa vida e aquela de nossas comunidades.

Porém, ao comparar esse encontro final com Deus ao de uma festa de casamento, Jesus está nos revelando que ser cristão, ser seu seguidor é viver na alegria. Pois a fé e a esperança nos fazem sentir essa presença viva de Deus em nós! À medida que nossos pequenos, mas decisivos, esforços vão se somando aos das demais pessoas, tornando nosso o projeto do Reino de Deus trazido por Jesus, somos inundados pela sua alegria e pelo seu amor.

Afinal, o Reino de Deus é essa festa eterna para a qual todos somos convidados! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor nosso Deus, desvia os discípulos do teu Filho dos caminhos fáceis da popularidade, da glória barata, e leva-os aos caminhos dos pobres e dos flagelados da terra, para que possam reconhecer no rosto deles o Mestre e Redentor. Dá olhos para ver os caminhos possíveis para a justiça e a solidariedade; ouvidos para ouvir as questões de sentido e salvação de muitos que estão tateando; enriquecer os seus corações com generosa lealdade, delicadeza e compreensão, para que se tornem companheiros de viagem e testemunhas verdadeiras e sinceras da glória que brilha no crucificado ressuscitado e vitorioso. Ele vive e reina em glória contigo, ó Pai, para todo o sempre. Amém.»

(Fonte: MESTERS, Carlos, O.Carm. 32ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 595.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 32ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 8 novembre 2020 – Internet: clique https://www.studibiblici.it/videoomelie27.html (Acesso em: 06/11/2023).