«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 30 de junho de 2020

O “bicho papão” de sempre

Sempre que pessoas autoritárias querem se impor, tiram do bolso a ameaça do “comunismo”

Maurício Horta

Mais um mito cai por terra:
os militares não deram o golpe de 1964 para evitar que o
comunismo dominasse o Brasil
Mito: os militares impediram um golpe comunista em 1964 | Cultura ... 
Marxistas estão organizando camponeses no Brasil”, estampava a primeira página do [jornal] The New York Times, no dia 23 de outubro de 1960. O jornal tinha enviado seu correspondente Tad Szulc ao engenho Galileia, nos campos canavieiros de Pernambuco, onde nasceram as Ligas Camponesas – sociedades de ajuda mútua de camponeses que surgiram em 1955 com o mero intuito de prover caixões dignos para seus mortos, mas que chegaram aos anos 1960 como o maior movimento rural do País. Nas palavras exaltadas de Szulc, as Ligas tinham feito do Nordeste brasileiro um criadouro para a “organização e doutrinação” de comunistas, com objetivo de criar um “exército político de 40 milhões”.

Essa história era familiar para a opinião pública americana e refletia um medo comum entre militares brasileiros – o de que comunistas estavam preparando uma guerra revolucionária para fazer do Brasil uma grande Cuba. A movimentação das Ligas no campo e de sindicatos com dirigentes comunistas nas cidades seria um sintoma disso. Mas não era para tanto. Embora a revolução cubana e a figura romântica de Che Guevara pudessem inspirar jovens idealistas, a luta armada estava fora dos planos das esquerdas brasileiras.
Mito: os militares impediram um golpe comunista em 1964 | Cultura ...
João Goulart -  apelidado de "JANGO"
João Goulart não era comunista

Para começar, Jango não era comunista. Marxistas ortodoxos defendem o fim da propriedade privada dos meios de produção. Já Jango era um advogado proprietário de terras gaúchas. Mas esse tipo de detalhe não importava. Nos tempos de Guerra Fria, bastava dialogar com a esquerda para ser comunista. A base eleitoral de Jango sempre foram trabalhadores e as camadas mais pobres. No Ministério do Trabalho de Getúlio (1953-1954), apoiou sindicatos, não reprimiu greves e tentou dobrar o salário mínimo. Acabou demitido. No Planalto, aproximou-se dos movimentos sociais para pressionar o Congresso nas ruas a aprovar reformas. Acabou deposto.

Seu partido, o PTB, também passava longe do comunismo. Pelo contrário, foi criado por Getúlio Vargas, em 1945, para disputar com os comunistas o eleitorado de trabalhadores urbanos. Enquanto o PCB [Partido Comunista Brasileiro] falava em “luta de classes”, o PTB usava o Ministério do Trabalho para domesticar os sindicatos. Assim, Getúlio ficou para a história como “pai dos pobres – e mãe dos ricos”.

Conforme o País se industrializou, uma ala do PTB deu uma guinada em direção a um nacionalismo de esquerda. Quando governou o Rio Grande do Sul (1959-1963), Brizola encampou as companhias americanas que forneciam eletricidade e telefonia no Estado, e ameaçou uma guerra civil para garantir a posse de Jango, em 1961. Mas esse nacionalismo radical não se confundia com comunismo. Estava muito mais próximo do anti-imperialismo do egípcio Nasser, do indiano Nehru e do indonésio Sukarno, líderes que rejeitavam a liderança tanto dos EUA quanto da URSS na Guerra Fria.

Partido Comunista escolheu a via legal e eleitoral

Até o velho PCB perdeu o espírito revolucionário. Em 1958, o Partidão renunciou à revolução armada. Em vez de lutar contra a burguesia, seu novo objetivo era chegar ao poder pela via legal, apoiando um governo nacionalista eleito. Jango era o aliado perfeito. Uma vez no poder, o PCB passaria a lutar contra o “imperialismo” (o capital estrangeiro) e o “feudalismo” (o latifúndio). Empurrara com a barriga a “ditadura do proletariado”, com prazo indeterminado.

“Com a posse de Goulart, a ideologia do PCB parecia encontrar uma base real de sustentação política”, afirma Marcelo Ridenti, professor de sociologia da Unicamp. “O chamado populismo de esquerda e o PCB tinham muitos pontos de contato. Ambos reivindicavam a libertação do povo para a construção de uma nação brasileira, independente do imperialismo e livre do atraso feudal remanescente no campo.”
As Reformas de Base, o Golpe de 1964 e o Anticomunismo - A Verdade ...
Inventando um “inimigo interno”

Mas a direita civil e militar tinha seus motivos para ver a radicalização de outra forma. Desde meados da década de 1950, a Escola Superior de Guerra e outros think tanks [pensadores, criadores de opinião] de direita divulgavam o temor de que uma guerra não convencional estava em curso no Terceiro Mundo, com o objetivo de implantar o comunismo. Já tinha acontecido na Indochina (1946), em Cuba (1956-1959) e na Argélia (1956-1962). Esse conflito não envolveria Estados, mas um “inimigo interno”, que agiria em todos os níveis da sociedade. Seus meios seriam a doutrinação, a mobilização de massas e a luta armada. No Brasil, só faltaria o último elemento. [Repare: é a mesma cantilena dos tempos de agora, no Brasil!]

Tudo ficava mais ameaçador para a direita com a popularidade da Revolução Cubana entre a esquerda. “Ela foi muito bem recebida por todas as correntes ditas progressistas no início da década de 1960, da esquerda católica aos comunistas, dos trabalhistas aos socialistas”, afirma Ridenti.

Mas não havia risco real de que se instalasse no Brasil uma Cuba do Sul. Uma coisa era celebrar o simbolismo do Davi latino contra o Golias americano. Outra coisa era pegar em armas pela revolução. Enquanto o Brasil foi uma democracia, a luta armada ficou de fora. Em vez disso, a esquerda abraçava a estratégia pacífica do PCB de se aliar a Jango e pressionar por reformas nas ruas. Foi somente com o golpe de 1964 que grupos debandaram do Partidão e abraçaram o modelo de revolução de Fidel Castro. Se essas pequenas e malsucedidas guerrilhas tentaram fazer do Brasil uma segunda Cuba, foi em grande parte em reação ao próprio golpe.

Fonte: Super Interessante – História – Dossiê “21 mitos sobre a Ditadura Militar” – 02 de outubro de 2018 – Publicado às 16h44 – Acesso em: 30/06/2020 – às 17h00 – Internet: clique aqui.

O comunismo como um perigo inventado
no Brasil

Alex Ribeiro
Historiador, Cientista Político e Jornalista

“O comunismo constitui-se o
inimigo mais perigoso da civilização cristã”,
disse Getúlio Vargas
80 anos do Estado Novo em destaque na Rádio Senado — Senado Notícias
Comitiva de Getúlio Vargas (ao centro) durante a passagem por Itararé (SP)
a caminho do Rio de Janeiro após a Revolução de 1930

Fonte: Agência Senado

O comunismo constitui-se o inimigo mais perigoso da civilização cristã”, disse Getúlio Vargas antes de implantar o chamado Estado Novo em 1937 no Brasil. O discurso contra os simpatizantes ao regime comunista assim se solidificava no País e ainda reflete nos dias atuais.

Um dos grandes desafios em relação ao comunismo é a falta de informação sobre esta ideia que sempre foi colocada em oposição ao capitalismo. As eleições de 2018 escancaram esta desinformação realizada nas redes sociais e reproduzida para boa parte da população.

O comunismo, mesmo, jamais foi aplicado

Apesar de toda narrativa contra, o comunismo sempre ficou no campo das ideias e
nunca chegou perto de sua formulação ideal no mundo e muito menos no Brasil. De acordo com Dicionário de Conceitos Históricos, o termo é um conjunto articulado teórico que baseia um tipo de sociedade e também uma ação política fundamentado na luta da classe trabalhadora com as classes dominantes.
ABCs do Socialismo – O Minhocário
Confusão entre comunismo e socialismo

A ideia do comunismo também é confundida com o socialismo. Os dois termos não foram diferenciados pelos seus principais idealizadores: Karl Marx e Friedrich Engels.

Como surgiram nos movimentos políticos do século XIX, alguns grupos seguiram
caminhos diferentes:
* Uns queriam optar pela derrubada do sistema capitalista para adoção imediata do comunismo e
* outros pretendiam chegar ao poder com medidas mais pacíficas e de reformas progressistas – estes começaram a ser chamados de socialistas.

O socialismo foi o ideal de vários movimentos espalhados pelo mundo se espelharam em uma das figuras da Revolução Russa: Lenin. A Guerra Fria e outros movimentos ocorridos na Ásia e América Latina tiveram os ideais soviéticos como espelho e não a passagem pacífica do capitalismo ao comunismo como era argumentado por Marx e Engels.
Pedro Aurélio de Góis Monteiro – Wikipédia, a enciclopédia livre
Gen. Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956)
Fazendo a cabeça dos católicos e da classe média

Vale lembrar que as práticas sobre um ideal comunista eram diferentes em muitos lugares. No Brasil, muitas vezes nem se chegava a ser um projeto de poder. Quando alguns grupos surgiam com apreço a políticas públicas progressistas, de imediato eram associados ao comunismo e havia uma narrativa, fortalecida pela repressão e propaganda, que o sistema iria contra as famílias e os cristãos.

De acordo com Lilia Schwarcz e Heloisa Starling,
o discurso feito na época de Vargas, consolidou um imaginário anticomunista
em boa parte da população católica e das classes médias e altas.

Esse imaginário foi fortalecido pelo General Góis Monteiro que defendeu a suspeição de direitos individuais dos políticos e lideranças populares que tinha apreço pelos ideais comunistas. O mesmo membro das forças armadas também foi responsável pela mesma repreensão na Ditadura Civil Militar Brasileira (1964-1985). Os anos de chumbo no Brasil repudiavam as pessoas que iriam contra o regime, que eram chamados de terroristas e consequentemente associados ao comunismo.

Isso foi postergado na campanha de 1989, na qual o então candidato à presidência da República Fernando Collor de Melo alertava o perigo dos ideais comunistas e “da nossa bandeira jamais será vermelha”. [E todo mundo sabe o que aprontou Collor de Melo para o nosso país!]

Com esses discursos qualquer grupo que estampa a cor vermelha em sua bandeira é taxado de comunista. Este sistema, que ficou preso no campo das ideias, virou um temor apocalíptico. A análise ficou tão delicada que vários atos realizados por sindicatos e grupos que representam a classe trabalhadora são taxados de “desocupados” e “vagabundos”. Onde parece que reivindicar alguma coisa do sistema vigente é ser contra o país, a não ser que esteja trajado das cores verde e amarela – práticas realizadas em campanhas por Vargas, militares e Collor, e sabemos como terminaram essas histórias.

Fonte: Folha de Pernambuco – Blog da Folha – Publicado em 26/10/2018 às 16h05 e atualizado em 26/10/18 às 16h05 – Acesso em 30/06/2020 – às 18h00 – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Ama teu inimigo

Mudando atitudes com atitude

Daniel Martins de Barros
Psiquiatra

Os afetos são contagiosos.
Bom humor gera bom humor.
Tristeza gera tristeza.
PÍLULAS DE BEM-ESTAR | DANIEL MARTINS DE BARROS - YouTube
DANIEL MARTINS DE BARROS

Antes da quarentena, minha filha andava às voltas com uma nova amiga na escola a quem estava chamando repetidamente de chata. Segundo ela, a garota, de seis anos, provocava todo mundo, mentia, criava caso. Infelizmente, com a suspensão da aula não tivemos tempo de observar o resultado de um experimento que propus a ela. Apostei que se ela começasse a tratar bem a garota, se aproximasse dela, se brincassem juntas no intervalo, ela deixaria de ser chata.

A situação é óbvia para quem está de fora: nova na escola, a garota se sentiu excluída, experimentando emoções negativas. Reagindo de acordo afastou as outras crianças, sentindo-se mais rejeitada, tornando-se mais hostil. Ela não é chata. Está chata.

Contei para minha filha que fiz essa experiência já adulto: uma coisa muito parecida aconteceu num grupo de amigos. Uma das pessoas começou a ficar irritada, foi se isolando, arrumando problemas, até um ponto que parecia insustentável. Propus a outros colegas que começássemos a tratá-la bem independentemente da forma como fôssemos tratados. Mesmo céticos, muitos aderiram e, em questão de dias, o clima entre as pessoas foi transformado.

Não é mágica. Os afetos são contagiosos. Bom humor gera bom humor. Tristeza gera tristeza. E com a hostilidade é ainda pior: não é apenas contagiosa, é também uma provocação para reagirmos de forma também hostil numa tentativa de defesa, o que só aumenta a agressividade do outro lado.

Decidir ir contra nossos instintos e agir de forma oposta, pagando o mal com o bem, tem o poder de quebrar essa cadeia. É uma forma de libertação: os envolvidos tornam-se livres para não agredir, pois 99% da humanidade não irá tratar mal quem as trata bem (com aquele 1% de psicopatas a estratégia pode não dar certo. Mas como não sabemos em princípio quem são eles, normalmente vale a tentativa. Meu colega certamente não era (nem a amiguinha de minha filha).
O homem pode escolher entre fazer o bem ou o mal? 
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo por ocasião de seus 90 anos, a cantora Elza Soares fez uma observação interessante sobre o momento. “O Brasil sempre foi um país do amor, e as pessoas estão se esquecendo disso. De onde pode ter saído tanto ódio?”. E completou:

“Quando soubermos que não somos nada, e que somos todos iguais,
seremos mais leves, teremos mais amor e voltaremos a ter esperança”.

É uma boa pergunta. E uma boa solução.

De onde saiu tanto ódio? Não sei se é possível localizar precisamente a origem. Nem se é útil: depois que um deu um tapa na cara do outro e o outro passou rasteira no um, descobrir quem começou não ajuda a desfazer a lógica retributiva que toma conta das pessoas. Só quando compreendermos plenamente que de olho por olho todos acabarão cegos, como diz o ditado, fica claro que o amor de fato é a única saída.

É difícil falar em amor atualmente. Passeatas contra e pró-governo colocam frente a frente pessoas tão antagônicas que o ódio parece inevitável. Ameaças de morte pululam nas redes sociais entre opositores, como se a aniquilação do outro lado fosse a única solução para o dissenso. São inimigos declarados, entrincheirados. Seria utópico esperar mais amor? Pode ser, mas não impossível. Muito menos irracional. Ao contrário, amar seu inimigo é provavelmente o cálculo mais racional que podemos fazer. Obviamente não se trata de ter apreço ou simpatia por pessoas que defendem uma visão de mundo em tudo oposta à nossa. Trata-se só de se recusar a ir para o lado de lá.

O lado do ódio, da morte, do desprezo pelo outro é o lado que diminui a vida,
que apequena a humanidade,
que nos reduz a nossa animalidade instintiva.

Se cedemos ao ódio a nossos inimigos, eles vencem; roubam de nós o que temos de mais precioso: a possibilidade de transcender nossa natureza em direção a um patamar mais sublime, aquele que leva o mundo para estágios mais evoluídos da consciência humana. Desejar sua morte é ir contra o movimento que nos fez abandonar sacrifícios humanos, escravidão, discriminação legalizada.

Pode parecer difícil. Mas pense na alternativa: até aqui, qual bem nos fez odiar nossos inimigos?

Fonte: O Estado de S. Paulo – SaúdePandemia do Coronavírus – Segunda-feira, 29 de junho de 2020 – Pág. A12 – Internet: clique aqui.

Sem rumo, sem direção

“Brasil empurra a covid com a barriga”,
diz biólogo

Wilson Tosta

Entrevista com Fernando Reinach
Biólogo e escritor

Biólogo vê falta de plano no
combate ao novo coronavírus
Fernando Reinach
FERNANDO REINACH

Sem um plano nacional definido para enfrentar a covid-19, o Brasil está “empurrando com a barriga” o combate à doença, o que prolonga a epidemia no País, acredita o biólogo e colunista do jornal O Estado de S. Paulo (Estadão) Fernando Reinach. Às vésperas de lançar seu terceiro livro, “A Chegada do Novo Coronavírus ao Brasil” (editora: Companhia das Letras), com 27 colunas publicadas sobre a pandemia, ele resume, de forma crítica, a estratégia do País.

Em uma de suas primeiras colunas no período, o senhor falava: “Estamos perdendo tempo”. Isso foi no início da pandemia, no começo do ano. Agora, quase em julho, o senhor ainda acha que o Brasil perdeu tempo?

Fernando Reinach: Acho que sim. Tudo é lento demais, até hoje as coisas não aconteceram. Nas minhas primeiras colunas, uma das primeiras era “Brincando com fogo” (dizendo) que ninguém estava ligando para nada no Brasil e que a coisa ia pegar fogo. Depois, teve colunas dizendo que precisava começar a testagem; até hoje, a gente não tem testagem. Depois, que iam faltar respiradores, e aí faltaram respiradores. Na verdade, as colunas eram resultado de eu acompanhar muito de perto o que estava acontecendo nos outros países, não é? E ver como o Brasil estava se mexendo. Até hoje, a gente não tem controle da pandemia.

O que poderia ter sido feito?

Fernando Reinach: Teriam de ter implantado medidas de contenção. Teria de ter tido um lockdown (bloqueio total) muito mais curto e muito mais rígido. O isolamento foi muito fraco. O que aconteceu foi que, com esse lockdown meia-boca, os casos foram subindo, só que mais lentamente, as taxas de propagação foram aumentando. E a gente nunca conseguiu nem chegar ao platô, nem diminuir casos. O governo também não aguentou a crise econômica causada pelo lockdown. Daí resolveram abrir com a curva em pleno crescimento.

A falta de entrosamento das autoridades federais e locais prejudicou as ações anti-covid?

Fernando Reinach: Tinha de ter um discurso unificado, para garantir que, de uma certa maneira, o País todo tivesse uma estratégia. E aí, quando perdeu essa coordenação, cada Estado tomou as suas decisões, e até hoje cada Estado está decidindo sozinho. Que eles têm de ter uma certa autonomia, acho que faz sentido, mas tem de ter uma central de informações.

Isso seria papel do governo federal?

Fernando Reinach: Claro. E, na época do (então ministro da Saúde Luiz Henrique) Mandetta, teve uma tentativa de fazer isso, apesar de o (presidente Jair) Bolsonaro ser contra, mas que depois foi totalmente destruído. E culminou nesse negócio de não reportar dados. A gente não tem acesso aos dados epidemiológicos, ainda tem confusão sobre o que é caso confirmado, o que não é, como é que confirma o caso.

Houve negacionismo ou não acreditaram na doença?

Fernando Reinach: Você olha a história das pandemias anteriores. Elas sempre começaram, criam uma preocupação grande e desapareceram sozinhas. H1N1 foi assim, depois a zika, a gripe aviária, o ebola... A única que se espalhou pelo mundo e causou um estrago enorme foi a aids. Tinha uma experiência. Muitos presidentes, como o Bolsonaro e “é só uma gripezinha”. Não temos uma medida real para controlar a doença até hoje. No Brasil, o que está acontecendo, em vez de ter medidas que conseguiram reduzir e a gente entrar em uma segunda fase, que é manter o nível baixo, estamos tomando medidas que apenas reduzem a velocidade de expansão.
ctv-h3d-mascaras-covid-19
Comércio fechado se repete pela ruas da capital; estabelecimentos que resistem
à pandemia fazem promoções para atrair clientes

A pressa para voltar ao normal pode piorar as coisas?

Fernando Reinach: Sim, porque não teve uma medida radical de contenção logo no começo. Você pega a Itália. Trinta dias, eles estavam no caos. E mais um mês e meio, dois, tinha voltado ao normal. Quer dizer, o ciclo todo levou três, quatro meses. O nosso está crescendo devagar. E não tem nenhum sinal de que estamos chegando ao pico da doença.

Nosso caso é único?

Fernando Reinach: Olha, o nosso caso é uma versão piorada do que aconteceu nos Estados Unidos. Lá chegou ao pico, abaixou, mas já voltou a níveis que são iguais ao do pico. O nosso nem deixamos chegar ao pico. Já abrimos antes.

O que poderia ser feito para reduzir mesmo?

Fernando Reinach: Teria de ter um lockdown rigorosíssimo. Três semanas daquelas que ninguém sai de casa, que foi o que os outros países fizeram. Como o nosso nível de infecção agora está muito mais alto do que os outros países, o lockdown vai ter que durar mais tempo. Acho que a preocupação agora é com o que vai acontecer com esse crescimento. Será que vai chegar um momento em que o País vai ter de decretar um lockdown? Porque, por enquanto, está assim: vai aumentando o número de UTIs, vai comprando mais respirador, e a coisa vai crescendo e tal. O Estado de São Paulo está batendo recordes todo dia de novos casos. E você vê que as pessoas não têm um plano para fazer nada.

O que esperar então para as próximas semanas?

Fernando Reinach: Não tem nenhuma perspectiva de acontecer nada. Não tem nenhuma medida sendo tomada hoje com chance de mudar o crescimento no próximo mês. Basicamente, se não fizerem nada, as escolas não abrirão em setembro. Teriam de estar tomando medidas hoje para ter resultado na 2ª metade de julho, para em agosto o nível estar baixo e abrir em setembro. Sem fazer nada, a coisa não se resolve.

E nos próximos meses? Teremos uma vacina?

Fernando Reinach: Estão começando a fase três, de ensaios clínicos. Só essa fase pode levar três meses, seis meses, nove meses. Aí vamos supor que se aprove a vacina daqui a nove meses. Aí tem de começar a produzir. É só para o ano que vem. A questão toda é como se administra o problema até chegar a vacina. A estratégia de todos os países é a seguinte: olha, vamos diminuir a contaminação a um nível bem baixo, que permita fazer contact tracing (rastreamento de contatos), com testagem bem organizada. A nossa estratégia está sendo a seguinte: olha, vou empurrando com a barriga. Fazendo uma coisinha aqui, outra ali, esperando que alguma boa notícia salve o dia. Mas não tem perspectiva. Basicamente, não tem plano.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notícias – Saúde – Pandemia do Coronavírus – Segunda-feira, 29 de junho de 2020 – Pág. A13 – Internet: clique aqui.

domingo, 28 de junho de 2020

Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos – Homilia

Evangelho: Mateus 16,13-19

Clique sobre a imagem, abaixo,
para assistir à narração do Evangelho deste Domingo:


Enzo Bianchi
Monge, teólogo e biblista italiano

A Igreja é plural e se nutre da diversidade

Esta solenidade reúne em uma única celebração Pedro, que segundo os evangelhos sinóticos foi o primeiro apóstolo chamado por Jesus, a «rocha» da Igreja, e Paulo, que sem ser discípulo de Jesus nem formar parte dos Doze coube-lhe a honra de ser considerado o missionário por excelência e de receber o título de «Apóstolo». Os escritos do Novo Testamento não descrevem sua morte, porém uma antiga tradição recorda que ambos padeceram o martírio em distintos lugares da cidade de Roma, no mesmo dia; duas vidas oferecidas em sacrifício por Jesus e pelo Evangelho.

Esses dois apóstolos estão, assim, unidos na celebração litúrgica, mesmo quando suas histórias terrenas não estejam isentas de mútuos enfrentamentos (cf. Gl 2,11-14). A comunhão entre eles, vivida na parresía (= sinceridade, destemor) evangélica, nem sempre foi fácil.
Ícone São Pedro e São Paulo 1
Pedro

Simão Pedro era um pescador de Betsaida da Galileia, um homem que alimentava sua fé principalmente no culto sinagogal aos sábados; desde que foi chamado por Jesus, sua fé começou a nutrir-se do ensinamento daquele mestre que falava como ninguém jamais havia falado. Sempre ao lado de Jesus, aparece em certas ocasiões como porta-voz dos outros discípulos, entre os quais ocupava uma posição proeminente.

Não se pode falar da história de Jesus sem mencionar Pedro, que foi o primeiro que ousou confessar a fé em Jesus como Messias. Os discípulos, como muitos entre a multidão, perguntavam-se se Jesus seria um profeta, inclusive, «o» Profeta dos últimos tempos (cf. Jo 6,14; 7,40), ou se, por acaso, seria o Cristo, o Messias.

A confissão pública de Pedro deveu-se a uma força interior, uma revelação que somente podia vir de Deus. Crer que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, não é possível a partir unicamente da interpretação das Escrituras. Foi Deus mesmo quem revelou a Pedro a identidade de Jesus, e este, por sua vez, reconheceu em Simão a pedra sobre cuja fé pode assentar-se a Igreja.

Porém Pedro, qualificado como «bem-aventurado» por Jesus, não estará isento de ser infiel ao seu Senhor. Imediatamente depois dessa confissão de fé, manifestará seu pensamento demasiado mundano acerca do caminho de Jesus que leva à paixão, até o ponto que Jesus será obrigado a chamá-lo «Satanás» (Mt 16,23) e, ao final da vida terrena de Jesus, declarará por três vezes que jamais o conheceu (cf. Mt 26,69-75): o medo e a vontade de salvar a si mesmo o empurraram a afirmar que «não conhece» a esse Jesus, um conhecimento que Pedro havia recebido nada menos que de Deus. E Jesus lhe havia garantido que rogaria por ele para que sua fé não fraquejasse (cf. Lc 22,32).

Após a ressurreição, no entanto, Jesus o confirmará em seu posto, ainda que exigindo-lhe confessar por três vezes que o amava: «Simão, filho de João, tu me amas?» (Jo 21,15.16.17). Na raiz precisamente desta pergunta, está o fato de que Pedro se converterá em apóstolo de Jesus Cristo, o pastor de suas ovelhas, primeiro em Jerusalém, depois nas comunidades judias da Palestina, prosseguindo em Antioquia e, finalmente, em Roma, onde, a exemplo de seu Senhor e Mestre, entregará sua vida. E, em Roma, Pedro encontrará Paulo, não sabemos se no dia a dia do testemunho cristão, ainda que, certamente, no grande sinal do martírio.
São Pedro e São Paulo Apóstolos - Imagens, fotos, ícones, pinturas ... 
Paulo

Paulo é o apóstolo diferente, colocado junto a Pedro em sua alteridade, como para garantir que a Igreja, desde seus primeiros passos, é plural e se nutre da diversidade. Judeu da diáspora, originário de Tarso, foi a Jerusalém para fazer-se escriba e rabino na escola de Gamaliel, um dos mais famosos mestres da tradição rabínica. Paulo era fariseu, experto e zeloso da Lei de Moisés, e não conhecia Jesus nem seus primeiros discípulos, chegando, inclusive, a destacar-se na perseguição do nascente movimento cristão. No caminho de Damasco, encontrou-se, também ele, com Jesus Ressuscitado, converteu-se e recebeu a revelação, como ele mesmo confessa: «A Deus agradou
revelar-me o seu Filho» (Gl 1,15-16).

Paulo define a si mesmo como um «aborto» (1Cor 15,8) comparado com os demais apóstolos, que haviam visto o Senhor ressuscitado, porém exige ser considerado como enviado de Jesus Cristo igual a eles, porque pôs a sua vida a serviço do Evangelho, fez-se imitador de Cristo também em seus sofrimentos, prodigalizou-se em viagens apostólicas por todo o Mediterrâneo. Sua paixão, sua inteligência, seu empenho em anunciar o Senhor Jesus aparecem em todas as suas cartas, assim como, em Atos dos Apóstolos. Ele é o «apóstolos dos gentios» (Rm 11,13), do mesmo modo que Pedro é «o apóstolo dos circuncisos» (Gl 2,8).

Pedro e Paulo, ambos apóstolos de Cristo, ainda que tão diferentes. Pedro, um pobre pescador; Paulo, um rigoroso intelectual, Pedro um judeu da Palestina, de uma obscura aldeia; Paulo, um judeu da diáspora e cidadão romano. Pedro, lento em entender e, por isso mesmo, em atuar; Paulo consumido pela urgência escatológica...

Foram apóstolos com estilos diferentes, viveram a Igreja de modo, às vezes, dialético, senão oposto, porém, ambos procuraram seguir o Senhor e sua vontade, e juntos, precisamente graças à sua diversidade, souberam dar um rosto à missão cristã e um fundamento à Igreja de Roma que preside na caridade. Por isso, a iconografia apresenta-os unidos em um abraço ou sustentando, entre os dois, a única Igreja que juntos contribuíram a construir: uma sinfonia que é memória e profecia da única comunhão eclesial, na qual Pedro abraça Paulo e Paulo deve abraçar Pedro.

Traduzido do espanhol por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: BIANCHI, Enzo. Jesús, «Dios con nosotros» que cumple la Escritura – Ciclo A. Salamanca: Sígueme, 2010, páginas 213-216.

sábado, 27 de junho de 2020

A nova CATEQUESE

Mais conectada, atenta aos migrantes, evitando abusos:
as regras para a Catequese 2.0

HuffPost.it
25-06-2020

O texto do novo "Diretório para a Catequese" foi apresentado,
quinta-feira, dia 25 de junho, no Vaticano.
Disse Dom Fisichella:
«É urgente realizar uma “conversão pastoral” a fim de liberar a catequese de certos laços que a impedem de ser eficaz»
Novo diretório de catequese: atualizando o evangelho « Diocese de ...
"Diretório para a Catequese"
Edição italiana - Libreria Editrice Vaticana
Mais conectada, atenta aos migrantes, evitando abusos. Essas são as regras para a Catequese 2.0. Sobretudo, a atenção à linguagem digital e à cultura da globalização estão no centro do “Diretório para a Catequese”, um volume de mais de 320 páginas que segue os anteriores análogos de 1971 e 1997, aprovado pelo papa no dia 23 de março e apresentado nessa quinta-feira, 25 de junho, no Vaticano.

Entre as “novas problemáticas que a Igreja é chamada a viver” na missão evangelizadora e que levaram o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização a elaborar o novo “Diretório”, destacam-se “particularmente duas”: “A primeira é o fenômeno da cultura digital que traz consigo a segunda conotação, a globalização da cultura”.

“Tanto uma quanto a outra – afirma-se na apresentação, a respeito da cultura digital e da globalização – estão tão interconectadas que se determinam reciprocamente e produzem fenômenos que evidenciam uma transformação radical na existência das pessoas. A exigência de uma formação que esteja atenta a cada pessoa parece muitas vezes obscurecida diante dos modelos globais que se impõem. A tentação de se adequar a formas de homologação internacional é um risco que não deve ser subestimado, sobretudo no contexto da formação para a vida de fé.”

“A catequese permanece inserida na sólida tradição que tem caracterizado a história do cristianismo desde as suas origens”, explica o presidente do Pontifício Conselho, Dom Rino Fisichella, e o secretário, Dom José Octavio Ruiz Arenas.

“Ela permanece como uma particular atividade formativa da Igreja, que, no respeito das diversas faixas etárias dos fiéis, se esforça para tornar sempre atual o Evangelho de Jesus Cristo, para que seja o sustento para um testemunho coerente.”

O novo “Diretório para a Catequese” está “em uma dinâmica de continuidade” com os dois que o antecederam:
* o “Diretório Catequístico Geral”, aprovado por Paulo VI no dia 18 de março de 1971, e
* o “Diretório Geral para a Catequese”, aprovado por João Paulo II no dia 15 de agosto de 1997.

O documento, que assume muitas das indicações dadas pelo Papa Francisco à Igreja na sua Evangelii gaudium, “representa mais uma etapa na renovação dinâmica que a catequese está realizando”. Por outro lado, “os estudos catequéticos e o esforço constante de tantas Conferências Episcopais permitiram alcançar objetivos altamente significativos para a vida da Igreja e o amadurecimento dos fiéis, que requerem uma nova sistematização”.

Vale a pena ler e refletir sobre a Exortação Apostólica
Evangelii gaudium de Papa Francisco.
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“Os Bispos, que são os primeiros destinatários deste documento, em união com as Conferências Episcopais, as Comissões para a catequese e os numerosos catequistas, terão a possibilidade de verificar a elaboração sistemática que se quis compor de modo a tornar mais evidente a finalidade da catequese, que é o encontro vivo com o Senhor, que transforma a vida”, explica-se. “O processo da catequese – afirma-se – foi descrito com insistência no tecido existencial que envolve as várias categorias de pessoas no seu ambiente vital.” Deu-se ainda um amplo espaço ao tema da “formação dos catequistas, porque parece urgente que se recupere o seu ministério na comunidade cristã”.

O texto – um verdadeiro manual enciclopédico, repleto de sugestões, fontes, referência aos documentos magisteriais – não tem “qualquer pretensão de estar completo, porque, por sua natureza, se destina às Igrejas particulares, de modo que estas sejam estimuladas e auxiliadas na redação do seu próprio Diretório”.
Santa Sé apresenta novo diretório para a catequese
DOM RINO FISICHELLA
Prefeito do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização
fez o lançamento do novo Diretório para a Catequese
Vaticano, 25 de junho de 2020

Além de reconhecer “o papel fundamental dos batizados”, uma vez que “todos os fiéis são sujeitos ativos da proposta catequética, não receptores passivos ou destinatários de um serviço; por essa razão, são chamados a se tornar autênticos discípulos missionários”, a referência também é ao “compromisso e responsabilidade para identificar as novas linguagens com as quais comunicar a fé”. E, em suma, ao “eixo” bergogliano da “transformação missionária” da Igreja, que motiva a sua “conversão pastoral”.

Portanto, em vista da nova evangelização, a Igreja “é chamada a se realizar ‘em saída’” e “se coloca em um estado permanente de missão”. “Esse impulso missionário – afirma o número 40 – leva também a uma verdadeira reforma das estruturas e das dinâmicas eclesiais, de modo que todas elas se tornem mais missionárias” e, “como ‘discípulo missionário’, cada batizado é um sujeito ativo dessa missão eclesial”.

Cultura digital

Uma das novidades da “metodologia da catequese” que se destacam no novo diretório publicado pela Santa Sé é a referente às “linguagens e os instrumentos digitais”. “No espaço ‘virtual’, que muitos consideram não menos importante do que o mundo real, as pessoas adquirem notícias e informações, desenvolvem e exprimem opiniões, comprometem-se em debates, dialogam e procuram respostas para as suas perguntas”, afirma o número 213. “Não avaliar esses fenômenos de forma adequada leva ao risco de parecerem insignificantes para muitas pessoas.”

Na Igreja, “muitas vezes, é habitual uma comunicação unidirecional:
* prega-se,
* ensina-se e
* apresentam-se sínteses dogmáticas.
Além disso, só com o texto escrito é difícil falar aos mais jovens, habituados a uma linguagem que consiste na convergência da palavra escrita, som e imagens”.

“As formas da comunicação digital – explica o ponto 214 – oferecem, pelo contrário, maiores possibilidades, na medida em que estão abertas à interação. Por isso, além do conhecimento tecnológico, é necessário aprender modalidades comunicativas eficazes, além de garantir uma presença na rede que dê testemunho dos valores evangélicos.”

É assim que “as tecnologias de informação e de comunicação, as redes sociais e os dispositivos digitais favorecem os esforços de colaboração e de trabalho em comum, o intercâmbio de experiências e de conhecimento mútuo” (n. 215).

Portanto, é bom que “as comunidades se comprometam não apenas a enfrentar
esse novo desafio cultural, mas também a corresponder às novas gerações com
os instrumentos que já são de uso comum na didática” (n. 216).

Também é prioritário para a catequese “educar para o bom uso desses instrumentos e para uma compreensão mais profunda da cultura digital, ajudando a discernir os aspetos positivos dos aspetos ambíguos. Hoje em dia, o catequista deve estar consciente de como o mundo virtual pode deixar marcas profundas, especialmente nas pessoas mais jovens ou mais frágeis, e de quanta influência pode ter na gestão das emoções ou no processo de construção da identidade”.

Catequese com os migrantes

Entre as muitas perspectivas abordadas pelo documento do Dicastério para a Nova Evangelização, também está a “Catequese com os migrantes”. Sempre que possível, “a oferta de uma catequese que leve em conta os modos de compreender e praticar a fé típicos dos países de origem constitui um precioso apoio para a vida cristã dos migrantes, sobretudo para a primeira geração” (n. 275).

“Reveste-se de grande importância – afirma-se – o uso da língua materna porque é a primeira forma de expressão da identidade de cada um.” A Igreja tem “uma pastoral específica para os migrantes, que leve em conta a sua tipicidade cultural e religiosa. Seria injusto acrescentar aos vários desenraizamentos que eles já viveram também a perda dos seus ritos e da sua identidade religiosa”.

Além disso, “os migrantes cristãos, vivendo a sua fé, tornam-se anunciadores do Evangelho nos países de acolhimento, enriquecendo deste modo o tesouro espiritual da Igreja local e reforçando a sua missão com a sua tradição cultural e religiosa”.

Evitar os abusos

Além disso, é preciso cuidar para evitar qualquer tipo de abuso.

Os catequistas, afirma o texto, são ajudados
“a identificar a modalidade correta para viver a sua autoridade unicamente como
serviço dos irmãos” (n. 142).

“O catequista, por causa do seu serviço, desempenha um papel para com as pessoas que acompanha na fé e é visto por essas mesmas pessoas como uma pessoa de referência, que exerce uma certa forma de autoridade.” Por isso, faz-se necessário que esse papel “seja vivido com o mais absoluto respeito pela consciência e pela pessoa do outro, de modo a evitar qualquer gênero de abuso, seja ele:
* de poder,
* de consciência,
* econômico ou
* sexual”.

Ao reafirmar o compromisso “a favor do amadurecimento humano e cristão dos catequistas, a Igreja chama a atenção para a responsabilidade de vigiar com determinação para que, na realização da sua missão, seja garantida a todas as pessoas, especialmente aos menores e às pessoas vulneráveis, a proteção absoluta de toda a forma de abuso” (n. 141). Em seus caminhos formativos e através de “um diálogo honesto com o seu diretor espiritual, os catequistas devem ser ajudados a identificar a modalidade correta para viver a sua autoridade unicamente como serviço dos irmãos” (n. 142). Além disso, “para não trair a confiança das pessoas que lhes são confiadas, devem saber distinguir entre foro externo e foro interno e aprendam a ter grande respeito pela liberdade sagrada do outro, sem a violar nem manipular de modo algum”.

Nota do IHU: Uma tradução de trabalho, não finalizada, do novo “Diretório para a Catequese” em português está disponível aqui.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 27 de junho de 2020 – Acesso às 17h10 (27/06/2020) – Internet: clique aqui.