«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

O BRASIL E SEUS LIXOS E VENENOS...

Washington Novaes

É difícil de ser otimista quanto à destinação dos
resíduos. O panorama no Brasil é desolador 
Lixão a céu aberto próximo à Brasília, capital Federal!
O Congresso Nacional prorroga, sempre mais, o prazo para a extinção dos lixões!

É muito bem-vinda a notícia (28/7) de que o Brasil acaba de adotar um projeto comum com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês) e o Global Environment Facility (GEF) para pesquisar o ciclo do mercúrio e a capacitação do País em gerenciar os riscos desse tipo de substância metálica. Pode ser um passo muito importante para o controle/eliminação desse tipo de lixo tóxico no País – e talvez abra caminho para outros resíduos tóxicos. Também pode facilitar a homologação, pelo País, da Convenção de Minamata, que o Brasil assinou (ela só foi homologada por 13 países dos 50 necessários para entrar em vigor). O tratado fixou normas para essa área e estabeleceu que até 2020 o mercúrio deve ser eliminado de pilhas, baterias, lâmpadas, cosméticos, pesticidas e outros materiais, tendo em vista os riscos que implica para a saúde humana (danos à tireoide e à função hepática, tremores, irritabilidade, perda de memória, problemas cardiovasculares e na visão). Os riscos podem estar no consumo de pescado, em amálgamas dentais, na exposição no trabalho, em muitas formas. Envenenamento agudo pode levar à morte em uma semana.

O Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria Química, é a sétima maior economia no setor químico. Mas tem dificuldade em implantar estratégias para controle e redução do mercúrio, por falta de dados. Também tem pouca experiência na coleta e no armazenamento separado de mercúrio e de seus resíduos, como o encontrado em lâmpadas (das quais o País consome 300 milhões por ano – só 16 milhões são recicladas e têm destinação correta). O custo do projeto agora acordado será de US$ 2,5 milhões.

O mercúrio é apenas um dos vários tóxicos perigosos. Ainda há pouco tempo divulgou-se que uma pesquisa da engenheira ambiental Bruna Fernanda Faria (Unicamp, julho) encontrou, num aterro sanitário para onde vai todo o lixo de Campinas (SP), alta concentração de metais pesados, inclusive em águas superficiais e subterrâneas – chumbo, cromo, níquel, zinco e cobre. Em dois outros aterros desativados há mais de 20 anos também se registrou a presença de metais tóxicos.

Em Paracatu (MG), relatório aponta (El País, 26/5) concentrações de arsênio até 200 vezes mais altas que as permitidas. O arsênio é liberado na atmosfera pela explosão de rochas para retirar ouro da maior mina a céu aberto no mundo (US$ 3,4 bilhões/ano), operada por uma empresa canadense (25% da produção nacional do minério). E contamina a água e o solo. Em um córrego foi encontrada concentração de arsênio 252 vezes mais alta que a admitida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

No final do ano passado, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, assinou com entidades do setor de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista um acordo setorial que estabeleceu a logística reversa desses produtos, prevista na lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes desse tipo de produto que possa prejudicar o meio ambiente ou a saúde humana devem criar um sistema de recolhimento e destinação final, independentemente dos sistemas públicos de limpeza urbana. Ele garante o retorno dos resíduos à indústria, para reaproveitamento.

Outro tipo de resíduo muito problemático é o eletroeletrônico, que pode envenenar pessoas e gerar doenças crônicas. É bastante provável que, a partir do ano que vem, cresça bastante o volume de lixo eletrônico no Brasil, porque começa a ser desligado o sinal analógico para a televisão aberta. Os donos de casas podem implantar antenas adequadas para o novo sistema. Mas é provável que boa parte prefira comprar novos aparelhos e descartar os antigos.

Há países que resolvem por outros caminhos – muito contestados – os problemas nesta área. Os Estados Unidos, por exemplo, até recentemente exportavam 80% dos seus resíduos eletrônicos, principalmente para países mais pobres da África, onde eram parcialmente recolhidos pela população mais pobre e reaproveitados – uma prática chamada de “colonialismo da miséria”. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também exportou da Europa (O Estado de S. Paulo, 24/7) enormes quantidades.

No Brasil, é difícil de ser otimista nesta área, tendo em vista o desolador panorama mostrado há poucas semanas na área do lixo por este jornal, com base em números de 2014. Praticamente nada mudou, por exemplo, na questão dos lixões, para onde continuavam a ir 41,6% dos resíduos nacionais (eram 42,4% em 2013) – apesar dos muitos pronunciamentos do Ministério do Meio Ambiente. Ouvidos moucos, o Senado Federal aprovou no início de julho projeto que prorroga até 2018 o prazo para eliminação dos lixões, que uma lei de 2010 previa para 2014.

Agora, se a Câmara também aprovar, as capitais e municípios de regiões metropolitanas terão prazo até 31 de julho de 2018; municípios de fronteira e com mais de 100 mil pessoas terão um ano além desse limite; e os de 50 mil a 100 mil habitantes, até julho de 2020. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, até 2014 só 9% os eliminaram. Mais de metade das cidades consultadas nem sequer tinha planos para a eliminação.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e Resíduos Especiais (Abrelpe), serão necessários R$ 11,6 bilhões até 2031 só para implantar a infraestrutura indispensável para a destinação final adequada de resíduos; e R$ 15,59 bilhões anuais para controle de aterros, coleta seletiva, reciclagem e aproveitamento para biogás. A quem se espantar, a associação lembra que serão apenas R$ 6,50 por pessoa a cada mês para ter os recursos.

No mundo, dizem a ONU e o Banco Mundial, a geração de lixo urbano em três décadas cresceu três vezes mais que a população. Está em 1,4 bilhão de toneladas/ano e chegará, em dez anos, a 2,2 bilhões de toneladas/ano. Perto de 250 kg anuais por habitante. Não consola saber.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto / Opinião – Sexta-feira, 31 de julho de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

Por que é difícil o Brasil dar certo?

Elites negam-se a dar sua contribuição para
resolver a crise econômica e social

Redação

Economista Marcio Pochmann* afirma que frente ao esgotamento das políticas anticíclicas país precisa pensar em reformas estruturais, mas que essas esbarram nos ricos e no Congresso dominado pelo capital
Marcio Pochmann - economista e cientista político

As elites brasileiras não aceitam fazer sua contribuição para resolver a situação de crise do país, criticou hoje (29 de julho) o economista, professor e escritor Marcio Pochmann em entrevista à Rádio Brasil Atual. “Os que mandam no país não aceitam pagar mais impostos”, afirmou, destacando que o esgotamento de políticas anticíclicas, como as desonerações da indústria para motivar o consumo, exige que o país adote reformas mais profundas para continuar combatendo a pobreza.

“A economia mundial continua extremamente frágil e o Brasil foi resistindo por mais tempo possível nessa tentativa das políticas anticíclicas. Só que isso acabou levando a uma incapacidade de o país continuar nesse rumo sem que fizesse reformas mais profundas, como é o caso de angariar recursos para o Estado através de uma reforma tributária que onerasse mais os ricos, os poderosos. E isso se tornou difícil e um problema político porque os que mandam no país não aceitam pagar mais impostos”, afirmou.

Pochmann também disse que o país vive “uma luta política em que o Estado tenta se reorganizar, mas há de certa maneira um bloqueio que vem dos ricos, que não aceitam fazer sua contribuição, e isso acaba sendo feito pelos mais pobres e pela parte produtiva e não financeira”, disse. Ele destacou que o setor financeiro hoje opera com taxas de juros extremamente elevadas, com ganhos "extraordinários". "Esse é o problema político do Brasil, é como enfrentar aqueles que se protegem e que mandam no país, em um momento difícil em que a política tem ajudado muito pouco nesse enfrentamento."

Com seu perfil conservador e dominado pelos ditames do capital, o Congresso Nacional também pouco tem feito pouco para que o problema possa ser enfrentado. “O sofrimento da Nação hoje, principalmente os mais pobres, deve-se à ausência de uma maioria política que possa enxergar no país um outro caminho. Vamos lembrar, por exemplo, que o Brasil é um país em que 86% de sua população vivem nas cidades. Os problemas do país são urbanos, é o transporte, saúde, educação, no entanto, entre os eleitos em 2014, a maior bancada parlamentar é formada por ruralistas. Quer dizer, os que estão no Congresso representam interesses do campo e não das cidades. E os interesses das cidades não reverberam ou se transformam em iniciativas que possam ter encaminhamento pelo Legislativo”.

Ouça a íntegra da entrevista de Pochmann para a Rádio Brasil Atual, clicando aqui.

* Marcio Pochmann, gaúcho de Venâncio Aires, formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1984. Entre 1985 e 1988 concluiu sua pós-graduação em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília. Em 1989, mudou-se para o Estado de São Paulo, onde iniciou seu doutorado – concluído em 1993 – em Ciência Econômica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tornando-se pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do qual seria diretor-executivo anos mais tarde, assim como membro do corpo docente da Unicamp (Fonte: Wikipédia).

Fonte: Rede Brasil Atual – Economia – 29/07/2015 – 14h07 – Última modificação 29/07/2015 às 14H15 – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

JUROS DE AGIOTAGEM NO BRASIL!

Taxa básica de juros sobe pela sétima vez consecutiva

Flávia Alvarenga
Brasília (DF)

Decisão do Banco Central mexe com a vida dos consumidores.
Taxa Selic serve de base para todos os outros juros da economia.


O Banco Central anunciou, nessa quinta-feira (30 de julho), que os juros do cheque especial em junho foram os maiores em 20 anos e que os do cartão de crédito chegaram a 372% ao ano. Na quarta-feira (29), os juros básicos da economia subiram pela sétima vez seguida.

A decisão do Banco Central mexe com a vida de todo mundo, porque a taxa Selic serve de base para todos os outros juros da economia. Portanto, os bancos também vão subir os juros do cheque especial, dos empréstimos e do cartão de crédito.

O Banco Central já aumentou sete vezes seguidas a taxa básica de juros, com o objetivo de diminuir o dinheiro em circulação. É a forma do governo tentar conter a inflação. Com os preços altos, as pessoas compram menos, o consumo cai e os empresários são forçados a baixar os preços, senão a situação deles também se complica. É esse o jeito de segurar os preços.

Nesse cenário, o consumidor tem que tomar cuidado para não perder o rumo nas prestações a perder de vista. A alta da Selic leva a alta dos juros em geral. Nos últimos anos, a época em que a taxa Selic esteve mais baixa, em 7,25% ao ano, foi entre outubro de 2012 e abril 2013. Em julho do ano passado, já estava em 11% ao ano e agora chega a 14,25%.

O reflexo no cheque especial é claro. Em abril de 2013, os juros eram de 136,98% ao ano. Depois, 172,53% e agora está em 241,3%, segundo número divulgado pelo Banco Central. Quando a Selic estava em 7,25%, a taxa média de juros do cartão de crédito rotativo era de 282,10% ao ano, o que já é bem alta. Em junho, antes desse último aumento, estava em 372%.

O mesmo acontece com o crédito pessoal. Quando a Selic estava mais baixa, em abril de 2013, por exemplo, os juros médios eram de 36%. Em junho deste ano, eram de 48,4%.

Ao consumidor, só resta fugir das dívidas. “É continuar com a mesma receita, planejar a vida financeira. Tá precisando fazer algum tipo de compra? Procure guardar dinheiro antes para poder fazer pagamento à vista quando puder. Sempre a programação, sempre planejamento”, orienta Marcos Melo, especialista em finanças e professor do Ibmec.

O sétimo aumento consecutivo da taxa Selic foi criticado por várias entidades que representam o empresariado. A Abimaq, que reúne 7,5 mil fabricantes de máquinas e equipamentos, por exemplo, divulgou um comunicado em que diz que: "no atual cenário, a alta dos juros significa uma verdadeira catástrofe para o já combalido setor produtivo e que o aumento da taxa Selic não é o instrumento mais eficaz para combater a inflação".

Ninguém do governo quis comentar, até o momento, o assunto.

Fonte: Portal G1 – Jornal Hoje – Edição do dia 30/07/2015 – 13h49 - Atualizado em 30/07/2015 às 13h49 – Internet: clique aqui.

“Na liturgia, a Igreja tem um atraso de mais de mil anos”

José María Castillo
Teólogo espanhol
Teología sin Censura
29-07-2015

“A linguagem e os ritos da eucaristia ficaram parados
na Alta Idade Média” 
Missal Romano promulgado em 5 de Dezembro de 1570 por São Pio V
sob mandato do Concílio de Trento (1545-1563)

Sabe-se que o falecido cardeal Martini disse ao Papa Bento XVI que a Igreja está 200 anos atrasada em relação à sociedade e à cultura atual. Suponho que Martini se referia ao exercício do poder e ao sistema de governo eclesiástico. Se o cardeal tivesse falado ao Papa sobre a liturgia, o mais provável é que teria dito que a Igreja tem um atraso de mais de mil anos.

Não estou exagerando. Basta consultar a excelente e documentada história da missa, de Joseph A. Jungmann [ed. bras.: Missarum Sollemnia, Paulus Editora, 2015 – 3ª reimpressão, 968 p.], para dar-se conta de que a estrutura da celebração eucarística, a linguagem que nela se utiliza (mesmo que traduzida do latim), a maior parte dos gestos rituais e o conjunto da cerimônia, tudo isso ficou ancorado e emperrado no que se fazia e se expressava segundo a linguagem e os costumes da Alta Idade Média.

Ou seja, segundo os usos e formas de expressão que eram atuais nos longínquos tempos do século V ao VIII. Sem dúvida alguma, pode-se afirmar que não existe nenhuma outra instituição, por mais conservadora que seja, que se comporte desta maneira. E ficamos surpresos com o fato de que haja tantos cristãos que não vão à missa?

Por isso, convém reconhecer que a Constituição sobre a Liturgia [Sacrosanctum Concilium], do Concílio Vaticano II, fez bem à Igreja em algumas coisas, por exemplo, ao permitir a tradução do latim às línguas atuais. Mas também é verdade que aquilo foi uma “atualização” que ficou curta.

Seguramente, porque faltou tempo, a devida preparação e as condições indispensáveis para enfrentar os problemas mais de fundo e mais atuais que afetam a liturgia:
  • os rituais,
  • os sinais,
  • os símbolos e
  • os complicados e atualíssimos temas relacionados à comunicação entre os seres humanos.

Sobretudo quando se trata de comunicar e esclarecer questões tão complicadas como é tudo aquilo que se refere às nossas relações com “o transcendente”. E sabemos que é precisamente isso que se pretende na liturgia. Por que haverá tantos católicos mais preocupados em ser fiéis ao Catecismo do que em enfrentar e resolver estes problemas tão sérios e urgentes?

Traduzido do espanhol por André Langer. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de julho de 2015 – Internet: clique aqui.

Um problema: nossas liturgias

José Agustín Cabré Rufatt*
Religión Digital
29-07-2015

“Deverá passar ainda muita água por debaixo da ponte antes que a liturgia católica se torne compreensível, celebrativa, compartilhada, santificadora da vida.”
Pe. José Agustín Cabré Rufatt - claretiano chileno: jornalista e escritor

Boa parte dos católicos que vai às igrejas aos domingos é idosa. Podem recordar, portanto, a surpresa e o alívio que significou em sua experiência religiosa, há 50 anos, as mudanças introduzidas pelo Concílio Vaticano II na liturgia dos sacramentos e na missa: foram convidados a passarem de «assistentes» a «participantes» nos ritos e no culto. Passou-se do tempo em que se «ouvia missa» para o tempo em que se «celebra a missa».

Com o passar do tempo, foi possível comprovar que essas reformas não foram tão completas como se esperava: os católicos continuam assistindo à missa como a um espetáculo onde eles são o público e os atores são outros: o padre, os acólitos, os ministros, os leitores, o coro... tudo distribuído em um espaço acomodado como um teatro: um público que olha a certa distância a atuação de alguns disfarçados que estão no palco.

Da Eucaristia, a grande ação de graças a Deus pelo dom da vida, mediante a experiência humana de Jesus de Nazaré, com sua vida, paixão, morte e ressurreição... resta, na realidade, bem pouco.

Uma linguagem desconhecida

Houve algumas mudanças, é verdade: passou-se do latim – que ninguém entendia – ao idioma de cada país. Mas não se mudou o nefasto sistema da leitura continuada da Bíblia. No afã de que o povo escute alguma vez toda a Bíblia, mantiveram-se na missa as leituras (Antigo e Novo Testamento, mais os Evangelhos), lendo, na sequência, do Gênesis ao Apocalipse e em um período de três anos; a ideia, se alguma vez foi boa, fracassou na prática. Com este sistema, o povo católico tem que escutar o que cabe ler nesse dia, seja qual for a experiência vital que esteja vivendo.

Ainda são poucos os pastores que abandonam esse sistema de preparação e se atrevem a buscar as leituras mais apropriadas para cada ocasião; isto exige tempo de preparação, bom critério de discernimento e capacidade de diálogo com as equipes de leigos. Também pode exigir integridade para dar explicações ao bispo que, necessariamente, defenderá o outro esquema imposto de Roma.

Mas não é a única mudança para que a missa seja realmente Eucaristia. Se, como diz a catequese, com mais poesia que certeza, se trata de uma comunidade a modo de família que celebra sua fé, alimenta sua esperança e vive a caridade, a missa deveria contar com um ambiente atraente e com sinais compreensíveis e didáticos.

Improvisações

Em um dos seus textos incisivos, mas verazes, o jornalista Raúl Gutiérrez, que se considera um cristão de base e de mentalidade ampla e pluralista, escreveu:

«A sensação que se tem com frequência ao sair de alguma missa dominical é a improvisação, como se o padre e os encarregados da cerimônia não estivessem muito convencidos da importância e da solenidade do ato.

Em poucas igrejas os fiéis são acolhidos na porta pelo padre ou por leigos que os saúdem e entreguem uma folha com os textos bíblicos que serão lidos na celebração. Como a maioria chega atrasada, é frequente que a missa inicie sem a presença de uma exígua participação, que terminará engrossando apenas durante a homilia. A improvisação da equipe encarregada da missa se percebe nos cochichos entre o dirigente e os leitores, e inclusive entre o celebrante e seus acólitos, atitudes que, somadas a deslocamentos nervosos e espalhafatosos deste pessoal em torno do altar e para a sacristia, distraem a comunidade.

Deixando de lado toda consideração ou exigência de caráter estético, cabe assinalar que a maioria dos coros maneja um estilístico repertório de músicas litúrgicas, o que explica que com frequência entoe algumas músicas que guardam pouca ou nenhuma relação com a festa que se celebra ou com o ensinamento básico do Evangelho desse domingo. Abandonar os coros, para chamá-los de alguma maneira piedosa, à boa vontade de Deus, demonstra pouca compreensão do significado da música como meio universal de comunicação, sobretudo no caso dos jovens.»
Retorna, em várias paróquias e localidades, a missa celebrada em latim.

Uma liturgia que não convence

As anotações do jornalista são interessantes. Mas, lamentavelmente, deverá passar ainda muita água por debaixo da ponte antes que a liturgia católica se torne compreensível, celebrativa, compartilhada, santificadora da vida. Estamos falando da grande tarefa de evangelizar o século XXI, do compromisso com a missão permanente, de falar uma linguagem de palavras e sinais compreensíveis para o mundo de hoje. Mas não se nota nenhuma mudança pela frente; pelo contrário, vê-se muitos retornos ao passado:
  • alguns chegam à paranoia de querer voltar ao latim,
  • de colocar ainda mais penduricalhos nas vestimentas dos clérigos,
  • de incorporar de modo permanente o incenso nas liturgias...

 O mundo do século XXI olha para eles, ri-se e segue seu caminho buscando, quase desesperadamente, quem o acompanhe em sua caminhada pela vida. Os grandes valores do Reino de Deus, aqueles que nos humanizam, seguem sem ser descobertos, porque se quer colocar muitos trapos sobre ele.

Traduzido do espanhol por André Langer. Acesse o artigo em versão original, clicando aqui.

* José Agustín Cabré Rufatt (nasceu em Santiago de Chile, em 1940), é jornalista e sacerdote claretiano chileno. Formou-se em jornalismo na Universidad Católica de Santiago de Chile em 1976. Escreveu numerosos livros, entre os quais se destacam: Evangelizador de dos mundo; La Cruz, el fuego y las banderas; Mariano o la fuerza de Dios; La palavra de Dios no está encadenada; A história dos claretianos no México; Breves relatos para mantener la calma e outros. Atualmente dirige Ediciones y Comunicaciones Claretianas (ECCLA) e as revistas TELAR e Cartas del Sur e pertence à redação das revistas Punto Final e Reflexión y Liberación. Em sua vida pastoral, foi pároco, vigário episcopal de Arauco e superior dos claretianos no Chile (2001-2011).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 31 de julho de 2015 – Internet: clique aqui.

UM MUNDO EGOÍSTA, SEM LUGAR PARA A SOLIDARIEDADE!

A Europa e seus fracassos

Gilles Lapouge
Correspondente em Paris (França)

A União Econômica Europeia trouxe a crise,
o desemprego e é nula em matéria de fraternidade 
Imigrantes africanos em campo próximo ao porto francês de Calais 

Ainda o caso dos migrantes. Mas, desta vez, o lugar da tragédia não é a Itália, ao redor da Ilha de Lampedusa, ou na Grécia, nas ilhas próximas da África, mas na França, no norte da França, em Calais.

A cidade de Calais é o porto francês que constitui o ponto de partida do Eurochannel, o túnel sob o Canal da Mancha no qual circulam trens diretos entre a França e a Grã-Bretanha. Por que multidões de migrantes se amontoam nesta cidade?

São os mesmos migrantes que conseguiram desembarcar na Europa, pela Itália ou pela Grécia, e em seguida foram se esgueirando, durante meses, de país em país até Calais, pois sua meta é a Grã-Bretanha.

Portanto, uns infelizes - africanos, sírios, paquistaneses, eritreus, as mesmas figuras fantasmagóricas, as mesmas carcaças devastadas, o mesmo desespero no fundo de seus olhos fixos, sem brilho.

E cada noite, é o mesmo carrossel. Em grupos, nas sombras, 30, 50 homens chegam até o Porto de Calais e ao Eurochannel e tentam embarcar nos furgões. Os guardas os escorraçam. Os migrantes se retiram. Mas recomeçarão dez, cem vezes.

Na noite de terça-feira, 2.500 exilados tentaram entrar na Grã-Bretanha. Cinquenta deles conseguiram. Cerca de 20 ficaram feridos. Um migrante foi morto pela manobra de um peso pesado desesperado. Outro foi eletrocutado.

Estes incidentes exasperam a Grã-Bretanha, principalmente porque ocorrem no verão, durante as férias e o afluxo dos turistas britânicos no Eurochannel. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, apresentou queixa à França. Mas David Cameron não se contenta em ser um britânico.

Ele é um britânico da mais alta sociedade. Estudou em Eton, em Oxford, e expressou suas queixas numa voz suave, baixa, um balbucio, o tom com que falamos quando tomamos uma chávena de chá, mas se percebia perfeitamente que esta civilidade extenuada continha, na realidade, uma cólera enorme. Ainda mais que, na véspera, estivera senão perto de uma guerra com aviões e bombas termonucleares, pelo menos de um esfriamento entre as duas nações.

O lamentável episódio, que ocorre após uma série de outros, confirma uma verdade evidente aos olhos de todo o mundo, salvo aos olhos dos governos da Europa: os migrantes são um espinho doloroso no flanco da Europa, da União Europeia.

Infelizmente, o drama dos migrantes manifesta de maneira clara que, apesar da União Europeia, o egoísmo sagrado das nações é muito forte no continente supostamente unido. Egoísmo?

Por que a Itália deve lutar sozinha, sem um apoio sério de Bruxelas, para acolher multidões de migrantes que só transitam por seu território para se dispersar em seguida por toda a Europa? Por que deixar a Grécia, país em ruína, se debater sozinha com os milhares de africanos moribundos que aportam em suas plagas?

E por que a França deve, sozinha, sem um apoio concreto da União Europeia, administrar a presença de 5 mil migrantes acotovelando-se no Porto de Calais à espera de uma carona, quase impossível, para a Grã-Bretanha? A União Europeia, assim como a zona do euro, não trouxeram a prosperidade à Europa.

Trouxeram a crise, o desemprego, o caos. Mas este não é o único fracasso da União Europeia. Ela é praticamente nula em matéria de fraternidade e de economia.

Foi incapaz de dar um início à concretização das grandes esperanças que os criadores do euro, há 60 anos, haviam previsto em seu tratado. Eles juraram fazer da Europa um vasto espaço em que o amor substituiria a guerra, um continente onde reinaria a fraternidade.
Hoje em dia a fraternidade é bela. É bem verdade que quando do primeiro balbucio histórico da Europa, a futura Roma foi criada por dois irmãos, Rômulo e Remo, que começaram por se matar mutuamente.

Traduzido do francês por Anna Capovilla.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Quinta-feira, 30 de julho de 2015 – Pg. A12 – Internet: clique aqui.

OS INCONFIÁVEIS

José Roberto de Toledo

Congresso Nacional e Presidência da República
desmancharam aos olhos do público 

Como faz todo ano desde 2009, o Ibope divulgará em breve o termômetro de quanto o Brasil confia em suas instituições. Ou melhor, desconfia. O Índice de Confiança Social de 2015 mostrará queda abrupta do prestígio de tudo relacionado à política. Houve mais quebras de recordes do que nos Jogos Pan-Americanos – todos negativos. Ruim para Dilma Rousseff, a pesquisa mostra o rival e presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mal no pódio também.

Congresso Nacional e Presidência da República desmancharam aos olhos do público. Numa escala em que 0 é desconfiança total e 100 implica confiança absoluta, ambos empataram em míseros 22 pontos. A confiança na instituição Presidência, comandada por Dilma, caiu pela metade desde 2014. Tinha 44 e perdeu 22 pontos. Já a nos congressistas chefiados por Cunha e Renan Calheiros perdeu 13 dos 35 pontos que tinha. Uma votação de impeachment da presidente será o roto decidindo o destino do esfarrapado.

É a primeira vez, em sete anos de pesquisa, que a Presidência não é mais confiável para a população do que o Congresso. O auge de ambas as instituições foi em 2010, ainda sob Luiz Inácio Lula da Silva, quando a primeira marcou 69 pontos, e o Legislativo, 38. Em 2013, no pico dos protestos de rua, ambos perderam muita confiança do público e chegaram ao seu patamar mais baixo até então: 42 e 29 pontos, respectivamente. Recuperaram-se levemente em 2014 (foram a 44 e a 35), apenas para cair mais baixo agora.

Dilma quebrou outro recorde. Pela primeira vez, a instituição que representa, a Presidência da República, é menos confiável do que o governo que dirige. De 2009 a 2012, a Presidência ficou de 7 a 13 pontos acima do governo federal. O presidente tinha mais prestígio do que sua equipe. Após a avalanche das ruas solapar a popularidade presidencial em 2013, essa diferença caiu a um ponto, e permaneceu assim em 2014. Este ano, a confiança no governo está 8 pontos maior do que na presidente: 22 a 30.

A crise de confiança não se limitou a Brasília. Os governos municipais também sofreram desgaste, e não foi pequeno. O aumento da desconfiança fez os poderes executivos locais perderem 9 dos 42 pontos que tinham no índice. Apesar de terem sido reduzidos a 33 pontos, estão menos mal colocados do que quase todas as outras instituições. Mesmo assim, a marca projeta dificuldades para os atuais prefeitos se reelegerem em 2016.

“Houve uma diminuição da confiança nas instituições políticas como um todo”, avalia a CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari. Na sua opinião, a causa mais provável é a recente sucessão de escândalos envolvendo políticos. Isso explicaria por que a recuperação parcial da confiança em 2014 não se sustentou.

A corroborar essa hipótese, uma instituição manteve-se como a recordista da desconfiança entre os brasileiros. Mais indigente do que a confiança na Presidência e no Congresso, só a nos partidos políticos. Seu prestígio esfarelou: de 30 para 17 pontos, em um ano. Para cair abaixo disso, só se uma caravana de políticos brasileiros fizer um safári ilegal na África para – como o dentista de Minnesota (EUA) – caçar, matar e esfolar Cecil, o leão-símbolo do Zimbábue. Amantes da bala não faltam.

Em tempos de Operação Lava Jato, o Judiciário é a única instituição, entre os Poderes da República, que conseguiu, a duras penas, manter o mesmo patamar de confiança de anos anteriores: foi de 46 pontos em 2013, para 48 no ano passado, e voltou agora a 46. No seu auge, em 2010, chegou a 53, mas era apenas a 3.ª instituição política que mais inspirava confiança. Agora, apesar da piora do índice, ganhou medalha de ouro. É o que se pode chamar de vitória por W.O. – não tem oponente.

A pesquisa do Índice de Confiança Social foi feita pelo Ibope entre 16 e 22 de julho, em 142 municípios de todo o Brasil.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Quinta-feira, 30 de julho de 2015 – Pg. A6 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA - Sua história e importância

Política de saúde e as Santas Casas

Ruy Martins Altenfelder Silva*

“As milhares de Santas Casas de Misericórdia brasileiras somam dois terços dos leitos hospitalares no País. Ao menos 60% de seus serviços são dedicados aos pobres. Elas também têm servido para o ensino médico, comumente sendo solicitadas por escolas médicas...” 
Pe. Antonio Puca - camiliano italiano

O padre italiano Antonio Puca, da Ordem de São Camilo, acaba de publicar o oportuno livro As Santas Casas de Misericórdia: de Florença a São Paulo, a epopeia da caridade.

O cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, na apresentação do trabalho, ressalta que a história da assistência médica ligada à Igreja começa nos primeiros séculos e chega até o século 21. O que surpreendeu o padre Puca foi a fundação da Santa Casa de Misericórdia de Olinda e, logo depois, em outras cidades, como Santos, Salvador e São Paulo – e isso ocorreu poucos anos depois do descobrimento e da chegada dos portugueses ao Brasil.

Na busca das origens da Santa Casa, o autor volta para Florença e Lisboa, onde encontra as raízes da Irmandade da Misericórdia, fundada por São Pedro Mártir em 1244, e da Santa Casa fundada pela rainha Leonor de Lencastre em 1498, em Lisboa.
 
Antiga Santa Casa de Misericórdia de Santos 
A pesquisa atinge várias áreas de investigação. Florença, Lisboa, Washington e São Paulo são as etapas do trabalho, que é um testemunho desta obra meritória que permanece no tempo.

Chamam a atenção as dificuldades financeiras cíclicas por que passaram e passam todas elas.

Misericórdia, lembra o autor, deriva do latim miseris cor dare. E os miseráveis são todas as pessoas que, de um modo ou de outro, se encontram em necessidade. As mais recentes pesquisas histórico-científicas identificam as raízes das Misericórdias nas primeiras Societas romanas, que tinham inspiração religiosa na manifestação civil.

As causas principais da crise relatada coincidem: maiores responsabilidades e menores aportes financeiros.

A Misericórdia de Lisboa (1851) passou por grave crise financeira e diversas medidas foram implementadas: em síntese, “maior rigor no controle das despesas e na fiscalização das obras; prestação de contas ao governo”.

“Simultaneamente, em face da aplicação das leis de desamortização, a Misericórdia de Lisboa viu-se obrigada a vender uma parte significativa dos bens imobiliários e a aplicar o produto da venda em títulos do tesouro.”

No caso das Santas Casas de Misericórdia no Brasil, “nem todas as realidades atingem o mesmo padrão, mesmo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), do qual depende grande parte dos recursos para sua gestão. Compreende-se facilmente que as do interior de um Estado ou as da periferia são penalizadas ainda mais em relação às existentes nos grandes centros urbanos”.

“Considerando que mais de 50% da população é assistida pelas Santas Casas de Misericórdia e por outros organismos filantrópicos com um gasto muito contido em relação a outras instituições públicas, vê-se bem como é necessária uma reforma na direção da subsidiariedade.”
Livro sobre a história das Santas Casas de Misericórdia de autoria do Pe. Antonio Puca, camiliano

Como síntese final, o padre Puca cita um dado impressionante: “As milhares de Santas Casas de Misericórdia brasileiras somam dois terços dos leitos hospitalares no País. Ao menos 60% de seus serviços são dedicados aos pobres. Elas também têm servido para o ensino médico, comumente sendo solicitadas por escolas médicas. Vítimas de uma falta de interesse crônica para com a saúde pública, elas sobrevivem graças aos esforços daqueles que trabalham nelas e ao trabalho voluntário de membros das comunidades locais. Seus conselhos administrativos tentam conciliar as diferenças entre o alto custo da medicina moderna e os pagamentos simbólicos frequentemente atrasados, buscando renda atendendo clientes privados e economizando com sua própria produção de alguns remédios, alimentos, caixões e outros bens. Muitas vezes o presidente deve lutar incansavelmente com as autoridades para conseguir o pagamento de impostos devido a seus hospitais. As Misericórdias costumavam receber doações, sendo incluídas em testamentos privados, uma tradição que praticamente desapareceu com a instituição de planos de saúde oficiais e privados”.

E conclui: “As admiráveis Misericórdias estão entre as mais dedicadas, extensas, perseverantes e duráveis instituições humanas”.

O autor sugere algumas digressões, como a diferença entre caridade e filantropia, a relação entre caridade e justiça. O livro proporciona pistas para investigações mais acuradas.

O importante papel dos hospitais filantrópicos, responsáveis por mais da metade dos atendimentos realizados pelo SUS, sinaliza as urgentes e inadiáveis providências que precisam ser tomadas pelo poder público.

Entre as medidas, incluem-se:
  • programa de renegociação das dívidas das filantrópicas (a exemplo de medidas que o governo federal já adotou para outros setores) e reposição parcial ou total das perdas acumuladas em anos anteriores;
  • agilização do sistema de repasse de pagamentos (hoje há demora de meses entre o atendimento e a chegada do dinheiro público);
  • revisão e adequação da tabela do SUS à realidade dos custos do atendimento médico-hospitalar; e
  • oferta de linhas de financiamento favorecidas para os hospitais filantrópicos (novamente a exemplo do que é feito para outros setores), como a recente aprovação pelo Congresso de medida provisória que prorroga o vencimento de dívidas de clubes esportivos.

É cada vez mais urgente a revisão da política pública de saúde, para evitar a repetição da crise que o Conselho Federal de Medicina, manifestando a indignação de 400 mil médicos, chamou de “mais um episódio dramático na história da saúde pública brasileira”. Crise que pode prejudicar milhões de pessoas por ano, incluindo aquelas que viajam de rincões remotos em busca de tratamento adequado oferecido pelos hospitais filantrópicos. Crise que também pode se agravar com a pressão dos milhares de pacientes que estão abandonando os planos de saúde complementar, por questão de custo e queda de qualidade no atendimento particular, e engrossam as filas às portas estreitas da rede pública de saúde.

* Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (Aplj), é irmão protetor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Quarta-feira, 29 de julho de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

O que pensar das posições do papa sobre a economia?

Diálogo entre Gaël Giraud e Geoffroy Roux de Bézieux

Vicent de Féligonde e Séverin Husson
LA CROIX (Paris – França)
24-07-2015

As severas críticas do Papa Francisco ao sistema econômico mundial, em particular durante a sua viagem à América Latina, despertaram muitas reações e discussões na Igreja.
Pe. Gaël Giraud é jesuíta e economista francês

Prova disso é este debate, proposto pelo jornal católico cotidiano francês La Croix, entre duas personalidades católicas de sensibilidades diferentes, o jesuíta e economista Gaël Giraud e o empresário Geoffroy Roux de Bézieux.

Gaël Giraud é padre e membro da Companhia de Jesus [jesuíta], formado pela Escola Nacional de Estatística e Administração Econômica (ENSAE) e pela Escola Normal Superior de Paris (ENS-Ulm). Aos 45 anos, é especialista em economia matemática e diretor de pesquisa do CNRS, membro da Escola de Economia de Paris e do Centro de Pesquisa e Ação Social (Ceras). Desde o início de 2015, é diretor de estudos, pesquisas e saberes da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).

Geoffroy Roux de Bézieux é empresário, casado e pai de quatro filhos, formado pela ESSEC. Aos 53 anos, fundou as empresas Phonehouse, Virgin Mobile e Notus Technologies. Desde 2013, é vice-presidente executivo do Medef (Movimento das Empresas da França, na sigla em francês, a confederação nacional da indústria do país). Com a sua esposa, criou uma instituição de caridade, a Fundação Araok ("à frente", em bretão).

Eis a entrevista.

Qual é a sua reação diante da encíclica Laudato si' e o discurso do Papa Francisco sobre a economia em Santa Cruz, na Bolívia?

Geoffroy Roux de Bézieux – Eu reajo ao mesmo tempo como vice-presidente executivo do Medef, como empresário e como cristão. É bom se encontrar diante desse tipo de interpelação um pouco teórica. A coerência do pensamento do papa me impressiona. Com uma visão cristã, ele pensa o econômico de maneira global, integrando as relações Norte-Sul, a ecologia, o social. É raro. No entanto, é preciso estar ciente de que esse texto é marcado pela sua origem latino-americana. Um europeu, sem dúvida, diria coisas um pouco diferentes, particularmente sobre as desigualdades, a redistribuição e até mesmo sobre a ecologia.

Gaël Giraud – Eu respondo tanto como economista-chefe da Agência Francesa de Desenvolvimento, como jesuíta e como padre. Para mim, a Laudato si' é um texto histórico, o mais importante que o magistério da Igreja já publicou desde o Vaticano II. Ele responde a uma expectativa muito forte, até mesmo fora da Igreja. O papa não tem uma agenda política, mas, no vácuo atual, a sua postura profética lhe dá uma estatura política mundial.

Para vocês, a origem latino-americana do papa também marca esse texto?

Gaël Giraud – Uma palavra universal nunca está desencarnada. Cristo era palestino... Francisco foi tocado pelo encontro com os pobres nas favelas da América Latina. Ele vem daí, ele fala a partir daí e toma a palavra no nome deles. Evidentemente, para nós, que estamos acostumados com um discurso da Igreja eurocêntrica, essa palavra nos perturba. Dizer que a maximização do lucro é o "esterco do diabo", isso interpela...

Geoffroy Roux de Bézieux – Ele nos deu um belo xingão!

E em que isso é pertinente?

Geoffroy Roux de Bézieux – Toda a primeira parte sobre a tomada de consciência da destruição da "nossa casa comum" certamente não é nova, mas é importante. E o mundo empresarial, ao menos na Europa, começou a tomar consciência, mesmo que possamos achar que isso não se traduz suficientemente rápido em coisas concretas.
O papa evoca a "dívida ecológica" que o Norte deve ao Sul. Mas falar de um Norte poluidor e de um Sul que não polui, é um pouco ultrapassado. Olhemos para as emissões de gases de efeito de estufa na China e na Índia...

Gaël Giraud – Francisco afirma muito claramente que as mudanças climáticas apresentam um problema extremamente grave e urgente. Que a responsabilidade do ser humano não é mais debatida. Mas que a Igreja não quer uma solução que seja tomada à custa dos pobres. A justiça social é indissociável da resolução do desafio ecológico. É importante lembrar disso, porque, diante da escassez dos recursos naturais e das mudanças climáticas, no Norte, nós podemos ser tentados a construir barricadas, conservar o acesso à água potável e à eletricidade para nós, deixando o Sul morrer.
Geoffroy Roux de Bézieux é empresário francês católico e
vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria Francesa

Francisco vai além. Ele fala de decrescimento...

Geoffroy Roux de Bézieux – Esse é um ponto sobre o qual eu discordo. Dizer que o crescimento do Sul não pode acontecer senão pelo decrescimento do Norte me parece um pouco malthusiano. Porque, se os recursos são finitos, o gênio do homem não o é. Sem cair na idolatria da tecnologia, eu penso e espero que a inovação e a criatividade nos permitam encontrar formas de um crescimento sóbrio e respeitoso.

Gaël Giraud – O papa não rejeita a tecnologia, mas afirma que ela não vai nos salvar. Ele se aproxima, nesse ponto, das críticas formuladas por Jacques Ellul, ele denuncia o fantasma de uma saída da crise pela magia da técnica que esconde uma renúncia aos comportamentos. Não sonhemos: não poderemos superar a crise climática sem mudar radicalmente os nossos modos de produção e de consumo. O texto fala de "um certo decrescimento" para os países do Norte, uma expressão cuidadosamente sopesada. Por quê? Porque não sabemos criar crescimento sem estocar recursos fósseis – e, assim, contribuir para a destruição ecológica. Nunca houve uma dissociação entre a evolução do PIB e a das emissões de gases de efeito estufa, com exceção de uma ligeira inflexão nos últimos anos. Enquanto não a conseguirmos, devemos admitir que o PIB deve deixar de aumentar – especialmente se for um indicador muito ruim.

Geoffroy Roux de Bézieux – Então eu concordo. O que está em jogo não é o decrescimento em si, mas conseguir romper essa relação entre crescimento do PIB e, de modo simples, a destruição do planeta. Isso começou há cerca de 10 anos na Europa, mas de maneira muito frágil. Dito isso, a dificuldade é que é preciso conseguir isso em escala mundial. Ora, um crescimento de um país maduro, impulsionado pela economia da inteligência, tem mais chances de ser parcimonioso em matéria fóssil do que um crescimento de recuperação chinês, indiano ou africano.

Que traços esse crescimento "sóbrio" poderia assumir?

Geoffroy Roux de Bézieux – A economia circular e a economia colaborativa são boas pistas, embora ainda sejam marginais. Inventada na Europa, a carona solidária [covoiturage], por exemplo, se estende por toda a parte.

Gaël Giraud – Essas inovações, com efeito, são fundamentais, embora haja âmbitos em que é preciso decrescer: a agricultura produtivista, por exemplo. Toda a dificuldade, especialmente na COP 21, será a de determinar os esforços do Norte e do Sul. Poluidores históricos, nós não estamos na posição de proibir que os outros se desenvolvam, uma vez que adquirimos a nossa prosperidade à custa de uma destruição do planeta. Especialmente porque alguns países, como a China, são mais virtuosos do que nós em matéria de investimento na transição energética.

Geoffroy Roux de Bézieux – Isso é verdade. Eles podem dar saltos tecnológicos, passando, por exemplo, diretamente para o telefone móvel, sem a fase das redes fixas. Mas isso supõe transferências de tecnologias, cooperações.

Mas, sem crescimento, não se criam empregos...

Gaël Giraud – O aumento do PIB não coincide mais com o do emprego. Os Estados Unidos conheceram retomadas de "crescimento sem emprego" a partir de 1991. Portanto, é preciso repensar o emprego sem passar necessariamente pelo crescimento. A transição energética é uma grande oportunidade, pois ela é extraordinariamente criadora de empregos.

Geoffroy Roux de Bézieux – É muito cedo para saber se nós entramos em um período de crescimento sem emprego. Mas, sobre o aspecto criador de emprego da transição energética, eu concordo. E nós não estamos mais muito longe, por exemplo, de produzir energia solar com um custo próximo daquele da exploração dos petróleos mais caros.

Francisco critica radicalmente o sistema econômico. Ele está certo?

Gaël Giraud – Sim. A encíclica ressalta com justiça que o maior obstáculo é a finança desregulada. Como explicar que não podemos financiar os investimentos de longo prazo da transição energética – o outro grande assunto da COP 21 – enquanto nunca houve tanto dinheiro no mundo? Os mercados financeiros são "buracos negros" da economia: eles não devolvem para a economia real a energia que captou.

Geoffroy Roux de Bézieux – Para mim, a questão central que a encíclica põe ao mercado é a questão do bem comum. O papa recorda que certos bens comuns do planeta – a água, a energia – são recursos finitos, que devem ser geridos de maneira coletiva. Sobre esse ponto, ele se opõe à teoria liberal clássica, para a qual a soma dos interesses particulares faz o interesse geral. Embora eu reivindique o liberalismo, eu compartilho algumas das suas interrogações sobre os "buracos negros". Eu defendo um liberalismo em que certas regulações permitem a boa gestão do bem comum em longo prazo. E eu posso seguir Francisco quando ele afirma que não devemos confiar certos bens ao mercado, que raciocina com muita frequência em curto prazo.

Gaël Giraud – Francisco reafirma veementemente a doutrina social da Igreja. E não, ela não acredita, como Milton Friedman ou Friedrich Hayek, na concorrência de todos contra todos. Não, ela não acredita que a maximização do meu interesse pessoal, em coligação com o de milhões de pessoas, contribui para o interesse geral pela operação mágica da mão invisível do mercado. Sobre as finanças, o que o papa disse não tem nada de marxista. Na encíclica Quadragesimo anno, de Pio XI, em 1931, depois da crise de 1929, há páginas incrivelmente atuais sobre a ditadura das finanças.

Mas o mercado tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza...

Geoffroy Roux de Bézieux – Sim, e essa é uma diferença que eu posso ter com o papa: eu não acredito que o sistema econômico mundial negue o direito dos pobres. Em Kinshasa, vivemos melhor em 2015 do que em 1815...

Ele vai mais longe, falando de uma economia que "mata", "exclui" e "atenta contra o projeto de Jesus". Ele convida a uma mudança profunda, e não a uma simples adaptação...

Gaël Giraud – Os bilhões de pessoas que saíram da pobreza extrema depois de 30 anos são essencialmente chineses, que não devem nada aos conselhos do FMI [Fundo Monetário Internacional] ou da OMC [Organização Mundial do Comércio]. Porque o bem comum – em outras palavras, o projeto de Jesus – não se refere à soma dos interesses individuais, deixados a si mesmos, então é preciso romper com uma economia da qual, depois de Smith e Ricardo, a questão ética é excluída graças à ficção da mão invisível.

Mas o papa não ignora a economia social de mercado de estilo europeu, um sistema estável, regulado, bastante respeitoso à natureza?

Gaël Giraud – O que foi construído durante os Trente Glorieuses [os 30 anos de boom econômico europeu] responde a essas características, exceto com respeito à natureza. Mas, depois dos anos 1980, o capitalismo financeirizado de estilo anglo-saxônico está destruindo o "modelo social" europeu. A falsa ideia de que a concorrência seria a finalidade da vida aumentou essa tendência. O papa nos diz: "Redescubram o sentido da qualidade das relações sociais", que foi a marca da Europa.

Geoffroy Roux de Bézieux – Durante os Trente Glorieuses, tudo era mais simples: havia "grain à moudre" [grão para moer], como diria André Bergeron. Para ser um pouco provocativo, eu diria que, para criar crescimento, o mercado precisa de uma certa parte de desigualdade. Claro, desigualdades demais matam o capitalismo, porque ele se torna inaceitável. Isso destrói a adesão ao sistema e, portanto, a democracia. Mas igualdade demais, redistribuição demais mata o espírito de iniciativa, a recompensa. Sem dúvida, é mais fácil de compreender vendo a partir da Europa do que da América Latina.

Por que Francisco coloca a solução nas mãos dos pobres e não das elites?

Gaël Giraud – Ele fala aos pobres, que são o futuro da humanidade, que inventam os modelos do amanhã. Pegue, por exemplo, os jardins ecológicos nas cidades. Esse conceito nasceu nas favelas do Sul, não na Times Square [centro de Nova York, Estados Unidos].

O papa é muito mais vago sobre as soluções...

Geoffroy Roux de Bézieux – Ele convida à responsabilidade individual, à mudança de comportamentos, dependendo do lugar que cada um ocupa. No entanto, ninguém está isento de exercer a sua liberdade individual. Durante a crise dos subprimes [1], muitos acusaram os bancos de terem empurrado o imigrante mexicano a se endividar. Mas este último, que comprou a casa com 100% ou 120% de crédito, pensando em poder revendê-la três anos depois com lucro, tem a sua pequena parte de responsabilidade, mesmo que o banqueiro do Lehman Brothers tenha uma parte enorme. É o evangelho dos talentos. Eu acho, porém, que, no discurso de Santa Cruz [de la Sierra, na Bolívia], o papa livrou um pouco a responsabilidade de cada um.

Gaël Giraud – Não. Ele diz aos pobres que cabe a eles agir. No entanto, não é preciso que eles paguem mais duramente os erros cometidos em comum. Na Grécia, como na crise dos subprimes, salvaram-se os bancos, e deixou-se que os pobres morressem. Em Cleveland, as famílias afro-americanas foram forçadas a morar nos seus carros. A Grécia está destruída ao menos em uma geração.

Que saídas vocês sugeririam?

Geoffroy Roux de Bézieux – A base da fé cristã é que o destino do ser humano não está escrito e que, a cada minuto, somos confrontados com escolhas de vida. Pessoalmente, todos os dias, eu tenho a oportunidade de exercer a minha liberdade individual. É a ética de um chefe de empresa. As escolhas jamais são binárias, sempre vamos ao encontro do mal menor. É aí que a mensagem cristã se encontra com a minha concepção do liberalismo: é por meio do comportamento individual que fazemos as coisas avançar e que cuidamos da nossa "casa comum" – uma noção muito forte usada na encíclica. Essa combinação do par liberdade-responsabilidade no cotidiano é complicada, mas apaixonante.

Gaël Giraud – Hoje em dia, existe uma forma de desespero em uma certa elite: a sensação de que estamos no Titanic, que, de todos os modos, tudo vai acabar mal. Portanto, é melhor continuar fazendo festa... Essa lucidez mórbida é muito disseminada entre os operadores da Bolsa, por exemplo. O papa nos envia uma mensagem de esperança, ele acredita que a humanidade seja capaz de se regenerar, de mudar de modelo econômico e financeiro. O que passa, especialmente, por uma redução drástica das desigualdades.

N O T A :

[ 1 ] - A crise do subprime é uma crise financeira desencadeada em 2006, a partir da quebra de instituições de crédito dos Estados Unidos, que concediam empréstimos hipotecários de alto risco (em inglês: subprime loan ou subprime mortgage), arrastando vários bancos para uma situação de insolvência e repercutindo fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo. A crise foi revelada ao público a partir de fevereiro de 2007, como uma crise financeira, no coração do sistema uma crise grave, portanto - e segundo muitos economistas, a mais grave desde 1929, com possibilidades, portanto, de transformar-se em crise sistêmica, entendida como uma interrupção da cadeia de pagamentos da economia global - que tenderia a atingir generalizadamente todos os setores econômicos. Um prenúncio, portanto, da crise econômica de 2008 (Fonte: Wikipédia).

Traduzido do francês por Moisés Sbardelotto. Para acessar a versão original francesa, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de julho de 2015 – Internet: clique aqui.


Papa não deve se intimidar com as críticas

Editorial
THE TABLET (Londres)
23-07-2015

O papa vai contra os interesses dos grandes negócios norte-americanos: o capitalismo financeiro de Wall Street, por exemplo, e o complexo industrial dependente dos combustíveis fósseis – fabricantes de automóveis, companhias petrolíferas e de geração de energia elétrica à base de carvão. Assim, ele fez alguns grandes inimigos. Mas não deve se intimidar.
Cardeal australiano George Pell - Secretaria Econômica do Vaticano expressou
posições contrárias à encíclica de Papa Francisco Laudato Si'

Duas contra-narrativas estão se desdobrando na Igreja Católica, voltadas a neutralizar alguns dos ensinamentos mais incisivos do Papa Francisco. Ele vai ir ao encontro de ambas quando visitar os Estados Unidos em setembro.

Uma delas, concernente às mudanças climáticas, ele já terá ouvido dos lábios do cardeal George Pell, o australiano que dirige a maquinaria financeira do Vaticano. Trata-se da acusação de que o papa deu um passo além do seu alcance quando assumiu, na sua recente encíclica Laudato si', que a atividade humana é uma causa significativa das prejudiciais mudanças climáticas.

Em uma entrevista ao Financial Times, o cardeal Pell disse: "A Igreja não tem nenhum mandato do Senhor para se pronunciar sobre questões científicas. Nós acreditamos na autonomia da ciência". Para o qual única resposta possível é: "Sim e não, Vossa Eminência – mas muito mais 'não' do que 'sim'".

Os cientistas podem ter certeza de que o mosquito Anopheles carrega a malária, e em todas as partes a Igreja Católica aceita o seu veredito e apoia campanhas locais para eliminá-lo. Não fazer isso seria irresponsável, embora a Igreja não reivindique perícia em epidemiologia ou entomologia. Há uma pequena chance de que os especialistas estejam errados, mas é uma chance que não vale a pena assumir.
Para baixar ou ler esta importante encíclica clique aqui

Esse "princípio de precaução", que se aplica em ambos os casos, é um julgamento moral que a Igreja Católica é plenamente competente para fazer. O fato é que o cardeal Pell, que também não é nenhum cientista, tem afirmado repetidamente que ele não acredita nas mudanças climáticas, nem que elas sejam causadas por humanos, ou que, se o são, elas não são necessariamente prejudiciais.

A frase de que "o papa não tem nenhuma competência em questões científicas", às vezes colorida com uma referência a Galileu, tornou-se o padrão de refúgio dos católicos conservadores nos Estados Unidos, muitos dos quais também se opõem aos esforços do governo Obama de levar as mudanças climáticas a sério.

A resposta negativa à Laudato si' muitas vezes está ligada à outra conduta anti-Francisco assumida por direitistas católicos norte-americanos – de que a sua crítica feroz ao sistema econômico de livre mercado só se aplica à América Latina ou mesmo apenas à Argentina e, portanto, não diz nada sobre o que acontece em outros lugares, incluindo os Estados Unidos.

Essa é uma forma de tratar o Papa Francisco como um tolo. Eles se esquecem de que ele não é o primeiro papa que soa ser de esquerda aos seus ouvidos. Até mesmo aquele que os católicos conservadores dos Estados Unidos mais tendem a admirar, São João Paulo II, teve a sua encíclica Sollicitudo rei socialis menosprezada pelo The Wall Street Journal como "marxismo requentado". Para o seu crédito, os bispos norte-americanos, de modo geral, não caíram na armadilha de se aliar com esses críticos ideológicos do papado.

A ligação entre essas respostas à abordagem de Francisco sobre aquilo que ele chama de "nossa casa comum" e o mercado é revelada pelo teste "cui bono?". Quem se beneficia com a tentativa de desacreditar o papa dessa forma?

Em ambos os casos, os interesses servidos são aqueles dos grandes negócios norte-americanos: o capitalismo financeiro de Wall Street, por exemplo, e o complexo industrial dependente dos combustíveis fósseis – fabricantes de automóveis, companhias petrolíferas e de geração de energia elétrica à base de carvão.

O Papa Francisco fez alguns grandes inimigos. Mas ele não deve se intimidar.

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de julho de 2015 – Internet: clique aqui.