«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PEREGRINOS E SIONISTAS

ROSA BROOKS *
FOREIGN POLICY


Israel é o que os colonos imaginavam estar construindo na América e é em Israel que talvez nos transformemos - mas não como nossos antepassados pensavam
Ataques de Israel à cidade de Gaza (Palestina)
Chegou o feriado de Ação de Graças, o que significa que é tempo de pensar em Israel.
A ideia não é tão absurda quanto parece. Os peregrinos que estabeleceram o ritual com que os americanos celebram o dia de Ação de Graças pensavam muito em Israel: tanto eles como o grupo mais numeroso de colonizadores puritanos que os sucederam dez anos depois viam-se como "novos israelitas", obrigados a errar no deserto de terras selvagens por perseguição religiosa.

Dada essa história, o feriado de Ação de Graças nos oferece uma boa oportunidade de examinar os paralelos entre os EUA e Israel. Depois de uma semana de manchetes sobre Israel e a violência que é cada vez mais indissociável da imagem que as pessoas guardam desse país, essa também é uma boa oportunidade para pensar na sorte que temos, pois, apesar de muitos paralelos, os EUA, graças aos céus, não são Israel. Não ainda.

Conta a tradição que a primeira festa de Ação de Graças foi no outono de 1621, quando os peregrinos comemoravam sua primeira colheita. Em 12 de dezembro de 1621, Robert Cushman fez aos peregrinos o sermão mais antigo que chegou até nós. Deus, disse Cushman, havia aberto "um caminho (...) para que os que têm asas pudessem voar pelos céus até este deserto", de modo que "da perseguição que levou à dispersão da igreja judaica (...) uma luz possa se elevar no escuro". Uma Nova Israel nascera na Nova Inglaterra.

Se os primeiros colonizadores viam paralelos entre si e os antigos israelitas, nós, americanos modernos, também podemos identificar paralelos entre os peregrinos americanos e os sionistas judeus que se instalaram na Palestina entre o fim do século 19 e meados do século 20.

Afinal, os Estados Unidos e Israel compartilham de narrativas de fundação semelhantes: os peregrinos que içaram velas e se fizeram ao mar no porto inglês de Plymouth, em 1620, fizeram-no contra o pano de fundo das guerras, massacres e perseguições religiosas que assolavam a Europa; ao passo que os judeus que fundaram o moderno Estado de Israel fugiam dos séculos de antissemitismo europeu e dos horrores sem precedentes do Holocausto.
ISRAEL ZANGWILL

Ambos os grupos viam-se colonizando terras ermas e em grande medida, despovoadas: "Este lugar em que vivemos, nós o encontramos ermo, esvaziado dos que aqui viviam, achando-se eles todos mortos ou tendo daqui partido", relatou Cushman em 1621. Trezentos anos depois, e a quase 8 mil quilômetros dali, os sionistas judeus procuravam "uma terra sem povo para um povo sem terra". A Palestina "é, por ora, um território turco praticamente inabitado, abandonado, dilapidado", entusiasmava-se em 1902 Israel Zangwill, um dos primeiros sionistas. Tempos depois, ele se daria conta do engano ("Infelizmente, no país vivem 600 mil árabes"), mas nessa altura a ideia de estabelecer uma pátria judaica na Palestina ganhara um ímpeto avassalador que não havia mais como conter.

Tanto os peregrinos como os colonos sionistas - separados como estavam por séculos e quilômetros - subestimaram a resistência dos habitantes locais. Na "Nova Israel" da Nova Inglaterra, Cushman observava que os nativos se achavam "muito abatidos ultimamente, em virtude de uma grande mortalidade que se derramou entre eles de três anos para cá" (Cushman não devia saber que a "grande mortalidade" era causada pela varíola, tifo e por outras doenças que os pescadores europeus traziam inadvertidamente para a América). No tocante aos "pobres pagãos", escreveu ele, "nossa preocupação tem sido manter a paz entre eles".

No entanto, o fato é que os índios americanos tinham opiniões próprias sobre os europeus que tinham vindo "errar no deserto" e, nas décadas seguintes, o avanço do homem branco sobre terras indígenas foi cada vez mais motivo de conflito. A Nova Inglaterra assistiu à Guerra de Pequot em 1637; algumas décadas depois houve a Guerra do Rei Felipe, que se estendeu de 1675 a 1676 e causou a morte de centenas de colonizadores e milhares de índios.
HAMAS - Ameaça de foguetes:
À esquerda : tipos de foguetes e alcance
À direita: cidades em Israel dentro do campo de alcance desses foguetes e
a sua população

Os sionistas que se instalaram na Palestina também mergulharam em conflitos. Com o aumento da população judaica, que passou de pouco mais de 10% do total dos habitantes da região, no início dos anos 1920, para 33% após a 2ª Guerra, as tensões com a maioria árabe se exacerbaram. A partir do fim da década de 30, os ataques de militantes árabes a assentamentos judeus começaram a ser retaliados com ações de grupos paramilitares judeus.

Aqui, porém, o caminho seguido por Israel diverge do que foi trilhado pela América dos primeiros tempos. Os índios já haviam sido gravemente debilitados por moléstias contagiosas e conflitos intertribais quando os colonizadores europeus começaram a chegar em grande número. Ainda que escaramuças sangrentas entre europeus e índios tenham se estendido pelo século 20 adentro, em meados do século 18 a população nativa deixara de representar uma ameaça à sobrevivência dos colonizadores europeus e a nação que então se formava pôde voltar sua atenção para outras questões. Para os colonizadores, foi um sinal da Providência. Para os índios, uma tragédia.
DAVID BEN-GURION

Na Palestina as coisas foram diferentes: os habitantes árabes se recusaram a morrer de vontade própria, o que deixou os colonos judeus cercados por um povo ressentido com a perda de suas terras. Ataques e contra-ataques que causavam cada vez mais destruição enredaram os israelenses num ciclo de violência e retaliação. Quando, em 1948, David Ben-Gurion anunciou a criação de um Estado judeu, a eclosão da guerra com Egito, Síria, Transjordânia e Iraque foi imediata. Israel levou a melhor - mas, nas quase sete décadas que se seguiram, o país permaneceu em estado intermitente de guerra.

O ciclo de guerra e intensificação da violência irrompeu novamente na semana passada, quando Israel, em resposta aos ataques com foguetes do Hamas, submeteu Gaza a um bombardeio aéreo. Nesse conflito - como em todos os anteriores - a superioridade militar de Israel (que se deve, em grande medida, às armas e à ajuda fornecidas pelos americanos) torna o embate assimétrico: até a última quinta-feira, 5 israelenses e cerca de 130 palestinos haviam morrido. No último conflito em Gaza - a Operação Chumbo Grosso, ocorrida entre 2008 e 2009 -, 13 israelenses e 1.400 palestinos morreram durante as três semanas de combate. Na guerra entre Israel e Líbano de 2006, para cada israelense morto houve dez vítimas do lado libanês. 


Mas a imensa superioridade militar de Israel gerou apenas ganhos ilusórios. De que vale vencer quando a vitória só faz plantar as sementes do próximo conflito, um seguindo-se ao outro em rápida sucessão?

Como escreveu na semana passada Janine Zacharia, ex-chefe do escritório do jornal The Washington Post em Jerusalém, "a resposta de Israel a esses incessantes ataques com foguetes é perfeitamente justificada. Mas isso não quer dizer que seja inteligente. O fato é que faz cinco anos que Israel está envolvido numa guerra de pequena escala com o Hamas em Gaza e, com exceção de uma estratégia militar equivocada, os israelenses não têm um plano para pôr fim ao conflito... É claro que, mais uma vez os objetivos táticos de curto prazo serão atingidos (...) mas, ao fim e ao cabo, em vez de aumentar sua segurança, Israel só conseguirá ampliar seu isolamento no mundo e deixar seus vizinhos cada vez menos tolerantes com suas retaliações agressivas".

Houve tempo em que Israel representava um sonho de liberdade, segurança e paz para os judeus que haviam sido perseguidos na Europa. Mas as décadas entremeadas por guerras, homens-bomba e ataques com foguetes deixaram o país isolado, ameaçado e correndo o risco de perder sua alma. Cada nova rodada de ataques assimétricos lançados pelos palestinos ou por países vizinhos suscita uma reação militar desproporcional por parte de Israel, que conquista assim alguns anos de relativa tranquilidade até o início de uma nova escalada de violência. Enquanto isso, Israel se tornou um Estado militarizado, que se define quase unicamente por sua permanente preparação para a guerra e vai perdendo a cada ano mais algumas de suas tradições democráticas.

Armas dos fracos
Isso não é um "ataque a Israel". Homens-bomba e foguetes artesanais são armas dos fracos, mas deixaram mesmo assim um rastro de corpos mutilados, dilacerados, e o Holocausto ainda projeta uma grande sombra. 


Hoje, os netos e bisnetos dos sobreviventes do Holocausto enfrentam os netos e bisnetos dos árabes que foram expulsos ou mortos pelos colonos judeus que criaram o Estado de Israel. Todos são vítimas, e todos se tornaram agressores.
DAHLIA LITHWICK

Dahlia Lithwick, articulista da revista eletrônica Slate, escreveu recentemente o melhor texto que li até agora sobre a vida em Israel em meio ao atual conflito: "Os relatos pungentes, que vêm de ambos os lados, falando de porões destruídos e sapatinhos de bebê, não constituem um diálogo (...). Registrar o sofrimento dos seus compatriotas é uma maneira muito boa de não lidar com os verdadeiros problemas, e acreditem em mim quando eu digo que todo mundo está sofrendo e a tristeza é generalizada. Mas a tristeza tampouco ajuda a resolver os problemas (...). Cobrir o outro lado de bombas é tão adequado para resolver o conflito quanto contar em público o número de suas crianças mortas (...). Por favor, evitem fazer julgamentos. Trabalhem em busca de soluções. Porque todos, de ambos os lados, estão desesperados. Isso não é vida que se preze, e todos nós sabemos disso".


No conflito árabe-israelense há um lado mais forte e um lado mais fraco, mas não há um lado "certo".


Estamos no feriado de Ação de Graças e eu agradeço por todas as bênçãos prosaicas, mas essenciais: crianças felizes, um marido e uma família que me amam, um trabalho que adoro, boa saúde. Também agradeço a relativa paz e prosperidade em que nós, americanos, ainda vivemos. E, este ano, sou particularmente grata por não viver em Israel, pelos EUA não serem Israel, e pelo fato de que o caminho dos EUA divergiu há muito do de Israel.

Não foi exatamente por mérito nosso que isso se deu, já que a república americana se construiu sobre a virtual destruição dos índios que aqui viviam. Devemos muito de nossa paz e prosperidade a felizes acidentes geográficos - que sorte a nossa termos oceanos de ambos os lados do país! - e mais ainda ao sofrimentos de outros (a escravidão também projeta uma grande sombra).

Mas não devemos supor que os EUA estejam a salvo do destino de Israel. Atordoados pelos atentados do 11 de Setembro, os americanos deram uma guinada brusca na direção do caminho trilhado por Israel e acabaram se envolvendo em duas sangrentas guerras de ocupação. Como a nossa temporária aceitação da prática de tortura, chegamos muito perto de perder a alma nacional.

Ainda que tenhamos repudiado a tortura, continuamos a achar tentador o caminho de Israel. Prisões por tempo indeterminado tornaram-se uma realidade aceita nos EUA, em conjunto com um Estado policialesco agressivo e em expansão. Antes do 11 de Setembro, os EUA condenaram os "assassinatos seletivos" de supostos terroristas praticados por Israel. Agora, essa se tornou a tática preferida dos militares americanos.

Com nossas ações antiterroristas, estamos nos embrenhando no mesmo beco sem saída em que Israel se encontra: como acontece com os israelenses, cada missão executada por um drone [avião não tripulado] nos faz afundar cada vez mais no interminável ciclo de ataque, retaliação, contra-ataque e contrarretaliação, sem que, tudo somado e subtraído, alguém ganhe alguma coisa com isso, além de cadáveres de ambos os lados.

Israel é o que os peregrinos se imaginavam estar construindo e, a menos que tenhamos boa dose de sorte e sabedoria, é em Israel que talvez ainda nos transformemos - mas não da maneira que nossos antepassados esperavam.

* ROSA BROOKS  É PROFESSORA DE DIREITO NA UNIVERSIDADE GEORGETOWN. FOI CONSELHEIRA DO GOVERNO DOS EUA E ESCREVE UMA COLUNA SEMANAL PARA FOREIGN POLICY.


Clique no link abaixo para assistir a um impressionante vídeo
que mostra foguetes do Hamas sendo interceptados pela
bateria anti-mísseis de Israel no recente conflito:

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 25 de novembro de 2012 - Pg. J4 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,peregrinos-e-sionistas,964904,0.htm
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Corajoso e sincero testemunho...


Memórias de uma ilusão fatal

Entrevista com: Gershon Knispel

PAULA SACCHETTA

Artista plástico que chegou à Palestina em 1935 diz que é preciso acabar "com essa história de Israel grande" e derrubar "o muro da vergonha"

GERSHON KNISPEL - artista plástico judeu
Toco a campainha da casa em Santana algumas vezes, mas com a música clássica em alto e bom som, que dá pra escutar do lado de fora, ele certamente não deve ouvir meu chamado. É o ateliê de Gershon Knispel, artista plástico, de 80 anos. Telefono e ele vem abrir a porta. Vai logo baixando o som, "desse jeito não dá nem pra conversar, mas a música é minha inspiração, sem ela não consigo trabalhar". Ele mora em um apartamento em Higienópolis com a namorada, mas passa o dia no ateliê.

De origem judaica, Gershon nasceu em Köln, na Alemanha, em 1932 e, aos 3 anos, mudou-se para a Palestina. Muitos acreditaram que Hitler não duraria tanto, mas seu pai sabia que aquele que havia chegado ao poder pelo Partido Nacional-Socialista em 1933 seria uma ameaça à família. E assim, na Palestina, entre árabes e judeus, começa a vida e a formação do simpático velhinho que hoje afirma ser "um pintor de protesto". Tudo que viveu permeia nossa conversa e nos rodeia em pinturas e gravuras espalhadas pelo sobrado de tijolo iluminado por luz natural. Entre quadros e aquários, ele me recebe com uma camiseta preta na qual dá para enxergar a etiqueta para fora com letras em hebraico. No momento está organizando sua obra para um livro que deve sair em abril, mas diz que odeia tudo que o faz parar de pintar. Humanista e humanitário, afirma que sua rotina é reagir. Um dos pioneiros na chegada dos judeus à "terra prometida", explica como testemunha da história a origem dos conflitos de hoje, nos quais judeus e árabes continuam se matando entre mísseis, homens-bomba e assassinatos seletivos.

A hostilidade de um gueto
"O grande erro naquela terra foi que os primeiros judeus que chegaram, russos e poloneses principalmente, vieram com uma cultura de gueto. Chegaram sentindo-se ameaçados e assim se isolaram. Cercaram suas casas com muros de madeira, pedras, sacos de areia. Compravam terras dos fazendeiros árabes endinheirados, os efêndis, que não avisavam os camponeses que nelas trabalhavam e iam embora para a Europa. Nelas, os judeus faziam os kibutzim (kibutz no plural), com muros, todos cercados. E foram, aos poucos, criando uma atmosfera hostil. Construíam torres, diziam que era para a caixa d'água, mas eram torres de vigilância. Tiravam as pedras e as usavam para cercar e delimitar o território de cada um. Expulsavam camponeses que trabalhavam nas terras e as cercavam. Esses pioneiros chegaram sem disposição para criar qualquer vínculo com aqueles que já moravam ali. Os alemães, que chegaram pouco depois, eram mais abertos, mas aí já era tarde.

Um outro povo na terra
"A partir desse choque e desse antagonismo foi surgindo um nacionalismo árabe. Os judeus recém-chegados tinham sindicatos e organizações, e os árabes, que começaram a se sentir mais fracos, queriam organizar-se também - e o fizeram. Além disso, a língua falada nas ruas passou a ser o hebraico e até o iídiche foi liquidado, pois era preciso fortalecer uma espécie de orgulho nacional. Toda uma cultura forte que existia na região foi ignorada e praticamente desapareceu. Quando cheguei à Palestina não conseguia falar hebraico direito. Falava alemão na rua e era chamado de nazista pelas outras crianças judias. Já com os vizinhos árabes a coisa era diferente: as casas deles estavam sempre com as portas e janelas abertas, não tinham muitos móveis, mas eram cheias de tapetes e almofadas onde podíamos nos encostar e deitar. As casas tinham mosaicos de azulejos coloridos e fontes no quintal. Era diferente da minha própria casa, onde a gente entrava com os pés sujos de lama e tomava bronca da mãe. Eles recebiam bem quem chegasse. Eu me comunicava com eles em árabe, o pouco que aprendi na rua com as outras crianças. Para mim já era claro: não haveria futuro se nos fechássemos. E eu queria me adaptar. Minha família se estabeleceu em Haifa, uma cidade portuária, de pequenas praias, e como meus pais não tinham muito dinheiro, ficamos na parte mais pobre da cidade. Todos os meus vizinhos eram árabes. Quando chegamos já havia outro povo na terra, não era um deserto. Tinha um povo que era nosso irmão e precisávamos respeitá-lo. E também eram donos daquela terra.

Dividir para reinar
"Nos anos 1930, judeus intelectuais da Palestina fundaram uma organização política, a Brit Shalom, que pregava a coexistência pacífica entre judeus e árabes. Era a primeira tentativa de negociação de paz na região. Pregavam que o maior inimigo era o mandato britânico e que os palestinos, árabes e judeus, precisavam se juntar pela paz permanente e tirar os ingleses da terra. Lutavam pelo estabelecimento de um Estado binacional onde árabes e judeus tivessem direitos iguais. Abdicavam do sonho sionista da criação de um Estado puramente judeu. Mas não conseguiram, pois já estava enraizada toda uma infraestrutura para tornar Israel um Estado judeu. O Grande Levante Árabe de 1936, que chega até nós, hoje, como um levante contra o povo judeu, era contra a Inglaterra e seu mandato na Palestina, contra o domínio colonial. Para piorar a situação, David Ben Gurion, que viria a ser o primeiro primeiro-ministro de Israel, inventou o conceito de 'trabalho judaico'. Os camponeses expulsos de suas terras e sem trabalho nas cidades, já que judeus só empregariam judeus, começaram a sentir mais raiva ainda. Os conflitos começaram a se aprofundar e a Inglaterra, obviamente, usava isso a seu favor. Dividindo os povos, poderia dominar mais facilmente. Em vez de nos juntarmos, nos separamos. Ben Gurion chegou à Palestina em 1908, e os judeus alemães, mais 'abertos' à convivência com os palestinos, só nos anos 1920 e 30.

O primeiro choque
"Sou da chamada 'geração de 1948'. Participei de cinco guerras como oficial do Exército, mas foi em 1953 que tive meu maior choque, que foi a morte de todo aquele idealismo pra mim. Aos 12 fui morar em um kibutz socialista ao norte de Israel. Meus pais ficaram em Haifa e fui recebido por Shlomo e Tzilla Rozen. Eu era do Mapam, o partido socialista sionista em 1953, quando um amigo me levou para visitar Nazaré. Passamos por um hotel para peregrinos que se chamava Casa Nova. Fiquei horrorizado. O hotel era sujo, tinha um cheiro horrível de urina e muita gente e colchões amontoados nos quartos. Comecei a andar pelos corredores e vi que conhecia a gente que estava ali. Eles eram de Maalul, um dos centenas de vilarejos tirados do mapa e apagados por Israel depois de 1948. Eles confirmaram que eram de lá, também me conheciam e estavam esperando, me disseram. Estavam naquela situação havia mais de cinco anos. Esperando o quê? Nas guerras contra o mandato britânico seus vizinhos do kibutz, o mesmo onde eu morava, os tiraram da aldeia para protegê-los, disseram. Eles ficariam longe de casa durante a guerra, mas voltariam depois, sãos e salvos. Cinco anos haviam se passado e eles continuavam esperando. Fiquei com raiva. Voltei ao kibutz e perguntei a Shlomo o que significava aquilo. Contei tudo que havia visto em Nazaré. Ele ficou branco e me respondeu: 'Você conhece Ben Gurion? Ele é impossível. Não deixa que devolvamos as aldeias aos árabes'. Mas essas aldeias ainda existem?, perguntei. E ele: 'Não vamos entrar em detalhes'. Mas por que então ele fazia parte do governo de Ben Gurion (Shlomo era ministro da Imigração)? 'É melhor assim porque sem ele ficaremos pior', respondeu. Rasguei a carteira do partido na cara dele e saí sem me despedir. Entrei no Partido Comunista logo depois.

Brasil, um painel e um passaporte
"Em 1958, Nina, que tinha sido minha namorada em Israel e veio para o Brasil com a família, me avisou de um concurso promovido pela TV Tupi para a execução de um mural no prédio deles. Eu já era artista plástico. Me inscrevi, mandei os croquis e venci. O painel ainda está lá: são índios de 7,5 metros de altura, no lugar mais alto de São Paulo, no Sumaré, onde hoje funciona a MTV. Uma vez no Brasil, me juntei ao pessoal do CPC, Centro Popular de Cultura, o Guarnieri, o Juca de Oliveira, o Augusto Boal e, entusiasmado com eles, fui ficando. Fiz uma gráfica para imprimir gravuras. O Brasil se tornou minha pátria também. Me juntei ao Partido Comunista com Mário Schenberg, Villanova Artigas e Oscar Niemeyer, que se tornou um amigo próximo. O prédio da MTV foi tombado recentemente, recebi a notícia com muita alegria. É uma garantia de que aquilo será preservado. Em 1964, no dia seguinte ao golpe militar, já comecei a ser procurado. Estava envolvido demais com o Partido Comunista e o CPC, era perigoso para eles. Peguei um cachimbo, tabaco, um passaporte e um talão de cheques e fui atrás de gente do Mapam, aquele mesmo partido do qual eu havia rasgado a carteirinha, em São Paulo. Tínhamos divergências, mas numa hora dessas eles precisavam me ajudar. Me transferiram para o Rio, onde ficava a Embaixada de Israel. Fiquei lá alguns dias e arranjaram um voo para Israel. De 1964 a 1986 morei em Haifa e trabalhei como conselheiro de arte da prefeitura. Em 1986, virei presidente do conselho dos artistas plásticos de Israel. Em 1987, 20 anos depois da Guerra dos Seis Dias, fizemos uma exposição com 67 artistas, metade árabes e metade judeus, contra a ocupação israelense de terras palestinas. Voltei ao Brasil em 1995 e fiquei.

Reféns de um Estado distante
"O problema é que a política do Estado de Israel, desde sempre, foi de derrubar tentativas de negociação de paz, pois eles não queriam um Estado palestino ou um Estado binacional. Nós, da geração de 1948, chegamos à conclusão de que a grande euforia por um Estado não levou em conta que iríamos nos tornar um país ocupante e, com o tempo, um país baseado nos princípios fascistas mais radicais. Temos agora uma bomba atômica e um muro de 650 quilômetros de extensão e 8 metros de altura. Nos jornais dos últimos dias, senti uma tristeza enorme ao ver fotos de israelenses procurando abrigo nas ruas das cidades bombardeadas. Afinal, os mísseis e foguetes que saíram de Gaza não passaram por cima do muro? Então para que ele serve? Serve para separar famílias, tornar o caminho dos palestinos mais difícil, e eles já estão fartos disso. Um pacifista israelense, Gershon Baskin, disse que o assassinato de Ahmed Jabari, líder militar do Hamas, foi um 'erro estratégico'. Não foi um erro estratégico, é a estratégia de sempre. A estratégia é não querer a paz. Yitzhak Rabin (primeiro-ministro de Israel em 1974-1977 e 1992-1995) e Yasser Arafat (líder da Autoridade Palestina) representavam os maiores perigos para Israel, pois eram capazes de estabelecer uma paz de fato na região. Rabin foi morto por um judeu ortodoxo de extrema direita e Arafat terá seu corpo exumado ainda este mês porque suspeita-se que ele tenha sido morto por exposição a substâncias radioativas pelo serviço secreto israelense. Quando começaram esses últimos ataques jovens saíram às ruas aqui em São Paulo, na Av. Paulista, para protestar contra o Hamas. Eu me pergunto, o que eles estão fazendo? Aqui, por serem judeus, ficam reféns de um Estado que pratica essas atrocidades. Não têm o direito de votar lá, mas assumem, aqui, os crimes deles.

A ilusão final
"Manter Israel como é mantido hoje, como uma coisa única e completa, é suicídio. Hannah Arendt, em seu relato sobre o julgamento de Adolf Eichmann, nazista executado nos anos 1960, criticou a tendência dos israelenses de fazerem uma expansão desenfreada, criando uma situação em que todos os esforços se concentram em armas, transformando a cultura e o Estado 'modelo' que eles queriam em uma ilusão fatal. Quanto tempo, perguntou ela, vai durar um Estado que só sobrevive à base da força? Precisamos acabar com essa história de Israel grande, precisamos devolver os territórios ocupados e derrubar o muro da vergonha. Nossa geração, que achava que estava libertando o Oriente Médio do colonialismo, percebeu que aquilo era uma ilusão. Em 1956, na Guerra do Suez, eu era paraquedista e fui enganado. Derrubamos o projeto do Nasser para nacionalizar o Canal de Suez, que era legítimo. Achei que estava ajudando, mas foi uma aventura colonialista ao lado da Inglaterra e da França. Hoje somos usados de novo: Israel é o maior parceiro das aventuras imperialistas norte-americanas no Oriente Médio. E eu não paro de falar, escrever e pintar. Não paro porque é um bom jeito de ficar vivo."

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 25 de novembro de 2012 - Pg. J5 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,memorias-de-uma-ilusao-fatal,964901,0.htm

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