«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 25 de março de 2022

4º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 15,1-3.11- 32

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Tela em óleo: "O Retorno do Filho Pródigo", concluída em 1669, por Rembrandt Harmenszoon van Rijn. Atualmente, no  Museu Hermitage, em São Petersburgo, Rússia

Na misericórdia, somos divinos!

Enquanto os escribas e fariseus tinham a ambição de levar o povo a Deus e, portanto, conduzi-lo pela observância de regras e preceitos religiosos, Jesus escolhe um caminho diferente. Ele não quer levar os homens a Deus, porque sabe que se você quer levar os homens a Deus, inevitavelmente alguém é deixado para trás e alguém é excluído, mas Jesus traz Deus aos homens e Deus é trazido aos homens, apenas, de uma maneira: a comunicação de sua misericórdia e compaixão.

Mas são precisamente os escribas e fariseus, essas pessoas tão piedosas e tão devotas que, em vez de se alegrarem e colaborarem com Jesus em sua ação, estão contra ele. Leiamos o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, desde o primeiro versículo. 

Lucas 15,1:** «Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para ouvi-lo.»

Eis aí a escória da sociedade, os excluídos da religião e os marginalizados, que sentem na mensagem de Jesus a resposta ao desejo de plenitude de vida que cada pessoa tem dentro de si. Por mais que a pessoa viva na direção errada de sua existência, por mais imersa no pecado, sempre há nela um desejo de plenitude de vida, um desejo de felicidade que, infelizmente, muitas vezes, escolheu mal, afundando-se em desespero e dor, mas essa voz esteve sempre acordada. E, portanto, há a resposta ao seu desejo em Jesus. 

Lucas 15,2: «Os fariseus e os escribas, porém, murmuravam, dizendo: “Esse homem acolhe os pecadores e come com eles”.»

Enquanto Jesus está sendo ouvido pelos publicanos e pecadores, os fariseus, que são os piedosos, e os escribas, que são os teólogos oficiais, murmuravam! É interessante como, nos Evangelhos, as autoridades religiosas, os mestres espirituais, os escribas e os fariseus evitam pronunciar o nome de Jesus. Jesus significa “o Senhor salva”, e eles não precisam dessa salvação do Senhor e se voltam para ele sempre com um termo bastante grosseiro e pejorativo: “este (esse), aquele”.

E aqui está o escândalo: “Esse homem acolhe os pecadores e come com eles”. Jesus não apenas os recebe, mas também come com eles. Comer significa compartilhar a vida. Se você come com alguém que está infectado, inevitavelmente sua impureza é passada para todos os outros. Eles não entenderam que, com Jesus, os pecadores, os incrédulos, os impuros, não precisam se purificar para serem dignos de comer com ele, mas o que os purifica é comer com ele. Mas as pessoas religiosas não entendem isso. 

Lucas 15,3: «Então, ele contou-lhes esta parábola:»

Esta parábola, logo veremos, não é dirigida aos discípulos de Jesus, mas aos escribas e fariseus, isto é, aos seus inimigos. 

Lucas 15,11-12: «“Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles.»

Essa é a conhecidíssima parábola do “filho pródigo”, e a analisaremos, apenas, em suas características essenciais porque é bastante longa. E é importante para a compreensão desta passagem, que o pai dividiu seus bens entre os dois filhos. Então, ele deu o que era devido ao filho mais novo, mas o dobro – de acordo com a lei judaica – ao filho mais velho. Este filho mais novo está indo embora. 

Lucas 15,13: «Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu, partiu para um lugar distante e ali esbanjou numa vida desenfreada tudo o que possuía.»

Esse lugar distante era uma região pagã. Ali, ele demonstra a sua incapacidade de gerir sua própria vida e de viver segundo os seus recursos. 

Lucas 15,14: «Depois que gastara tudo, chegou uma grande fome àquela região, e ele começou a passar necessidade.»

Então, ele cai em desgraça porque chega uma grande fome. Aquele que apostou tudo no dinheiro, quando não tem mais dinheiro, encontra-se um nada. Aquele que era um patrão em sua casa, encontra-se sob o comando de um chefe. De patrão ele se torna servo. 

Lucas 15,15-16: «Então, foi pedir trabalho a um dos cidadãos do lugar, que o mandou a seu campo guardar os porcos. Ele queria matar a fome com a comida dos porcos, mas nem isso lhe davam.»

O evangelista especifica, claramente, o lugar para onde vai: ao campo, cuidar de porcos. Sabemos que, na cultura judaica, o porco é um animal impuro! Portanto, esse filho mais novo cai na maior degradação possível, tomado pelas dores da fome! Afinal, nem a comida dos porcos lhe era dada! 

Lucas 15,17-19: «Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou partir e voltar para meu pai, e dizer-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’.»

Pela reflexão que o filho faz, vemos que esse pai era generoso não apenas com seus filhos, mas também com seus trabalhadores. Atenção para entender bem essa passagem! Às vezes, esse filho é apresentado como modelo de conversão, de arrependimento. Nada disso! Este é um cara que sempre pensa em si mesmo e com base no dinheiro. O que lhe falta não é seu pai, mas lhe falta pão.

Não é o remorso que agora o impele a voltar para o pai, mas a dor da fome.

Portanto, não há menção à dor que ele causou à sua família. Por isso, os seus direitos caducaram; ele pensa que não pode mais ser tratado como um filho porque recebeu sua parte! Então, ele não sabe o que significa a relação de um filho com seu pai, e pede para ser tratado como um dos servos. Repito que esse filho não volta ao pai porque se arrepende, mas vai por interesse. Ele não sente falta do pai, mas sente falta do pão. 

Lucas 15,20: «Então ele se pôs a caminho e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e foi tomado de compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o beijou.»

A figura sobre a qual o evangelista, agora, concentra nossa atenção é a do PAI, imagem de Deus. Assim, o pai respeitou a vontade do filho, mas não o esqueceu, esperou por ele. “Ter compaixão” é uma ação divina com a qual a vida é restaurada para aqueles que não têm vida. É a terceira vez que aparece no Evangelho de Lucas. A primeira foi no episódio da viúva de Naim, quando Jesus se compadece e ressuscita o filho dela (Lc 7,11-17), a segunda foi com o samaritano, o homem que se compadece do ferido e restaura sua vida (Lc 10,25-37. Assim, a ação do pai não é ressentimento, raiva, ofensa, mas desejo de devolver a vida. E, aqui, estão três expressões impressionantes do pai:

1ª) “Correu-lhe ao encontro”. Isso é inconcebível na cultura do Oriente Médio. Correr é sempre um sinal de desonra, e nunca um idoso ou pai corre ao encontro do filho, mas para o pai o desejo de honrar o filho é mais importante que sua própria honra. O pai se desonra para honrar seu filho.

2ª) “Ele lançou-se a seu pescoço - abraçou-o”. Quando lemos o Evangelho, coloquemo-nos no lugar dos primeiros ouvintes que não sabiam como a história ia terminar. Teríamos imaginado que, depois de se atirar ao pescoço, o teria estrangulado: “Este idiota que desperdiçou tudo e foi reduzido a ser um porqueiro”.

3ª) Em vez disso, aqui está a surpresa: “Beijou-o”. O evangelista, aqui, se refere ao primeiro grande perdão na Bíblia, quando Esaú perdoou seu irmão Jacó que havia roubado sua herança. Quando Esaú encontra Jacó, ele o beija (cf. Gn 33,1-4). O beijo é um sinal de perdão.

Então o pai, imagem de Deus, perdoa o filho antes que ele peça perdão. 

Lucas 15,21: «O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céus e contra ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho’.»

O filho não confia na compaixão do pai e ataca com seu “ato de contrição”. O pai não o deixa terminar. 

Lucas 15,22-24: «No entanto, o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa.»

A túnica era uma honra que dava dignidade a uma pessoa. Este jovem, este filho que perdeu sua dignidade, agora, está voltando ao esplendor de sua dignidade. Mas o mais surpreendente é a sequência.

  O anel não é uma coisa para decorar, uma pequena bugiganga. Mas o anel era o selo do administrador da casa. Assim, o pai desse filho irresponsável, que esbanjou todo o seu patrimônio, devolve-lhe a dignidade e uma confiança maior do que ele desfrutava. Ele coloca a administração da casa em suas mãos, sem saber o que esse filho fará com ela.

Lembremos que o jovem pediu para ser tratado como um dos trabalhadores contratados e o pai disse: “Não, coloque sandálias nos pés dele”. Nas casas, os donos usavam sandálias, os criados andavam descalços. 

Lucas 15,25-28: «O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e danças. Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. Ele respondeu: ‘Teu irmão voltou, e teu pai matou o novilho gordo, porque recuperou seu filho são e salvo’. Ele, porém, ficou com raiva e não queria entrar. O pai, então, saiu e insistia com ele...»

Finalmente, entra em cena aquele a quem a parábola é dirigida. O “filho mais velho” - imagem de escribas e fariseus, que não quer entrar na casa e protesta. O pai também sai para ele, e ele choraminga. Vemos um Jesus que critica o infantilismo em que a religião mantém seus seguidores. Recordamos que, no início, o pai dividiu seus bens entre os dois filhos e deu ao filho mais velho o dobro do que concedeu ao mais novo.

Então, era tudo do filho mais velho, por que ele não pegou? É a religião. A religião mantém as pessoas em um estado infantil, elas não têm uma relação de amor com Deus, mas uma relação de obediência, de serviço, e sempre esperam uma recompensa. Mas, sobretudo, aguardam autorização para se alegrar ou não. 

Lucas 15,29-32: «... mas ele respondeu ao pai: ‘Eu te sirvo a tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando, porém, chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com as prostitutas, matas para ele o novilho gordo’. Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu; mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado’.»

Então o pai, assim como foi ao encontro do filho que estava perdido, também vai ao encontro desse filho que não quer entrar em casa. Esse filho que, em seu ressentimento, disse: “chegou esse teu filho”. O pai recorda-lhe que essa pessoa é o irmão dele: “este teu irmão”. Só que ele, o filho mais velho, vivia na condição de servo e não de filho e não sabia saborear isso.

Desse modo, Jesus convida esses escribas e fariseus a se alegrar com esses pecadores, os incrédulos, que os cercam, mas infelizmente sabemos, pelo restante do Evangelho, que escribas e fariseus, cegos pelo cisco de sua justiça, de sua fidelidade à lei, nunca entenderam a misericórdia de Deus. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“A misericórdia e a graça divina se enlaçam de modo misterioso. Façam os homens o que fizerem, Deus está ao seu lado para oferecer vida, beleza, bondade.” (Roberto Romano: 1946-2021 – filósofo, pensador e escritor brasileiro)

Podemos sintetizar o Evangelho deste 4º Domingo da Quaresma com a seguinte frase: “Perdoar é humano, ser misericordioso é divino!”

Isso porque, o perdão é a marca dos seres humanos que são finitos e sujeitos ao erro. Somos dominados por paixões, desejos, vontade de poder, ganância, orgulho, vaidades exacerbadas, usamos a nossa capacidade de pensar, raciocinar para sobreviver às custas dos outros! Como muito bem observou Roberto Romano: “Se todos erram e ferem, sem perdão a existência coletiva seria impossível”. 

No entanto, por detrás do perdão, na maioria das vezes, esconde-se a humilhação daquele que é perdoado! Aqui, sou obrigado novamente, a citar Romano:

“A doença chamada sinceridade aproveita aquele gesto e, num instante, revela indivíduos que supostamente perdoam, mas julgam impiedosamente os fracos caídos. Alguém que perdoou, com muita probabilidade produz o ressentido. Quando tudo foi dito e o semelhante está prostrado, não há perdão, mas um fardo existencial sem vida e seiva.”

A misericórdia é divina, pois somente pode provir de um ser sem desejos e paixões! Daquele que ama sem limites e de modo totalmente gratuito! Isso fica demonstrado de maneira inequívoca no Evangelho deste domingo, no qual o pai perdoa o filho extraviado, mesmo sem este demonstrar um autêntico e profundo arrependimento! 

Esse Evangelho nos traz uma grave advertência: Atenção ao tipo de deus no qual você crê! Sim, pois há duas maneiras de entender Deus e de relacionar-se com ele, segundo o teólogo espanhol José María Castillo:

a) O “Deus dos fariseus”, que é o “deus-patrão”: aquele ao qual se deve obedecer e servir em uma relação do tipo contratual (latim: do ut des = eu te dou para que tu me dês). Eu me submeto a Deus para obter dele alguma recompensa nesta vida e a vida eterna, no futuro. É a mentalidade presente no filho mais velho da parábola deste domingo. Uma mentalidade tipicamente farisaica, onde existe uma rígida observância dos preceitos religiosos, mas quase nenhuma caridade!

b) O “Deus dos perdidos”, que é o “Deus-acolhedor”: é o deus sentido pelo filho mais novo, aquele que estava “perdido”, o fracassado, o arruinado. Esse é um Deus no qual se confia, no qual se encontra somente a BONDADE! Nessa relação não existe o “toma lá, dá cá”! Eu me relaciono com Deus porque eu o amo, não porque eu o temo (= tenho medo) ou desejo algo dele!

É o Deus, segundo Romano, que...

“se alegra no instante em que os humanos se perdoam reciprocamente. Naquele momento eles são divinos.” 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, é difícil entrar na lógica do amor, a lógica da Páscoa, do sacrifício amoroso. Tu não vieste na terra para corrigir-nos, mas nos reconheceste tão radicalmente, a ponto de entregar-te em nossas mãos. Não nos resta que superar a última tentação e abraçarmos o Pai, isto é, reconhecê-lo em ti, o seu enviado. E reconhecer significa deixar-nos salvar sem merecermos a salvação. Deixar-nos levar e salvar sem dizer que esta salvação da morte nos é devida, que a merecemos. Permitir-se ser amado sem ter um único ponto de apoio em nós mesmos. Ajude-nos a entender que ser salvo significa poder dizer com amor: não o que eu quero, mas o que tu queres. Tu sabes tudo, Senhor, toma-nos como somos, abraça-nos, converte-nos, traz-nos de volta à casa do amor e da ternura. Sua casa. Então a Palavra ouvida será cura e salvação, remédio de eternidade. Amém. »

(Marino Gobbin. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico C. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 159)

 Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – IV Domenica di Quaresima – 31 marzo 2019 – Internet: clique aqui e aqui (Acesso em: 23/03/2022).

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