«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Estamos na idade das trevas!

“Podemos evitar que o pior ocorra”

Entrevista com Yuval Noah Harari
Historiador e escritor israelense de renome internacional

Marcelo Marthe

A ciência, a democracia, a tolerância –
alguns dos mais nobres sinônimos da civilização –
estão sob o ataque do que se poderia chamar de Idade das Trevas,
um tempo de obscurantismo e retrocesso ao qual é preciso resistir
YUVAL NOAH HARARI

O filósofo e historiador israelense Yuval Noah Harari, de 43 anos, é especialista em trazer ao alcance do cidadão comum as lições que a humanidade pode extrair da história — não só para entender o presente, mas para iluminar seu futuro. Com turnê pelo Brasil marcada para novembro, o autor dos best-sellers Homo Deus e 21 Lições para o Século 21, editados no país pela Companhia das Letras, fala nesta entrevista ao editor Marcelo Marthe sobre a escalada do obscurantismo, a tentativa de censura a um gibi LGBT pelo prefeito carioca Marcelo Crivella e os desafios que a evolução da tecnologia trará para o progresso humano.

Dos Estados Unidos ao Brasil, há uma ascensão de movimentos que negam os fatos e a ciência. O obscurantismo vai das teorias conspiratórias sobre as vacinas ao ataque aos direitos civis, passando pela crença no terraplanismo. O que explica a revolta contra a razão? 

Yuval Noah Harari: A ciência está sob ataque por diversos motivos. Primeiro, porque as pessoas menosprezam as enormes conquistas que ela trouxe. Sem a ciência moderna, pelo menos um terço das pessoas que estão lendo esta entrevista teria morrido na infância de desnutrição ou de outras doenças banais hoje. Elas estão vivas graças às descobertas científicas como as vacinas, os antibióticos e as vitaminas sintéticas. As pessoas se esqueceram de como as coisas eram ruins em épocas passadas, e então deixaram de dar valor a essas conquistas. Um segundo fator é que os líderes populistas estão em alta e eles são inimigos contumazes da ciência. Os populistas buscam ampliar seu poder incitando o ódio contra imigrantes e minorias, e rotulando de traidores os que se opõem a eles. Ao chegarem ao poder, têm como foco destruir todos os contrapesos que limitam a imposição de suas vontades, atacando a imprensa, as instituições e as universidades. A ciência é vista como uma ameaça pelos populistas porque ela expõe verdades que vão contra seus comandos. É por isso que esses líderes encorajam ataques contra ela.

Como se pode combater o obscurantismo? 

Harari: Não há um caminho fácil para lidar com o problema. Precisamos ser incansáveis no empenho de lembrar às pessoas que as metodologias científicas são o melhor guia rumo à verdade, e devemos rejeitar com todas as nossas forças que as visões políticas e os preconceitos religiosos se sobreponham aos fatos trazidos à luz pela ciência. Por exemplo: eu soube que o prefeito do Rio de Janeiro tentou recentemente banir um gibi que mostra um casal gay se beijando, sob a alegação de que sua leitura seria prejudicial às crianças. As intenções do prefeito podem ter sido boas, mas ele deveria antes ter consultado a relevante literatura científica produzida por psicólogos e biólogos sobre o assunto. Numerosos estudos científicos demonstram que a exposição a informações sobre a realidade LGBT na verdade beneficia as crianças, enquanto sonegar tal conhecimento acaba lhes fazendo mal.

De que forma isso acontece? 

Harari: Talvez o prefeito não saiba, mas há milhares de adolescentes gays no Rio. As pesquisas científicas mostram que, em muitos casos, a orientação sexual de uma pessoa é determinada ainda no começo da infância, por uma combinação de causas genéticas e ambientais. Quando impedidos de ver imagens de relacionamentos gays, esses jovens crescem sem modelos com os quais possam se identificar. Eles se sentem sozinhos no mundo, e isso causa imenso transtorno psicológico, um dos motivos de as taxas de suicídio entre adolescentes gays serem muito maiores do que as dos heterossexuais. Espero que o prefeito do Rio possa se familiarizar com esses estudos científicos, para que se compadeça de tantas crianças cariocas, e passe a encorajar a literatura simpática aos gays, em vez de querer proibi-la.

Mas vozes conservadoras no Brasil sustentam que essas obras propagam o que chamam de “ideologia de gênero”, que teria a intenção conspiratória de transformar as crianças em gays. Essa ideia faz sentido? 

Harari: Não há evidência científica de que ver a imagem de um casal gay se beijando prejudique as crianças heterossexuais de qualquer maneira. Com absoluta certeza, isso não seria capaz de transformá-las em gays. Não se muda a orientação sexual das pessoas simplesmente permitindo que elas vejam certo tipo de conteúdo. Convenhamos: as crianças gays crescem cercadas por incontáveis imagens de casais heterossexuais — nem por isso mudam sua orientação. É razoável pensar que ser gay seja tão tentador que a exposição a uma única imagem possa transformar um garoto hétero em homossexual, enquanto milhões de imagens de casais héteros não têm o poder de fazer o contrário com um garoto gay?

Historicamente, a humanidade registrou períodos em que a razão e o progresso deram lugar às trevas e à ignorância. É ilusão pensar que o ser humano evolui sempre rumo à razão? 

Harari: Não existe uma lei capaz de garantir que o processo histórico leve sempre ao progresso. A revolução da agricultura, por exemplo, produziu grandes avanços na vida de reis e aristocratas, mas, a princípio, a vida das pessoas em geral piorou. Os primeiros agricultores tinham de trabalhar mais duro que seus antepassados caçadores-coletores, comiam pior do que eles e sofriam de mais doenças infecciosas, com a maior iniquidade social e repressão política. Para a maioria das pessoas, a invenção da agricultura não foi um momento que trouxe progresso. Da mesma forma, nas próximas décadas nós desenvolveremos novas tecnologias poderosas, como a inteligência artificial. Mas, se não formos cuidadosos, essa força poderá beneficiar somente uma pequena elite, em detrimento da maioria das pessoas. A inteligência artificial deverá ceifar o emprego de centenas de milhões e dar origem a uma nova “classe dos inúteis”. Muita gente provavelmente perderá sua utilidade econômica e sua força política. Ao mesmo tempo, inéditas ferramentas de vigilância poderão nos levar a uma era de ditaduras digitais, em que os governos monitorarão a todos o tempo todo. Esses regimes poderão ser piores que os da Alemanha nazista ou da União Soviética comunista.

Suas previsões não são exageradamente pessimistas? 

Harari: Isso não é uma profecia. É só uma possibilidade. Ainda podemos evitar que o pior ocorra. Para que isso seja possível, precisamos nos conscientizar de que o progresso real nunca ocorre por si próprio. A mera invenção de tecnologias não é suficiente para melhorar a vida. Toda inovação tecnológica pode ser usada para diferentes propósitos — alguns bons, outros ruins. Precisamos garantir que seja empregada em benefício de toda a humanidade, e não só de poucos.

Fonte: VEJA – Brasil / Especial – Edição 2652 – Ano 52 – nº 38 – 18 de setembro de 2019 – Págs. 60-61 – Internet: clique aqui.

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