«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Politização da religião

 Na cova dos leões

 Angela Alonso

Professora de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) 

"DANIEL NA TOCA DOS LEÕES" - tela à óleo do pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), pintura de 1614/1616 - está exposta na National Gallery of Art (Washington - DC)

Religiosização da política só interessa a um lado, o da direita

O pastor pregava numa igreja Batista: “Neemias agiu. Se nós queremos mudar o sistema, precisamos orar, agir e apoiar medidas contra a corrupção”. 

Era 2015, e Neemias foi do Velho Testamento ao sermão para justificar o avanço religioso sobre a política. Ao murar a cidade sagrada de Jerusalém, servira a dois senhores, o estado terreno (governou a Judeia) e o reino divino. Quem buscou o exemplo foi Deltan Dallagnon, que tinha 35 anos e uma missão. 

Como a missão lava-jatista se cumpriu, é prudente atentar para suas profecias. A mais recente veio em reação ao tuíste digno das narrativas bíblicas, quando o moralizador foi pego de moral curta. Legítima ou espúria, a cassação deu-lhe outro púlpito, o de perseguido. 

Em meio a cartazes de “Perseguição política não é justiça”, discursou no estilo em que fez carreira, com a Bíblia e a Constituição confundidas

A retórica cristã tem sido seu trunfo na trajetória curta entre a obscuridade paranaense e a luminosidade de Brasília. Daí equiparar sua sina às de José [Gn 37] e Daniel [Dn 6]. 

O primeiro, vendido pelos irmãos como escravo, permitiu-lhe sintonizar com o grande mote contemporâneo da direita, o da primazia da liberdade. 

O segundo lhe deu a camisa do crente, salvo da pena injusta pelo poder da fé. Trata-se de Daniel, acusado de traição ao rei por orar a Deus. O soberano pôs a divindade concorrente à prova, trancando o infiel numa cova com leões. O salvamento foi por graça divina. 

Já os acusadores provaram a inclemência terrena, devorados pelos felinos. Uma mensagem de revanche: Dallagnol está na cova, mas quando sair, condenará os inimigos ao suplício

À diferença de Daniel, vai comboiado à vingança. O protesto contra sua cassação ajuntou do:

* 03 [Deputado Federal Eduardo Nantes Bolsonaro, PL-SP] à

* deputada de tiara de florzinha [Julia Pedroso Zanatta, PL-SC], a que votou contra a equiparação salarial entre os gêneros e insinuou usar metralhadora contra Lula. 

Deltan Dallagnol no centro, ao microfone, ao seu lado direito, usando uma tiara de florzinha, a deputada Julia Zanatta e, atrás de Dallagnol, à sua direita, com o rosto meio escondido, o deputado federal Eduardo Bolsonaro

O ato de desagravo exibiu uma arca da aliança, que o pastor chamou de “a direita unida contra a arbitrariedade”. Nela cabem muitos pecadores. 

A cruzada moral é para salvar um mundo corrompido desde a expulsão do Paraíso. 

Exemplos religiosos e ações políticas se embaralham, enraizando a moralidade pública em uma moral privada particular, de tipo religioso. Avoca o monopólio da honra e da correção à sua igreja política, já os adversários seriam todos corrompidos

Os últimos anos mostraram o poder político desta retórica moralizadora, que opõe impolutos e conspurcados. Suscitou nada menos que paixão nacional. Por isso o “tombo”, palavra do caído, serviu para regar o terreno laico da política partidária com os valores de uma seita. 

Dallagnol, como [o profeta] Daniel, vive uma provação, mas promete voltar fortalecido, graças à fé em Deus e nas “344 mil vozes caladas”, as dos eleitores que o sufragaram. Não na Constituição

A língua religiosa da oposição acabou na boca do governo, que devia ser laico. O ministro da Justiça [Flávio Dino] se saiu com o evangelho de Mateus:Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” 

Ao adotar a linguagem do inimigo, aceita-se o debate político nos seus termos. E se cai na armadilha de falar mais de moral que dos problemas do país. 

A religiosização (com perdão do neologismo) da política só interessa a um lado. A direita se move desenvolta nesse léxico. E, ao fundamentar seus atos em citações sagradas, prossegue a política nos termos de seu velho Messias [Jair Messias Bolsonaro, o ex-presidente da República]. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Política / colunas e blogs – Segunda-feira, 22 de maio de 2023 – Pág. A8 – Internet: clique aqui (Acesso em: 22/05/2023).

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