«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 6 de junho de 2017

TEMPOS PERIGOSOS ! ! !

O risco de fascismo é real

Entrevista com Timothy Snyder
Historiador norte-americano

Johanna Nublat

Para o historiador americano, autor do best-seller Sobre a Tirania,
o mal pode entrar sorrateiro na sociedade, como ocorreu nos anos 1920,
porque muitos não o levam a sério
TIMOTHY SNYDER

Desorientado com a eleição de Donald Trump em novembro do ano passado, o historiador americano Timothy Snyder, professor da Universidade Yale, estava a bordo de um voo para os Estados Unidos quando resolveu elaborar um manual com vinte lições do século XX para afastar o risco do triunfo das tiranias nos dias atuais.

Com dicas como “atenção para palavras periogosas”, “acredite na verdade” e “se você tiver de portar armas, reflita”, o guia for parar no Facebook apenas oito dias depois da vitória do republicano. Os posts receberam milhares de compartilhamentos e, três meses depois, foram transformados em livro.

Sobre a Tirania entrou para a lista dos mais vendidos do jornal The New York Times e será lançado em junho no Brasil pela Companhia das Letras. “A ideia inicial era explicar o mais rápido possível, o que fazer para combater esse mal”, diz Snyder. “Não somos mais sábios do que os europeus do século XX que viram a democracia dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo.”

A seguir, sua entrevista.

Em seu livro, por que o senhor recomenda a leitura de Harry Potter e as Relíquias da Morte, de J. K. Rowling?

Timothy Snyder: Por causa do retrato do mal que há na obra. O mal não está claramente separado do bem. Exatamente por isso conseguiu infiltrar-se gradualmente nas instituições em que confiamos. Não aparece de uma vez só. No mundo real, o mal utiliza um certo tipo de linguagem que, quando empregada por nós, tem o poder de nos modificar. Portanto, a resistência precisa adotar muitas formas. Precisa envolver atitudes na vida diária, a maneira como falamos, o cuidado com as instituições. A série Harry Potter traz um retrato sofisticado tanto do mal, que nada mais é que a tirania, quanto da resistência a ele.

As democracias atuais têm ferramentas para conter esse mal?

Timothy Snyder: Estamos acostumados, nos Estados Unidos, a pensar que a democracia é algo normal, inevitável, parte natural da vida. A verdade é que a democracia é frágil, difícil de manter, vulnerável a choques. A democracia americana, antes mesmo da eleição de Trump, já tinha problemas sérios. No meu livro, tento lembrar aos americanos que a ameaça vem de nós mesmos, de dentro, não de fora. Além disso, ao estudarmos o que aconteceu no último século na Europa, podemos expandir nossa imaginação e ver como a democracia pode falhar e, também, como podemos fazer para impedir que isso aconteça.

Por que o senhor diz que a ameaça à democracia vem de dentro?

Timothy Snyder: Porque um dos temas mais delicados atualmente é o acesso aos fatos. Fala-se muito em pós-verdade, pois as pessoas só leem na internet aquilo que comprova suas visões de mundo. Temos lidado com essa tendência como se fosse um problema novo, pós-moderno. Não é novo, e é essencialmente um perigo. A pós-verdade está nas origens do fascismo. A mentalidade da pós-verdade era e é contra o Iluminismo, contra a ideia de que a razão deve governar a vida e a política. Os fascistas diziam que a missão do indivíduo não era entender o mundo, mas integrar-se em uma comunidade mítica, algo irracional e intangível. O fascismo nos anos 1920 era um tipo de pós-verdade. A democracia requer um ambiente em que exista confiança mútua. Isso só pode acontecer quando se compartilha um mesmo mundo de fatos. Uma forma de minar a democracia é destruir essa confiança. Criar um mundo em que cada um tem sua própria verdade, seus próprios fatos. Quando isso acontece, tudo parece ser uma questão de opinião. As pessoas deixam de funcionar como uma comunidade porque ninguém concorda mais com nada.

 «O principal atalho para desfazer a democracia é dissolver a confiança entre as pessoas,
e a forma de fazer isso é convencê-las de que só importa a opinião particular delas.»

O senhor acha que haja apoio expresso para a tirania atualmente?

Timothy Snyder: Claro, algumas pessoas sempre querem algo assim. Divido as sociedades em três grupos. O primeiro quer governantes autoritários, o segundo é formado pelos que repudiam o autoritarismo e o terceiro é constituído pelos que não desejam o autoritarismo, mas não entendem que o risco seja real.
Há mais pessoas querendo o autoritarismo do que gente pedindo democracia? A resposta é não. Na eleição alemã de 1932, Adolf Hitler não ganhou a maioria. Ele teve cerca de 30% dos votos para o parlamento, mas isso foi mais que suficiente para que seguisse adiante com seu projeto de poder.
Hoje, com certeza, existe apoio eleitoral para os que querem acabar com a democracia, embora não seja da maioria. De qualquer jeito, não podemos deixar que esses políticos ganhem. No Brexit, a decisão da Inglaterra de sair da União Europeia, muitos avós votaram para que seus netos crescessem em um mundo menos aberto e livre. Os mais velhos não serão muito impactados por essa decisão, mas os mais jovens sim. Os jovens, porém, não foram votar.
Há algo estranho acontecendo quando pessoas para as quais o impacto importa menos, os velhos, tomam decisões poderosas no lugar daquelas para quem o impacto importa mais, os jovens, que comungam essa noção de que nada de ruim vai acontecer.

O excesso de confiança é um problema?

Timothy Snyder: Depois de 1989, os americanos disseram a si mesmos que não havia alternativa à democracia liberal. O capitalismo iria se espalhar, e isso só poderia trazer mais democracia e paz. Educamos a nova geração com essa história, que, no entanto, não é verdadeira. Não há inevitabilidade na história. O perigo é trocarmos a ideia de que tudo vai dar certo pela ideia de que tudo acabará mal. É o que chamo de política da eternidade, cuja essência informa que nós, nosso grupo, nossa nação, somos a pátria da virtude e que inimigos externos, que podem ser culturais, militares ou políticos, sempre tentam tirar vantagem de nossa virtude e nos atacar.
É assim que o fascismo vê a história e como o populismo frequentemente apresenta as coisas. É incorreto, mas tentador.

A única ameaça à democracia é interna?

Timothy Snyder: Pela primeira vez em décadas, parece que estamos lidando com opositores ativos da democracia. O Estado russo, um regime autoritário consolidado, está tentando interferir em eleições e na imprensa de outros países, perturbando sociedades civis além de suas fronteiras, na União Europeia e nos Estados Unidos.

Falta energia para lutar pela liberdade?

Timothy Snyder: Estamos num momento em que as pessoas ainda têm direitos consideráveis, mesmo que seja preciso questionar o que vem a ser uma pessoa livre. Se alguém só segue os demais e acompanha o fluxo, não pode ser considerado verdadeiramente livre. Para tanto é preciso tomar decisões que nos deixam em uma posição desconfortável, que inclui pequenos riscos.
Por exemplo, se uma estudante escolhe ser um dos vinte manifestantes em uma passeata em uma pequena cidade americana, ela pôs sua causa em evidência, ainda que a maior parte das pessoas não se importe com isso. Felizmente ela tomou uma posição e decidiu fazer algo que ninguém quer fazer.
Diante da ameaça da tirania, a atitude americana normal é dizer que tudo ficará bem, que nossas instituições vão nos proteger. Mas é essa apatia que pode um dia tornar possível a degeneração do regime. Para resistir ao autoritarismo, é preciso dizer que os Estados Unidos somos nós, que é necessário cuidar das instituições, dar um passo à frente. Ainda bem que muitos estão tomando essa iniciativa.

A história não serve de antídoto contra o fascismo?

Timothy Snyder: A questão é que muitos de nós decidiram que ela não é importante. Além disso, somos prejudicados pela passagem do tempo. As gerações que enfrentaram a II Guerra e a Guerra Fria estão partindo. Não temos mais memória direta da crise horrível e do derramamento de sangue que aconteceram em décadas passadas.

Uma corrente de pesquisadores defende a ideia de que as guerras estão diminuindo e que nunca voltaremos ao nível de violência do passado. O senhor discorda?

Timothy Snyder: O período entre 1950 e 2000 foi excepcional na história da humanidade. Houve uma relevante mudança tecnológica e um engajamento substancial entre os Estados Unidos e a Europa. A democracia se expandiu. Mas isso acabou. A tecnologia não trabalha necessariamente a favor da democracia. Os Estados Unidos e a Europa estão se afastando. A força da União Europeia está sob questionamento. O número de democracias está diminuindo.
A globalização aumentou as desigualdades em muitos países e agora enfrenta uma reação. A tradução do incômodo com a desigualdade está no aumento do racismo e do populismo em vários países. Trump aproveitou o descompasso ao estimular um sentimento contra os imigrantes e contra os muçulmanos. Não digo que estamos prestes a entrar em um período de violência em massa, mas a democracia está em recuo e seria bobagem pensar que qualquer país seja exceção.

O mundo está ficando parecido com o entreguerras?

Timothy Snyder: Algo muito estranho está acontecendo, pelo menos no Hemisfério  Norte. Os anos 1930 estão de volta à moda. Russos, americanos e europeus estão todos imaginando um período em que havia um Estado-nação livre da globalização ou da União Europeia. Mas essa é a década da qual deveríamos extrair lições. Foi nesse tempo que ocorreram o colapso da ordem europeia, o início da II Guerra Mundial e a ascensão da extrema direita e da extrema esquerda.

Como presidente, Trump não conseguiu avançar em algumas de suas agendas mais radicais, como a de construir um muro na fronteira com o México. Isso não o tranquiliza?

Timothy Snyder: Muitos danos para o longo prazo podem ser gerados mesmo que não haja um momento dramático de mudança de regime. Os americanos podem se acostumar à ideia de que o presidente pode ser vulgar, ganhar dinheiro enquanto está exercendo o cargo e o governo não precisa funcionar de verdade.
Estamos indo firmemente em direção a um tipo de cleptocracia, um governo de ladrões [aqui no Brasil já sabemos bem o que é isto!!!]. Não sabemos sobre as finanças do presidente, dos membros de sua família, de assessores na Casa Branca. Os negócios dele continuam funcionando. Essa não é uma situação normal na democracia americana.
O que me preocupa o tempo todo é que eles obtenham vantagem de algum tipo de crise externa ou de um ataque terrorista para justificar que chegou o momento de tirar os direitos das pessoas. Esse é um perigo que ainda existe. É bom lembrar que temos um líder autoritário na Casa Branca.

LIVRO

Título: Sobre a Tirania: vinte lições do século XX para o presente
Autor: Timothy Snyder
Tradutor: Donaldson Garschagen
Editora: Companhia das Letras
Publicação: Junho de 2017
Páginas: 168
Preço: R$ 24,90

Fonte: Revista Veja – Entrevista – Edição 2532 – Ano 50 – Número 22 – 31 de maio de 2017 – Págs. 17, 20-21 – Edição impressa.

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