«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Missa da Ceia do Senhor – Quinta-feira Santa – Homilia

 Evangelho: João 13,1-15 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

"Jesus lava os pés de Pedro" - Afresco de GIOTTO - Capela Scrovegni - Pádua (Itália)

Deus não está onde o poder é exercido, mas o serviço!

Denominamos Tríduo Pascal, do latim Triduum Paschale, o conjunto das três celebrações que marcam três acontecimentos fundamentais para o cristianismo. Trata-se da:

* Instituição da Eucaristia e do serviço aos irmãos(ãs) como síntese do ministério do cristão, simbolizado pelo lava-pés: Missa da Ceia do Senhor, na quinta-feira santa à noite.

* A contemplação da entrega total do Filho de Deus à humanidade, mediante a sua morte de cruz, às 15 horas, na sexta-feira santa: Celebração da Adoração da Cruz.

* A vida vence a morte violenta e o pecado humano, Jesus, o Nazareno, ressuscita dos mortos: Vigília Pascal, na noite de sábado santo.

Portanto, hoje, quinta-feira santa, inicia-se esse percurso que nos conduz à Páscoa, à libertação definitiva. 

João 13,1: «Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.»

Com esta solene introdução, João permite-nos prever que importantes discursos ou ações importantes serão realizadas por Jesus em seu último encontro com os discípulos. A expectativa é reforçada pela forma como o evangelista anuncia que o amor com que Jesus amou os seus discípulos atingirá a sua expressão máxima: “amou-os até o fim”. Com isso o evangelista repete o que está escrito no livro do Deuteronômio, “quando Moisés tinha terminado de escrever as palavras da Lei num livro até o fim” (Dt 31,24 ― versão grega: LXX). João faz-nos compreender que uma nova aliança está para ser proclamada, onde não um livro, mas um homem é a Palavra de Deus (cf. Jo 1,14), onde não a Lei, mas o amor será a norma de comportamento na comunidade de Jesus (cf. Jo 1,17; 13,34). 

João 13,2: «Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus.»

Mas esta atmosfera solene é arruinada por um hóspede que não foi convidado: o diabo. O jantar que o evangelista descreve não é o jantar pascal (realiza-se antes da festa da Páscoa), e não aparece nenhum elemento do jantar ritual judaico, mas é a Eucaristia, a ceia do Senhor (1Cor 11,20). Neste clima, que deveria ser de acolhimento e de doação, de amor recebido e de amor comunicado, a presença do diabo lança sobre os presentes uma sombra de morte. O diabo já tinha sido apresentado, no Evangelho, como sendo o pai das autoridades religiosas (cf. Jo 8,44). Em Judas, um dos discípulos de Cristo, o diabo encontrou um aliado precioso. O que não chega a ser novidade!

Quando, em Cafarnaum, uma boa parte de seus discípulos o abandonou (cf. Jo 6,66), Jesus permaneceu com um pequeno grupo e disse que um deles, Judas, era um diabo (cf. Jo 6,64.70-71). Ele é apresentado, também, como ladrão e mentiroso (cf. Jo 12,6), tal como os líderes do povo, Judas, assim como eles, não vem “a não ser para roubar e matar” (Jo 10,1.8.10). 

João 13,3-5: «Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido.»

A atmosfera é cheia de suspense. Jesus sabe (cf. Jo 13,3). O que ele vai fazer? Ele enfrentará o discípulo traidor? Ninguém compreende as intenções de Jesus, que num determinado momento interrompe o jantar, “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura” (Jo 13,4).

Ninguém lhe pergunta o que ele pretende fazer. Nem sequer seus discípulos têm tempo porque Jesus, depois de deitar água em uma bacia, “começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 13,5). O que é esta novidade?

Lavar os pés do hóspede era uma tarefa repugnante, reservada a indivíduos considerados inferiores aos seus superiores: o escravo não-judeu para com o senhor, a mulher para com o marido (cf. 1Sm 25,41), os filhos para com o pai e os discípulos para com o mestre. E, em todo o caso, fazia-se sempre antes de sentar-se à mesa (cf. Lc 7,44; Gn 18,4) e não durante o jantar, como neste caso.

Aos discípulos que pretendiam fazer dele seu rei (cf. Jo 6,15), Jesus responde tornando-se seu servo, demonstrando a verdadeira realeza, a do amor que se transforma em serviço.

O Senhor faz o trabalho de um servo para que os servos se sintam senhores.

Na sua comunidade não existem hierarquias nem categorias, mas todos são igualmente senhores, para se tornarem servos uns dos outros, porque só quem é senhor, ou seja, livre, pode tornar-se verdadeiramente servo dos outros.

Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus não se rebaixa, mas eleva os outros. Mostra o significado de um Deus que está a serviço dos seres humanos e, ao mesmo tempo, destrói a ideia de Deus criada pela religião, segundo a qual os seres humanos devem servir à divindade.

A verdadeira grandeza, a de Deus, consiste em servir os outros e não em deixar-se servir.

Se Jesus, que é Deus, se coloca ao serviço dos seres humanos, aqueles que pretendem dominar e comandar distanciam-se dele. Deus não está onde o poder é exercido, mas o serviço! Toda forma de serviço, toda obra de libertação do ser humano vem de Deus, mas nenhuma forma de poder ou de dominação pode ser legitimada em nome de Deus

João 13,6-8: «Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: “Senhor, tu me lavas os pés?” Respondeu Jesus: “Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás”. Disse-lhe Pedro: “Tu nunca me lavarás os pés!” Mas Jesus respondeu: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”.»

Por último, Jesus dirige-se a Simão, o discípulo cujo apelido (Pedro = “pedra”) corresponde ao seu carácter teimoso e obstinado. Na verdade, ele é o único a reagir horrorizado: “Senhor, tu me lavas os pés?” (Jo 13,6). Simão não aceita o gesto de Jesus, o mestre que lava os pés de um discípulo.

O único discípulo que protesta é na verdade o único que compreendeu as consequências da ação do Senhor. Se Jesus, o mestre, lava os pés dos seus discípulos, a partir de agora, ninguém do grupo poderá se considerar superior ao outro.

Não, isto é inaceitável: “Disse-lhe Pedro: ‘Tu nunca me lavarás os pés!’” (Jo 13,8). Pela primeira vez no Evangelho o discípulo é apresentado apenas com o apelido negativo “Pedro”, nunca usado por Jesus, que sempre o chamará pelo nome, mas usado pelo evangelista para apontar todas as vezes que Simão se opõe a Cristo (cf. Jo 18,27; 21,20). A reação de Pedro não é um sinal de humildade, mas, pelo contrário, indica a sua recusa em agir como Jesus: não aceita o seu gesto porque não está disposto a comportar-se como ele. Ele defende a posição de Jesus porque, na realidade, quer defender a sua!

A reação de Jesus é seca: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8).

Quem não aceita o serviço nada tem a ver com um Deus a serviço dos seres humanos.

Quem aceita ser submisso não entendeu quem é Jesus e não tem nada em comum com o Cristo que liberta as pessoas. 

João 13,9-10: «Simão Pedro disse: “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. Jesus respondeu: “Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos”.»

Astuto como sempre, Simão tenta evitar a condição que Jesus lhe impõe e, encurralado, tenta a última cartada, a do ritual. Ele não aceita o gesto de Jesus como expressão de serviço, mas, contornando o obstáculo, interpreta-o como um rito purificatório: “Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 13,9). Simão quer um rito purificatório em vista da Páscoa, como faziam os peregrinos que “tinham subido a Jerusalém para se purificarem antes da Páscoa” (Jo 11,55).

Simão não entendeu que não é um rito de purificação que permite acolher o amor de Deus, mas, pelo contrário, acolher o amor de Deus torna-nos puros! Ao terem aceitado Jesus, os discípulos já são puros: “Vós sois puros pela palavra que vos falei” (João 15,3). Porém, precisam acolher o lava-pés para compreender o serviço de Deus para com eles e deles para com os irmãos e irmãs.

Não é o fato de ter os pés lavados que torna um ser humano puro, mas a sua disposição de lavar os pés dos outros.

João 13,11: «Jesus sabia quem o ia entregar; por isso disse: “Nem todos estais limpos”.»

Porém, a sombra das trevas recai sobre a ação de Jesus, que, aos poucos, ampliará sua influência nefasta: apesar do gesto de amor feito por Jesus, nem todos são puros, outra pessoa, além de Pedro, resiste ao seu amor. Jesus também lavou os pés do discípulo traidor, mas ele não aceitou o amor inerente ao gesto.

Jesus é a expressão tangível do amor de Deus que não exclui ninguém do seu amor, nem mesmo o discípulo que, em breve, o trairá, entregando-o à morte. É o discípulo que, ao rejeitar este amor, exclui-se da vida que Jesus comunica, permanecendo assim nas trevas.

Terminado de lavar os pés dos discípulos atônitos, recalcitrantes como Pedro, ou indiferentes como Judas, Jesus pega o manto e volta a deitar-se sobre a espreguiçadeira, mas não retira a toalha, que se torna assim o sinal distintivo do agir de Cristo.

Comer deitado em espreguiçadeiras era típico dos senhores, que podiam se dar ao luxo de serem servidos. Pois bem, Jesus combina os dois aspectos: retém consigo a toalha, sinal de serviço, e deita-se sobre a espreguiçadeira, sinal de ser Senhor. Ser Senhor e servir não se contradizem, mas são uma expressão um do outro.

O Cristo de João não usa as vestes sagradas dos sacerdotes, mas os distintivos comuns do serviço: não as vestes da casta sacerdotal, mas o avental dos servos. 

João 13,12-15: «Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo. E disse aos discípulos: “Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”.»

Para garantir que isto permaneça fixo na mente dos seus discípulos, Jesus explica o significado do gesto realizado: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13,13-14). Sublinhando que é o único Mestre e o único Senhor, Jesus apresenta-se não só como aquele que ensina a amar e a servir, mas que comunica a força para o fazer.

Para Jesus, ser Mestre e Senhor não significa colocar-se acima dos discípulos, mas colocar-se ao seu serviço e torná-los capazes de amar.

Se os discípulos o reconhecem como Mestre, devem aprender dele a servir, e se reconhecem Jesus como Senhor, devem assemelhar-se a ele no amor.

Ter compreendido a ação de Jesus só se demonstra traduzindo-a em atitudes concretas. Lavar os pés do outro não é uma demonstração de virtude, mas um dever, o cumprimento de uma dívida que se tem para com o irmão: “Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor que deveis uns aos outros” (Rm 13,8).

Jesus não se apresenta como um modelo externo a ser imitado, mas como um dom que gera o comportamento dos discípulos. Não um exemplo, mas um gesto de amor que permite aos discípulos praticar o mesmo amor (cf. Jo 13,15). 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Não vos desvinculeis, comei o vínculo que vos une; não vos estimeis pouco, bebei vosso preço... transformai-vos também vós no corpo de Cristo.»

(Santo Agostinho: 354-430 ― Doutor da Igreja, filósofo e teólogo)

Muitos podem se perguntar: Mas na celebração da Ceia do Senhor, na festa da instituição da Eucaristia, não caberia melhor um Evangelho que descrevesse o momento da ceia no qual tudo isso se deu, como, por exemplo: Mc 14,17-25; Mt 26,20-29 e Lc 22,14-23? 

Ocorre que o relato do gesto do lava-pés, ao mesmo tempo histórico e simbólico, de Jesus é a concretização das palavras que Jesus pronunciou nesta sua derradeira ceia: “Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória... Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha memória” (1Cor 11,24.25). O lava-pés, assim como estas palavras eucarísticas, serve para mostrar o sentido da cruz: o amor que se torna serviço, doação de vida até o fim (cf. Jo 13,1). 

Portanto, a “comunhão eucarística” não se trata de uma mera aceitação racional, emotiva ou teórica da presença de Jesus no pão e no vinho, os quais, pela fé, se convertem em corpo e sangue do Cristo! Comungar significa assumir, em nossa vida concreta, o exemplo de Jesus de amor e serviço (cf. Jo 13,15). Sem isso, não há comunhão! O que ficou claro, no comentário do texto evangélico acima, quando se menciona a resistência de Pedro que não aceita um Messias Servo (cf. Jo 13,8). 

A Eucaristia seria fonte de uma grande e profunda transformação de vida, se a compreendêssemos do modo correto: celebração do amor, do serviço, da doação total de vida para que seus participantes façam o mesmo! Como estamos distantes dessa realidade! Pois, aquilo que era para ser um gesto concreto tornou-se, apenas, simbólico, ritualístico e devocional! Quem sabe, seja por isso que tantos cristãos dizem, ainda hoje, “eu vou assistir à missa”! Como se a Eucaristia fosse algo externo a cada um de nós, portanto, algo a ser observado, visto, assistido e não vida que se faz celebração e compromisso! 

Esta é a consequência de se separar a fé da vida! Como se a primeira, a fé, fosse algo meramente íntimo e individual! Por isso, nós, os cristãos, somos tão pouco relevantes nesta atual sociedade! O mundo segue o seu próprio caminho, indisturbado por aqueles que deveriam ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-14), bem como, “ter amor uns pelos outros” (Jo 13,35), como nos pediu Jesus! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Jesus, vem, meus pés estão sujos. Torna-te um servo para mim, despeja água na bacia; vem, lava meus pés. Eu sei que o que estou te dizendo é imprudente, mas temo a ameaça de tuas palavras: “Se eu não te lavar, você não terá parte comigo”. Portanto, lava os meus pés, para que eu tenha parte contigo.»

(Fonte: Orígenes. Homilia 5 sobre Isaías)

Fonte: Anotações do próprio autor – Acesso em: 27/03/2023.

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