«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 30 de março de 2024

Solenidade da Vigília Pascal – Ano B – Homilia

 Evangelho: Marcos 16,1-7 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

A morte não pode interromper a vida

A fé na ressurreição não se baseia num anúncio, mas na experiência do encontro com o Ressuscitado. A morte de Cristo não encerrou a sua missão, pelo contrário.

O evangelista Marcos apresenta dois movimentos diferentes. As mulheres, expoentes do velho mundo, dirigem-se ao túmulo para lamentar o que já não existe. Jesus sai do túmulo e envia para o mundo inteiro. A morte não interrompe a vida do indivíduo, mas projeta-a para horizontes ilimitados

Marcos 16,1: «Quando passou o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé, compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus.»

O evangelista nomeia as três mulheres que faziam parte do grupo que testemunhou a morte de Jesus (cf. Mc 15,40), e entre estas Maria Madalena, que viu onde Jesus foi colocado (Mc 15,47).

As mulheres, discípulas de Jesus, mostram que ainda estão sob a Lei e observam o seu mandamento mais importante, o sábado. A comunidade ainda não compreendeu a novidade trazida por Jesus e permanece na antiga aliança. Embora a primeira ação de Jesus tenha sido precisamente a transgressão do sábado para curar uma mulher (cf. Mc 1,29-31).

Se as mulheres não tivessem observado o sábado, teriam descoberto que Cristo já havia ressuscitado! Durante três dias, havia o costume de se visitar a pessoa falecida. A partir do quarto dia, a morte era considerada definitiva. A ação das mulheres é homenagear um homem desonrado, normalmente o cadáver era lavado com água e ungido com óleo. A unção com especiarias estava reservada aos reis (cf. 2Cr 16,14).

Mas a ação das mulheres é inútil, pois Jesus já foi ungido para a sua sepultura em Betânia, por uma mulher anônima: “ungiu o meu corpo para a sepultura”, Mc 14,8). Exceto que, em Betânia, uma pessoa viva foi ungida, agora se quer ungir um morto. O perfume de Betânia pretendia nos lembrar que a vida (perfume) é mais forte que a morte (fedor). A mulher de Betânia não precisava comprar os aromas, eles eram dela, símbolo do seu amor. 

Marcos 16,2: «E bem cedo, no primeiro dia [dia um] da semana, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo.»

Ao invés de escrever, como deveria, o “primeiro dia da semana” (verifique: “No primeiro dia da festa dos Pães sem fermento”, Mc 14,12), o evangelista não usa o número ordinário (primeiro), mas o número cardinal, um, querendo referir-se à história da criação: “E houve tarde e houve manhã: dia um” (Gn 1,5). Assim começa a nova criação com Jesus, onde a vida já não termina com a morte, mas continua para sempre. A transição do antigo para o novo é retratada entre a oposição do muito cedo, quando ainda está escuro, e assim que o sol nasce, quando a luz começa a brilhar. Chegou o dia do Senhor anunciado pelos profetas, o dia em que a luz dissipará definitivamente as trevas (cf. Zc 14,6-7). A este “dia um” não segue outra datação: é o dia definitivo que nunca terá o seu pôr-do-sol.

O evangelista usa a expressão “ao nascer do sol” apenas duas vezes em seu evangelho. Aqui, e na parábola dos quatro solos, onde indica que a semente caiu entre as pedras, onde não havia muita terra, e brotou, mas “quando surgiu o sol, a semente queimou-se e secou” (Mc 4,6). Agora, com esta recordação, o evangelista adverte que desta vez também acontecerá o mesmo: a mensagem não dará frutos porque, como explicou Jesus: “Os que estão no terreno pedregoso são os que, ao escutarem a palavra, imediatamente a recebem com alegria, mas não têm raiz em si mesmos, são instáveis. Quando vem a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, logo ficam escandalizados” (Mc 4,16-17). 

Marcos 16,3-4: «E diziam entre si: “Quem rolará para nós a pedra da entrada do túmulo?” Era uma pedra muito grande. Mas, quando olharam, viram que a pedra já tinha sido retirada.»

A luz do novo mundo ainda não ilumina as mulheres. A pedra colocada na entrada do túmulo separa definitivamente o mundo dos vivos do dos mortos (recorde-se a expressão: “colocar uma pedra em cima”), indicando a morte como condição definitiva. Mas a luz do novo dia finalmente ilumina as mulheres e elas percebem que a pedra não fechou o túmulo. Enquanto pensavam em suas próprias preocupações, estavam preocupadas e angustiadas: “era uma pedra muito grande”. Quando começaram a olhar para cima, ou seja, a não olhar mais para si mesmas, mas a ampliar o horizonte, perceberam que o motivo da preocupação delas era inexistente: a pedra não fechava o túmulo! A pedra, por maior que fosse, não poderia impedir que o poder da vida se manifestasse. A morte não é uma condição definitiva e não interrompe a vida.

O verbo grego anablepso significa ver e tornar a ver novamente (“Senhor, que eu veja!”, Mc 10,51.52); “Senhor, que eu recupe a visão!” (Lucas 18,41).

Mas as mulheres observam (grego: theoreô), verbo que indica a capacidade de compreender o significado profundo daquilo que se olha e ainda não se vê. Depois dos numerosos anúncios de Jesus sobre a sua paixão, morte e ressurreição (Mc 8,31; 9, 31; 10,33-34), o túmulo deveria estar sempre aberto para os seus discípulos. A morte para eles não deveria significar a cessação da vida. 

Marcos 16,5: «Entraram, então, no túmulo e viram um jovem, sentado do lado direito, vestido de branco. [E ficaram muito assustadas.]»

As mulheres entram no túmulo, o reino da morte, mas em vez de um cadáver encontram uma pessoa viva! As mulheres não “observam” mais, mas finalmente “veem” (grego: oraô), verbo que indica uma experiência profunda. Com efeito, veem um jovem, termo que aparece em Marcos apenas no momento da captura de Jesus (Mc 14,51), e que indica um indivíduo no auge da vida, uma figura da vida no seu máximo esplendor.

Este jovem está sentado à direita, mas ninguém diz do quê. A referência do evangelista é à declaração feita por Jesus ao sumo sacerdote: “Vereis o Filho do homem sentado à direita do Poderoso, vindo com as nuvens do céu” (Mc 14,62). Esta afirmação confirmou a sua condição divina através da citação do Salmo 110,1 em que Deus se dirige ao Messias dizendo: “Senta-te à minha direita”.

Por fim, a última indicação do jovem é que está coberto com uma túnica/manto branco, cor da glória divina que alude às vestes muito brancas da transfiguração (Mc 9,3) e do ressuscitado (Ap 6,11; 7,9) e ao jovem que fugiu nu no momento da sua prisão. Ele também estava coberto com um lençol. O evangelista usa o verbo vestir (grego: periballô) apenas duas vezes: no momento da captura de Jesus e nesta passagem. Todos estes traços fazem do jovem a figura de Jesus na sua condição gloriosa: aquele que deu a vida na cruz continua vivo e goza da plena condição divina.

A reação das mulheres diante deste jovem/Jesus é de assombro/choque. O evangelista utiliza o verbo grego ekthambeomai, usado apenas por Marcos no Novo Testamento (Mc 9,15; 14,33; 16,5.6), que indica espanto, choque. Aquelas que foram testemunhas da morte de Cristo, encontram-no, agora, não apenas vivo, mas na sua condição divina. 

Marcos 16,6: «Mas o jovem lhes disse: “Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram.»

É o jovem quem deve intervir, e fá-lo de forma imperativa, indicando assim a autoridade que detém. Elas não devem ficar surpresas, chocadas ou mesmo com medo. Quem elas estavam procurando? O verbo “procurar” em Marcos é sempre usado para indicar erro ou más intenções.

As mulheres se enganaram, tentavam encontrar o cadáver do Nazareno, sobrenome que indicava a origem de Jesus da região dos nacionalistas fanáticos (Mc 1,24; 10,47) que apareceu pela última vez na boca do servo que questionou Pedro na casa do sumo sacerdote: “Tu também estavas com o nazareno, com Jesus!” (Mc 14,67). Elas queriam honrar o messias morto com os seus aromas e enterrar para sempre os sonhos de restaurar a monarquia do rei Davi. Procuravam o homem crucificado, o homem rejeitado pelo seu próprio povo e executado como alguém amaldiçoado por Deus (cf. Dt 21,23). Foi isto o que aconteceu com o Nazareno: a cruz.

É o mesmo jovem que responde à pergunta que fez às mulheres: aquele que foi executado como blasfemador pelas autoridades judaicas e condenado à cruz como rebelde por Pilatos, aquele que as mulheres hoje consideram uma figura do passado (o Nazareno), bem, ele ressuscitou. A sua homenagem (aromas) é completamente inútil: Jesus não está no túmulo. O local da morte não pode conter o Vivo. Não teria ele dito que Deus “não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mc 12,27)? Deus não ressuscita os mortos, mas concede a sua própria vida aos vivos, uma vida que não é interrompida pela morte!

Marcos 16,7: «Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito.”»

O túmulo de Jesus não é lugar para os seus discípulos, e o jovem as expulsa do túmulo com uma ordem imperativa: “Ide”. Agora que fizeram a experiência de que Jesus está vivo, não podem mais ficar no túmulo, mas ir para os vivos. O jovem instrui as mulheres a irem até os “discípulos e Pedro”. Mas não as instrui a anunciar o que viram: a fé na ressurreição não se baseia num anúncio ou numa proclamação, mas na experiência do encontro com Jesus ressuscitado. A tarefa é dirigida aos seus discípulos, que todos o abandonaram (“todos o abandonaram e fugiram”, Mc 14,50), e a Pedro, que o negou.

Pedro, o traidor, não faz parte dos discípulos de Jesus, pois negou completamente ser seu seguidor (Mc 14,66-72).

Os discípulos abandonaram o seu mestre, Pedro negou-o, mas Jesus não abandona os seus seguidores nem os nega. Jesus é o amor que pode ser abandonado, mas nunca abandona, o amor que pode ser traído, mas jamais trairá.

E o jovem pede aos discípulos e a Pedro para irem à Galileia, confirmando as palavras que Jesus tinha dito aos discípulos depois do anúncio da sua traição: “Depois da minha ressurreição irei adiante de vós para a Galileia” (Mc 14,28), mas acrescentando um novo detalhe: “Lá vós o vereis”. O uso do verbo oraô no futuro refere-se sempre às aparições de personagens ou realidades pertencentes à esfera divina ou dela procedentes (Mc 14,62).

Os discípulos devem ascender à Galileia, abandonando Jerusalém, a cidade santa, sede da instituição religiosa judaica. Na Galileia, no norte, numa terra semipagã, onde Jesus expôs a sua mensagem, devem seguir o seu itinerário, abrindo-se à sua mensagem universal.

A morte de Jesus não encerrou a sua missão, pelo contrário. Jesus começou a sua atividade na Galileia e, agora, os discípulos devem começar a sua no mesmo lugar. Até agora, eles o acompanharam, doravante, devem segui-lo. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá.»

(João 11,25-26)

Como podemos ter certeza que Jesus, o Nazareno, de fato, ressuscitou? A nossa fé na ressurreição encontra algum outro fundamento além da própria fé? Isso não seria, apenas, uma crença para preencher o vazio e a falta de sentido que os seres humanos sentem para a sua existência nesta terra? Os seguidores de Jesus não teriam, de fato, retirado o corpo da sepultura, escondendo-o e disseminado a falsa notícia (fake news) de que ressuscitara? 

A primeira distinção que devemos fazer é entre ressuscitar e reviver. Reviver é quando a pessoa volta a esta vida que temos, aqui, na terra. Quem revive retorna ao espaço e tempo, ou seja, às dimensões da história. Este foi o caso de Lázaro, amigo de Jesus (cf. Jo 11,1-46). Ressuscitar é superar o espaço e tempo, coordenadas sob as quais vive todo e qualquer ser vivo neste mundo. Ressuscitar é, portanto, transcender as dimensões da história, é ir além dela. Este foi o caso de Jesus e, acreditamos, será o nosso também. Contudo, tudo isso que foi dito depende de um ato de fé. E fé é um ato de liberdade, ninguém pode ser forçado a crer! Fé fundamenta-se em uma decisão livre: eu decido responder a esse Deus que se encarnou na pessoa de Jesus de Nazaré, me comprometendo a viver como ele me propõe, isto é, no amor, na justiça, na verdade, na misericórdia. Fé é a minha resposta positiva ao apelo de Deus mediante seu Filho Jesus. 

Agora, quer dizer que não há nada em que possamos sustentar a nossa fé na ressurreição de Jesus, o Filho de Deus encarnado? Ressurreição é, apenas e tão somente, uma fonte de esperança para esta vida sem sentido? Afinal, Paulo, não sem razão, formula claramente que, “se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, e vã a nossa fé” (1Cor 15,14). Não, há algo no qual podemos, senão ter absoluta certeza, mas, ao menos, nos alicerçar. Esse argumento pode ser denominado de “prova sociológica da ressurreição”. 

Ele se fundamenta no modo como foi o final da vida de Jesus:

* Jesus foi condenado ao mais vexatório e infame suplício daquele tempo: a crucifixão. Sinal de fracasso, vergonha e exclusão!

* Algo tão humilhante, que o Antigo Testamento afirma que “o que foi pendurado é uma maldição de Deus” (Dt 21,23).

* Portanto, ninguém tinha vontade e, muito menos, prazer de falar sobre este final de Jesus! Era um assunto tabu, um assunto evitado!

* Não por acaso, houve uma dispersão grande de seus discípulos (cf. Mc 14,50; Jo 16,32). Jesus, praticamente, ficou só após a sua prisão, julgamento, condenação e execução da sentença: a crucifixão. 

Então as pessoas voltaram a falar de Jesus porque, “depois da sua crucificação, depois da sua morte na cruz, aconteceu algo que era tão chocante, tão novo, tão absolutamente impressionante, que era possível voltar a falar dele. Não por causa da cruz, mas apesar da cruz” (Renold Blank). E o que foi esse fato, o que foi esse fator que, praticamente, “obrigou” as pessoas a falarem novamente de Jesus? Foi o testemunho das pessoas afirmando que ele tinha voltado à vida, que Deus o havia ressuscitado! De um ressuscitado se podia falar, contar a vida e divulgar a sua mensagem. Com isso, o sinal vergonhoso da cruz se transformou em sinal dos seguidores do Ressuscitado! Essa é a “prova sociológica ou social”:

«Dessa maneira, o fato de esses seguidores existirem hoje é a maior prova daquilo em que fundamentam a sua fé: a ressurreição» (Renold Blank).


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Cantai, cristãos, afinal: “Salve, ó vítima pascal!” Cordeiro inocente, o Cristo abriu-nos do Pai o aprisco. Por toda ovelha imolado, do mundo lava o pecado. Duelam forte e mais forte: é a vida que enfrenta a morte. O rei da vida, cativo, é morto, mas reina vivo! Responde, pois, ó Maria: no teu caminho o que havia? “Vi Cristo ressuscitado, o túmulo abandonado. Os anjos da cor do sol, dobrado ao chão o lençol... O Cristo, que leva aos céus, caminha à frente dos seus!” Ressuscitou de verdade. Ó Rei, ó Cristo, piedade!»

(Fonte: Sequência pascal – Missa do dia de Páscoa)

Fonte: Anotações do próprio autor – Acesso em: 25/03/2023.

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