«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

ALGUMAS TEORIAS ECONÔMICAS E ECOLÓGICAS ENGANOSAS

Os erros da tese do decrescimento econômico

Vicenç Navarro*

O ponto do debate não é o crescimento ou o não crescimento, mas sim que tipo de crescimento, que é consequência de quem controla tal crescimento.
Iceberg entre a ilha Paulet e as ilhas Shetland no mar Weddell. Península Antártica. 2005.
Crédito: Sebastião Salgado/Divulgação

Uma característica dos movimentos ecologistas na Europa é sua enorme diversidade ideológica, considerada uma de suas fortalezas. Segundo meu entendimento, essa poderia ser uma de suas fraquezas. Um número considerável deles demonstra uma afinidade malthusiana, que entende que os recursos naturais, como os recursos energéticos, por exemplo, são fixos, constantes e limitados. Concluem, com isso, que o crescimento econômico é intrinsecamente negativo, pois consome recursos limitados que irão se esgotar com o tempo, gerando uma crise global (veja meu artigo O movimento ambientalista e a defesa do decrescimento). Esses movimentos tem sido muito influenciados por Paul Ehrlich, fundador do ecologismo conservador.

Na Europa, entretanto, o movimento ecologista de claras raízes socialistas parece ser desconhecido (aquele liderado por Barry Commoner, quem eu considero um dos personagens mais lúcidos do movimento ecologista em nível mundial).
 
Commoner alertou sobre as consequências reacionárias que o malthusianismo pode ter. E uma delas é o movimento a favor do decrescimento, ainda que, inclusive aí, depende do que se utiliza para definir decrescimento. O decrescimento não é um conceito que possa ser definido sem que se conheça o que está crescendo ou o que está decrescendo. Não é o mesmo, por exemplo, crescer com base no consumo de energia não renovável, do que crescer com base no consumo de energia renovável. E não é o mesmo crescer produzindo armas e crescer produzindo remédios que curam o câncer.
 
O fato de existir uma ou outra forma de crescimento é uma variável política, ou seja, depende das relações de poder existentes em um país e de que classes e grupos sociais controlam a produção e a distribuição de, por exemplo, energia.
 
Barry Commoner frequentemente mostrava como em estados dos Estados Unidos em que houvera grande uso de energia poluente não renovável, este consumo passou para o consumo de energia renovável, criando, com isso, mais crescimento econômico. O ponto do debate não é o crescimento ou o não crescimento, mas sim que tipo de crescimento, que é consequência de quem controla tal crescimento.
 
Este é o ponto-chave. Conforme Commoner destacou, as fontes de energia variaram historicamente, e isso não é resultado de mudanças tecnológicas (como geralmente se explica), mas sim de mudanças políticas. Utilizar uma forma ou outra de energia é um processo determinado politicamente. 


O desconhecimento da história do socialismo

Esta é a realidade ignorada pelos malthusianos, que desconhecem também o enorme debate sobre esse assunto na história do socialismo. Nas primeiras auroras das revoluções socialistas, acreditou-se que o socialismo era a luta pela distribuição da riqueza criada pelos meios de produção, considerados intrinsecamente positivos, meros instrumentos do progresso. Foi mais tarde que se questionou essa suposição (que alcançou seu máximo expoente na União Soviética), pois estes meios de produção refletiam também os valores daqueles que o haviam projetado. Uma fábrica de automóveis, por exemplo, reflete valores que determinam como, quando e onde a produção de bens e serviços acontece nessa empresa. E esses valores eram os dominantes na sociedade capitalista que havia criado esses meios. O protesto diante dessa interpretação do socialismo ficou marcada no famoso slogan “o socialismo não é capitalismo melhor distribuído”.
 
Meu livro (conhecido no mundo anglo-saxão) crítico do produtivismo na União Soviética, Social Security and Medicine in the USSR: A Marxist Critique. Lexington Books, 1977, criticou este produtivismo, prevendo, certamente, o colapso do sistema soviético. O livro foi proibido na União Soviética e fui considerado persona non grata.

Um dos pontos que destaquei naquele livro era que o socialismo precisava mudar não somente a distribuição dos recursos, mas também a forma e o tipo de produção. E para que isso acontecesse, seria fundamental mudar as relações de poder no mundo da produção (com a democratização da produção, que é diferente de sua estatização). Era necessário também mudar o motor do sistema, de maneira que o afã pelo lucro fosse substituído pelo afã por serviços às necessidades humanas, democraticamente definidas. Esse foi um dos debates mais vivos que aconteceu dentro da percepção transformadora socialista. Os debates sobre o significado da revolução cultural chinesa, por exemplo, com a vitória de setores capitalistas daquele país dentro do Estado chinês conduziram à China atual, onde a busca pelo lucro e o tipo de produção dominaram aquele processo, criando enormes desigualdades e também uma crise ecológica. 

É óbvio que um grande número de proponentes das teorias de decrescimento desconhecem esta história. Assim, quando Florent Marcellesi (La crisis económica es también una crisis ecológica, trad.: A crise econômica é também uma crise ecológica) afirma que o socialismo e o capitalismo são igualmente insensíveis diante da necessidade de mudar o tipo de produção e consumo, está ignorando essas discussões dentro do socialismo. E vai além, colocando em mim um rótulo equivocado, estereotipando aquilo que, segundo ele, um socialista é ou pensa. Ele me critica por pertencer à visão produtivista do socialismo, visão que particularmente critiquei muito anteriormente e mais intensamente do que ele.
 
Marcellesi escreveu: “Vicenç Navarro afirma por exemplo que ‘se os salários fossem mais altos, se a carga tributária fosse mais progressiva, se os recursos públicos fossem mais extensos e se o capital estivesse nas mãos públicas (de tipo cooperativo) em vez de privadas com afã de lucro, tais crises social e ecológica (e econômica e financeira) não existiriam”. Essa frase foi extraída de um artigo meu que mostra como sair da crise. Florent Marcellesi indica que isso não é suficiente para prevenir o esgotamento energético, e consequentemente a crise econômica e ecológica, pois “mesmo se redistribuíssemos de forma equitativa as rendas entre capital e trabalho, e todos os meios de produção estivessem nas mãos de trabalhadores, a humanidade continuaria precisando dos 1,5 planetas que consume atualmente”.

Para chegar a tal conclusão (de que a transformação de um projeto capitalista em um socialista não resolve o problema, pois os dois, o capitalismo e o socialismo, acreditam em um crescimento econômico que esgotará os recursos), Marcellesi pressupõe, equivocadamente, que estou reduzindo o projeto transformador (minha proposta de como sair da crise) a uma mera redistribuição dos recursos. Isso sem mudar nem o tipo, nem a forma dos meios de produção. Ignora não apenas o que escrevi, mas também a extensa bibliografia científica sobre a transformação do capitalismo no socialismo, fato que ocorre com grande frequência entre ecologistas conservadores que, como afirmei, desconhecem os intensos debates sobre os assuntos derivados de outras percepções políticas e de outros tempos. É evidente que Florent Marcellesi desconhece a história do socialismo e me coloca na caixa errada (na caixa produtivista, a fim de conseguir chegar às suas conclusões). 
 
Conforme indiquei, fui uma das vozes mais insistentes na mudança do tipo de produção no projeto de transformação socialista. O autor não percebe que a frase que ele cita, sintetizando a minha postura, possui dois elementos – democracia e mudança no motor do sistema - que rompem com o determinismo produtivista ao qual equivocadamente me atribui. Não é meu objetivo polemizar com o autor, recentemente uma figura política, mas sim responder às críticas ao socialismo baseadas no desconhecimento de sua história. 


O determinismo energético não pode substituir o determinismo político

Outro ponto que considero importante esclarecer é que as mudanças na produção podem acontecer mesmo dentro do capitalismo. O socialismo não é um sistema econômico e político que acontece no ano A, no dia D, com a tomada do Palácio de Inverno, mas ele acontece e deixa de acontecer diariamente no próprio capitalismo. E é aí em que todo o movimento favorável ao decrescimento parece ignorar um fato bastante elementar. Como disse, o problema não é o crescimento, mas sim o tipo de crescimento. De novo, Barry Commoner mostrou como a utilização de novas tecnologias (cuja produção também determina o crescimento econômico) permitiu o uso de rios nos EUA que eram antes totalmente inutilizáveis.
 
E, mais uma vez, Commoner aponta como apareceram muitas formas de energia renováveis que substituem as mais tradicionais não renováveis, e que também determinam o crescimento. O problema não é a existência de formas de energia alternativa, mas o fato de estas estarem controladas pelos mesmos proprietários que as não renováveis.
 
Em um momento de enorme crise, com crescimento quase nulo, que está provocando um grande problema humanitário, as vozes favoráveis ao decrescimento parecem anunciar que ele é bom, pois assim salvaremos o planeta. Não se dão conta de que estão fazendo o jogo do mundo do capital responsável pela crise econômica e ecológica. 

Por último, vários esclarecimentos a bastantes afirmações surpreendentes feitas por porta-vozes malthusianos sem qualquer evidência que os respalde. Não está comprovado que o encarecimento do petróleo e das matérias-primas se deva à escassez. E também não se sabe se a crise hipotecária se deve ao crescimento do preço do petróleo. A crise financeira tem sido muito estudada e não pode ser atribuída à alta no preço do petróleo e à inflação que isso criou. E tampouco existe a certeza de que a profunda crise dos países do sul da Europa se deve à falta de energia. O determinismo energético (segundo o qual a energia é a que condiciona o resto) ignora que são as relações de poder, derivadas da propriedade de produção e da distribuição de bens e serviços, que caracterizam a crise atual (veja meu artigo O conflito capital-trabalho nas crises atuais). O fato de estes países estarem em crise se deve ao enorme poder que o capital tem, poder que se manifesta no tipo de produção (incluindo a energia que se utiliza e que se consome).
 
Vicenç Navarro

A solução passa por uma mudança nestas relações de poder com a democratização do Estado, que originaria não somente uma nova redistribuição, mas uma nova produção. E é nesta estratégia em que o socialismo e o movimento ecologista progressista podem se aliar e inclusive se convergir. É uma lástima que os textos de Paul Ehrlich, que refletem uma visão conservadora malthusiana do ecologismo (e que paradoxalmente recebeu um prêmio da Generalitat de Catalunya durante a época do governo tripartite catalão), sejam conhecidos, enquanto os de Barry Commoner, fundador do movimento ecologista progressista nos EUA, sejam conhecidos apenas em nosso país. É mais um indicador do conservadorismo que exista na vida intelectual e política do país.


(*Vicenç Navarro é professor catalão de ciências políticas e políticas públicas na Universidad Pompeu Fabra, e na Johns Hopkins University (EUA). Tem sido conselheiro de diversos países, como Cuba, Chile e Estados Unidos, bem como da ONU e da OMS. Também é diretor do Observatório Social de España, onde coordena um projeto de pesquisa sobre o estado do bem-estar social.

Fonte: Carta Maior - Economia - 07/02/2014 - Internet: clique aqui.

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