«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 24 de outubro de 2020

Sobre o matrimônio de homossexuais

 O Papa e as uniões civis homossexuais, “uma das grandes notícias do momento”

 José María Castillo

Teólogo espanhol

Religión Digital – 22-10-2020 

Estamos testemunhando a superação da estagnação que arrasta a Igreja desde o Iluminismo


A decisão do Papa Francisco, segundo a qual os homossexuais podem contrair matrimônio civil, já que o Direito Canônico (cân. 1055) define o citado matrimônio como “o consórcio de um homem e uma mulher para toda a vida”, foi uma das grandes notícias do momento, em um mundo tão agitado de notícias sensacionais, como estamos vivendo. 

Como é lógico, interessou especialmente aos homossexuais. Mas, se esse assunto for pensado de forma mais lenta, podemos e devemos dizer que estamos vivenciando um acontecimento que transcende o problema da homossexualidade. Isso claro, mas não só. Sem exagero nenhum, podemos garantir que estamos testemunhando a superação da estagnação que desde o século XVIII tem arrastado a Igreja, que foi ultrapassada pelo Iluminismo. 

Na verdade, e por incrível que pareça, a Igreja foi marginalizada, na sociedade e na cultura moderna, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789-1791). Declaração à qual o Papa Pio VI se opôs fortemente, em 29 de março de 1790, em uma assembleia de cardeais, na qual o Papa afirmou que os direitos humanos eram um atentado e uma ferida que foi feita à religião e para os direitos da Santa Sé. E assim o papado se manteve firme desde Pio VI, em 1790, até Pio X, em 1906. Aí veio a formulação do Direito Canônico, como já disse. Além disso, quando em 10 de dezembro de 1948 a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” foi assinada em Roma, Pio XII, poucos dias depois, fez um discurso, dirigido a toda a humanidade, no qual falou dos grandes acontecimentos do ano, mas nem mencionou “Direitos Humanos”. 

A primeira consequência de tudo isto, é que naquela hora o Estado da Cidade do Vaticano não poderia assinar – agora e depois de tantos anos – a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E a primeira coisa que ocorre a qualquer um é pensar: uma instituição que não pode assinar os Direitos Humanos, com que autoridade pode pregar o amor mútuo e universal como o primeiro e maior mandamento que o Senhor Jesus nos deixou em seu Evangelho? Isso, antes de tudo. 

Mas há, em tudo isso, algo muito mais sério. Algo que a teologia cristã não leva a sério. Refiro-me ao Mistério da Encarnação. Qual é o evento da Humanização de Deus.

Dizer que Deus se encarnou em Jesus é dizer que “o divino” se fundiu com “o humano”.

A tal ponto que, de acordo com os Evangelhos, quando o evento do juízo final chegar na realidade, e como é dito que Karl Rahner afirmou, tal juízo será um “juízo ateu”. Porque a ninguém vai ser perguntado se fez ou não fez tal coisa para Deus, mas eles vão nos dizer: “O que fizestes a um destes, tu fizestes a mim” (Mt 25,40). Além disso, quando Jesus se despediu dos discípulos, deu-lhes “um novo mandamento” (Jo 13,34-35). Que eles se amassem. Qual foi a novidade desta missão definitiva? Em que Deus não é mencionado. 

Termino com uma pergunta que nos obriga a pensar: Se o mais importante e decisivo é que nos amemos, será o que os altos funcionários da Cúria decidirem em Roma, que terá mais importância, mais peso e mais valor que o mais elementar e básico do amor, que é aceitar e viver a igualdade de todos em nossos direitos mais comuns, básicos e elementares? 

Papa Francisco, uniões civis e o reconhecimento da intimidade

 Andrea Grillo

Teólogo italiano

Come Se Non – 23-10-2020 

O “elogio da fraternidade” por parte de Francisco torna-se um novo paradigma eclesial, uma nova disciplina cultural e também uma nova interpretação da relação, tanto pessoal quanto sexual


As poucas frases com as quais o Papa Francisco respondeu a algumas perguntas em maio de 2019, repercutidas em um recente documentário, não têm as costas suficientemente largas para resistir a uma “mudança de paradigma”. 

No entanto, sem exagerar, elas podem ser consideradas um indício bastante autorizado de uma “passagem” que não é um exagero definir como “epocal”. Elas podem ser assim consideradas se comparadas à persistência, ao longo dos últimos dois séculos, de uma abordagem muito diferente às questões relativas ao exercício da sexualidade, às formas da convivência e da vida familiar, às separações e aos divórcios, pensados muitas vezes como “alterações” da doutrina matrimonial. 

De fato, desde o início, deve-se reconhecer que a “matéria” em torno da qual se exercita a discussão – ou seja, identidade sexual, família, matrimônio – não pode ser compreendida de forma “cindida”. A abstração de uma “competência eclesial” e de uma “competência civil” é – de fato – apenas a abstração que inventamos (e sofremos) a partir do Código de Direito Canônico de 1917. Uma invenção do século XX não é nem de direito divino, nem uma prova da existência de Deus. É, antes, a tentativa antimodernista (mas produzida com instrumentos rigorosamente modernos) para superar um “conflito de competências” sobre a vida dos sujeitos. 

Quem decide sobre a união? Quem decide sobre a geração? Deus ou o ser humano? A essa pergunta drástica demais – e equivocada demais – demos respostas inevitavelmente exageradas, tanto do lado eclesial, quanto do lado civil. 

Daí nasceu o imaginário difundido – e não muito escondido – de uma espécie de “revanche” contra a “brecha da Porta Pia”, que iludiu a Igreja de poder definir um âmbito de autoridade – matrimônio e família – sobre o qual poderia se declarar como a única competente. Quase uma resistência de uma pequena fatia de “poder temporal”. 

Foi assim desde o fim do século XIX, passando pelo Código, até os anos 1920. Depois, já naquela década, com a Concordata, foi preciso renunciar à exclusividade e chegar a um acordo com o diabo... que, depois, não era assim tão diabólico, mesmo que, nesse caso, era precisamente um Estado “não liberal”. E a aposta em unir dois “antiliberalismos” – um antimoderno e outro hipermoderno – não durou sequer 20 anos. 

Apesar da Segunda Guerra Mundial, do Concílio Vaticano II e do início da reforma da Igreja, a abordagem sobre a doutrina matrimonial permaneceu muito encastelada e se fortaleceu com os choques sobre as duas leis civis, primeiro sobre o divórcio e depois sobre a interrupção da gravidez. Duas leis que foram vividas como “traumas”. 

Essa leitura unilateralmente pedagógica da lei civil estendeu-se ao longo do século, até a Familiaris consortio [de São Papa João Paulo II], em 1981, e mais adiante, até os dois Sínodos de 2014 e 2015. Mas, com a Amoris laetitia [de Papa Francisco], as coisas mudaram. Não tanto no plano da imediata operatividade de novas disciplinas, mas precisamente no coração de uma doutrina identificada com a “lei objetiva”. 

A esperança de poder “juridicizar” cada questão, para torná-la um exercício de autoridade formal, e a consequente confusão entre prerrogativas civis e prerrogativas eclesiais, cessa ao se chocar com as palavras límpidas com as quais a Amoris laetitia redefine, ao mesmo tempo, o papel do magistério, o fenômeno familiar e a relação com a lei.

a) o magistério não deve definir tudo, mas saber escutar;

b) a família é acima de tudo um fato a ser reconhecido, formas plurais que vivem de comunhão;

c) A conformidade com a lei objetiva não implica, necessariamente, em conformidade com a vontade de Deus. 

A esse desenvolvimento, deve-se acrescentar, mais recentemente, com a encíclica Fratelli tutti [de Papa Francisco], a capacidade do magistério eclesial de falar no mesmo registro da Gaudium et spes, em um elogio à fraternidade humana e à amizade social, que não deve necessariamente partir da destruição da liberdade e da igualdade. 

A cena muda porque o campo não é mais dividido em duas partes contrapostas, entre VERDADE e LIBERDADE, entre DEVER e DIREITO, mas se busca, em vez disso, ilustrar os limites das conquistas de liberdade e de igualdade – que não devem ser rejeitadas como tais – porque devem ser relidos em chave fraterna, dialógica, filial e paterna. 

Esse “elogio da fraternidade” torna-se um novo paradigma eclesial, uma nova disciplina cultural e também uma nova interpretação da relação, tanto pessoal quanto sexual. 

Não seria arriscado pensar que, com base nesses dois faróis magisteriais, a reconsideração das questões relativas às “uniões civis” pode ser orientada de um modo mais articulado – e mais refinado – de considerar precisamente o papel da lei civil. 

Que fique claro: a ideia de uma “resistência eclesial” à lei civil – algo totalmente compreensível e também desejável em muitas circunstâncias –, se for estendida a “juízo geral” sobre tudo o que diz respeito à ampliação da proteção dos direitos dos sujeitos, corre o risco de se basear em um conceito unicamente “pedagógico” de lei. 

Mas a lei só pode ser concebida de modo exclusivamente pedagógico quando não se admite a liberdade de consciência dos sujeitos humanos. Ora, não há dúvida de que só uma leitura equilibrada do humano permite conciliar a liberdade originária e a liberdade como tarefa. Ai de nós se nos esquecermos da pedagogia. Mas a aquisição de uma “relevância incontornável” do sujeito e da sua liberdade constitui um dos sinais decisivos do nosso tempo. 

A fraternidade implica o respeito radical pelo outro como diferente, precioso precisamente na sua alteridade.

Essa perspectiva transforma o mundo e também a intimidade: não porque a torne “política” e desminta a sua profundidade, mas porque a coloca em uma proximidade com a identidade que não pode mais ser contornada. E também por isso, depois de tantas angústias conturbadas e de tantas lutas exasperadas, “gaudet mater ecclesia” [tradução livre: Alegre-se, Igreja-Mãe]! 

As repercussões dessa abordagem diferente são numerosas e surpreendentes, tanto nas relações extraeclesiais quanto nas intraeclesiais. Seria diplomacia fácil tentar demonstrar que aquilo que foi afirmado pelo Papa Francisco sobre a “proteção das uniões civis” não afeta minimamente a doutrina católica sobre o matrimônio e a sexualidade. Mas seria um grave erro subestimar o fato de que o matrimônio, precisamente como sacramento eclesial, é síntese de natureza, cultura e , e não pode se desinteressar de nenhum desses três níveis pelos quais é constituído. 

Uma Igreja que aceita verdadeiramente reconhecer o “bem possível” de uma união civil – hetero ou homossexual, com as devidas diferenças – deve estar pronta para pensar mais a fundo aquele “mistério de amor entre Cristo e a sua Igreja”, que se manifesta, surpreendentemente, onde um homem ou uma mulher pode começar a viver não mais para si mesmo, mas para o outro. 

A fraternidade e a alegria com que sabemos acolher uma boa notícia nesse fenômeno natural, cultural e eclesial também podem nos fazer reconhecer que muitas das nossas categorias tradicionais, com toda a sua história notável, assemelham-se agora apenas a majestosos amontoados de palha. 

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 24 de outubro de 2020 – Internet: clique aqui e aqui (Acesso em: 24/10/2020).

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