«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

3º Domingo da Páscoa – Ano A – Homilia

 Evangelho: Lucas 24,13-35 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Jesus se faz ver em cada partilha do pão

A morte de Jesus causou dispersão, confusão no grupo de discípulos. As mulheres vão procurá-lo onde não está, o Senhor, no sepulcro, e encontram dois homens que dizem às mulheres: «Por que procurais entre os mortos aquele que vive?». Os homens, ao contrário, os discípulos, dirigem-se para a história, para o passado, para um lugar glorioso em Israel, que os recorda a grande vitória de Israel sobre os povos pagãos. Vejamos o que nos escreve o evangelista Lucas no capítulo 24, a partir do versículo 13. 

Lucas 24,13: «Naquele mesmo dia, dois dos discípulos iam para um povoado, chamado Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém.»

A cena se passa no dia da ressurreição: “Naquele mesmo dia”. “Dois deles” (assim está no original grego) — estes “eles” são os apóstolos, a última referência foi aos apóstolos — “iam para um povoado, chamado Emaús”. Por que eles vão para Emaús? Emaús é famosa na história de Israel, encontramos as indicações no primeiro livro dos Macabeus, no capítulo quarto, para uma batalha que Judas, o Macabeu, travou contra os pagãos, derrotando-os; foi uma grande vitória e, como está escrito neste primeiro livro dos Macabeus: “E todas as nações saberão que existe Alguém que resgata e liberta Israel” (1Mc 4,11). O messias, que se esperava, era quem deveria ter redimido e salvado Israel e ao invés disso Jesus foi derrotado, foi uma grande decepção. Dos Evangelhos parece emergir que os discípulos estão mais desapontados com a ressurreição de Jesus do que com a sua morte, porque se Jesus tivesse simplesmente morrido, isso significava que eles estavam errados. Nessa época surgiram muitos pseudomessias, basta pensar em Judas o Galileu, Teudas, que criavam uma massa, que se revoltava contra os romanos, e sempre terminava em massacre. Bem, uma vez que um messias morria, esperava-se outro. Mas, se Jesus ressuscitou, significa que todos os seus sonhos de glória, precisamente de restauração, de libertação de Israel, de domínio sobre os romanos, tudo está chegando ao fim. 

Lucas 24,14-21: «Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido. Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus aproximou-se e pôs-se a caminhar com eles. Os seus olhos, porém, estavam como impedidos de reconhecê-lo. Então Jesus perguntou: “O que andais conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste, e um deles, chamado Cléofas, lhe disse: “És tu o único peregrino de Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nesses dias? Ele perguntou: “Que foi?” Eles responderam: “O que aconteceu com Jesus, o nazareno, que foi um profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo. Os chefes dos sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. E nós esperávamos que fosse ele quem libertaria Israel; mas, com tudo isso, já faz três dias que essas coisas aconteceram!»

Mas vamos ver o texto. Jesus é o pastor que não abandona os seus discípulos. Mas, escreve o evangelista: “Os seus olhos, porém, estavam como impedidos de reconhecê-lo”. Como os olhos desses discípulos são impedidos de reconhecê-lo? É claro, eles olham para o passado e não conseguem ver o presente e o futuro, para onde Jesus os conduz. Cléofas é a abreviação de Cleópatros, que significa “do pai glorioso, do pai ilustre”, o que nos faz entender a atitude, o sentimento desses discípulos, eles buscam a glória de seu povo. E esse Cléofas se maravilha e diz: “És tu o único peregrino de Jerusalém”, e fala-lhe de Jesus, o Nazareno. Eis que para eles Jesus era o Nazareno; Nazareno significava “o desordeiro, o revolucionário”. Isso é o que acreditavam que estivessem seguindo: um messias que derrotaria os romanos. E aqui está a decepção com “os chefes dos sacerdotes e as nossas autoridades”; é grave que esses discípulos, esses apóstolos, definam “nossas autoridades” como aqueles que assassinaram seu mestre. E aqui está a decepção que mencionamos anteriormente: “nós esperávamos que fosse ele quem libertaria Israel”. Aqui está a grande desilusão: esperavam o messias, mas ele morreu, e a prova de que Jesus não era o messias é que morreu, porque o messias não podia ter morrido, e por isso a desilusão da comunidade que tinha colocado todas as suas esperanças em Jesus. 

Lucas 24,22-24: «É verdade que algumas mulheres dentre nós nos deixaram espantados. Elas tinham ido, de madrugada, ao túmulo e, como não encontraram o corpo dele, voltaram dizendo que tinham visto anjos, os quais afirmaram que ele está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo, e não encontraram »

A ida das mulheres ao túmulo de Jesus e o testemunho delas são narrados com relutância, eles não afirmam que não acreditaram nas mulheres, no entanto, para aquela sociedade as mulheres não eram testemunhas confiáveis. O evangelista escreve “Estes [os Onze], porém, acharam tudo o que informaram um delírio e não acreditaram” (Lc 24,11). 

Lucas 24,25-27: «Então ele lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso, para entrar na glória?” E começando por Moisés e passando por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, o que se referia a ele.»

E aqui está a resposta de Jesus diante dessa descrença; é uma resposta que se traduz em uma repreensão, “Como sois sem inteligência e lentos para crer” - isto é, teimosos. A locução verbal “ser necessário”, literalmente, “devia”, indica a vontade de Deus de que o Cristo passasse por esses sofrimentos. “E começando por Moisés e passando por todos os Profetas, explicou-lhes” ― ou melhor, interpretou-lhes ― “em todas as Escrituras, o que se referia a ele”. Esse verbo “explicar, interpretar” é importante: é o verbo de onde vem o termo técnico hermenêutica. O que é hermenêutica? É a arte ou técnica de interpretar textos. Jesus não apenas lê os textos de Moisés ou dos profetas ou os conta, mas os interpreta. O que isso significa? Este é um critério válido para todos nós hoje, (significa) que, para ler a Escritura, deve-se interpretá-la, como? Com o mesmo espírito que a inspirou. E qual é esse espírito que inspirou as Escrituras? O AMOR DO CRIADOR por todas as suas criaturas: este é o único critério que permite entender as Escrituras. 

Lucas 24,28-29: «Quando chegaram perto do povoado para onde se encaminhavam, ele fez de conta que ia adiante. Eles, porém, insistiram: “Fica conosco, pois já é tarde e o dia está declinando!” Ele entrou para ficar com eles.»

A aldeia/povoado é sempre um lugar de tradição, do passado, isso mostra que os discípulos, ainda, não entenderam, querem ir para o passado ― Jesus mostra que vai mais longe. Eles vão para o velho e Jesus, ao contrário, para o novo. Os discípulos insistem com Jesus, e ele, o pastor que não perde suas ovelhas, permanece com eles. 

Lucas 24,30: «Depois que se pôs à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, partiu-o e deu a eles.»

Aqui, o evangelista nos oferece a cena da última ceia, com os mesmos gestos e as mesmas ações: “pronunciou a bênção, partiu-o e deu a eles”. Para compreender esta passagem, recordemos que Lucas é o único evangelista que, à hora da ceia, Jesus pronuncia as palavras “fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Então Jesus repete a sua presença, a sua memória. 

Lucas 24,31-35: «Então os olhos deles se abriram e o reconheceram. Ele, porém, desapareceu da vista deles. E diziam um para o outro: “Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos abria as Escrituras?” Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram a Jerusalém, onde encontraram reunidos os Onze e os outros discípulos. E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” Então os dois relataram o que acontecera no caminho, e como o haviam reconhecido ao partir do pão.»

É quando Jesus se manifesta como aquele que parte o pão, ou seja, a própria vida pelos seus discípulos, que eles, os discípulos, o reconhecem. “Ele, porém, desapareceu da vista deles”, aqui o verbo realmente não é sumir, sumir significa desaparecer; não, escreve o evangelista “fez-se invisível”, é outra coisa. Desaparecer significa que se foi, invisível significa que está lá, mas você não pode vê-lo. Por que Jesus se faz invisível? O evangelista nos conta, no final desta passagem, “eles relataram” – depois que voltaram a Jerusalém – “o que acontecera no caminho, e como o haviam reconhecido ao partir o pão”. Esta é a mensagem que Lucas, o evangelista, deixa às comunidades e aos crentes de todos os tempos:

Jesus é invisível, porque se faz visível cada vez que a comunidade parte o pão.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022.  

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Não é bastante amar, é preciso prová-lo!»

(Santa Teresa de Lisieux: 1873-1897 — freira carmelita descalça francesa)

Nessa cena dos discípulos que se dirigem ao povoado de Emaús vê-se, claramente, as duas partes de nossa Eucaristia: a liturgia da Palavra (a partilha do pão da Palavra de Deus — Lc 24,27) e a liturgia Eucarística (a partilha do corpo e sangue de Cristo — Lc 24,30). Muitas vezes, acentua-se a importância do “partir o pão” para a identificação e confirmação da presença de Cristo em meio à comunidade! No entanto, sem a “explicação das Escrituras” como Jesus fez àqueles discípulos, a compreensão deles teria ficado a desejar! Seguiriam no escuro, sem compreender o porquê o Cristo sofreu tanto e terminou a sua vida daquele modo escandaloso! 

As Escrituras eram conhecidas, mas não bem interpretadas! A Igreja dos primeiros tempos teve dificuldade em assimilar a experiência com Jesus, justamente porque se manteve atrelada à interpretação das Escrituras — leia-se Antigo Testamento — tal como se dava no judaísmo! A chave de leitura estava equivocada, pois o Messias aguardado por Israel era fruto de uma má e imperfeita interpretação das Escrituras (Antigo Testamento). O nacionalismo, o belicismo, a violência e o revanchismo predominavam nessa visão messiânica! Israel esperava um Messias somente seu! Enquanto, Deus enviou seu Filho para o mundo, tal como expressou bem o autor do Evangelho de Lucas, na segunda parte de sua obra, em Atos dos Apóstolos: “recebereis a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (1,8). 

O engano das lideranças religiosas judaicas e dos próprios discípulos de Jesus foi prenderem-se ao PASSADO, pretendendo restaurá-lo em modo nostálgico-idealista, sem ter os pés na realidade! Tanto é verdade que, quando eclodiram as duas principais revoltas judaicas contra Roma, a derrota foi fragorosa e terrível! Vejamos:

* Primeira Revolta de 66 a 70 d.C., com Vespasiano (que se tornou imperador durante esse período) e seu filho Tito destruindo Jerusalém, o Templo e matando milhares de judeus;

* Segunda Revolta de 131 a 135 d.C., durante o governo do imperador Adriano, sob o comando do revoltoso Simeão Ben Koseba. 

Hoje, corremos um risco muito semelhante, pois há grupos dentro de nossa Igreja que idealizaram o passado, também! Há os saudosistas da época do concílio de Trento (1545 a 1563), da missa celebrada em latim (Missal de São Pio V – 1570), da época da cristandade, na qual a Igreja estava unida ao Estado e funcionava apoiada pelo mesmo (a cristandade colonial brasileira durou de 1500 a 1759). O curioso que essas pessoas tão “saudosistas” dessas práticas que não nos dizem mais nada e não são próprias para os tempos de hoje, jamais viveram ou foram formadas nessa época, ou seja, no século XVI! Portanto, é uma aberração! Elas têm saudades daquilo que jamais conheceram ou viveram! Continuam presas ao passado, enquanto Jesus demonstrou que temos de olhar e nos preocuparmos com o presente e o futuro! 

A maior urgência de nossa Igreja é fazer o possível e o impossível para que o Evangelho esteja nas mãos e na mente de nossos fiéis! Se o coração de tantos fiéis não arde mais, não consegue fazer uma experiência viva com o Cristo Ressuscitado, é porque não é apresentado, do modo correto, à palavra de Cristo nos evangelhos! Por melhor que sejam preparadas e executadas, as homilias das missas não bastam para evangelizar, de verdade, o nosso povo! Faz-se necessário criar outros momentos e espaços para a reflexão, meditação e compreensão correta da Palavra de Cristo na Igreja. Sem isso, o nosso futuro não será nada bom! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, agradecemos-te a tua palavra que nos conduziu passo a passo, como os discípulos de Emaús, a compreender melhor a vontade do Pai. Deixa que teu Espírito ilumine nossas ações e nos dê forças para seguir o que tua Palavra nos mostrou, realizando assim a "ressurreição" de nossas mortes para nós como foi para os discípulos naquele dia de Páscoa. Que nós, como Maria, tua Mãe, possamos não só ouvir, mas também praticar a Palavra e que os nossos irmãos e irmãs possam ver em nossa vida o testemunho vivo de uma adesão sempre nova e pessoal a ti. Tu que vives e reinas com o Pai na unidade do Espírito Santo por todos os séculos. Amém.»

(Fonte: MESTERS, Carlos O.Carm. 3ª Domenica di Pasqua: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 248.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –III Domenica di Pasqua – Anno A – 26 aprile 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 19/04/2023).

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