«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Lições para bloquear o fascismo brasileiro

 CIA, Sicília e Rio Grande do Norte

 Luiz Eduardo Soares

Antropólogo, Cientista Político e escritor. Ex-secretário nacional de segurança pública. Autor, entre outros livros, de O Brasil e seu Duplo (Todavia, 2019) e Dentro da Noite Feroz: o fascismo no Brasil (Boitempo, 2020)

Da esquerda para a direita, temos: Robert Kennedy e seu irmão John Kennedy

Planos de desestabilização da extrema direita

Impactante o artigo que Seymour Hersh publicou esta semana em seu blog no Substack [acesso aqui], desta vez não mais sobre o ato terrorista cometido pelo governo estadunidense contra os Nord Stream Pipelines [acesso aqui], que levavam gás russo à Alemanha, mas sobre a operação secreta deflagrada pela CIA contra a máfia na Sicília, por determinação dos irmãos Kennedy. Na ocasião, John era presidente e Bobby, attorney general [procurador-geral]. [1]

Além de fazer menção a várias tentativas de assassinar Fidel Castro, Seymour Hersh descreve o longo percurso pelo labirinto de contatos, silêncios, pistas falsas, entrevistas canceladas e mensagens cifradas, até descobrir o que se passou em 1962. Para efeito do que nos importa, nos limites deste breve artigo, registro apenas o resumo: com vistas a enfraquecer grupos da máfia nos Estados Unidos, especialmente em Chicago, o agente Charley Ford foi enviado à Itália. Tratava-se da retomada de uma ofensiva antimáfia, que marcara a atuação de Robert Kennedy como assessor de importante comissão de investigação no Senado, em 1959. Ofensiva sucedida por recuo, à época inexplicável, agora elucidada. 

SEYMOUR M. HERSH - um dos melhores e mais ativos repórteres investigativos norte-americanos, descobridor de vários planos da CIA e atividades obscuras dos EUA

Cito Seymour Hersh em tradução livre:

“Outro fator na decisão de Bobby de suspender as acusações contra Giancana [destacado mafioso] tinha de ser a crença difundida de que seu pai, com a aprovação de Jack (apelido de John), tinha feito um acordo com Giancana, cujas ligações políticas em Chicago eram amplas, pelo apoio nas eleições de 1960. Além disso, Jack Kennedy e Giancana estavam dormindo com a mesma mulher, um fato que só viria a público depois que seu nome, Judith Exner, vazou durante as audiências do Comitê Church. Bobby certamente também sabia disso.” [2]

Bobby recuperou a iniciativa e ousou um lance arriscado: exigiu que a CIA deslocasse um agente para cumprir missão que ele mesmo determinaria e o mandou para a Itália. Sua tarefa era grampear lideranças de duas famílias da máfia, ambas fiéis à sociedade Camorra, sediada em Nápoles, e semear a discórdia entre elas, com vazamentos direcionados e seletivos de traições e roubos mútuos inverídicos, até provocar a conflagração violenta. 

O plano de contrainformação contou com o apoio dos Carabinieri e não teria sido possível sem o conhecimento já acumulado pela CIA, que vigiava a Camorra a partir de Roma, se beneficiando da precariedade dos meios de comunicação empregados pelos criminosos. Seymour Hersh afirma que, desde o fim da segunda guerra, agentes americanos estavam infiltrados e mantinham políticos da Democracia Cristã em sua folha de pagamento

Nas palavras de Seymour Hersh, que transcrevo a seguir:

“A CIA jogou seu dinheiro nos democratas cristãos corruptos, na Máfia e na Mídia, depois da segunda guerra mundial, temendo que a esquerda – ou seja, o Partido Comunista –, com sua ênfase em programas sociais e estabilidade no trabalho, pudesse conquistar o poder”. [3]

A guerra fratricida entre facções rivais provocou muitas perdas entre os mafiosos, mas acabou atingindo também militares e policiais italianos, assassinados num atentado, uma vez que a história chegou aos ouvidos da Camorra, que jurou vingança, inclusive contra Bobby e John. O presidente foi assassinado em novembro de 1963, mas a eventual participação da máfia jamais foi sequer considerada e essa trama nunca chegou à Warren Commission, responsável por investigar todas as linhas associadas ao homicídio. 

Que lições podemos tirar, hoje, no Brasil, de um fato longínquo e distante no tempo? De meu ponto de vista, várias:

Livro revelador de como os Estados Unidos espionam e se intrometem no mundo inteiro, defendendo seus interesses econômicos e geopolíticos

(a) Em 2023, 60 anos depois, o monitoramento dos alvos prescinde da tecnologia rudimentar dos “grampos”, como nos mostrou Edward Snowden [cf. Eterna vigilância: como montei e desvendei o maior sistema de espionagem do mundo, editora Planeta, 2019]. Os recursos são muito mais potentes.

(b) A ideia de mobilizar grupos criminosos contra seus competidores, parceiros ou potenciais oponentes, visando enfraquecer cada um deles ou o conjunto, não é nova e comprovadamente funciona.

(c) Funciona segundo uma perspectiva estreita e socialmente irresponsável, pois, como demonstra o caso em pauta, não é plenamente controlável: os desdobramentos eram (e são) imprevisíveis, uma vez que a dinâmica desencadeada não atendia a uma política sistêmica, compatível com a legalidade e o Estado de direito, mas, ao contrário, apenas realizava a lógica da guerra (Proxy) exportada para terreno alheio, em condições geopolíticas ostensivamente imperialistas.

(d) A CIA não corrompe somente políticos, como se sabe.

(e) A arena em que atua não se esgota no campo criminal, evidentemente.

(f) A questão criminal pode proporcionar um deslocamento do foco, mas a matriz das intervenções é política, e mesmo geopolítica, quando não diretamente econômica. Portanto, assim como o palco de operações num confronto bélico pode se deslocar para um terceiro país, as ações também podem se deslocar de uma esfera a outra. Por exemplo, se o objetivo for eliminar uma liderança de esquerda, pode-se tentar neutralizá-la via justiça, em lugar de matá-la, como nas décadas precedentes, foi o caso de Lula. São diversas as esferas em que se desenrolam ações estratégicas, de porte transnacional, da mídia à própria chantagem econômica — não por acaso os especialistas falam em guerra híbrida.

(g) Finalmente, o ensinamento mais relevante, no momento presente: se o fascismo brasileiro quiser desestabilizar o governo, produzir crises e trazer de volta as Forças Armadas para o proscênio, devolvendo-lhes o protagonismo que a vitória da democracia lhe retirou, não será surpreendente se adotar estratagema análogo àquele descrito por Seymour Hersh, empregado pela CIA na Itália, em 1962: estimular conflagrações entre facções criminosas para provocar o caos. A Força Nacional dificilmente teria condições de garantir a segurança pública se as demandas locais se multiplicassem. A pressão para deflagrar uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO), que sabiamente foi descartada em 8 de janeiro e de novo refutada no Rio Grande do Norte — apesar da solicitação de alguns agentes políticos, entre eles o presidente do Senado —, pode se tornar incontornável. 

Conclusão: convém formular com urgência um plano B, que não envolva os militares. De preferência, um plano de caráter preventivo. E um plano dessa natureza envolverá, necessariamente, uma política de segurança pública, ou melhor, a reforma estrutural da segurança. Dado o contexto político, eu tomaria a liberdade de recomendar que se iniciasse pelo sistema penitenciário, criando condições para que a LEP (Lei de Execuções Penais) seja cumprida e o Estado, não as facções, domine as unidades

Para isso, será preciso sustar o encarceramento em massa de pequenos varejistas do comércio de substâncias ilícitas. Tais medidas corresponderiam ao fim da perversa, iníqua e racista guerra às drogas. Vejam como nos prevenindo de golpes fascistas terminaríamos beneficiando a luta antirracista. 

NOTAS

[1] https://open.substack.com/pub/seymourhersh/p/the-kennedys-secret-sicilianoperation?r=6o9dw&utm_campaign=post&utm_medium=email

[2] — Versão original inglesa: “Another factor in Bobby’s decision to drop the charges against Giancana had to be the widespread belief that his father, with Jack’s approval, cut a deal with Giancana, whose political ties in Chicago were extensive, for political support in the 1960 election. It was also the case that Jack Kennedy and Giancana were sleeping with the same woman, a fact that would not be known to the public until her name, Judith Exner, was leaked during the Church Committee hearings. Bobby surely knew that, too.” (Hersh, Seymour. The Kennedys’ secret sicilian operation; What the CIA didn’t tell the Warren Commission. Mar 29 at Substack).

[3] — Versão original inglesa: “The CIA had thrown its money into the corrupt Christian Democrats, the Mafia, and the media after World War II in fear that the left—that is, the Italian Communist Party—with its emphasis on social programs and worker stability, would gain power”. (Idem, ibidem). 

Fonte: a terra é redonda eppur si muove – Colunista – Sexta-feira, 31 de março de 2023 – Internet: clique aqui (Acesso em: 01/04/2023).

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