«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

A justa luta pela terra

 CPI contra o MST – Parte I

 Frei Betto

Frade dominicano e escritor, estudou Jornalismo, Antropologia, Filosofia e Teologia. É autor de 73 livros, até o presente momento, recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, assessora movimentos populares e em defesa dos direitos humanos 

CPI sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - Congresso Nacional

Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o MST coloca em destaque a questão da violência no campo e os crimes cometidos pelos latifundiários e pelo agronegócio

Fez bem a bancada direitista de deputados federais bolsonaristas de convocar a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para tentar levar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) ao banco dos réus. Assim, o tema da violência no campo volta a ocupar o centro das atenções e os crimes do latifúndio e do agronegócio serão lembrados e denunciados. 

Nascida em uma família de classe média no mais rico país do mundo – os Estados Unidos, Dorothy Stang foi tocada pela proposta de Jesus e decidiu ingressar na vida religiosa. Enviada ao Brasil como missionária, conheci-a quando preguei o retiro das irmãs da Congregação de Notre Dame de Namur, no Maranhão. 

Dorothy Stang fez opção pelos pobres e foi trabalhar com os sem-terra do Pará. Defendia o primeiro projeto de desenvolvimento sustentável do estado, o PDS Esperança; a regularização da terra para famílias de trabalhadores rurais; e combatia a violência praticada contra eles por grileiros, madeireiros e fazendeiros. Em 12 de fevereiro de 2005, foi assassinada com seis tiros à queima-roupa, emboscada numa estrada rural do município de Anapu, cerca de 700km distante de Belém. 

IR. DOROTHY STANG (1931-2005)

O Ministério Público apurou que a morte da religiosa foi encomendada pelos fazendeiros Vitalmiro Bastos e Regivaldo Galvão. Os pistoleiros Clodoaldo Batista, Amair Feijoli da Cunha e Rayfran das Neves Sales, contratados pelos ruralistas para executar Dorothy, foram condenados. Batista, a 18 anos, cumpre pena em regime semiaberto, em um centro de recuperação em Belém. Amair Feijoli Cunha, a 17 anos de prisão, em prisão domiciliar. E Rayfran Sales, autor dos disparos, a 27 anos, ficou preso quase nove, foi para prisão domiciliar e em 2014 foi detido novamente acusado de outro assassinato. Vitalmiro Bastos e Regivaldo Galvão receberam penas de 30 anos cada um. Nenhum dos dois está preso... 

Quem são os deputados que estão à frente da CPI?

RICARDO SALLES (PL - SP)

Ricardo Salles (PL-SP) dispensa apresentação. Foi ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro e propôs, em reunião ministerial, “deixar passar a boiada”, ou seja, liberar a atuação de todos os empresários interessados em explorar a Amazônia sem levar em conta a preservação ambiental e os direitos indígenas. 

MARUSSA BOLDRIN (MDB - GO)

Marussa Boldrin (MDB-GO) teve como doadores de campanha José Fava Neto, autuado três vezes pelo Ibama por uso irregular de área de cerrado, na Bahia, para plantio, e Oscar Strochon, multado duas vezes pelo Ibama, num total de R$ 400 mil, por obras poluidoras em área de cerrado. 

EVAIR DE MELO (PP - ES)

Evair de Melo (PP-ES) teve como doadores os irmãos Vigolo, que lhe repassaram R$ 60,5 mil, e são investigados por compra de sentenças para grilagem de terras na Bahia. A empresa deles, Bom Jesus Agropecuária, já recebeu multas do Ibama que superam o valor de R$ 10 milhões. 

DOMINGOS SÁVIO (PL - MG)

Domingos Sávio (PL-MG) teve como doadores os irmãos Vigolo e Mauro Schaedler (este doou R$ 25 mil), autuados pelo Ibama por atividades pecuárias potencialmente poluidoras e sem licença ambiental. Recebeu multas que somam R$ 2,7 milhões. 

CORONEL ASSIS (UNIÃO - MT)

Coronel Assis (União-MT) recebeu doações no valor de R$ 80 mil de Edmar de Queiroz, acusado de comércio ilegal de ouro. Teve sua empresa Madeplacas interditada, em 2005, por suspeita de contrabando de madeira ilegal na Amazônia. E Dambros Sbizero, detido em 2019 por suspeita de participar de fraude no sistema de criação de créditos florestais. 

CHARLES FERNANDES (PSD - BA)

Charles Fernandes (PSD-BA) recebeu R$ 27,6 mil de doação de Manoel Rubens, multado pelo Ibama em mais de R$ 100 mil. 

JOAQUIM PASSARINHO (PL - PA)

Joaquim Passarinho (PL-PA) teve como doadores Adelson Souza de Oliveira, réu em sete autos de infração do Ibama por danos à floresta Amazônica, que somam R$ 1,8 milhão em multas, e Roberto Paulinelli, dono do Frigorífico Rio Maria. Nos últimos seis anos, Paulinelli recebeu multas de R$ 387 mil por delitos ambientais. 

MARCOS POLLON (PL - MS)

Marcos Pollon (PL-MS) teve como doador Renato Burgel, que cometeu duas infrações por plantar sementes transgênicas em áreas de proteção ambiental. 

Como diz o Evangelho, pelos frutos se conhece a árvore... 

CPI contra o MST – Parte II 

Agro é Pop???

O agronegócio está de olho na reforma tributária proposta pelo governo, pois se nutre de incentivos fiscais e isenção de impostos. Quando exporta soja e milho, paga zero real de imposto. E a fortuna ganha fora do país nem sempre retorna. Que o digam os paraísos fiscais! 

O agro mama nas tetas do governo. Raramente paga ITR (Imposto Territorial Rural), recebe subsídios no crédito rural, ou seja, o governo cobre a diferença entre a taxa de juros praticada no mercado financeiro e a taxa efetivamente paga pelo produtor endividado. 

Muito se fala do atentado terrorista de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e pouco de quem financiou a manifestação golpista. Foi o agroterror, conforme comprova o dossiê “As origens agrárias do terror”, divulgado em maio de 2023 pelo Observatório do Agronegócio no Brasil

O criador, à esquerda, JAIR BOLSONARO e a criatura, à direita, o TERRORISTA - George Washington de Oliveira Sousa

O documento aponta as conexões agrárias de 44 empresários e políticos que atuaram na organização dos atos terroristas, inclusive membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Aponta os 29 plantadores de soja que, no Mato Grosso, financiaram bloqueios de estradas, e como Xinguara (PA) e Sobral (CE) se tornaram centros do golpismo. 

George Washington de Oliveira Sousa, preso pela polícia de Brasília em 24 de dezembro de 2022, por tentar explodir uma bomba no aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, era muito mais que simples gerente de postos de combustíveis no Pará. É sobrinho de Sebastião José de Souza, dono de uma grande rede de postos de combustíveis espalhada em diversos estados da Amazônia Legal. 

Durante os depoimentos, George Washington não informou de que forma obteve dinheiro para adquirir o arsenal apreendido em Brasília. Apesar de não indicar seus "patrocinadores", o terrorista entrou em contato com duas pessoas para avisar que tinha sido preso: um amigo de nome Ricardo e um fazendeiro de nome Bento

Ricardo Pereira da Cunha, foi candidato a vice-governador do Pará e a deputado estadual pelo Pros, sem sucesso. É dono da empresa USA Brasil, de Xinguara (PA), cuja chave Pix foi divulgada por diversos fazendeiros do Pará que recolhiam doações para financiar atos antidemocráticos

ENRIC LAURIANO (esquerda) e RICARDO PEREIRA DA CUNHA (direita) convidam bolsonaristas a se filiarem ao Aliança Pelo Brasil na sede da loja de informática - ambos envolvidos com o financiamento de atos golpistas, em Brasília (DF)

De Bento Carlos Liebl, fazendeiro e pecuarista de São Félix do Xingu (PA), o núcleo de pesquisas De Olho nos Ruralistas constatou que, juntos, Liebl e sua família são donos de ao menos 15 mil ha de terras na região, segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (SNCR/Incra). Seu pai, Bento Liebl, é dono de 4.181ha da fazenda Mamoeiro. Outro familiar, Bernadete Liebl Peschl, possui a fazenda São Carlos, com 4.342 ha, enquanto a cunhada de Bento Carlos, Simone Rudnick Liebl, aparece como proprietária da fazenda São Bento, de 3.000 ha, alvo de embargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatamento, com uso de fogo, de 24 ha de floresta. 

Duas propriedades vizinhas, as fazendas Bituva Grande, de 6.786 ha, e Minuano, de 5.523 ha, estão registradas em nome de Olivia Reusing, sogra de Bento Carlos. Juntas, as seis fazendas compõem um latifúndio de quase 30 mil ha, localizado na fronteira Sul da Terra Indígena (TI) Apyterewa, a mais desmatada do país entre 2019 e 2022. 

E são as pobres famílias sem-terra que cometem crimes? 

CPI contra o MST – Parte III 

Os fatos comprovam que o aumento da concentração fundiária favorece o desmatamento e a violência no campo

Dados do Censo Agropecuário de 2017 apontam que o Brasil possuía, naquele ano, 5.072.152 propriedades rurais. Metade com área de 10 hectares ou menos. São pequenas propriedades. Todas juntas ocupam apenas 2,28% das terras utilizadas no Brasil para a agropecuária. 

No entanto, 50.865 propriedades rurais, que correspondem a apenas 1% do total de imóveis do campo, ocupam 47,5% das terras agrícolas. É o pessoal que insiste em manter, ao longo de mais de 500 anos, o único modelo de “reforma agrária” ocorrida em nosso país: a divisão de grandes extensões de terra em Capitanias Hereditárias... 

A média de conflitos por terra e água entre 2019 e 2022 (governo Bolsonaro) superou a média entre os anos de 2013 e 2018. E eles ocorrem predominantemente nas áreas de expansão das fronteiras agrícola e mineral – as regiões Norte e Nordeste. Segundo dados do Inpe, o desmatamento é maior sobretudo na região de cerrado conhecida como MATOPIBA - acrônimo formado pelas primeiras sílabas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Considerada a última fronteira agrícola do Brasil, é a área mais cobiçada pelo agronegócio para implantar agropecuária em larga escala – gado, soja e eucalipto. 

Entre 2018 e 2022 aumentaram em 26,7% os conflitos por terra. As principais vítimas de invasões realizadas por agentes do agronegócio são povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores. Dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostram que, em 2022, ocorreram 47 assassinatos no campo e 117.600 conflitos por água

A maioria das empresas produtoras de commodities não demonstra nenhum interesse na preservação ambiental, desrespeita a legislação trabalhista, e algumas são frequentemente flagradas com trabalhadores submetidos a condições análoga à escravidão. 

O retrocesso no campo se agravou desde o governo Temer, sobretudo devido a projetos de lei e emendas constitucionais como as que resultaram na reforma da Previdência (103/2019). Segundo dados do Cedoc (Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno), entre 2013 e 2022 houve aumento dos territórios em conflito por terra. Em 2013 foram registrados 810 territórios em conflito; em 2022, 1.050 territórios. Aumento de quase 30%. 

No governo Bolsonaro, invasões promovidas por agentes do capital (latifundiários, mineradoras, grileiros etc.) em territórios ocupados por pequenos agricultores e posseiros cresceu 146,55%. Entre 2019 e 2022, o número de famílias de pequenos agricultores que tiveram suas terras invadidas foi de 326.684. Isso se deveu a quatro fatores: 1) iniciativa governamental no programa Titula Brasil; 2) mineração em terras indígenas; 3) extração de madeira em terras indígenas; e 4) decretos e projetos de lei encaminhados ao Congresso. 

Tudo isso somado e facilitado pela:

* redução dos recursos a Funai;

* recusa de fiscalização; e

* milícias armadas em apoio a garimpeiros, madeireiros e desmatadores.

E ainda querem criminalizar os sem-terra que exercem o sagrado direito de ocupar terras improdutivas num país de dimensões continentais. Haja matas e haja mortes! A fome e a insegurança alimentar jamais serão erradicadas no Brasil enquanto não houver reforma agrária. 

CPI contra o MST – Parte IV 

Felizmente prevalece, ao longo da história, a pedagogia dos oprimidos. É apenas uma questão de tempo

Com o aumento do território da república [romana – século II a.C.], havia a esperança entre os sem-terra, principalmente os que retornaram da guerra, de que conquistariam uma área de lavoura, o que não aconteceu na prática. Muitos camponeses haviam perdido terras em decorrência das invasões das tropas de Cartago na Península Itálica, e os pais ainda foram obrigados a pagar as despesas dos filhos que abandonaram as lavouras para lutar nas guerras. 

Irmãos TIBÉRIO GRACO (esquerda) e CAIO GRADO (século II a.C.)

Tibério Graco (c. 169-164 a.C.–133 a.C.) propôs ao Parlamento um projeto de reforma agrária. Nenhuma propriedade rural poderia ultrapassar 120 hectares. Além dessa extensão, a área era considerada latifúndio e, automaticamente, desapropriada pelo poder público e entregue aos sem-terra. Inúmeras famílias de sem-terra receberam, assim, glebas de 7 hectares. Porém, muitos senadores se opuseram à reforma agrária. O juiz Marco Otávio encabeçou as forças de oposição ao projeto e entrou em colisão com Tibério Graco, acusado de sectário pelo Senado. 

Os parlamentares decidiram vetar os recursos destinados à reforma agrária. Tibério Graco recorreu, então, à iniciativa privada, principalmente à herança deixada por um multimilionário grego e repassada ao Estado. O Senado considerou a medida um ataque à sua autoridade. 

Quando Tibério Graco decidiu concorrer à reeleição para defensor público, a turba mobilizada pelos latifundiários e impregnada de ódio espancou-o até a morte. Caio Graco, irmão de Tibério, se elegeu defensor público e deu continuidade às reformas:

* Além de implementar as reformas fundiárias,

* proibiu que menores de 17 anos fossem convocados a prestar serviço militar e

* conseguiu a aprovação da lei que obrigava certa quantidade de grãos a ser vendida a preços populares.

* Criou também estoques reguladores de alimentos

A elite se insurgiu contra as reformas de Caio Graco em defesa dos direitos dos sem-terra. Perseguido, ele se refugiou no Monte Aventino. Ali faleceu e até hoje as circunstâncias de sua morte não foram esclarecidas, se por assassinato (teria sido “suicidado”) ou suicídio. Lúcio Opímio, que liderava a oposição a ele, perseguiu ferozmente os movimentos sociais que apoiavam Caio Graco, o que resultou na morte de três mil pessoas

O mundo gira, a Lusitana roda e a elite não aprende, envenenada por sua ambição desmedida. Felizmente prevalece, ao longo da história, a pedagogia dos oprimidos. É apenas uma questão de tempo. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 26 de maio de 2023 – Segunda-feira, 29 de maio de 2023 – Quinta-feira, 1 de junho de 2023 – Sexta-feira, 2 de junho de 2023 – Internet: clique aqui; aqui; aqui; aqui (Acesso em: 02/06/2023).

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