«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Perigo!!!

 O colapso atual da ética 

Leonardo Boff

Teólogo, filósofo e escritor brasileiro 

LEONARDO BOFF

A justiça não vale apenas entre os seres humanos, mas também em relação à natureza e à Terra

Temos vivido e sofrido no Brasil tempos sombrios sob o governo de Jair Bolsonaro, onde a ética foi enviada ao limbo e tudo praticamente valia (as fake news, as mentiras, a pregação da violência e a exaltação da tortura). Nos dias atuais, assistimos, desolados, a guerra entre Rússia e Ucrânia. Esta guerra representa a negação de todos os valores civilizatórios, pois uma grande potência nuclear está literalmente destruindo uma pequena nação e seu povo.

Sem perder de vista os dois dados acima referidos, percebo dois fatores principais, entre outros, que atingem o coração da ética: a globalização do capitalismo depredador e a mercantilização da sociedade.

1) A mundialização do capitalismo, como modo de produção e sua expressão política, o neoliberalismo, mostrou as consequências perversas da ética capitalista:

* seus eixos estruturantes são o lucro ilimitado, acumulado individualmente ou por grandes corporações,

* a concorrência desenfreada,

* o assalto aos bens e serviços da natureza,

* a flexibilização das leis [que protegem o trabalhador] e

* a minimização do Estado em sua função de garantir uma sociedade minimamente equilibrada.

Tal ética é altamente conflitiva porque não conhece a solidariedade, mas a concorrência que faz de todos adversários, senão inimigos a serem vencidos.

Bem diferente, por exemplo, é a ética da cultura maia. Esta coloca tudo centrado no coração, já que todas as coisas nasceram do amor de dois grandes corações, do Céu e da Terra. O ideal ético é criar, em todas as pessoas, corações sensíveis, justos, transparentes e verdadeiros. Ou a ética do “bien vivir y convivir” dos andinos, assentada no equilíbrio com todas as coisas, entre os humanos, com a natureza e com o universo.

A globalização, interrelacionando todas as culturas, acabou também por revelar a pluralidade dos caminhos éticos. Uma de suas consequências está sendo a relativização geral dos valores éticos. Sabemos que a lei e a ordem, valores da prática ética fundamental, são os pré-requisitos para qualquer civilização em qualquer parte do mundo.

O que observamos é que a humanidade está cedendo diante da barbárie rumo a uma verdadeira idade das trevas mundial, tal é o descalabro ético que estamos vendo.

Edição brasileira de março de 2021, publicada pela editora Contraponto (RJ)

2) O segundo grande obstáculo à ética é a mercantilização da sociedade, conforme descrito por Karl Polanyi em 1944 como “A grande transformação”. É a transição de uma economia de mercado para uma sociedade completamente mercantilizada.

Tudo é transformado em mercadoria, como previsto por Karl Marx em seu texto “A miséria da filosofia” de 1848, referindo-se ao tempo em que coisas sagradas, como a verdade e a consciência, seriam levadas ao mercado; o “tempo da grande corrupção e da venalidade universal”. Infelizmente, vivemos nesse tempo.

A economia, especialmente a especulativa, dita os rumos da política e da sociedade como um todo, gerando um profundo abismo entre os poucos ricos e as grandes maiorias empobrecidas. Essa realidade revela traços de barbárie e crueldade como poucas vezes na história. 

Qual ética para os tempos de hoje? 

Qual é a ética que pode nos orientar como humanidade que vive na mesma Casa Comum? É aquela ética que se baseia em nossa especificidade enquanto seres humanos e, por isso, é universal e pode ser adotada por todos.

CUIDADO

Acredito que, em primeiro lugar, é a ética do cuidado. De acordo com a fábula 220 do escravo Higino, bem interpretada por Martin Heidegger em “Ser e tempo” e detalhada por mim em “Saber cuidar”, ela constitui o substrato ontológico do ser humano, ou seja, o conjunto de fatores objetivos sem os quais jamais surgiriam seres humanos e outros seres vivos.

Pelo fato de o cuidado ser da essência do humano, todos podem vivê-lo e dar-lhe formas concretas, segundo as diferentes culturas. O cuidado pressupõe uma relação amigável e amorosa para com a realidade, da mão estendida para a solidariedade e não do punho cerrado para a competição.

No centro do cuidado está a vida. A civilização deverá ser bio-sociocentrada.

SOLIDARIEDADE

Outro dado de nossa essência humana é a solidariedade e a ética que daí deriva. Sabemos hoje pela bioantropologia que foi a solidariedade de nossos ancestrais antropoides que permitiu dar o salto da animalidade para a humanidade. Buscavam os alimentos e os consumiam solidariamente. Todos vivemos porque existiu e existe um mínimo de solidariedade, começando pela família. O que foi fundador ontem continua sendo-o ainda hoje.

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL

Outro caminho ético, ligado à nossa estrita humanidade, é a ética da responsabilidade universal. Ser responsável é dar-se conta das consequências benéficas ou maléficas de nossos atos pessoais e sociais. Ou assumimos juntos responsavelmente o destino de nossa Casa Comum ou então percorreremos um caminho sem retorno. Somos responsáveis pela sustentabilidade de Gaia [nosso planeta, a mãe-Terra] e de seus ecossistemas para que possamos continuar a viver junto com toda a comunidade de vida.

O filósofo Hans Jonas que, por primeiro, elaborou “O princípio responsabilidade”, agregou a ele a importância do medo coletivo. Quando este surge e os humanos começam a dar-se conta de que podem conhecer um fim trágico e até de desaparecer como espécie, irrompe um medo ancestral que os leva a uma ética de sobrevivência.

O pressuposto inconsciente é que o VALOR DA VIDA está acima de qualquer outro valor cultural, religioso ou econômico.

JUSTIÇA PARA TODOS

Importa também resgatar a ética da justiça para todos. A justiça é o direito mínimo que tributamos ao outro, de que possa continuar a existir e dando-lhe o que lhe cabe como pessoa: dignidade e respeito. Especialmente as instituições devem ser justas e equitativas para evitar os privilégios e as exclusões sociais que tantas vítimas produzem, particularmente no Brasil, um dos mais desiguais, vale dizer, mais injustos do mundo. Daí se explica o ódio e as discriminações que dilaceram a sociedade, vindos não do povo, mas daquelas elites endinheiradas que não aceitam o direito para todos, mas querem preservar seus privilégios.

A justiça não vale apenas entre os humanos, mas também para com a natureza e a Terra, que são portadoras de direitos e, por isso, devem ser incluídas em nosso conceito de democracia socioecológica.

SOBRIEDADE

Por fim, devemos incorporar uma ética da sobriedade compartida para lograr o que dizia Xi Jinping, chefe supremo da China: “uma sociedade moderadamente abastecida”. Isso significa um ideal mínimo e alcançável. 

Estes são alguns parâmetros fundamentais para uma ética válida para cada povo e para a humanidade, reunida na Casa Comum. Caso contrário, poderemos conhecer um armagedon social e ecológico

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 12 de maio de 2023 – Internet: clique aqui (Acesso em: 05/06/2023).

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