«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Como viver a Quaresma

O soldado, o atleta, o lavrador:
as virtudes da Quaresma

Nico Guerini
Padre italiano, estudioso de literatura e especialista em textos de mística
Settimana News
09-03-2019

A Quaresma retorna todos os anos para apresentar-se como um
tempo de discernimento (somos cinzas) e de
treinamento (mas somos chamados à luta)

As duas coisas andam juntas, porque o juízo da mente sempre corre o risco de turvar-se na confusão, e os músculos do coração, de enfraquecer na inércia.

A lucidez do olhar é uma premissa importante para não se perder ou perder tempo; a agilidade da vontade, de fato, não pode exercitar-se adequadamente se não se souber para qual propósito operar, mas, ao mesmo tempo, é a mesma correta atuação que ajuda a enxergar com clareza.

A estação que marca a transição do verão para o outono nos oferece quarenta dias de revisão e de exercitação.

Encontro na Segunda Carta a Timóteo um grupo de três figuras que, acredito, constituem um excelente programa para viver bem a Quaresma. Esse texto, atribuído a Paulo, é dirigido a uma comunidade que precisa fazer as contas com numerosos «adversários», em um contexto de luta, portanto, e que corre o risco de ficar desencorajada porque o «seu» apóstolo está «acorrentado». Contra esse pano de fundo, a Segunda Carta a Timóteo foi sugestivamente descrita como uma «exortação testamentária na forma de uma carta de amizade» (Weiser).

Os dois aspectos indicam a relevância do que está escrito lá. No testamento encontra-se a síntese de uma vida, as coisas mais importantes que foram aprendidas e se pretende deixar para pessoas percebidas como amigas, uma relação que não só introduz no discurso um aspecto afetivo comovente, mas que também é um indicador da maneira pela qual a mesma mensagem de fé é transmitida: não apenas, e nem mesmo principalmente, de mestre a discípulo, mas muito mais de amigo para amigo.

A passagem que pode fornecer um bom programa para a Quaresma diz:

«Nenhum soldado se deixa envolver pelos negócios da vida civil,
já que deseja agradar aquele que o alistou. Semelhantemente,
nenhum atleta é coroado como vencedor, se não competir de acordo com as regras.
O lavrador que trabalha arduamente deve ser
o primeiro a participar dos frutos da colheita». (2Tm 2,4-6).

Por trás dessas três imagens está um convite preciso: «Como bom soldado de Jesus Cristo, sofra comigo», diz o apóstolo, no qual fica claro que o acento está no esforço, no empenho, no compromisso, embora se deva notar que isso é feito «juntos», e à luz do acompanhamento de Jesus.

Mas o discurso não é de via única, porque nas três imagens também se fala da recompensa:
* o «prazer» daquele que nos alistou,
* o «prêmio» para aquele que competiu na luta,
* o «fruto» para aquele que semeou e cultivou.

Nessas três «figuras» do cristão, sobre o qual fazer discernimento, é fácil ver três «virtudes» correspondentes que colocam em causa a vontade, as duas coisas juntas, como foi dito.
FORMIGAS - exemplo de disciplina

A disciplina do soldado

Perturbados e inquietados como somos pelas tantas guerras que continuam a assolar o mundo, o léxico militar não está mais na moda. Mas uma coisa é a guerra, outra é a linguagem da militância, que nada perdeu em relevância. Era mais fácil compreender o sentido e até seu fascínio em tempos em que a hostilidade contra os cristãos se exercia com virulência, como acontece ainda hoje em certos lugares e situações. Mas não se deve esquecer que essa linguagem emerge não só em coincidência com hostilidades externas, mas também em períodos em que um generalizado torpor da vida de fé incita pessoas e grupos a uma sacudida de radicalidade.

Não é coincidência que esta seja a figura que abre a Regra de São Bento, onde o monge é descrito como aquele que «pega nas armas gloriosas e poderosas de obediência para militar a serviço do verdadeiro rei, Cristo, o Senhor» (Pról. 3), e os cenobitas são aqueles que «militam sob uma regra e um abade» (1,2), constituindo o que depois foi definida como fraterna acies, ou seja, «tropa de irmãos» (1,5).

A frase não contém nenhuma contradição, porque não nos reunimos para «guerrearmo-nos», mas para estar em condição, em um esforço comum, de «guerrear» contra toda forma de mal: pugnare contra diabolum.

Parece-me apenas natural ligar a figura do soldado com a disciplina, lembrando também que exército e exercício têm a mesma raiz: vêm de um verbo, exerceo, com sentido bastante rude se não decididamente violento: literalmente «sair de um estado de repouso».

E disciplina significa tanto o «aprender» (discere) como o «esforço» necessário para chegar a isso. Não há espaço para entrar em detalhes, mas acredito que seja fácil para cada um se questionar sobre como vive aquela dimensão da fé que é o empenho, muitas vezes obscuro e pouco gratificante, mas que torna o coração ágil e disponível mesmo para grandes feitos.

Sob essa luz, os «assuntos comuns», que não devem ser um obstáculo, não poderiam ser lidos como aquelas numerosas «picuinhas» às quais damos talvez demasiada importância e que arriscam roubar energias que deveriam ser direcionadas a objetivos mais essenciais e, em última análise, mais gratificantes? Há «distrações» até mesmo boas e necessárias, e outras que não o são.

Primeiro compromisso: examinar como administramos o tempo, os interesses, os relacionamentos, até mesmo certa maneira de trabalhar que gera apenas inquietação e agitação. Há, portanto, uma recentralização em coisas essenciais a serem implementadas e, como reflexo, uma obra de poda e simplificação em relação ao que causa dispersão; há um «jejum» a ser feito, e não apenas de comida.

O entusiasmo do atleta

Quem sentiu algum desconforto com a metáfora e o léxico militar pode se sentir mais confortável adotando aquele esportivo. Desde que fique claro que não se trata aqui do esporte dominical a ser apreciado em uma poltrona na frente de uma televisão ou mesmo sentado nas arquibancadas de um estádio, mas aquele que é praticado nos treinos semanais, chatos, repetitivos, sem espectadores para aplaudir: esporte sim, mas do dia-a-dia!

Toda disciplina é cansativa, e só é aceita e suportada se, e enquanto que, nos sustenta o fervor gerado por um objetivo próximo que queremos muito. Para um atleta é uma vitória em uma competição, para um músico é um sucesso em um show. É fácil ficar encantado diante de um «resultado» triunfal, mas também é igualmente fácil esquecer o preço do triunfo, dias e dias de exercícios repetidos, muitas vezes praticados na solidão, e tudo pela emoção final, que nem sempre é garantida.

A mesma coisa acontece na vida espiritual. Contra a sensação de cansaço, é necessário manter aquecido o encanto do ideal, regenerá-lo quando se torna morno, reavivá-lo à luz dos exemplos daqueles que, mais generosos que nós, caminham na frente, convidando-nos a segui-los tacitamente.

A banalidade, a monotonia, exemplos deprimentes do comportamento insulso de indivíduos e grandes instituições, todas, Igreja, incluída, são cinzas que arriscam sufocar o que às vezes sobrevive como débil brasa, a mísera remanescente de um sonho, de um ideal que um dia aqueceu nossos corações. Acredito que um bom exercício de Quaresma possa consistir no reacender o entusiasmo pelas coisas grandes.

Além disso, permanecendo na metáfora do atleta, Paulo nos diz que «Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível.» (1Cor 9,24-25).

Há muitas áreas da cristandade onde pessoas altamente generosas trabalham em condições terríveis para trazer alívio e conforto para aqueles que estão mal: nunca acabam nas manchetes dos jornais, mas há livros e revistas que contam suas labutas diárias.

A história da Igreja e do mundo é rica não só de catástrofes vergonhosas, mas também de figuras esplêndidas que, de entusiasmo pela caridade e pela justiça, fizeram o objetivo de sua competição com a vida, até, às vezes, morrer por ela.

Segundo compromisso: a leitura é um exercício recomendado para a Quaresma: a Regra Beneditina prescreve que o monge receba um livro no início deste período com o compromisso de lê-lo (RB 49,15-16): antigamente eram as Instruções de Cassiano ou os exemplos da Vida dos Padres, com a intenção, precisamente, de iluminar a mente e aquecer a vontade. Por que não programar para esta época litúrgica um período em que, lendo um bom livro ou uma revista missionária, cultivemos o entusiasmo? Por que não participar daqueles encontros com «testemunhas» que são frequentemente organizados nas paróquias e em outros centros?
"AS RESPIGADORAS"
Pintura a óleo sobre tela do francês Jean-François Millet - 1857

A paciência do lavrador

O terceiro passo a ser dado é essencial se não se quiser que tudo desmorone. A figura do camponês torna-se decisiva a esse respeito. Há um elemento de «passividade» nele que é importante. Enquanto no exercício de mortificações e esmolas, bem como no suscitar o entusiasmo em nós, é fácil sentir-se protagonistas in toto, o lavrador sabe que ele tem que lidar com forças que não dependem dele: se quer ver o fruto, deve esperar (cf. Tg 5,7).

O desaparecimento da cultura rural na maioria das nossas terras resultou no desaparecimento da paciência, bem como da lentidão. Um exemplo prático. Se depois de uma conversa cativante com um estranho, ele me pede o endereço de e-mail com o evidente propósito de continuar o contato, assim que descobre que eu não tenho e-mail, o que parecia ter-se acendido como entusiasmo comunicativo desaparece instantaneamente. Sem comentário. Mas ainda é claro que, se o entusiasmo é necessário para começar, a paciência é necessária para chegar. Vem por último, mas é a salvação de tudo.

E, portanto, seria uma bela contradição decidir sobre renúncias e sacrifícios voluntários, que poderiam servir sub-repticiamente também para satisfazer o ego, e depois não conseguir suportar as coisas, e as pessoas, que se atravessam, que nos forçam a permanecer em situações de que não gostamos, a fazer coisas que não queremos.

Terceiro compromisso: já foi lembrado várias vezes que o termo grego que indica a paciência também pode ser traduzido como constância e perseverança. Esse é o traçado mais importante da jornada quaresmal, e é algo que provavelmente brilha menos (há, por acaso, medalhas para competições de paciência?), mas que tem a vantagem certa de «trazer frutos».

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 13 de março de 2019 – Internet: clique aqui.

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