«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 14 de março de 2019

O que o massacre de Suzano revela?

A banalidade do mal e as perguntas que
não sabemos fazer

Fernando Schüler
Filósofo, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento.
Foi diretor da Fundação Iberê Camargo

Há muita coisa complexa no massacre de Suzano,
mas há algumas muito simples:
a falência da escola e a indiferença burocrática de nosso
sistema de educação
Escola Estadual "Professor Raul Brasil" - Suzano (SP)
Palco da tragédia no dia 13 de março de 2019

Era um “bobão”, diz a mãe, Tatiana, sobre o filho Guilherme. “Ele tinha tudo, TV à cabo, internet...e faz isso?”.

O avô dizia que Guilherme era um “menino bonzinho, que nunca dava trabalho”. Passava quase o tempo todo jogando videogame, em casa, na lan house. Costumava gritar “mata, mata”, olhando fixo para a tela.

Usava um colarzinho com a suástica nazista. Uma besteira qualquer, coisa de guri que anda vestido de preto, sempre grudado com o único amigo, meio isolado, meio sem direção e com raiva do mundo. E estranhamente quieto.

Nos últimos tempos, a dupla andava metida com uma comunidade marginal e criminosa na deep web, onde por fim encontraram um jeito de fantasiar heroísmo e comprar armas.

Não é difícil perceber o elemento complexo disso tudo:
* A mãe drogada,
* o pai ausente,
* a morte da avó,
* as espinhas na cara,
* o bullying na escola,
* o vício nos games violentos,
* a mística vulgar revelada na ideia de “partir como heróis” e encontrar as “sete virgens”.

Me chama a atenção a saída da escola. O que acontece exatamente quando um adolescente de 15 ou 16 anos decide simplesmente abandonar os estudos? Guilherme não saiu por pressão econômica. Saiu porque deu na telha. A turma zoava da cara marcada pelas espinhas e ele resolveu dar no pé.

A partir daí, o que acontece? Numa família razoavelmente estruturada, em uma escola particular, é difícil pensar numa situação dessas. Os pais vão atrás, a escola vai atrás, entra um psicólogo no jogo. Tudo pode dar errado, no fim das contas, mas é difícil que aconteça.

No caso de Guilherme, alguém foi efetivamente saber o que se passava?
MISSA CELEBRADA EM FRENTE À ESCOLA "PROF. RAUL BRASIL" - SUZANO (SP):
na foto aparece, em destaque, o padre Claudio Taciano da Diocese de Mogi das Cruzes (SP)

O Estado tratou tudo como mais um procedimento burocrático, ou alguém foi de fato a fundo para saber o que se passava com um aluno que, do dia pra noite, resolveu largar a escola e gastar o tempo jogando videogames?

Há muita coisa complexa nessa história toda, mas há algumas muito simples. Uma delas é a falência da escola. Da indiferença burocrática de nosso sistema de educação.

Também aí reside uma “banalidade do mal”.

De um modo mais amplo, é um pouco disso que se vê, no dia seguinte ao massacre, na repercussão que os políticos deram ao caso.

O besteirol de comentários no dia seguinte

De um lado, leio que a culpa de tudo é do acesso às armas, à flexibilização da posse. Leio uma deputada indo mais longe: a culpa seria do incentivo à violência feito pelo atual presidente.

De outro, leio que deveria haver funcionários e professores armados na escola. Eles poderiam ter reagido. Leio que Guilherme era menor de idade, e que tudo pode dizer respeito à redução da maioridade penal.

É quase inacreditável ler este tipo de coisa de quem deveria liderar o País.

Me vem à cabeça o vaticínio de Tzvetan Todorov, de que:

“O primeiro inimigo da democracia é a SIMPLIFICAÇÃO,
que reduz o plural ao singular e com isso abre espaço a toda forma de excesso”.

Todorov fala do excesso como descontrole, besteira, irresponsabilidade, destempero. Tudo que nos impede de fazer as perguntas que mereceriam ser feitas depois de um dia triste como o de ontem.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunas e Blogs – Quinta-feira, 14 de março de 2019 – 11h41 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

É preciso escutar vítimas de traumas como
o da escola de Suzano

Vera Iaconelli
Doutora em psicologia pela USP

Espaços de troca, como a família e a escola, estão cada vez
menos propícios para o diálogo
VERA IACONELLI - psicóloga

Uma das definições de trauma é que se trata de uma vivência cuja intensidade e o caráter inesperado supera nossa capacidade psíquica de elaboração.

Algo nos surpreende, somos tomados pelo choque e as sensações de incredulidade, medo e dor tomam a frente. Se não tivermos a oportunidade e as condições favoráveis à elaboração do acontecido, a cena retorna insistentemente na tentativa de entendermos, afinal, o que nos atravessou.

Dois jovens entram em uma escola, matam oito pessoas, ferem outras tantas e depois se matam — um dos dois atirou no outro antes de se suicidar, segundo a investigação.

Não é o primeiro relato (no Brasil há alguns) e, provavelmente, não será o último, mas devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para aprender algo que possa servir de estratégia para inibir ao máximo suas repetições.

Não sabemos quais foram as verdadeiras motivações desses jovens e nunca saberemos, pois esse segredo será enterrado junto com eles. Talvez nem eles mesmo soubessem o que os levou à tanto, embora pudessem acreditar saber. As causas inconscientes, que costumam estar por trás desse tipo de acontecimento, exigem uma escuta mais apurada.

No entanto, alguns elementos pedem uma reflexão urgente. Jovens tendem a ser mais impulsivos e resolver seu sofrimento em ato. Embora a dor dos pais das vítimas seja incomensurável e quase impossível de imaginar, temos que considerar que o suicídio dos assassinos revela um grau de sofrimento extremo de um sujeito que não reconheceu nenhuma saída possível para sua dor.

O suicídio é a descrença absoluta no laço social e afetivo como forma de superar as dificuldades humanas. Daí nossa insistência nos recursos que apostam na escuta e na possibilidade de recriar laços, que façam o sujeito sentir que ele pode permanecer vivo, pois vale a pena compartilhar sua experiência encontrando alguém que o reconheça.

No entanto, nossa cultura tem fomentado as condições para que esse tipo de saída desesperada exista. Os jovens têm se sentido mais solitários desde que as interações passaram a ser predominantemente virtuais, pois centenas de amigos nas redes valem muito pouco em termos de experiência afetiva íntima e enriquecedora.

Os espaços de troca, como a família e a escola, estão cada vez menos propícios para o diálogo e a observação das necessidades individuais das crianças e dos profissionais. Não é à toa que a mensagem cifrada que a violência carrega se dirija a esse interlocutor privilegiado que é a escola.
GUILHERME TAUCCI MONTEIRO - 17 anos - um dos atiradores da escola de Suzano (SP):
à direita, cópia da página no Facebook de LUIZ HENRIQUE DE CASTRO, 25 anos,
o segundo atirador - percebe-se a fixação pelas armas em ambos!

O que não chegou pelas palavras chega em ato tresloucado. A verdadeira idolatria pelas armas de fogo, tão insistente hoje no nosso país, vem incrementar uma combinação já suficientemente perigosa.

As armas costumam ser empunhadas por jovens do sexo masculino e não podemos deixar de pensar na crise pela qual passam homens fragilizados em sua virilidade que acreditam que a violência os faz fortes. As imagens deles portando armas lhes dá um ar de onipotência, que esconde a sensação de fracasso.

Na sequência dos acontecimentos, cabe escutar as vítimas, para que elas possam elaborar essa cena traumática. Enfim, não sabemos o que se passou em Suzano, mas devemos falar sobre isso e, principalmente, escutar.

Fonte: Folha de S. Paulo – Cotidiano/Análise – Quarta-feira, 13 de março de 2019 – Atualizado às 20h45 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

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