«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Entenda o que acontece no governo Bolsonaro

Governo em pedaços: vitória ou ameaça?

Antonio Martins
Jornalista

Diante das primeiras tensões, e na ausência de um projeto,
a coalizão de Bolsonaro rachou em quatro grupos.
Quais são eles? Que querem?
Como a divisão poderia abrir caminho para um novo projeto?

No início dos anos 1990, ficou claro que a privatização do setor ferroviário, na Inglaterra, havia afundado a qualidade dos serviços. Os problemas se multiplicavam, mas o mais evidente era que os trens jamais chegavam no horário. Uma investigação revelou a causa dos transtornos. Para afastar o Estado, haviam concorrido múltiplos interesses de privatizadores. Mas, uma vez assegurado o controle do sistema, eles se digladiavam. A empresa que controlava as vias; a que operava as composições; a encarregada de limpeza e logística; a responsável por vender as passagens – cada uma estava interessada acima de tudo em seus próprios lucros – e tomava decisões que frequentemente chocavam-se com as atividades das demais. O resultado era o caos. O governo Bolsonaro vive, há duas semanas, um inferno semelhante.

Diante das primeiras tensões, revelou-se o vazio – a ausência de um projeto comum. Sem ter nada em torno de que se unir, os quatro grupos que se articularam em 2018 para viabilizar a vitória do ex-capitão dividiram-se, cada um aferrado a seus interesses particulares. Este movimento centrífugo permitiu, em primeiro lugar, um mapeamento mais preciso da coalizão governista e de seus conflitos internos. Muito mais importante: expôs um governo incapaz de caminhar, porque marcado por disputas intrincadas, que geram atritos frequentes, ruidosos e muitas vezes grosseiros

Este desentendimento amplia tanto as chances de resistir aos principais projetos do governo quanto as de provocar um curto-circuito mais amplo e neutralizar as ameaças que ele representa. Mas da possibilidade à mudança de cenário há ainda um longo caminho a percorrer. A chave é esboçar as linhas básicas de um projeto alternativo. Sem isso, é provável que a janela de oportunidade se feche ou – pior – que seja preenchida por outra articulação conservadora. Vale atentar para as ações cada vez mais desenvoltas do general Mourão

* * *
SERGIO FERNANDO MORO
Ministro da Justiça e da Segurança do governo de Jair Bolsonaro

Cronologicamente, a primeira dissidência foi aberta pela ala do bolsonarismo representada pelo ministro Sérgio Moro e pelos procuradores da Operação Lava Jato – cujo projeto político e de poder tornou-se indisfarçável. Na madrugada de 20/3, o próprio Moro perturbou o conluio governista, ao lançar a primeira investida contra Rodrigo Maia. O presidente da Câmara havia decidido, após entendimento com o Palácio do Planalto, adiar por algum tempo a tramitação do “pacote anticrime” de Moro. Temia que, num cenário em que o governo ainda não firmou uma base mínima de apoio no Congresso, submeter simultaneamente duas propostas polêmicas – a do ministro da Justiça e a “Reforma” da Previdência – fosse desastroso.

Moro não se conformou. Cobrou o presidente da Câmara publicamente e numa série de mensagens pessoais, disparadas durante a madrugada. A impertinência foi repreendida: “Eu sou o presidente da Câmara e ele é funcionário do presidente Bolsonaro. O presidente é que tem de vir aqui conversar comigo”, retrucou Maia. Ao invés de calar-se, Moro insistiu. Irônico, sugeriu que Maia está entre os que “entendem que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente”.

O consórcio Moro-Lava Jato teve, nas duas semanas do confronto, apoio do setor representado pelo próprio presidente, seu entorno familiar e “gurus” como Olavo de Carvalho. Horas depois de Moro fustigar Rodrigo Maia, suas dores foram assumidas por Carlos Bolsonaro, o Carluxo. O filho a quem o presidente chama de “pitbull” provocava, no Instagram: “Por que o presidente da Câmara está tão nervoso”? No mesmo momento, os grupos identificados com o bolsonarismo lançavam, nas redes sociais, uma saraivada de ataques pessoais a Maia. Como é típico, foram marcados por agressividade e desinformação. Algumas das postagens sugeriam, sem fundamento, que o deputado não podia exercer a presidência da Câmara, por ter nascido no Chile (onde seus pais eram exilados políticos).
CARLOS BOLSONARO
Filho de Jair Bolsonaro, vereador da Câmara do Rio de Janeiro, e conhecido "pitbull"
da família, responsável pelos comentários em redes sociais

Num movimento paralelo, o próprio presidente engrossava o coro das agressões – principalmente a partir do ponto em que surgiram sinais da queda de sua popularidade. Talvez tenha acreditado que, como na campanha política, poderia voltar a crescer se se mostrasse hostil ao establishment. Na sexta-feira (22/3), antes de embarcar ao Chile, comparou Rodrigo Maia a uma namorada caprichosa. Em 23/3, num café com empresários chilenos, culpou, pelos solavancos de seu governo, os “que não querem largar a velha política”. E mesmo no domingo, de volta ao Brasil, chamou à Alvorada seu líder no governo, o inexpressivo major Vitor Hugo, e orientou-o a dizer que “as práticas do passado não nos levam ao caminho em que queremos estar.”

Este conjunto de ataques arrepiou o terceiro grupo essencial na sustentação do governo. Embora não possa ser chamada de “bolsonarista”, a “velha política” – as bancadas conservadoras vastamente majoritárias no Congresso Nacional – associou-se ao projeto do capitão ao longo do segundo semestre de 2018. Foi, de ambos os lados, um casamento de conveniência. Em janeiro, quando Rodrigo Maia elegeu-se presidente da Câmara, teve apoio explícito do presidente e de seu PSL. Seu compromisso com a agenda ultraneoliberal é notório. Suas relações com Paulo Guedes, o ministro encarregado de levar adiante tal agenda, são cordiais e sinfônicas.

Mas por que motivo estas bancadas conservadoras, conhecidas por sua proverbial astúcia política, aceitariam pagar sozinhas o preço de uma “Reforma” impopular e que, mesmo largamente apoiada pela mídia, foi túmulo de candidaturas em 2018? A “velha política” aceita correr riscos – mas quer compensações. De imediato, dinheiro – verbas públicas com que deputados e senadores alimentam, nos respectivos domicílios eleitorais, suas redes fisiológicas. A médio prazo (e igualmente importante), desejam um governo minimamente coerente e defensável. Ao relutar diante do primeiro quesito, e sinalizar enorme incompetência para cumprir o segundo, Bolsonaro naturalmente se desgastaria.

As vociferações de Moro e do clã presidencial ampliaram este desgaste. A atitude altiva de Rodrigo Maia sinalizou o tom da resposta. Ao longo da semana, o presidente da Câmara recebeu a solidariedade não apenas de seu partido, mas de quase todas as bancadas do majoritário “Centrão” na Câmara dos Deputados. No final da semana, parecia que sequer o PSL apoiaria o Planalto. No domingo, advertência cardinalícia: Fernando Henrique Cardoso lembraria que “no Brasil, os partidos são fracos, mas o Congresso é forte (…) comprar briga com o presidente da Câmara é caminho certo para o desastre”.
RODRIGO MAIA (DEM-RJ)
Presidente da Câmara dos Deputados - Brasília (DF)

Dias antes, Moro e a Lava Jato haviam tentado um contra-ataque, com a prisão espetaculosa de Michel Temer. Descontentes com os reveses sofridos nas semanas anteriores – quando se desbaratou o fundo de R$ 2,88 bilhões que planejavam desviar da Petrobras e do Tesouro – os procuradores da República de Curitiba ensaiaram uma demonstração de força. Há tantas razões para condenar Temer, seguindo-se o devido processo e respeitando-se o direito de defesa, que trancafiá-lo preventivamente só pode ser visto como uma arbitrariedade tola, um espernear. Pessimamente calculado, porém.

Em especial porque amedrontou o quarto setor essencial da coalizão sem projeto que compõe o bolsonarismo: o baronato financeiro. Na quinta e sexta feiras, o real e a bolsa de São Paulo caíram cerca de 5%. Foi um sinal de que a única ideologia dos mercados é o lucro, não importando se por meio da “velha” ou da “nova” política. Enquanto Bolsonaro prometia entregar o desmonte da Previdência e outros mimos, teve o apoio dos barões. A partir do momento em que não puder cumprir o que prometeu, perderá o que conseguiu – simples assim.

Para não deixar dúvidas, as quedas do real e das bolsas foram acompanhadas de declarações enfáticas. “Operadores de mercado” ouvidos pela Folha de S. Paulo queixaram-se de que o presidente ignora a arte de cortejar os velhos políticos (alguns chamaram-no de “Dilma de calças”). Também notaram que as concessões feitas pelo projeto oficial aos militares foram tantas que a narrativa segundo a qual trata-se de “eliminar privilégios” pode não se sustentar

* * *

Na segunda-feira, ensaiou-se uma trégua. Foi marcada por um nítido recuo do presidente e seu entorno mais íntimo. Em cerimônia para marcar a concessão de linhas de transmissão elétrica, Bolsonaro afirmou que sua prioridade é a “Reforma” da Previdência. Noutro evento, com prefeitos e governadores, Paulo Guedes adulou o antes atacado Rodrigo Maia, a quem considerou um aliado da proposta do governo.
JOICE HASSELMANN (PSL-SP) versus KIM KATAGUIRI (DEM-SP):
briga feia pelas redes sociais

O incêndio, porém, pode demorar a se extinguir. Horas antes, duas figuras emblemáticas da suposta “nova política” do presidente engalfinhavam-se em público. O deputado Kim Kataguiri, líder do Movimento Brasil Livre (e filiado ao DEM-SP), atacou a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann, a quem acusou de “não fazer oposição republicana”. Para Kim, “a ‘Reforma’ da Previdência morreu – e a culpa é do governo Bolsonaro”.

* * *

As duas semanas da primeira grande crise do governo ensinam algumas lições. Primeira: a maioria conservadora formada nas eleições de novembro último é frágil e pode ser desafiada. É verdade que nunca houve, além de um presidente, um Congresso tão conservador e promíscuo diante do grande poder econômico. Mas é igualmente claro que a falta de um projeto comum torna muito vulneráveis tanto o Executivo quanto o Legislativo. Por não terem rumos, ambos temem a maioria das ruas – que conquistaram no ano passado por uma série de fatores conjunturais, mas é volátil. Ainda hoje, a Arquimedes, uma nova empresa de análise de redes sociais que trabalha para o mercado financeiro, constata, em relatório, que o apoio à proposta governamental para a Previdência caiu a um mínimo inédito.

Abrem-se, rapidamente, duas possibilidades:
1º) derrotar no Congresso um projeto que é essencial para a sustentação do governo e seu projeto de desmonte e rapina.
2º) acenar com um esqueleto de medidas que apontem outro rumo, e resgatem o país da cantilena depressiva de cortes de despesas, redução de direitos, sacrifícios, punições. Os artigos sucessivos de André Lara Rezende revelam: até mesmo os economistas ligados ao mercado percebem, aos poucos, o vazio e a inconsistência desta ideia.

Porém, para que a crítica não se esgote na academia, é preciso formular, também, caminhos capazes de mobilizar a sociedade e sinalizar outro rumo. Por exemplo:
* a revogação da Emenda Constitucional que congela os gastos sociais por vinte anos,
* a retomada da valorização do salário mínimo,
* um plano ousado de investimentos para recuperar os serviços públicos, os direitos sociais e a infraestrutura.
ANTÔNIO HAMILTON MARTINS MOURÃO
General da reserva, vice-presidente do Brasil e filiado ao PRTB

Sem tal alternativa, a janela se fechará. Ou será aproveitada por outros atores, de projeto claramente conservador. No início desta semana, noticiava-se que o general Mourão fará nesta terça-feira (26/3), em São Paulo, dois encontros com a Fiesp que estão provocando frisson entre o grande empresariado. Ainda mais inusitado e preocupante: no meio da semana passada, um conjunto de deputados paulistas reuniu-se com o Comandante Militar do Sudeste, general Luiz Eduardo Ramos. O pretexto foi ouvir as opiniões de Ramos sobre a proposta do governo para as aposentadorias militares. Mas em pouco tempo, relatou a Folha de S. Paulo, o diálogo evoluiu para queixas em relação a Bolsonaro e sua inapetência para a política. O general teria sugerido a seus interlocutores que prestem atenção ao que diz o vice-presidente – depois de frisar que se opõem de modo cabal a uma aventura militar brasileira na Venezuela…

O cenário, que há alguns meses parecia tenebroso, tornou-se incerto e instável. Surgiu, no desgaste e desorientação do governo, uma brecha clara. Não aproveitá-la implica abrir a porteira para novos perigos – e talvez menos contraditórios…

Fonte: Outras Palavras – Crise Brasileira – Segunda-feira, 25 de março de 2019 – 22h40 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui

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