«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Colocando o dedo na ferida!

“Para o papa, não basta proclamar os princípios, é preciso mudar as estruturas de pecado”

Entrevista com Stefano Zamagni
Presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais

M. Michela Nicolais
Agência SIR
06-06-2019

“A justiça não é a declamação da letra da lei,
mas sim a implementação do seu espírito.”
STEFANO ZAMAGNI
Economista italiano e Presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais

Concluiu-se com o discurso do papa e a assinatura da “Carta de Roma” a cúpula pan-americana de juízes que foi realizada nos últimos dias na Casina Pio IV. Quem fez um balanço do evento para a agência SIR foi Stefano Zamagni, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais. Próximos passos: o evento “The Economy of Francesco” [A economia de Francisco], em março de 2020, e um encontro em Roma para um Pacto Global sobre a Educação, em maio do ano que vem.

A justiça não é a declamação da letra da lei, mas sim a implementação do seu espírito.” Stefano Zamagni, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, “relê” assim a cúpula realizada nos últimos dias no Vaticano, na presença do papa – que fez o discurso de conclusão – e de 120 juízes das três Américas. O resultado tangível foi a “Carta de Roma”, assinada por unanimidade pelos participantes para levar a termo um percurso iniciado por Bergoglio há três anos.

As próximas etapas, para a Pontifícia Academia das Ciências Sociais, serão dedicadas à economia – com o evento “A Economia de Francisco”, programado para Assis em março de 2020, na presença do Santo Padre – e à educação, com um encontro agendado para maio do ano que vem em Roma, ao qual foram convocadas “todas as autoridades formais e informais” envolvidas no campo, para assinar um Pacto Global nessa área.

Eis a entrevista.

Em seu discurso, o papa denunciou a brecha entre “igualdade nominal” e “desigualdade substancial”. Esse é o panorama jurídico em que os participantes do encontro se encontram atuando hoje em nível mundial?

Stefano Zamagni: O evento que terminou ontem foi o ponto de chegada de um percurso que começou há três anos, em 2016, e voltava-se especificamente aos operadores da justiça, ou seja, aos juízes e aos oficiais judiciários. Isso porque o papa está convencido de que não basta conjugar os princípios: é preciso mudar aquelas que João Paulo II definia como “estruturas de pecado”. Uma delas é representada pelo sistema jurídico, quando não consegue traduzir os direitos substantivos nas aplicações das sentenças, ao contrário dos direitos formais.

Além disso, para o papa, não basta insistir nos direitos civis, é preciso também se ocupar dos direitos sociais e econômicos. Os direitos civis são direitos negativos, enquanto os direitos sociais e econômicos são direitos positivos. Para respeitar os direitos civis, de fato, a sociedade não deve interpor obstáculos ou discriminações de qualquer tipo, isto é, não deve impedir o seu exercício: o exemplo clássico é o da liberdade de expressão. Os direitos sociais e econômicos, por outro lado, são direitos positivos, isto é, voltados a assegurar o acesso, a fruição desse direito.

Em outras palavras, não é suficiente dizer que cada um tem o direito de comer, se, depois, o poder de compra dos pobres é vazio. O direito de comer, assim como o direito à saúde, implica poder ter acesso aos recursos necessários para satisfazer essa necessidade: caso contrário, exercer esse direito torna-se impossível. Os direitos, portanto, não devem ser apenas declamados, mas também tornados acessíveis, isto é, devem ser exercidos. Esse é o pressuposto da “Carta de Roma”, a declaração com a qual se concluiu a cúpula de ontem, assinada por unanimidade pelos 120 juízes das três Américas (do Norte, Central e do Sul), das quais estavam representados todos os países, exceto Venezuela e Cuba [leia, abaixo, a “Carta de Roma”].

Como o senhor responde à objeção insidiosa, em alguns fóruns internacionais, de que os direitos sociais “são velhos”?

Stefano Zamagni: Se com “velho” se entende “antigo”, isso pode ter um fundamento. Se, por outro lado, com “velho” se entende “ultrapassado”, trata-se de uma grave tolice, seja de onde isso vier.

O papa alertou, entre outras coisas, para o “lawfare” como risco de esvaziamento da democracia. Em que ele consiste e como evitá-lo?

A democracia se sustenta sobre o “rule of law”, e não sobre o “rule by law”, expressões inglesas intraduzíveis para o italiano. Muitos as confundem. A “rule ‘by’ law” consiste em utilizar a lei para facilitar a ação governamental e, portanto, para os próprios propósitos. A “rule ‘of’ law”, por sua vez, concebe a lei como algo acima de todas as partes políticas e governamentais. Uma lei que desliza para o “rule by law” está destinada à eutanásia. A menos que se queira dar forma a uma ditadura, algo que infelizmente ocorreu e ocorre em algumas partes do mundo.

Na parte final do seu discurso, o Papa Francisco cita a noção de “povo” como uma possível correção do esvaziamento dos procedimentos legais e democráticos. É uma categoria tipicamente sul-americana ou ela pode se tornar uma referência útil para a atividade dos juízes?

Stefano Zamagni: A categoria de “povo” sempre existiu: basta pensar em quantas vezes a palavra “povo” se repete no Antigo Testamento. É verdade, porém, que, no último meio século, ela foi arrastada até levá-la para formas de neo ou puro populismo. Mas o populismo é a degeneração do conceito de povo, assim como o nacionalismo é a degeneração da categoria de nação. É preciso vigiar, para que, da nacionalidade, não se chegue ao nacionalismo e, do populismo, não se decaia ao populismo.

Na Itália, a nossa referência é o popularismo de marca sturziana [referente a Luigi Sturzo, padre e político italiano], com base no qual o termo “povo” é uma categoria moral, e não sociológica ou populista.

O populismo é uma degeneração para a qual se considera que o povo contém a verdade, mas não é capaz de lhe dar à luz, e, portanto, há necessidade de uma espécie de “parteira”, que é o líder carismático.

O popularismo, na visão de Sturzo, por sua vez, afirma que o poder reside no povo, mas de uma forma que não ataca os princípios fundamentais da convivência. 
1ª Cúpula Pan-americana de Juízas e Juízes sobre Direitos Sociais e Doutrina Franciscana
Roma, junho de 2019
Carta de Roma

Os abaixo-assinados, participantes da primeira Cúpula Pan-americana de Juízas e Juízes sobre Direitos Sociais e Doutrina Franciscana, declaramos:

Estamos profundamente preocupados com a deterioração dos sistemas normativos nacionais e internacionais e, em particular, com a degradação do exercício universal dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Observamos um pronunciado processo global de dualização social que implica injustiça estrutural e violência; minorias cada vez menores concentram de forma inédita as riquezas, diminuindo o bem-estar e a dignidade de milhões de seres humanos.

Paralelamente, notamos que o atual sistema econômico mundial faz pouco ou nada para preservar o equilíbrio ambiental, contribuindo dessa maneira para uma degradação integral da existência humana.

A palavra e o exemplo de Francisco nos interpelam substantivamente e promovem independente de nossas crenças religiosas pessoais, reformulações e abordagens críticas de nossa visão judicial.

A situação atual da humanidade exige de quem temos a enorme responsabilidade de controlar judicialmente o cumprimento dos direitos humanos, uma posição firme e corajosa que limite na prática o avanço das práticas destrutivas e degradantes do homem e do plantel.

Consideramos que os Estados assumam a operatividade incondicional dos direitos econômicos, sociais e culturais e, para os propósitos de seu estrito cumprimento, modifiquem sua política orçamentária obtendo equações mais equitativas e justas.

Fazemos um apelo a todos os países para que alcancem os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, que são compromissos específicos e com prazo de nossa geração, para cumprir a declaração universal dos direitos humanos e os acordos com os direitos humanos.

Fazemos um apelo a todos os países para que tomem medidas decisivas para cumprir os objetivos do acordo climático de Paris, que são vitais para a sobrevivência e o bem-estar humanos, especialmente para os pobres e para as gerações futuras.

Entendemos que não há possibilidade de viver em paz e democracia em processos políticos e sociais em que se aprofundam o descarte de pessoas e a destruição do meio ambiente.

Advertimos sobre o uso que é feito atualmente de uma parte do poder judiciário para modificar cenários políticos e econômicos, desnaturalizando as funções judiciais e destruindo a democracia com o custo que isso implica para o desenvolvimento dos direitos humanos.

Ressaltamos que os sistemas de comunicação concentrados, quando agem para pressionar os poderes públicos, perdem sua essência e colocam em risco a institucionalidade ao substituir os poderes públicos por meio de operações midiáticas de duvidosa legitimidade.

Neste contexto de crise planetária, fazemos um apelo a todos os nossos colegas juízes das Américas para assumir o papel que a hora exige de nós, coordenar esforços, desenhar estratégias e renovar diariamente o nosso compromisso com a dignidade humana e a paz global, bem como a realização dos direitos humanos em todas as dimensões.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto e André Langer.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 7 de junho de 2019  – Internet: clique aqui e Quinta-feira, 6 de junho de 2019 – Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.