«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

BATE-BOCA NO SUPREMO TRIBUNAL - QUEM TEM RAZÃO?

QUATRO PALPITES SOBRE UM BATE-BOCA

Roberto DaMatta*
Ministro Joaquim Barbosa - Presidente do Supremo Tribunal Federal (Brasília)

Quando menino, minha avó Emerentina solicitou-me um palpite para o jogo do bicho, uma atividade que ela praticava com a mesma religiosidade com que fazia as suas orações matinais. Pensei num filme de Tarzan e chutei: elefante! O elefante deu na cabeça e dela recebi um dinheiro que virou bombons de chocolate.

São 25 bichos, conforme determinou o cânone do Barão de Drummond, o inventor disso que Gilberto Freyre dizia ser um "brasileirismo". Algo genuinamente brasileiro, ao lado da feijoada, das almas do outro mundo, do samba, da corrupção oficial, do suposto orgasmo das prostitutas e do "rouba, mas faz". Quanta inocência existe entre nós. É de enternecer.

PALPITE 1 (AVESTRUZ)
O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa e sente. Mas, no Brasil, eis o meu primeiro palpite, somos todos treinados a dizer o que não pensamos.

Seja porque seríamos presos por corrupção ou tomados como desmanchadores de prazer; seja porque faz parte de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal "franqueza rude" a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias.

Somos a sociedade da casa e da rua. Em casa, somos reacionários e sinceros; na rua viramos revolucionários e ninjas - a cara encoberta. Somos imperiais em casa, quando se trata das nossas filhas e fervorosos feministas em público, com as "meninas" dos outros. Observo que quando há hierarquia, não há debate nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador. Por isso, ele é execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de modo que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria discutir, mas ignorar e suprimir.

PALPITE 2 (ÁGUIA)
Um presidente da instância legal mais importante do País que esconde por educação seus valores seria um poltrão? E isso, leitor, é justamente o que esse Joaquim Barbosa, negro e livre, não é e não quer ou pode ser. Na nossa sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. Aí, você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata. Na oposição, seu senso crítico é gigantesco, mas no dia em que você vira governo surgem as etiquetas reacionárias. Eu queria ir, você diz, mas a minha assessoria impediu. Não ficaria bem...

Afinal, ator e papel não podem operar como um conjunto? Ou devem agir se autoenganando para serem permanentemente elogiados como "espertos" ou "malandros"? Esse apanágio do nosso sistema político que glorifica a hipocrisia e condena a opinião pessoal sincera que, em circunstâncias gravíssimas como a que estamos vivendo no momento, exige o confronto e, consequentemente, a desagradável rispidez da discórdia.
Ministro Ricardo Lewandowski - Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal

PALPITE 3 (BURRO)
Como ter democracia sem conflito? Se passamos a mão na cabeça dos mais gritantes conflitos de interesse nessa nossa sociedade de vizinhos de bairro e de parentelas adocicadas pelos compadrios, por que temos de nos sentir aporrinhados porque um juiz confrontou, de modo direto, um colega cujo objetivo óbvio era o de protelar o arremate de um processo que, no meu entender, vai definir o caráter de nossa democracia liberal e representativa?

PALPITE 4 (BORBOLETA)
Pergunto ao leitor: existe sinceridade sem emoção? Existe honestidade sem estremecimento? Existe algum regime ético no qual se troca convicção por boas maneiras? Afinal de contas, o que seria uma pessoa com "bons modos"? Seria um cagão sem espinha dorsal? Como, pergunto, mudar um país com essa maldita tradição de dizer que somos assim, mas no fundo somos assado sem dissensões? Afinal o que preferimos: o golpe que silenciosamente suprime o bate-boca ou o bate-boca que é a única arma democrática contra o golpe?

Um amigo me diz que o ministro Barbosa estava certo no conteúdo, mas errado na forma; e que o ministro Lewandowski estava errado no conteúdo e certo na forma. Mas, palpito eu, como separar forma de conteúdo quando se trata do futuro da democracia ou de um grande amor? Seria possível uma noite de núpcias com um noivo certo no conteúdo, mas sem traduzir esse conteúdo formalmente?

O sinal dos tempos no Supremo tem sido, precisamente, o estilo sincero e desabrido - honesto pela raiz - do estruturalismo de Joaquim Barbosa. Nele, forma e conteúdo estão juntos como estiveram em todos aqueles que tentam ser uma só pessoa na casa e na rua, na intimidade e no púlpito, entre os amigos e os colegas de tribunal.

Para se ter uma democracia é preciso juntar forma e conteúdo. Não se pode condenar a discórdia e o direito à diferença como somente um gesto de má educação ou de egoísmo autoritário. É preciso abrir um lugar para o bate-boca no sistema moral brasileiro, caso se queira terminar com a sujeição e a autocondescendência que nos caracteriza como uma sociedade metade aristocrática, metade igualitária. Prova isso o agravante de que, quando essas metades entram em choque, tendemos a ficar do lado aristocrático ou do bom comportamento. Do formal e do legalmente correto, sem nos perguntarmos se o confronto não seria a maior prova de igualdade e de respeito pelo outro.

Será que acertei novamente no elefante, ou deu burro e avestruz?

* Roberto DaMatta (Niterói, 29 de julho de 1936) é um antropólogo brasileiro, além de também trabalhar como conferencista, professor universitário, consultor, colunista de jornal e produtor de TV. Para saber mais, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_DaMatta

Fonte: O Estado de S. Paulo - Caderno 2 - Quarta-feira, 21 de agosto de 2013 - Pg. C10 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,quatro-palpites-sobre--um-bate-boca-,1066244,0.htm

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