«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 19 de outubro de 2014

AQUECIMENTO GLOBAL: SERÁ QUE, AGORA, ACREDITAMOS?

Complacência e calamidade

LEE SIEGEL*

Do mesmo modo que facilitamos com o Ebola, continuamos a negligenciar o fantasma do aquecimento global
Califórnia - nos Estados Unidos - enfrenta uma das piores secas de sua história
Este pode não ser o momento para pensarmos na questão do aquecimento global, mas na epidemia de Ebola que aflige três países da África Ocidental, vem se disseminando pela Europa e EUA e expôs a grande vilã da história: a complacência. Foi a complacência que levou as autoridades americanas a não estabelecer diretrizes para os trabalhadores da saúde encarregados de casos de Ebola; foi a complacência que fez alguns desses trabalhadores levarem sua vida como se não tivessem nenhuma proximidade com o mais perigoso vírus do mundo. E foi por causa da complacência que - pelo menos neste país - o tema do aquecimento global foi retirado da agenda nacional.

São infindáveis os efeitos da complacência, como também não há fim para as crises globais. As secas continuam a atormentar o Brasil e o sul da Califórnia [nos Estados Unidos], mas o aquecimento global - e novamente nos EUA - deixou amplamente de ser um problema de natureza pública importante.

Esse é um fenômeno estranho porque, pela primeira vez, um órgão governamental declarou que o aquecimento global teve efeitos funestos imediatos sobre os atuais acontecimentos. Na semana passada o Pentágono divulgou relatório no qual responsabiliza a mudança climática, entre outras coisas, pelo surgimento de condições que contribuíram para o crescimento do EI [Estado Islâmico – grupo fanático-radical mulçumano], a nova ameaça terrorista do Oriente Médio. Com base no relatório, climas mais quentes provocaram a seca e escassez de água que levaram agricultores sírios a se transferirem para as cidades, dando origem à enorme população de jovens desesperados vulneráveis à sedução do extremismo político. As autoridades americanas esperam que a análise alarmante do Pentágono quanto aos efeitos da mudança climática hoje ajudem a convencer as nações mais poluidoras, onde o nível de carbono é extremo, a assinar um novo documento para reduzir suas emissões quando se reunirem no Peru, em dezembro, e depois em Paris, no ano que vem.

À parte a repentina e breve atenção despertada pelo relatório do Pentágono, o aquecimento global desapareceu quase inteiramente da agenda nacional nos EUA - ao contrário do Brasil, onde a atenção para o problema levou o país a se tornar o que mais se empenhou no mundo para combater a poluição pelo carbono. Uma mudança radical com relação a oito anos passados, quando o documentário de Al Gore Uma Verdade Inconveniente transformou a mudança climática num tema de séria preocupação nos EUA. Hoje, quando as eleições de meio de mandato para o Congresso [dos Estados Unidos] se aproximam, nenhum candidato que conheço incluiu o problema do aquecimento climático em sua plataforma.

O problema é que você não vê o aquecimento global se produzindo. A evidência de que a atmosfera da Terra vem se aquecendo não pode ser captada por nenhum dos cinco sentidos. Para cada evento catastrófico que os cientistas atribuem ao aquecimento global - seca, furacões, etc., - contrapõe-se o argumento de que eventos naturais sempre ocorreram, muito antes de os cientistas conseguirem medir a que ponto a atmosfera da Terra está esquentando. As secas e as tempestades de areia que destruíram a agricultura americana ocorreram na década de 1930 e não nos últimos dez anos. E os próprios cientistas só conseguem prever os efeitos do aquecimento global - não podem afirmar com certeza que ocorrerão.

Lucrécio [1] escreveu certa vez que para muitas pessoas a morte é um boato. O mesmo princípio se aplica ao aquecimento global. Você não admite que a Terra seja mortal da mesma maneira que sabe que você mesmo é. E, como os filósofos sempre recomendaram, mesmo que você esteja plenamente consciente de sua inevitável extinção, não consegue aceitar que a própria Terra um dia seguirá seu curso natural para um fim, do mesmo modo que todas as coisas vivas. In saecula saeculorum, diz a oração Glória ao Pai - um mundo sem fim. “Se o inverno chegou, a primavera não estará distante”, escreveu Shelley, o mais pessimista dos poetas. Conceitos sobre a mortalidade deprimem. A noção de que o mundo está condenado deixa a existência sem sentido.

Lee Siegel - jornalista
Assim, há esse aspecto metafísico do aquecimento global, um assunto concreto. Ele tem um pé nas políticas públicas e nos eventos atuais e outro na ideia de fim do mundo. As religiões e filosofias tornaram o mundo objeto de investigação e reflexão. Não importa quão profundamente abordem a transitoriedade e a mortalidade, assumem que a realidade - nosso mundo, nossa Terra, nossa atmosfera - aguentará.

Pedir, mesmo às pessoas mais responsáveis, conscientemente consumidas por pensamentos mortais, para aceitarem a realidade da finitude da Terra - a Terra, a verdadeira estrutura que torna nossa transitoriedade suportável - parece ser pedir demais.

Naturalmente, quando os oceanos inundarem as cidades, quando as colheitas cessarem, quando as migrações em massa deslocarem as populações, quando irromperem as guerras por recursos em extinção e hordas desesperadas pegarem em armas - quando tudo isso acontecer, o aquecimento global terá uma urgência tão extraordinária quanto as decapitações televisadas. Ele nem mesmo será chamado de aquecimento global, termo que implica um processo que ainda não se concretizou. Terá outro nome e será como o Ebola, surgido há quase 40 anos no Congo, para o qual as empresas farmacêuticas não tinham nenhum incentivo financeiro para desenvolver uma vacina. O Ebola não mais nos lembra a África, mas o que pode estar à frente no caminho, ou na porta vizinha. Calamidade é a irmã mais jovem da complacência.

N O T A S
[1] Tito Lucrécio Caro (em latim: Titus Lucretius Carus; nasceu cerca de 99 a.C. – faleceu cerca de 55 a.C.) foi poeta e filósofo latino que viveu no século I a.C..

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.

* Lee Siegel, escritor e crítico cultural americano, é colaborador do jornal New York Times, da revista The New Yorker e do jornal The Nation. Autor de “Você Está Falando Sério?” (Panda Books).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 19 de outubro de 2014 – Pg. E2 – Internet: clique aqui.

O desafio do bem-estar

LÚCIA GUIMARÃES

Se todos os habitantes da Terra chegassem ao confortável consumo de energia dos americanos haveria mais 15 EUAs e a temperatura subiria 4°C
NASA afirma que setembro foi o mês mais quente da história
 
A Nasa [Agência Espacial Norte-Americana] anunciou recentemente que o último mês foi o setembro mais quente da história. 2014 será também lembrado por secas recordes em São Paulo e na Califórnia. Eventos extremos como esses, além do furacão Sandy, na costa leste americana em 2012, são fenômenos climáticos mais frequentes e têm sido incorporados à análise científica do aquecimento do planeta.

Um novo estudo publicado no Boletim da Sociedade Americana de Meteorologia apresenta o elo de causalidade entre as emissões de monóxido de carbono pós-Revolução Industrial e o aumento da seca na Califórnia, o maior produtor da agricultura americana. Liderado pelo professor Noah Diffenbaugh, da Universidade Stanford, o estudo utiliza análise histórica e modelos matemáticos para apontar um futuro de mais secas e mais perdas econômicas no Estado. Só este ano, a Califórnia enfrenta um prejuízo de US$ 2,2 bilhões na agricultura e a perda de 17 mil empregos sazonais e de meio expediente entre trabalhadores rurais.

No caso da Califórnia, há um fenômeno regional de alta pressão atmosférica no nordeste do Pacífico que tradicionalmente bloqueia as chuvas. Mas o professor Diffenbaugh diz que seu modelo, somado ao conhecimento científico de condições regionais específicas, teoricamente pode ser aplicado a outra regiões e o mesmo Boletim da Sociedade Americana de Meteorologia apresentou conclusões sobre fenômenos extremos na Índia. “É muito importante estudar esses fenômenos da meteorologia, determinar sua raridade no contexto das condições antes e depois do aumento das emissões de monóxido de carbono”, diz ao Aliás o cientista.

Diffenbaugh gosta de comentar que seus amigos o consideram um downer, mensageiro de más notícias. Mas ele garante que é um otimista. “Quem acredita em termômetro tem que acreditar no aquecimento do planeta”, costuma dizer no país onde a direita política despreza a ciência do clima. “A janela ainda não foi fechada”, continua. “É uma abertura mais estreita, mas ainda podemos desviar nosso curso para um futuro de uma economia livre de emissões de carbono nos próximos 50 anos.” O cientista acha que, se os países se submeterem aos limites impostos pela Organização das Nações Unidas, de aquecimento abaixo de 2°C, seu otimismo será justificado.
Noah Diffenbaugh - professor da Universidade Stanford - EUA
 
Se nada mudar, o cenário é de aquecimento de 4°C, algo sem paralelo nos últimos 65 milhões de anos ou quando os dinossauros desapareceram. Nesse cenário, regiões mais quentes teriam verão tórrido o ano todo, várias espécies de plantas e animais não poderiam sobreviver e delicados ecossistemas desapareceriam.

Diffenbaugh não gosta de falar de política, nem mesmo de seu governador, que decretou “áreas de desastre natural” em 58 municípios na Califórnia, embora ainda não tenha declarado o estado de seca que vem com um emaranhado de implicações estaduais e federais. Mas Jerry Brown [atual governador da Califórnia – EUA], que concorre tranquilo à reeleição no dia 4, não pode evitar seu papel protagonista em uma das piores secas registrada em seu Estado, nem tenta convencer a população de que a situação está sob controle. Se não tivesse 76 anos, Brown talvez pudesse ser recrutado por caciques democratas para a campanha presidencial de 2016. Vejamos: ele se elegeu em 2010, no ano em que Obama tomou uma surra dos republicanos nas eleições intermediárias. A Califórnia, cuja economia é do tamanho da do Canadá, tinha um déficit de US$ 25 bilhões, que ele, com apoio dos eleitores para aumentar impostos de quem ganhava mais de US$ 1 milhão por ano, entre outras medidas, transformou num superávit de US$ 3 bilhões. Brown está em sua segunda encarnação política. Na primeira grande seca que enfrentou, em 1977, pediu aos californianos para cortarem 25% de seu consumo de água, sem oferecer recompensa em dinheiro. Reduziu a pressão do próprio chuveiro e passou a fazer coletivas com um copo d’água, não uma garrafa, na mesa.

Uma seca é um teste interessante de liderança. É um desastre que se move aos poucos e, dependendo da colaboração de São Pedro, pode esconder ou expor a competência de governadores para administrar a escassez de recursos hídricos. “Governadores não podem fazer chover”, lembra Jerry Brown, enquanto estuda os próximos passos do governo. Mas governadores podem liderar.

O problema do aquecimento do planeta, lembra o cientista Noah Diffenbaugh, é que nenhum país pode viver numa bolha de virtude ambiental. As consequências são compartilhadas igualmente por quem toma medidas antipoluentes e quem deixa rolar. Mas ele vê no norte da Califórnia um laboratório de combate ao efeito estufa e cita áreas relevantes de transformação: “Temos tecnologia e pesquisa para inovar em questões como infraestrutura urbana, comportamento e design, técnicas de agricultura”.

O professor de Stanford não tem resposta para o que considera o desafio maior: a privação de energia que afeta 85% da população do planeta.

Se todos os habitantes da Terra atingissem o nível de consumo energético dos americanos, lembra, teríamos mais 15 Estados Unidos e o cenário assustador do aumento de 4°C. “Acesso à energia aumenta o acesso ao bem-estar”, lembra Diffenbaugh. “Não é justo pedir aos 85% que abram mão do bem-estar desfrutado pelos 15%.” Esse é, para ele, o maior desafio da ONU e da comunidade internacional.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 19 de outubro de 2014 – Pg. E2 – Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.