«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

COMPREENDENDO AS ÚLTIMAS ELEIÇÕES - FUNDAMENTAL!

O NORDESTE NÃO É DO PT

Entrevista com Marcus André Melo

Ana Clara Costa

O cientista político diz que o eleitor mais desfavorecido sempre tende a votar a favor do governo e que a educação é o fator essencial para aumentar a qualidade da política
Prof. Marcus André Melo - Univ. Fed. de Pernambuco

No primeiro turno das eleições, a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff se manteve na liderança em todos os estados nordestinos, à exceção de Pernambuco. No Piauí, Dilma levou 70% dos votos, o seu melhor desempenho estadual.

Segundo o cientista político pernambucano Marcus André Melo, contudo, não se pode definir a região como petista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com Ph.D na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Melo observa que, nas áreas economicamente desfavorecidas, não há uma fidelidade mecânica ao partido. O que existe é um comportamento de adesão a qualquer governo vigente, justamente devido à dependência que a população dos grotões do Brasil guarda em relação às políticas públicas.

Qualunquismo é a expressão usada por Melo para descrever esse fenômeno. Isso significa que o eleitor não está fechado a novas propostas que, nas palavras do acadêmico, “maximizem o seu bem-estar”.

Como explicar o comportamento do eleitor que, neste primeiro turno, levou Marina Silva a liderar as intenções de voto, e depois se voltou para Aécio Neves, permitindo que ele arrancasse e chegasse ao segundo turno?

Marcus André Melo: O que marcou esta eleição foi mesmo a desconstrução da imagem de Marina Silva pelo marketing agressivo do PT. Esse marketing atingiu em cheio a parcela volúvel do eleitorado. São os indecisos ou neutros, sujeitos a mudar de voto. Depois da morte de Eduardo Campos, esse eleitorado se voltou para Marina. Quando os ataques petistas, que miravam, sobretudo, a credibilidade da ex-senadora, se avolumaram, o grupo se dividiu e migrou para Aécio e para a própria Dilma.
Mas este é o fato curioso: o marketing do PT beneficiou, sobretudo, o candidato tucano, pois devolveu-lhe os eleitores que haviam aderido momentaneamente a Marina, por achar que estavam com ela as chances de vencer o PT.
Observemos que, descontados os volúveis, o eleitorado de Marina se manteve basicamente o mesmo de 2010. Esse eleitorado esposa uma combinação de valores que os cientistas políticos têm chamado de “pós-materialistas”. São jovens preocupados com o meio ambiente, com novos padrões de consumo e que estão em crise com a representação política. Causa perplexidade ao eleitor de Marina, por exemplo, o modelo de coalizão no Brasil, que permite que partidos de extrema direita e de extrema esquerda se aliem sem nenhum receio. É um eleitor que não vota olhando o próprio bolso. Ele está insatisfeito com os serviços públicos, o modelo político e sua representação. Ele personifica um mal-estar institucional muito evidente nos protestos do ano passado.

Que outros grupos se destacam no eleitorado brasileiro?

Melo: O grupo mais numeroso, não só no Brasil, é sempre o do “ignorante racional”. O termo foi criado pelo economista americano Anthony Downs, no clássico Uma Teoria Econômica da Democracia [edição brasileira: Edusp, 1999 – fora de catálogo]. Ele descreve o eleitor médio que, por meio do voto, tenta antes de mais nada maximizar seu bem-estar. Seu voto é coerente e racional.
Mas ele não entende os indicadores econômicos, não sabe como as políticas se relacionam umas com as outras e se desdobram a médio e longo prazos. Só sente que as coisas vão mal quando a crise atinge o emprego ou a renda.
Esse eleitor olha ao seu redor e decide se quer ou não mudança de status quo. Não tem nada de ideologia.
Ora, apesar de o mercado de trabalho não ser o mesmo de dois ou três anos atrás no Brasil, o desemprego ainda não aumentou. E, mesmo que a inflação esteja no teto da meta, não se pode dizer que ela tenha afetado de maneira contundente a renda. Isso explica, em parte, a expressiva votação de Dilma.

Qual é o horizonte de tempo no raciocínio político desse eleitor?

Melo: A educação, muito mais que a informação, é fundamental para torná-lo mais consciente e ampliar o horizonte temporal de seu cálculo político. Sem educação, ele não consegue entender a sustentabilidade das políticas públicas e dispõe de menos subsídios para avaliar um governo. A educação melhora o debate público, que tem se mostrado tão deficiente no Brasil.

Existe um momento específico em que o eleitor que o senhor descreveu como “ignorante racional” começa a pensar a longo prazo?

Melo: Há estudos que fazem essa análise, mas nenhum consegue definir um padrão específico. O que acontece é um movimento contínuo de busca por melhoria de vida e bem-estar. Quando se está inserido em um processo de mobilidade social, é esperado que as pessoas queiram sempre mais. As expectativas aumentam.
Quando determinado estrato da sociedade percebe que a capacidade de avançar estancou, ou não é suficiente para suprir suas ambições, há um movimento de insatisfação muito grande, como o que foi visto, de certa forma, nos protestos do ano passado. Isso ocorre quando um indivíduo se dá conta de que suas demandas vão além do que a velocidade da transformação da sociedade pode lhe proporcionar. Essa é a origem das grandes frustrações que, se não racionalizadas, explodem nas ruas, como aconteceu no ano passado nas maiores cidades brasileiras.

O voto do brasileiro é fundamentalmente pautado pela economia, então?

Melo: Em boa parte, sim. Em última instância, o eleitor sempre opta pela mudança ou manutenção de um governo olhando para a sua realidade e satisfação como cidadão. É uma percepção bem individualista tanto para o pobre quanto para o rico.
Quando um eleitor se decide pela mudança, a credibilidade do novo candidato escolhido é o aspecto mais relevante. Isso explica por que a estratégia do PT foi desconstruir a credibilidade de Marina Silva, usando informações completamente irrelevantes para associá-la à imagem de mentirosa. Isso prejudicou a confiança na candidata e fez com que os eleitores neutros ou indecisos desistissem de votar nela.

Tanto Marina Silva quanto Aécio Neves usaram os episódios de corrupção na Petrobras para atacar Dilma. Até que ponto isso funcionou?

Melo: As denúncias afetaram mais o rótulo partidário, o PT, do que a própria Dilma Rousseff. Além disso, é preciso lembrar que nem Aécio nem Marina foram assim tão incisivos nos questionamentos a Dilma sobre a corrupção em seu governo. De forma alguma eles chegaram perto em intensidade e frequência dos ataques do PT no processo de desconstrução de Marina.

Por que razão, na opinião do senhor, Aécio e Marina falharam em jogar a corrupção do PT no colo de Dilma?

Melo: Primeiro, porque os candidatos de oposição tiveram muito pouco tempo de TV em comparação com o tempo dado à candidatura oficial. A informação que ficou gravada é que o PT está associado à corrupção, mas não Dilma.
A redução das bancadas petistas no Senado e na Câmara pode ter sido resultado dessa associação do partido com a corrupção. Com tantos escândalos tendo o PT como centro, algo estaria muito errado com a nossa democracia se não tivesse havido uma repercussão disso nas urnas. Mas houve.

O bolso pesa mais na hora do voto do que a corrupção em que circunstâncias?

Melo: As pesquisas sobre corrupção mostram um cenário clássico de dependência do ambiente econômico. Um escândalo tem maior potencial de afetar o voto quando a situação econômica de um país não está boa. Se tudo estiver relativamente bem, a população estará menos propensa a se indignar e exigir a punição dos corruptos.

O mapa eleitoral brasileiro sugere um país dividido em regiões tucanas e regiões petistas. Os partidos são donos de certas áreas do país?

Melo: Quando se opõe o voto concentrado do PT no Nordeste e no Norte ao voto do PSDB no Sudeste, muitos analistas políticos se esquecem de algo fundamental, que eu chamo de qualunquismo. Essa expressão vem da palavra italiana qualunque, que significa “qualquer um”, e está associada a certo cinismo muito comum no sul da Itália no século passado, que consiste no voto ao governante que está no poder, seja ele quem for.
Não se pode dizer que há um fenômeno de adesão ao petismo nos grotões do Brasil. Não houve uma “marcha ao Nordeste” que fez com que, de repente, essas pessoas tivessem adquirido consciência de classe.
O que se observa é que, nas áreas desfavorecidas e mais dependentes de políticas de inclusão, se vota em quem está no governo.

Qualquer governo?

Melo: Desde que o PT chegou ao poder, essas áreas dependem muito de transferência de renda. Por isso, seus prefeitos e deputados têm muitos incentivos para apoiar o mandatário da vez. E é isso que o eleitor vê. Sua fidelidade não é com o partido.
Não à toa, esse mesmo eleitor elegeu Fernando Henrique Cardoso [FHC] em 1994 e o reelegeu em 1998. Na reeleição, o único estado do Norte e Nordeste em que FHC perdeu foi o Ceará, que votou em Ciro Gomes. FHC ganhou porque estabilizou a economia e eliminou a inflação, o que tornou a vida do pobre muito melhor. Por isso, ele foi premiado nas urnas. É preciso entender melhor esse eleitor desfavorecido: ele vai se aliar a quem o beneficiar. Isso acontece no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo.

O que explica a clara preferência da maioria dos eleitores de São Paulo ao PSDB?

Melo: Meu próximo livro, que deve ser lançado no ano que vem pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, analisa justamente os dois valores primordiais na política atual: a inclusão e a estabilidade econômica.
No Piauí, a preocupação é a inclusão. No Sudeste, há mais empresas, o setor privado é mais forte. É um cenário em que as questões macroeconômicas ganham mais peso, e o PSDB tem reputação mais sólida nesse aspecto.
Não estou dizendo que todo eleitor do PSDB seja um exímio conhecedor de contas públicas. Mas a agenda de preocupações já é outra.
Tenho muitas ressalvas ao pensamento que associa comportamento eleitoral a classe socioeconômica de forma mecânica. Isso simplifica o debate. Mas aqui é útil pensar na classe C, não só paulista, mas como um todo. Essa classe se beneficiou da expansão do crédito e do crescimento econômico de 2002 a 2009. Para ela, a questão fundamental são os serviços.

A classe C está satisfeita, então?

Melo: A classe C saiu do SUS e teve acesso a planos de saúde privados, mas, como a regulamentação desses planos é deficiente, está muito insatisfeita.
Com a educação, acontece o mesmo. A classe C comprou carro, mas agora fica parada no trânsito. Agora, ela começa a captar os indícios de que a economia vai mal.
Não é preciso saber o que é superávit primário para sentir os sinais de enfraquecimento da economia. Quem trabalha em construtoras, por exemplo, percebe que a quantidade de empreendimentos entregues em 2014 é menor que em outros anos. Em todas as empresas, os funcionários estão vendo que projetos são abortados ou adiados.

Como os eleitores que vivem agora um embate entre o cansaço com a atual gestão e o medo de perder suas conquistas podem resolver essa contradição?

Melo: A classe C não é o alvo primordial das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, mas se beneficiou de cotas na universidade, crédito e outras políticas de inclusão. Ela tem mais informação que aquele eleitor dos grotões do Brasil e sabe que a inflação está alta e que as coisas não estão bem. Isso a faz oscilar entre o governo e a oposição. O PSDB lucra com isso, porque tem credibilidade quando se trata de estabilidade econômica.

Existe uma escolha certa para esse eleitor?

Melo: É complicado. Mas poderia ser mais simples se os partidos tivessem um papel diferente na sociedade.
Em muitos países europeus, os partidos políticos fazem a intermediação entre os formadores de opinião e a população. Há uma identificação partidária forte na Inglaterra, na França e na Alemanha. Os partidos funcionam como atalhos cognitivos para o “ignorante racional”. Eles ajudam a educar.
No Brasil, essa identificação é mínima. Há, inclusive, cada vez mais aversão a partidos. Não há debate de políticas, mas acusações e uso deslavado de mentiras, como as usadas pelo PT nos ataques a Marina.

Fonte: Revista VEJA – Páginas amarelas – Edição 2395 – Ano 47 – nº 42 – 15 de outubro de 2014 – Páginas 15 a 17 – Edição impressa.

Retrato de um momento

Entrevista com Wagner de Melo Romão
Professor do Departamento de Ciência Política da UNICAMP

Juliana Diógenes

Reflexo das Jornadas de Junho, o Congresso mais conservador desde 1964 define o que somos hoje – mas somente hoje –, avalia sociólogo
Prof. Wagner de Melo Romão - UNICAMP
 
Há quase um ano e meio, o gigante acordou. Parece ter despertado de um sono inerte com berros de “vem para a rua” ecoando ao fundo. Hoje, o mesmo gigante que protestou com cartazes de “desculpe o transtorno, estamos mudando o País” em junho de 2013 está disposto a arrefecer.

Deu mostras disso nas eleições para o Congresso Nacional no último domingo, 5 de outubro, quando elegeu uma bancada de viés tão conservador quanto a dos idos de 1964, na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Para o sociólogo Wagner Romão, professor do departamento de Ciência Política da Unicamp, o Brasil não ocupou as ruas motivado apenas por pautas de centro-esquerda e esquerda, como de costume em sua história política. A população alinhada com a ideologia de centro e de direita, diz Romão, também saiu do Facebook e se uniu à massa.

O eco das ruas fortaleceu a pluralidade de opiniões. Sinal de que a democracia está em pleno funcionamento, defende. Ao mesmo tempo favoreceu o acirramento, e devemos ter um Parlamento com menos jogo de cintura para pautas mais progressistas. O Congresso, enfim, está mais parecido com o atual momento da democracia brasileira. Define o que somos e o que queremos hoje - e apenas hoje. Amanhã, não se sabe.

Com o resultado das urnas no Congresso, começamos a entender o significado das Jornadas de Junho?

Wagner de Melo Romão: Junho acabou sendo símbolo do momento que vivemos na nossa democracia. Foi diverso, foi plural. As ruas sempre foram ocupadas pela centro-esquerda ou pela esquerda. Isso aconteceu no início das manifestações. Depois, em meio à festa, as ruas foram tomadas por pessoas de centro e de direita. Então não dá pra pensar no significado dos protestos de maneira unívoca. Aquele foi um momento de acirramento de posicionamentos na sociedade brasileira. As eleições, sobretudo para o Congresso, expressaram esse acirramento. Havia o sentimento de que alguma coisa não estava indo bem e era preciso mudar, tanto em relação aos serviços públicos (saúde, educação e transporte) como em relação aos políticos ou ao sistema político como um todo, aí incluída a corrupção. O problema é: mudar em que direção? Numa direção progressista ou numa direção conservadora? Então, de novo: o significado de Junho é plural. Mas tem limites quando a gente pensa numa eleição de 140 milhões de brasileiros. Se uma massa de pessoas foi às ruas, uma massa muito maior não foi. Mas foi votar. É preciso fazer essa diferenciação para não considerar o epifenômeno das manifestações como algo estrutural na sociedade brasileira.

Mas os protestos impactaram as eleições do Legislativo no último domingo?

Wagner Romão: Não existe a opinião da sociedade brasileira. Existem segmentos que têm opiniões muito fortes. Embora a gente possa pensar em argumentos para dizer o contrário, há uma certa vitalidade da nossa democracia. Nestas eleições, alguns temas que não apareciam nos debates, como a homofobia, os direitos das minorias, a questão do racismo, surgiram com mais força. A própria estratégia dos candidatos à Presidência com menos voto, os chamados nanicos, foi de tentar se posicionar nessas posturas mais polêmicas. É a estratégia de muitos candidatos a deputado estadual e federal. Ser a favor de posições mais conservadoras no que se refere à moral pode trazer voto. Assim como posições marcadamente progressistas também podem trazer voto. A maioria desses candidatos que tiveram uma expressiva votação já é deputado federal e tem histórico de construção de uma imagem polêmica. Esse é o caso do Jair Bolsonaro, do Jean Wyllys, do Marco Feliciano.
A partir destas eleições, o Congresso adquire o perfil mais conservador desde 1964, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. O senhor concorda com esse diagnóstico?

Wagner Romão: Aparentemente, sim, é um Congresso mais conservador. Podemos esperar para os próximos quatro anos um Legislativo mais refratário a mudanças na ampliação de direitos humanos, na questão da homofobia ou do aborto. Ele vai rechaçar mudanças que tenham impacto “na moral e nos bons costumes”. Haverá também uma bancada mais a favor de modificações quanto à maioridade penal. Foi um pouco o que já ocorreu no período anterior, de 2011 a 2014. As pautas mais progressistas do governo Dilma foram sistematicamente barradas no Congresso Nacional. Quer dizer, já havia dificuldades, que devem se acentuar. Ao mesmo tempo, houve um crescimento de partidos com pouca consistência programática. São eles que vão aceitar fazer parte do governo, seja qual for.

Um ano e quatro meses depois, é possível dizer que os movimentos sociais falharam na tentativa de dialogar com a massa?

Wagner Romão: No caso do Movimento Passe Livre, havia uma necessidade de dialogar com a massa, sim, porque eles já vinham de uma trajetória de derrotas recentes nas suas mobilizações em São Paulo. Acabaram conseguindo ampliar seu leque e escopo de penetração, seja na mídia, seja no conjunto da população, exatamente quando sofreram violência policial naquela noite de 13 de junho. Aí foi aberta a possibilidade de diálogo com a massa. Mas, quando a massa chega às manifestações, os movimentos organizados que iniciaram os protestos tendem a se afastar das ruas. Isso ocorreu em São Paulo e Goiânia. Aqueles movimentos que lideravam as manifestações já não lideram. E também não querem que os eventuais danos e resultados desses grandes movimentos de massa sejam lançados em sua conta. É uma relação meio dialética essa.

Que linhas partidárias conseguiram incorporar com mais habilidade as demandas das ruas?

Wagner Romão: O PSOL cresceu de 3 para 5. É um crescimento muito pequeno. Os partidos mais conservadores acabaram galvanizando um pouco mais o sentimento de mudança das ruas, tanto eles como partidos que eram pequenos ou medianos na configuração do Congresso anterior e hoje assumiram status mais elevado. Tem também uma questão relativa ao funcionamento das eleições proporcionais. Veja o caso do Celso Russomano. O PRB atualmente tem dez deputados. [1] Terá 21. Dobrou de tamanho, e Celso Russomano levou com ele oito deputados aqui em São Paulo. Ele teve 1,5 milhão de votos e os outros candidatos do PRB conseguiram votações muito pequenas. Esses partidos de centro e centro-direita tendem a ser aqueles que usam mais essa prática de lançamento de candidatos polêmicos que certamente terão um grande número de votos, como é o caso do Russomano.
 
Marcelo Freixo - Prof. de História e Deputado Estadual (PSOL-RJ)
No Rio, o candidato tido como símbolo da intolerância (Jair Bolsonaro) foi o deputado federal mais bem votado. Já o deputado estadual com maior número de votos foi o candidato símbolo da defesa dos direitos humanos (Marcelo Freixo). Não é uma contradição?

Wagner Romão: Não. O Freixo foi um candidato muito bem votado a prefeito do Rio. Esse fato já o cacifaria para ter uma votação expressiva como deputado. Além disso, também galvaniza uma corrente importante, que é a de defesa dos direitos humanos, e um posicionamento bem à esquerda, inclusive crítico ao governo Sérgio Cabral. Já o Jair Bolsonaro consegue galvanizar um segmento da sociedade fluminense que entende que a ditadura militar teve seus aspectos positivos, que a vida era melhor naquele período. Esse grupo tem posições mais claras de repressão policial e posições bastante conservadoras na questão de ampliação de direitos humanos. As eleições proporcionais têm exatamente esse objetivo de expressar as diversas correntes da sociedade. Dessa forma, não é uma contradição. É inclusive algo que precisamos ressaltar do nosso atual sistema. É bom que uma democracia possa acolher essas opiniões, sejam elas conservadoras, progressistas ou radicais.

A soma de votos brancos, nulos e abstenções é a maior desde 1998. É sinal de que a democracia representativa não esteja conseguindo assimilar a insatisfação do povo brasileiro?

Wagner Romão: Houve um aumento no número de abstenções, mas foi pequeno. Também não houve uma hecatombe de votos nulos. Por outro lado, se há uma onda conservadora causada pelo acirramento de posições no último período, as instituições de representação - as eleições - conseguiram dar vazão a isso. Ter representantes com muita votação dessas posições polarizadas mostra que a democracia representativa, se não está conseguindo assimilar a insatisfação, consegue pelo menos dar vazão à forte polarização de opiniões da sociedade brasileira nestes últimos anos. As instituições permanecem em funcionamento, e a população de maneira geral não fugiu ao chamado das instituições políticas para as eleições. Mas, pensando em democracia representativa, acho que há uma debilidade. Embora existam conselhos, conferências e outras experiências de participação mais direta, isso sobretudo em nível local, ainda há pouca penetração junto à população em geral.

Em que medida a internet contribui para acirrar as posições da sociedade?

Wagner Romão: Pensando na política, ela permite que pessoas com identidade política ou interesses políticos mais ou menos próximos possam dialogar e se organizar para concretizar esses interesses. É um elemento positivo e emancipador. Por outro lado, essa comunicação mais fluida e o anonimato geram uma situação em que as pessoas se expressam como são, sem os freios que a vida em sociedade impõe. Pessoas que afirmam certas coisas na internet não o afirmariam numa praça pública ou no seu local de trabalho. É incrível, mas muitas pessoas ainda não compreenderam que não existe um mundo virtual separado do mundo real. Um resultado não previsto da internet é que ela possa contribuir para o acirramento de situações de intolerância ou a expressão de posicionamentos preconceituosos na sociedade que não são permitidas em espaços públicos. Não tínhamos candidatos a presidente da República que se posicionassem como o Levy Fidelix se posicionou nos últimos debates. E mesmo outros candidatos, como o Pastor Everaldo. Por mais paradoxal que possa parecer, há maior tolerância com a intolerância. Há maior tolerância com preconceito.

No rescaldo das manifestações, em dezembro de 2013, o senhor afirmou que o Brasil seguia a tendência de países como Alemanha e França, que nas décadas de 70 e 80 viram a insatisfação das ruas se transformarem no surgimento dos partidos verdes e dos ultraconservadores. Com o resultado das eleições no Congresso, confirmou-se a teoria?

Wagner Romão: Quando há movimentos que se contrapõem ao sistema político de maneira geral, você pode ter na esteira deles o crescimento de grupos ou partidos políticos que se colocam como antissistema. Foi o que se viu em parte na campanha da nova política da Marina. Por outro lado, o fato de as pessoas irem para a ruas em junho foi algo absolutamente inédito e se esperava uma outra via. Parece que os protestos de junho reforçaram a ideia de que não há espaço para o não posicionamento. Tivemos partidos ultraconservadores da Europa que se fortaleceram nesses períodos e partidos que buscaram alternativas ao próprio sistema, como os verdes na Alemanha. Isso demonstra que, nessas situações, não ha mais espaço para não se posicionar. O que sai daí é uma situação de polarização, de acirramento. O Brasil não tem um partido forte de ultradireita ou de ultraconservadores, mas está muito próximo disso. Estamos chegando cada vez mais perto.
 

N O T A
[1] - Partido Republicano Brasileiro (PRB) é um partido político brasileiro. Em organização desde 2003, o registro definitivo foi emitido em 25 de agosto de 2005. É presidido por Marcos Antônio Pereira desde dia 9 de maio de 2011. Seu código eleitoral é 10. Pequeno partido fundado por partidários do falecido vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva, então presidente honorário do Partido Liberal, o PRB é considerado por alguns o paravento político da Igreja Universal do Reino de Deus devido ao grande número de dirigentes ligados à instituição (Fonte: Wikipédia, clique aqui).


Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 12 de outubro de 2014 – Páginas E2 e E3 – Internet: clique aqui.

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