«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 21 de abril de 2020

A religião diante da pandemia

O momento atual na visão de líderes religiosos

Giovanna Wolf e Maria Fernanda Rodrigues

Uma das mensagens comuns é a necessidade de cuidar e si e dos outros; entrevistados também ressaltam a oportunidade para promover mudanças

Como os líderes religiosos estão avaliando esse momento de pandemia? Ouvimos sete deles, que falam que essa época ensina a valorizar o que há de mais imprescindível: o amor e a solidariedade. Também ressaltam que este período é uma oportunidade de refletir e promover mudanças. Confira, abaixo, o que eles disseram:
Dom Odilo Pedro Scherer

DOM ODILO PEDRO SCHERER
CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

«A pandemia nos dá a ocasião de revermos prioridades»

“As reflexões feitas em nome da Igreja Católica são numerosas e aquelas do Papa Francisco são as mais expressivas e representativas. Ele fala pela Igreja Católica como um todo.

Pessoalmente, vivo como a maioria das pessoas a apreensão diante dos riscos de contágio com o vírus e me preocupo com a saúde de todo o povo. Faço votos e rezo para que os pesquisadores e cientistas encontrem o quanto antes uma vacina para a prevenção contra o vírus e uma medicação eficaz para combater os efeitos dessa virose. Enquanto isso não acontece, uno minha voz à das autoridades sanitárias que recomendam medidas e comportamentos que ajudem a evitar o contágio.

Em relação às ações da própria Igreja, nós suspendemos temporariamente as celebrações da liturgia católica e outros encontros e reuniões das nossas comunidades e paróquias, para evitar aglomerações e o risco do contágio. Mantemos uma rede de organizações de ajuda solidária às pessoas doentes ou necessitadas de alimento e outras ajudas, como aos pobres, de maneira geral.

Nossa preocupação também é alimentar a fé religiosa das pessoas, pois ela tem grande importância nessas horas difíceis. Quando experimentamos e reconhecemos nosso limite, nós damos espaço para que Deus possa agir em nós e através de nós. A fé religiosa não é mera resignação diante dos fatos e situações, mas uma luz que dá um sentido mais profundo às realidades que vivemos.

A pandemia do coronavírus nos traz muitos questionamentos. Antes de tudo, devemos reconhecer que, apesar de todos os recursos de segurança pessoal e coletiva que possamos ter (dinheiro, poder, boa organização econômica e social), continuamos frágeis e expostos a riscos imprevisíveis e, aparentemente, insignificantes, como no caso de um vírus. Isso nos deve levar a ser humildes e a renunciar a qualquer delírio de onipotência ou superioridade.

Penso que a pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida e nossas atitudes diante desses valores e prioridades:
* A vida e a saúde,
* a família,
* cada pessoa e a companhia das pessoas,
* a sensibilidade diante do sofrimento alheio e a solidariedade,
* o afeto,
* o amor gratuito e a ternura,
* a natureza, nossa “casa comum”,
* a arte e a cultura, como construção de nosso convívio…
Todos esses valores ajudam a expressar o melhor que trazemos dentro de nós: nossa humanidade.

Por outro lado, a pandemia nos obriga a rever os modos de vida muito acelerados que levamos, arrastados por uma economia que visa ao acúmulo mais que à satisfação das necessidades básicas. A pandemia oferece uma boa ocasião para refletirmos juntos sobre questões cruciais que movem imensas somas de dinheiro e, ao mesmo tempo, causam imensos sofrimentos pelo mundo:
* as guerras,
* as ideologias que semeiam o ódio e a divisão,
* o consumo desenfreado e
* o acúmulo de riquezas, que colocam em risco até mesmo a sustentabilidade da vida no nosso planeta.
Existe algo de muito errado em tudo isso!

Em vez de investir em armamentos, bens supérfluos e consumo de vaidades, por que não investir mais em saúde, educação, moradia, saneamento básico e bem-estar essencial para todos? Por que não sentar em torno de uma mesa e tomar decisões eficazes para erradicar doenças endêmicas, miséria e fome, que ainda existem e matam milhões de pessoas no mundo a cada ano? Por que duvidar em fazer isso, quando existem os recursos para fazê-lo?

Como vamos sair dessa pandemia?
Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas lições aprendidas. E que essas lições não sejam logo esquecidas. Sinceramente, espero sairmos mais solidários e atenciosos uns com os outros; mais humildes e gratos por tantos bens da natureza e da cultura, que temos à nossa disposição. E que também saiamos com a fé religiosa reencontrada, ou renovada.”
Rab. Michel Schlesinger

MICHEL SCHLESINGER
RABINO DA CONGREGAÇÃO ISRAELITA PAULISTA E REPRESENTANTE DA CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

«Único caminho para superar essa crise é darmos as mãos uns aos outros»

“Vivemos um momento de inflexão, muito especial, repleto de desafios e com oportunidades proporcionais a esses desafios. Minha esperança como religioso é que possamos identificar as oportunidades que existem em meio a esses desafios e nos fortalecermos como indivíduo e como sociedade. Se existe uma coisa que o coronavírus ensinou de forma inequívoca é que estamos todos no mesmo barco. O coronavírus não escolheu nacionalidade, idioma, religião, cor de pele, preferência sexual. O coronavírus ameaça a todos da mesma forma. Isso significa que a solução também deverá ser coletiva e a partir da cooperação entre todos. Não existe outro caminho para superar essa crise que não seja darmos as mãos uns aos outros e fazermos juntos essa travessia.

Falo de travessia porque estamos justamente na festa da nossa travessia do Mar Vermelho, o Pessach, quando os judeus lembram o momento de terem saído do Egito e da escravidão, atravessado o Mar Vermelho e conquistado a liberdade. Penso que essa liberdade ainda não é absoluta. A liberdade absoluta só vai acontecer quando ela for para todo mundo, universal, para todos os homens e mulheres.

Os que se sentem mais livres estão equivocados. Eles precisam olhar para trás e ver que a travessia ainda não foi realizada por todos e estender a mão para que todos possam fazer essa travessia. E o coronavírus acentua esse sentimento de que estamos todos no mesmo barco, de que somos afetados da mesma forma e que, portanto, temos de buscar coletivamente uma solução.

Se apenas esse aprendizado for conquistado, já vejo uma enorme evolução. Quando olho por uma perspectiva histórica mais recente, depois da Segunda Guerra Mundial, quando seis milhões de judeus e tantos outros milhões de não judeus foram assassinados, o mundo parecia ter aprendido alguma lição. Foi criada a Organização das Nações Unidas, foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Havia um sentimento de que nossos destinos estão interligados e que nós temos de cooperar e trabalhar em conjunto. Nos últimos anos, eu identifico um retrocesso nesse processo. Voltou a existir no mundo um discurso ultranacionalista e xenófobo, e o coronavírus é a oportunidade de interrompermos esse processo e voltarmos a entender o quanto somos parte da mesma raça, que é a raça humana, antes de qualquer coisa – antes de religião, de nacionalidade –, e como humanos temos de defender uns aos outros, respeitar uns aos outros, e temos de ver na nossa diversidade a oportunidade de aprendizado e crescimento.”
Pr. Marcos Botelho

PASTOR MARCOS BOTELHO
IGREJA PRESBITERIANA COMUNIDADE DA VILA

«Aproveite o momento para olhar para onde estamos caminhando»

“A pandemia é um tempo para a humanidade dar dois passos para trás e repensar atitudes em relação ao consumismo desenfreado, à religião e à família. É uma oportunidade para olharmos para a sociedade doentia em que vivemos e para onde estamos caminhando. Também para os pais e as mães darem mais atenção aos filhos e para os cônjuges estarem mais juntos.

Do ponto de vista bíblico, Deus não perde o controle de nada. Mas isso não quer dizer que Ele mandou fazer a pandemia. É uma consequência do que a gente está fazendo na natureza nos últimos anos. As coisas erradas vão ter consequências, o que a gente planta, a gente colhe. Porém, Deus ensinou os filhos a serem corajosos e a enfrentarem as situações.

É uma chance para agirmos de forma diferente, mas isso não significa que realmente as pessoas vão mudar. Muitas vezes, os seres humanos não aprendem: estamos vendo por aí lutas por máscaras e respiradores, que evidenciam o egoísmo. Mas há sempre a opção também de agir pensando no próximo, com amor e solidariedade.

É um momento em que Deus nos colocou para pensar obrigatoriamente. É hora de mudar. O que você quer da sua vida? É um xeque-mate.

Não se isole. Fique em casa, mas não isole a alma. Aproveite o momento para olhar para sua casa, para a família, para a sociedade e para onde estamos encaminhando.”
Ali Zoghbi

ALI ZOGHBI
VICE-PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES MUÇULMANAS DO BRASIL

«Essa doença uniformizou a diferença de classe: 
todos estamos sofrendo»

“Neste momento devemos agir para preservar a vida, porque ela é essencial e prioritária. O Islã é uma religião que acredita e aceita a ciência, e sempre a teve como um suporte e um sinal da misericórdia divina.

A visão do Islã é de que Deus é onisciente: nenhuma folha cai de uma árvore sem a ciência do Criador. Acreditamos no livre-arbítrio, e também que a sociedade cria suas próprias armadilhas no decorrer da história. Como muçulmano, entendo que nós somos responsáveis por esse tipo de epidemia que está nos assolando, por conta da maneira como estamos lidando com o alimento, com o meio ambiente, com uma série de fatores da nossa trajetória.

Entendemos essa pandemia com súplicas de que esse momento, tão difícil e delicado, que tem provocado mortes de seres humanos, possa ser um prenúncio de uma sociedade mais adequada, mais harmoniosa e mais justa no futuro. A pandemia vem no sentido de demonstrar que os caminhos que estão sendo adotados estão provocando sofrimento e morte e, portanto, precisam ser revistos.

Em tudo na história, quando estamos no meio do processo, não conseguimos fazer uma avaliação precisa, nem do que está acontecendo nem do que está por vir. O tempo vai mostrar para nós com mais clareza quais serão os resultados. Imagino que nada será como antes. Teremos reflexões muito profundas em diversos setores, desde o sistema econômico até o de relacionamento humano. Essa doença praticamente uniformizou a diferença de classe: todos somos seres humanos que estão sofrendo com a situação.

A pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade. Existe uma arrogância do ser humano em entender que talvez ele poderia suplantar as coisas da natureza e suplantar um pequeno vírus como esse. Mas essa doença deixou os seres humanos de joelhos.”
Monge Sato

MONGE SATO
REGENTE DO TEMPLO SHIN-BUDISTA DE BRASÍLIA

«Não devemos voltar à realidade da mesma forma que saímos»

A crise é um perigo, mas também uma oportunidade. Se mal tratada, pode nos levar ao buraco. Porém, pode ser um ensejo para sermos melhores. É um momento de aprendizagem, de pensar em quem somos nós como humanidade:
* Somos a humanidade que cria desigualdades e que trata a natureza como inimiga?
* Será que é esse tipo de vida que queremos?

Não devemos voltar à realidade normal, depois da pandemia, da mesma forma que saímos. É o momento de pensar o que é uma vida humanitária normal. É competição ou solidariedade? Se nós podemos ser solidários nesta crise, por que não podemos ser solidários em tempos normais?

Essa crise é muito especial. Normalmente, em outras crises, as pessoas que tinham posses se sentiam defendidas. Nesta pandemia ninguém está imune. É hora de rever o privilégio. A terra pertence a todos, mas no sistema que estamos vivendo algumas camadas têm privilégios. Será que todo esse avanço científico e tecnológico está beneficiando todos ou apenas os poderosos?

Será preciso muita serenidade e calma. As pessoas estão ficando irritadas e ansiosas, mas é um momento importante de reflexão, para refletirmos quem nós somos. Essa irritação é porque nós não estamos acostumados a entrar fundo em nós próprios.

É um tempo de autoconhecimento, de prestar atenção não só em si, mas nas relações com as pessoas. Queremos sempre mais, e talvez possa ser um aviso de que o planeta tem seus limites. O grande avanço científico e tecnológico nos promete abundância material, mas não o amor, a solidariedade e a equidade.

De repente percebemos a importância do ar. As pessoas ficam sem ar com essa doença, elas morrem porque falta ar. Colocamo-nos todos iguais perante ao ar, que é um bem-comum e universal. E a espiritualidade é tão valiosa quanto o ar.”

Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial: Na Quarentena – Segunda-feira, 20 de abril de 2020 – Páginas H4-H5 – Internet: clique aqui.

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