«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Porque a peste está dentro de nós

Corrado Augias
Jornalista, escritor italiano e ex-deputado do Parlamento Europeu
Jornal «La Repubblica» - Roma - Itália
30-03-2020

Não é de hoje que a humanidade enfrenta suas
pestes e calamidades, bem como, as crendices populares
que elas envolvem!
Complexo de Édipo - Édipo Rei - Locomotiva 26
Mito de Édipo - cidade de Tebas

Do mito de Édipo, que investiga a misteriosa doença que oprime Tebas, àquela trazida para os Estados Unidos por Freud. Eis o que a representação simbólica da epidemia nos ensina.

Corrado Augias está trabalhando em um ensaio a ser publicado em breve pela Einaudi, intitulado Breviario per um confuso presente (Breviário para um presente confuso, em trad. livre). Um dos temas é a representação simbólica das pestes. Segue abaixo um trecho.

Que lugar terá o coronavírus do ano 2020 na longa história das pestilências? As consequências de uma peste são vastas, afetam todos os aspectos da vida e assim foram representadas. No entanto, deixemos de lado os textos mais antigos, as lendas orientais, o Apocalipse, a história de Homero na Ilíada, e vamos considerar o Édipo. O infeliz rei percorre a cidade de Tebas atingida por uma peste da qual ninguém sabe explicar as causas. Ele terá que resolver a ansiedade que oprime a cidade, ele que já resolveu o enigma da Esfinge. De quem é a culpa de um flagelo que está matando tantos inocentes? O adivinho revela que a peste veio porque está presente em Tebas o assassino do rei anterior, Laio. Com base nisso, Édipo inicia sua investigação, no final da qual descobre horrorizado que ele é o culpado, porque foi ele quem matou, sem saber, o rei Laio, seu pai, e deitou-se com Jocasta, ignorando que aquela mulher era sua mãe.

No emaranhado de tabus violados encerrados nesse mito, desempenha um papel proeminente a misteriosa doença exterminadora. A peste ataca de repente. Não estava lá e de repente aparece; poupa ou mata por motivos obscuros, é possível se curar ou morrer de acordo com critérios que a razão humana não compreende, portanto ditados pelo capricho, pela ira de um deus.

No entanto, mesmo da época clássica, alguém havia tentado uma explicação racional: o filósofo Tito Lucrécio Caro. Na parte final do sexto livro do poema Sobre a natureza das coisas (De rerum natura), ele descreve a peste de Atenas atribuindo-a a causas naturais. Miasmas que circulam na atmosfera ou que se elevam da terra apodrecidos pelo excesso de água ou sol. Os conhecimentos científicos são aproximados, mas a intenção racional, no seu examinar a atmosfera e o solo, faz com que Lucrécio realize um salto mental de séculos, projetando-se para o Iluminismo.

A terrível peste do século XIV, mencionada por Boccaccio, manifestava-se com linfonodos inflamados e inchados nas áreas inguinal e axilar: "e a partir disso a qualidade da enfermidade acima mencionada começou a permutar-se em manchas negras ou lívidas [...] indício certeiro de uma futura morte". Boccaccio, no entanto, também ressalta as consequências sociais da peste: "Foi com tanto pavor que essa tribulação entrou no ânimo dos homens e das mulheres, que um irmão abandonava o outro, o tio abandonava o sobrinho e a irmã o irmão e, muitas vezes, a mulher seu marido e que, pior ainda e quase inacreditável, pais e mães abandonavam filhos como se deles não fossem".

Um destino que de repente se tornou frágil e incerto espalha um pânico capaz de apagar qualquer outro sentimento. Com um salto de cinco séculos, descobrimos que a peste do século XVII narrada por Manzoni em seu romance (Os Noivos, ndt) causa uma dissolução semelhante dos laços. Um episódio muito significativo aparece no capítulo XXXIV. Renzo, recém chegado à cidade, quer pedir ajuda a um transeunte para encontrar um endereço; o homem, no entanto, ao vê-lo se aproximar, reage da seguinte maneira: "Quando Renzo não estava mais tão longe, tirou o chapéu de forma respeitosa; e, segurando-o com a mão esquerda, colocou a outra mão cobrindo o chapéu e foi se aproximando do estranho. Mas o homem, arregalando os olhos, deu um passo para trás, levantou uma pesada bengala e apontando a ponta que era de ferro, segurou Renzo gritando: - sai! sai! sai!".

A conclusão do episódio é ainda mais esclarecedora; o suspeitoso burguês, retornando para sua casa, descreve o encontro da seguinte forma: "Quando chegou em casa, contou que o abordara um contaminado, com um ar humilde e manso, com uma cara de infame impostor, com o pote de unguento, ou o saquinho de pó (não estava bem certo qual dos dois) em sua mão, dentro do chapéu, para contaminá-lo, caso ele não tivesse atentado a mantê-lo afastado. Se desse um passo de mais – acrescentou - eu mesmo o atravessaria antes que tivesse tempo de me atingir, aquele patife".

A seu modo, os “untores/contaminadores” são o resultado da razão. Sem saber nada de microbiologia, era preciso pensar alguma causa lógica, mecânica e humana para a disseminação da pestilência. Manzoni, católico, atribui à providência divina um papel decisivo em seu romance. Mas o restante não é escondido: a credulidade histérica das massas, a persistência de práticas supersticiosas, a obstinada obtusidade popular no erro.

Na Milão atingida pela peste, o povo pede ao cardeal Borromeo uma procissão para implorar a graça celestial. O santo homem percebe os riscos, a princípio se opõe, mas é forçado a ceder. Em 11 de junho de 1630, uma grande procissão - autoridades, músicos, povo, as relíquias de São Carlos - atravessou a cidade. No dia seguinte, registrou-se um aumento acentuado no número de infecções e mortes. As consequências trágicas, no entanto, são atribuídas não aos contatos que a aglomeração favoreceu, mas à ação dos “untores/contaminadores”. Tão forte era a necessidade de se agarrar a uma hipótese que parecesse compreensível.

O escritor norte-americano Jack London, em seu curto romance visionário A Peste Escarlate, imagina que em 2013 uma epidemia que exterminou a humanidade quase inteiramente. Os poucos sobreviventes são reduzidos à condição selvagem dos primeiros homens. A educação para a civilização deve a duras penas ser recomeçada do zero.

O escritor português José Saramago (Prêmio Nobel 1998) em seu romance-ensaio A cegueira imaginou que uma epidemia misteriosa deixaria todos cegos. O dom da visão é subitamente substituído por um leitoso branco ofuscante. Os infelizes afetados pelo mal são fechados em uma espécie de asilo-leprosário, onde suas condições regridem para um estágio animalesco de violência selvagem. O escritor adverte: o comportamento racional, a civilização da convivência, é uma frágil camada superficial sob a qual se aninham os instintos selvagens primitivos do macaco humano.
Camus, a peste e nós hoje
ALBERT CAMUS (1913-1960)

Em 1947, o escritor francês Albert Camus publicou o romance A Peste. A cidade de Oran (Argélia) está infestada por uma epidemia causada por ratos. Um mal real que alude, no entanto, também à guerra e ao fascismo. Quando a epidemia finalmente é vencida, a cidade comemora. Entre outros, está presente o doutor Rieux, um médico valente que se engajou contra o mal. O bravo médico pensa que: "Aquela alegria sempre estava ameaçada: ele sabia aquilo que a multidão ignorava e que pode ser lido nos livros, ou seja, que o bacilo da peste nunca morre ou desaparece, que pode permanecer por dezenas de anos dormente nos móveis, nos lençóis, nos porões, nas malas, nos lenços e nos papeis. E talvez chegará um dia em que a peste convocará seus ratos e os enviará para morrer em alguma cidade que se mostre satisfeita consigo mesmo".

Mas talvez o significado metafórico mais alto atribuído à palavra peste seja aquele usado por Sigmund Freud. Em 1909, o pai da psicanálise fez uma viagem aos Estados Unidos acompanhado pelo Dr. Sandor Ferenczi, de Budapeste e Gustav Jung. A Igreja e os costumes burgueses desaprovavam as investigações sobre a sexualidade. A psicanálise parecia insidiar todo pudor, especialmente aquele de meninos e meninas. Uns e outras deviam ignorar certos impulsos ou conhecê-los por acenos. Freud andava na direção oposta, trazendo à luz até os aspectos mais indecentes.

Por isso, enquanto o navio atracava no píer de Manhattan, numa América ainda confiante em sua inocência, Freud, falando com seu colaborador, pronunciou as famosas palavras: "Eles não sabem que viemos trazer a peste".

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 01 de abril de 2020 – Acesso às 21h30 – 02/04/2020 – Internet: clique aqui.

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