«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Muito interessante...

 “Céu” e “Inferno” são conceitos relativamente recentes para religiões

 Reinaldo José Lopes* 

Livro mostra como ideias greco-romanas e judaicas se fundiram para gerar conceitos sobre a vida após a morte

BART D. EHRMAN

A maioria dos personagens da Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, nunca achou que iria para o Céu quando morresse – e muitos deles nem acreditavam na ideia de vida após a morte. 

A afirmação pode soar esquisitíssima para cristãos e judeus de hoje, mas ajuda a mostrar como as crenças sobre o Além das religiões do Ocidente são resultado de uma evolução lenta e complicada, que transcende os próprios textos bíblicos. 

Esse trajeto teológico tortuoso está contado em “Heaven and Hell: A History of the Afterlife” (“Céu e Inferno: Uma História da Vida Após a Morte”), mais recente livro do historiador americano Bart Denton Ehrman.

O pesquisador da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill é autor de uma série de best-sellers sobre a figura histórica de Jesus e as origens do cristianismo, mas desta vez precisou analisar também aspectos mais amplos da cultura da Antiguidade, dos babilônios aos filósofos gregos e romanos. 

Levar em conta tal leque de influências é indispensável porque, paradoxalmente, as crenças de muitos católicos e protestantes sobre o tema talvez se inspirem mais em certos pensadores pagãos do que nos livros que vão do Gênesis ao Apocalipse. 

Quando o assunto são as recompensas ou punições que os ocidentais esperam receber na hora da morte, as ideias do ateniense Platão e do romano Virgílio são tão importantes quanto as do profeta Daniel e do apóstolo Paulo, explica Ehrman. 

A questão é que, nas antigas culturas do Mediterrâneo que inspiraram as narrativas do Antigo Testamento ou Bíblia hebraica, a ideia de que a alma de cada pessoa seria julgada por seus atos e receberia diferentes destinos conforme o bem ou o mal que praticou em vida era relativamente rara. 

Em vez de rezar para ir para o Céu, a maioria das pessoas cultuava Deus ou os deuses na esperança de ter uma vida feliz aqui mesmo na Terra. Quando a morte vinha, acreditava-se que praticamente todos os defuntos, sem distinção, passariam o resto da eternidade num Reino dos Mortos crepuscular, tedioso e imutável, onde não haveria nem recompensa nem punição. 

É mais ou menos o que vemos na ideia grega do Hades. Era preciso ser um inimigo declarado e ferrenho dos deuses, ou então um queridinho das divindades, para sofrer tormentos ou gozar de delícias de maneira individual. 

É possível que o lugar designado como Sheol pelos antigos israelitas fosse similar ao Hades.

Numa passagem famosa do Antigo Testamento, uma bruxa consegue invocar o espírito do profeta Samuel, que ela vê subindo do chão e chama de “elohim”, ou “ser divino” em hebraico. A cena é parecida com outra protagonizada pelo herói grego Odisseu (ou Ulisses) no poema “Odisseia”, de Homero. 

No entanto, também é possível interpretar as referências ao Sheol simplesmente como sinônimo de túmulo ou sepultura, diz Ehrman. Nesse caso, os antigos israelitas não apenas não veriam diferença entre os destinos dos bons e dos maus após a morte como também acreditariam que, uma vez que o sopro de Deus deixa o corpo humano, nada mais resta. 

Por volta de 400 a.C., do lado europeu do Mediterrâneo, o filósofo Platão, em seus diálogos sobre a natureza da realidade, passou a especular que a alma humana era imortal e que todos recebem recompensas ou punições de acordo com seus atos após deixarem este mundo. 

Esse é o mote de textos platônicos como o chamado Mito de Er, conclusão da obra “República”, na qual o pensador ateniense também defende a existência da reencarnação. 

Alguns séculos mais tarde, quando o antigo território israelita passa a ser dominado por impérios de cultura grega, as ideias tipicamente helênicas sobre o pós-vida passam a circular entre os judeus. Mas os autores dos livros bíblicos tardios adotam uma perspectiva peculiar sobre o tema. 

Em vez de falar da imortalidade da alma, escritores como o responsável pelo Livro de Daniel imaginam um julgamento de cada ser humano no fim dos tempos. Nessa ocasião, ocorreria a ressurreição de todas as pessoas, as quais seriam recompensadas ou punidas por Deus de acordo com seus atos.

Essa crença parece ter surgido no momento em que alguns judeus estavam sendo perseguidos por governantes pagãos e forçados a abdicar de sua fé e práticas tradicionais.

Se as pessoas vistas como fiéis a Deus estavam sofrendo e não parecia haver esperança para que a justiça prevalecesse nesta vida, esses antigos pensadores judaicos agora propunham que esse estado de coisas seria corrigido com o Juízo Final. 

Tudo indica que a visão exposta no Livro de Daniel era basicamente a abraçada por Jesus de Nazaré em suas pregações por volta do ano 30 d.C. Cristo, argumenta Ehrman, era um profeta apocalíptico: previa para breve o fim do domínio do mal no mundo, o início do reino de Deus e a ressurreição dos mortos. 

Depois de sua morte, ao menos alguns de seus seguidores passaram a crer que ele tinha ressuscitado e mantiveram essa fé num Juízo Final iminente, como mostram as cartas escritas pelo apóstolo Paulo (mais antigos textos cristãos que chegaram até nós). 

A questão é que as décadas foram passando, sem que o esperado Apocalipse viesse. 

Por conta disso, embora a crença na ressurreição dos mortos nunca fosse abandonada, começou a se popularizar a ideia de que haveria também uma recompensa ou punição “temporária”, antes do fim dos tempos. 

Por volta do ano 150 d.C., por exemplo, surge um dos primeiros textos a detalhar como seriam as penas do Inferno, o chamado Apocalipse de Pedro (segundo a narrativa, os blasfemadores passariam a eternidade pendurados pela língua). 

O último passo desse processo, já no meio da Idade Média, foi a definição da doutrina do Purgatório, um reino espiritual onde as almas que escaparam do Inferno, mas que ainda não estão prontas para atingir o Céu, passariam por longas temporadas de purificação, que poderiam ser aceleradas pelas orações dos vivos. 

Disputas acerca dessa doutrina acabariam, aliás, tendo repercussões sociais das mais sérias no século 16, desencadeando a Reforma Protestante e a divisão da Europa cristã. Como acontece ainda hoje, teologia e política com frequência andavam juntas. 

A evolução das crenças sobre o Além na Antiguidade

750 a. C. "ILÍADA" E "ODISSEIA", POEMAS GREGOS DE HOMERO: Quase todos os mortos levam uma existência tediosa e imutável, sem recompensas ou castigos, no Hades. Um punhado de inimigos dos deuses é punido pela eternidade, enquanto raros heróis são levados pelos deuses para os belos Campos Elíseos (uma espécie de subdivisão aprazível do Hades).

700 a.C. - 600 a. C. ANTIGO TESTAMENTO OU BÍBLIA HEBRAICA: alguns textos dão a entender que, uma vez que a morte acontece, o "sopro divino" deixa o corpo humano e ele se torna pó. Outros falam do Sheol, que poderia ser sinônimo do túmulo ou um mundo imutável dos mortos, sem recompensa ou punição, como o Hades grego.

350 a.C. PLATÃO: filósofo grego defende a imortalidade da alma e propõe que a morte envolveria um período de purificação e autoconhecimento, depois do qual as almas reencarnam.

165 a.C. LIVRO DE DANIEL: texto bíblico escrito tardiamente é o primeiro da tradição judaica a falar da ressurreição dos mortos, da punição para os maus e da recompensa para os bons.

50 d.C. CARTAS DO APÓSTOLO PAULO: pregador cristão fala da ressurreição dos mortos no Juízo Final (que, para ele, aconteceria em breve) e diz que o corpo dos ressuscitados será muito diferente do corpo físico que temos hoje.

150 d.C. APOCALIPSE DE PEDRO: texto apócrifo atribuído ao apóstolo é um dos primeiros a relatar em detalhes as punições dos pecadores no Inferno e as recompensas dos bons no Céu, ditando boa parte desse imaginário nos séculos cristãos seguintes.

L I V R O :

Título: Heaven and Hell: A History of the Afterlife (trad. Livre: Céu e Inferno: uma história da vida após a morte)

Autor: Bart Denton Ehrman

Editora: Simon & Schuster

Preço: R$ 152,36 (impresso, capa dura) & R$ 78,20 (e-book)

Páginas: 346. 

Observação: não foi publicado, ainda, no Brasil, apenas em italiano, até o momento.

* Reinaldo José Lopes possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de São Paulo (2001), mestrado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2006) e doutorado na mesma instituição (2012). Seu trabalho acadêmico concentra-se na análise da obra de ficção de J.R.R. Tolkien sob o prisma da teoria da tradução. Venceu em 2017 o Prêmio José Reis, o mais importante do país na área de divulgação científica. Foi editor de Ciência e Saúde do jornal Folha de S. Paulo e hoje é repórter, colunista e blogueiro do jornal. É autor de nove livros de divulgação científica, entre eles os best-sellers: 1499: O Brasil antes de Cabral (Harper Collins, 2017) e Darwin sem frescura: como a ciência evolutiva ajuda a explicar algumas polêmicas da atualidade (Harper Collins, 2019). 

Fonte: Folha de S. Paulo – Ciência – Quinta-feira, 24 de dezembro de 2020 – Pág. A19 – Internet: clique aqui (acesso em: 28/12/2020).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.