«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Vamos acordar!

 “Estamos em uma grande festa dentro de uma casa em chamas” 

Luciana Dyniewicz

Jornalista

Entrevista especial com Muhammad Yunus

Economista indiano, doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos), Prêmio Nobel da Paz de 2006, fundador do Grameen Bank e de outras 50 empresas em Bangladesh, a maior parte delas como negócios sociais. Leia a impressionante biografia desse importante personagem: clique aqui (vale a pena!).

Para Muhammad Yunus, conhecido como “banqueiro dos pobres”, o mundo não tem alternativa a não ser redesenhar o sistema econômico; pandemia, segundo ele, deveria ser alavanca para o fortalecimento do empreendedorismo e das “empresas sociais”

MUHAMMAD YUNUS

Vencedor do Nobel da Paz em 2006, o economista Muhammad Yunus vem propondo uma reforma no sistema econômico e social para o mundo pós-covid, que batizou de “Novo Programa de Recuperação”. Sua ideia é aumentar o empreendedorismo para substituir os empregos que foram fechados e criar empresas que não tenham o objetivo de distribuir dividendos, focadas na solução de problemas da sociedade - algo semelhante ao que defendia antes da pandemia. Ele destaca, porém, que, como a economia “derrapou” e governos e empresas estão fazendo esforços para reacelerar a máquina, agora é o momento para mudar. 

“A nossa política deveria ser a de não voltar para aquele mundo, porque ele estava levando para o fim da existência da humanidade através do aquecimento global, do processo de extrema concentração de riqueza e da invasão da inteligência artificial, que torna o homem redundante”, disse em entrevista ao Estadão por e-mail.

“Podemos reorientar a economia em uma direção diferente, em direção a um mundo de três zeros: zero emissão de carbono, zero concentração de riqueza e zero desemprego”, acrescentou. 

Conhecido como o “banqueiros dos pobres”, por ter criado em Bangladesh um banco de concessão de empréstimo a pessoas de baixa renda, Yunus destaca que, segundo seu programa de recuperação, o Estado deve ter o papel de criar estruturas jurídicas e administrativas para apoiar as iniciativas de cidadania. “O governo pode incentivar as empresas sociais a assumirem o atendimento de saúde das pessoas de baixa renda ou de pessoas que vivem em lugares remotos.” 

Eis a entrevista. 

Em um artigo publicado no início da pandemia, o sr. escreveu que a sociedade estava à beira do abismo antes da covid-19. Por que acha isso e como chegamos a essa situação?

Muhammad Yunus: Estou tentando apontar a situação do mundo na época pré-pandêmica. A pandemia parou a máquina econômica. Então, o mundo derrapou economicamente. Agora, um esforço está sendo feito por governos e empresas para voltar à situação pré-pandêmica, para que a economia alcance a mesma velocidade de antes. Estou insistindo que a nossa política deveria ser de não voltar para aquele mundo, porque ele estava levando ao fim da existência da humanidade através do aquecimento global, do processo de extrema concentração de riqueza e da invasão da inteligência artificial, que torna o homem redundante no mundo. Os cientistas têm nos alertado que o aquecimento global não nos permite muito mais tempo neste planeta. A contagem regressiva começou. Voltar ao mundo pré-pandêmico seria suicídio. Agora, que a economia parou, podemos reorientá-la em uma direção diferente, em direção a um mundo de três zeros: zero emissão de carbono, zero concentração de riqueza e zero desemprego. Sabemos como chegar lá.

O que precisamos fazer é tomar uma decisão ousada e abandonar o caminho antigo. 

O sr. argumenta que o sistema deve ser redesenhado, começando por uma maior consciência social e ambiental. Vê algum país nessa direção?

Yunus: Não temos outra opção que não seja redesenhar o sistema. Estamos vivendo em uma casa em chamas, mas o sistema nos mantém alheios a isso. Estamos nos mantendo ocupados com uma grande festa dentro de uma casa em chamas. Estamos celebrando nosso crescimento econômico e os milagres tecnológicos, cantando músicas de prosperidade e ignorando completamente que nossa própria festa está colocando lenha em uma fogueira que queimará nossa casa. Jovens em todos os países estão percebendo isso e tentando se desvencilhar da festa. Os adolescentes estão acusando seus pais de roubar o futuro deles. Governos estão mostrando preocupação ao anunciar metas para zerar a emissão de carbono. Empresas estão se comprometendo com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Mas nós não temos certeza de quanto isso é real, de quanto é apenas para o consumo da mídia. Precisamos tomar decisões escandalosamente ousadas para mudar nossa economia baseada em perseguir o crescimento do PIB. Esse modo de pensar não deixa espaço para prestarmos atenção no fato de que criamos um mundo perigoso, no qual as riquezas se acumulam na ponta do Polo Norte, enquanto as pessoas são empurradas para a ponta do Polo Sul. Os governos estão seguindo seu habitual caminho politicamente seguro. Eles estão anunciando metas ambientais. Mas não há muita urgência visível na maioria dos países.

Nenhum país está mostrando qualquer preocupação em relação à concentração de riqueza.

As pessoas, principalmente os jovens, têm de se mobilizar para substituir o sistema existente, desenvolvendo um novo sistema para criar o mundo dos três zeros. 

O sr. também tem dito que, nesse redesenho do mundo, as empresas devem ser criadas exclusivamente para resolver problemas da sociedade, sem o objetivo de distribuição de dividendos. Isso significa romper com o capitalismo?

Yunus: O capitalismo é baseado na suposição de que os seres são movidos por interesses próprios. Estou reformulando essa suposição para aproximá-la de seres humanos reais. De acordo com minha formulação, os seres humanos são impulsionados em parte por interesse próprio, mas principalmente pelo interesse coletivo. Uma vez que o interesse coletivo se tornar parte da motivação humana, teremos de encontrar um formato de negócio apropriado, que garantirá a solução de problemas coletivos. Negócios movidos a interesses coletivos não precisam pagar dividendos. Precisamos de soluções para problemas coletivos de uma forma sustentável financeiramente. É isso que chamo de “negócios sociais”. O lucro é colocado de volta no negócio. Isso é capitalismo? Nessa nova versão da teoria, as empresas ainda funcionam lado a lado dos negócios que não distribuem dividendos. Isso é deixado para a escolha dos indivíduos. Uma pessoa pode escolher por um negócio de maximização de lucro, por negócios sociais ou por ter ambos os tipos de negócios. Ambos os tipos de negócios participam do mesmo mercado, sob as mesmas autoridades reguladoras. 

O que levaria as pessoas a investirem, já que não seria lucro?

Yunus: Se você acha que o lucro é o único motivo para as pessoas quererem usar seu dinheiro, então você está errada. As pessoas usam seu dinheiro por vários motivos, incluindo doar para caridade. Se você definir “investimento” como usar o dinheiro para maximizar o lucro, então posso concordar que o dinheiro que as pessoas colocarem em negócios sociais não será um investimento. Mas, se você aceitar a definição de investimento como o dinheiro usado para comprar ações de empresas e se esse dinheiro comprar ações de negócios sociais, aí cairá na categoria “investimento”. Por que uma pessoa deveria comprar uma participação em um negócio social se não visa maximizar o lucro? Colocaria desta forma: as pessoas investem em negócios sociais porque, para elas, ganhar dinheiro pode significar felicidade, mas fazer outras pessoas felizes pode ser uma felicidade ainda maior. Se for assim, as pessoas vão preferir investir em negócios sociais. Em última análise, tudo está enraizado em nossa mente: onde nossa mente encontra felicidade e o que ela reconhece como felicidade.

Nossa vida é sobre maximização da felicidade, não sobre maximização de lucro.

A teoria capitalista nos enganou em muitos níveis. Pior de tudo, nos fez acreditar que a felicidade pode ser medida pela quantidade de dinheiro. 

Segundo seu Novo Programa de Recuperação, a divisão de tarefas entre cidadãos e governos deve ser quebrada, com cidadãos tentando chegar a soluções sociais. Isso significa uma redução do tamanho do Estado?

Yunus: A teoria capitalista presume que os cidadãos devem se ocupar em maximizar o lucro e pagar impostos. Com a receita tributária, o governo deve resolver os problemas comuns. O nível de envolvimento do governo na resolução de problemas sociais leva à polarização política. Alguns argumentam que o governo deve tributar o mínimo e ficar de fora dos problemas sociais, que devem ser deixados para as forças do mercado. Outros argumentam que o governo deve tomar a responsabilidade e resolver os problemas sociais, taxando as pessoas para levantar recursos. Estou argumentando que, sob nenhuma circunstância, os indivíduos devem permanecer espectadores dos problemas sociais. Os indivíduos devem usar sua criatividade para resolver esses problemas. Uma vez que os cidadãos se tornarem ativos na resolução desses problemas, não vai demorar para se ter resultados. 

Qual seria o papel do Estado no Novo Programa de Recuperação?

Yunus: O governo inteligente deve criar espaço e incentivos para que os cidadãos se tornem ativos para solucionar problemas sociais. O papel do governo será inspirar as pessoas, reconhecê-las e aplaudir suas conquistas, criar estruturas jurídicas e administrativas adequadas para apoiar as iniciativas de cidadania. O governo pode criar fundos de negócios sociais, estrutura legal de incentivo à implantação de bancos sociais para microempreendedores... Não estou defendendo uma redução da importância de governo.

Trata-se de ativar o governo como mobilizador de cidadãos.

A capacidade do governo não deve ser julgada por sua receita com impostos, o maior poder dos governos é o povo. Orientar e inspirar pessoas pode alcançar coisas que estão muito longe do que a arrecadação pode fazer. Estou propondo um novo papel do governo, onde ele envolve toda a nação com um sistema legal apropriado, políticas e inspirações para se criar negócios sociais. A construção de novas instituições será o cerne desse processo. Novas instituições financeiras devem ser construídas para que cada jovem possa acreditar que não terá de ficar na fila por um trabalho - ele poderá se tornar um empreendedor. O governo pode incentivar as empresas sociais a assumirem o atendimento de saúde das pessoas de baixa renda ou de pessoas que vivem em lugares remotos. Há muito a ser feito pelo governo nesse processo de transformação. 

O sr. defende o microcrédito como uma das formas para reduzir a pobreza. Como ampliá-lo? Disso o governo deveria participar?

Yunus: O governo não deve operar nenhum programa de microcrédito, porque há uma boa chance de que isso seja politizado quase imediatamente e se transforme em um programa de caridade. Na maioria dos casos, atrai corrupção. O governo deve criar leis para dar licenças para que as pessoas criem bancos para microempreendedores e negócios sociais com plena capacidade de mobilização de depósitos. Essas licenças não devem ser dadas para se criar bancos com fins lucrativos. Se for permitido, eles logo se transformarão em “bancos agiotas”. 

O sr. costuma dizer que o empreendedorismo pode ser uma solução para o desemprego. No Brasil, às vezes, o empreendedorismo é confundido com trabalho informal precário. O empreendedorismo pode realmente substituir os empregos formais que foram destruídos?

Yunus: Concordo em relação a essa situação de precariedade. Essas pessoas estão nessa situação porque não podem sustentar seus negócios. Não há financiamento para seus negócios. Financiamento é o combustível para o empreendedorismo. Os microempreendedores precisam de bancos sociais especializados. Esses bancos precisam se tornar parte integrante da vida das pessoas. A pessoa que começou a vender camisetas na rua pode estar vendendo cinco por dia, mas tem capacidade para vender dez vezes mais. Se essa pessoa não tem dinheiro para expandir seu negócio, ela desiste e procura um emprego. Se o dinheiro estivesse disponível, ela teria mais opções: poderia desistir do trabalho permanentemente e continuar crescendo com seu negócio; poderia conseguir um emprego e continuar vendendo camisetas no tempo livre; poderia conseguir um emprego e esquecer do negócio ou esperar por um bom momento para voltar ao negócio.

Acredito que todos nascem como empreendedores, mas o sistema os desorienta totalmente para acreditarem que um emprego é o destino de todos. 

O sr. sempre alerta para o risco de a inteligência artificial resultar em vagas de emprego fechadas. Na pandemia, a transformação digital foi acelerada e muita gente, demitida. Acredita que a tecnologia e a inteligência artificial estão prejudicando a sociedade? Como resolver esse problema da redução de emprego?

Yunus: Qualquer tecnologia terá duas aplicações. Pode ser uma bênção ou uma maldição. Tudo depende da direção que a levamos. Pode, também, ser direcionada para ambos os lados simultaneamente. A inteligência artificial pode trazer benefícios infinitos. Eu apoio esse uso, mas me oponho quando é usada para substituir seres humanos no local de trabalho de forma massiva. Quando uma nova tecnologia é criada, devemos decidir onde usá-la e onde restringi-la. A medicina foi inventada para curar pessoas, mas a mesma tecnologia médica pode ser usada para matar. Acredito que, hoje, a inteligência artificial está indo na direção errada. Devemos parar isso antes que seja tarde demais. 

Como vê o futuro se não adotarmos mudanças?

Yunus: O homem já é uma das espécies mais ameaçadas do mundo hoje. Se continuarmos a perseguir o mesmo caminho do passado, seremos extintos. Isso pode acontecer em breve, dependendo de quais esforços fizermos. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios / Marcas da Covid – Domingo, 20 de dezembro de 2020 – Pág. B4 – Internet: clique aqui (acesso em: 23/12/2020).

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