20º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho:
Lucas 12,49-53
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:
49 «Eu vim para lançar fogo sobre a
terra, e como gostaria que já estivesse aceso!
50 Devo receber um batismo, e como estou
ansioso até que isto se cumpra!
51 Vós pensais que eu vim trazer a paz
sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão.
52 Pois, daqui em diante, numa família
de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três;
53 ficarão divididos: o pai contra o
filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a
sogra contra a nora e a nora contra a sogra.»
ALBERTO MAGGI*
LANÇAR FOGO
Lucas
é, sem dúvida, o evangelista que, mais que os outros, trata do tema da paz. Seu
evangelho
se abre com a imagem da paz no coro angelical proclamando “paz
na terra aos homens amados pelo Senhor”(2,13-14) , e se
conclui com Jesus ressuscitado que, ao apresentar-se diante dos seus
discípulos, dá-lhes a paz, “A paz esteja convosco” (24,36),
onde a paz significa a plenitude da vida e da felicidade. Mesmo assim, nesta
página de hoje, parece quase existir uma contradição.
Vamos
ler o que o evangelista Lucas nos diz no capítulo 12, versículos 49-53. Jesus
declara: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra”. Pela
terceira vez, nesse Evangelho, aparece o tema “fogo”. A
primeira vez que ele apareceu foi nas palavras terríveis de João Batista, que
havia anunciado o Messias como aquele que “batizaria
com o Espírito Santo e com fogo” (3,17). Espírito Santo,
isto é, a energia divina para aqueles que acolhem Jesus e sua mensagem, e “fogo”
- imagem da castigo destruidor - para aqueles que O
rejeitam, isto é, para os pecadores.
A
segunda vez: o tema “fogo” tinha
aparecido nas palavras de Tiago e João. Eles, vendo que uma aldeia samaritana
não tinha acolhido Jesus, disseram: “Senhor, queres
que mandemos descer fogo do céu para acabar com eles” (9,53-53).
Portanto, era um fogo destruidor. A imagem do fogo, até agora, é apresentada
como o castigo de Deus.
Porém,
não é esse o fogo que Jesus veio “para lançar sobre
a terra”! Nós iremos compreender isso, devagarzinho, a
partir das expressões dele: esse fogo é o fruto da morte de Jesus. Sabemos
que Lucas apresenta, depois da morte de Jesus, a Pentecostes, como a descida do
Espírito na forma de “línguas de fogo” (Atos
2,1-3). É a nova realidade da nova comunidade, isto é, da Aliança entre Deus e
o povo, não mais baseada na observância das Suas leis, mas na recepção do Seu
Espírito, isto é, do seu Amor.
Então
Jesus diz: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra...” -
portanto esse fogo do Espírito - “...e como
gostaria que já estivesse aceso!”. Jesus está esperando
ansioso que seus discípulos, sua comunidade, seu povo, estabeleçam um novo e
diferente relacionamento com Deus, que não seja aquele decretado por Moisés,
mas aquele trazido por Ele, o Filho amado, que oferece esse novo relacionamento
entre os filhos e seu Pai.
E
Jesus continua: “Devo receber um batismo...”. É
claro que aqui a palavra “batismo” não
tem a imagem do rito e da liturgia, que, depois terá o termo de “sacramento
do batismo” que significa imersão, mas também tem uma
imagem negativa, como algo que O puxa, algo que O arrasta! Por isso, é como se
Jesus acrescentasse: “Há algo que vai me oprimir e
que devo receber”.
“....e
como estou ansioso...”. Realmente aqui o evangelista não usa o
termo “ansioso”. A
palavra usada por Lucas indica ser “pressionado”,
“dominado por
um forte desejo”. Portanto Jesus experimenta mesmo essa
paixão para esse evento, algo de muito negativo: uma situação que o arrastará. “Devo
receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra”.
Portanto,
poderíamos traduzir: “há um mergulho (um
batismo, uma imersão)
em que eu vou ser mergulhado!".
É a imersão na violência, na morte que O arrasará.
Nesta
altura eis a surpresa: começamos dizendo que Lucas é o evangelista da paz.
Jesus tira qualquer dúvida sobre o que significa essa paz e diz: “Vós
pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim
trazer divisão”. Para nós é surpreendente ouvir essas
palavras de Jesus, mas, o que quer dizer: “eu vim
trazer divisão?”. Essa paz que Jesus veio trazer, fruto de uma
nova relação entre os humanos e Deus - como a de filhos e filhas com o pai -
vai encontrar a reação e a oposição de muitas forças que se desencadearão.
E
quais são essas forças? Jesus fala de divisão, tomando a imagem de uma família,
uma família normal.
“Daqui
em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e
duas contra três...”, quer dizer,
se divide o que representa o velho contra o novo. De fato, Jesus acrescenta:
“Ficarão divididos: o pai contra
o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a
filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a
nora e a nora contra a sogra”. A iniciativa dessa
divisão é tomada pelos representantes do passado: o pai, a mãe, a sogra que não
aceitam essa novidade da mensagem de Jesus, que é, pelo contrário, recebida
pelos discípulos Dele.
Qual é a causa da divisão? É preciso frisar que aqui Jesus não está falando
de divisão de filho contra filho, de irmão contra irmão. Não! A divisão na
comunidade dos crentes em Jesus não é permitida, porque onde há divisão a comunidade
se destrói! O evangelista aqui refere-se a uma imagem conhecida, a do profeta
Miquéias, que no capítulo 7, versículo 6, escreve: “o
filho insulta o próprio pai, a filha se revolta contra a mãe e a nora contra a
sogra”.
E
tinha acrescentado: “E os inimigos do homem serão os de
sua própria casa” (Mt 10,36). Os inimigos dessa nova realidade, dessa nova relação com o seu Pai não
serão aqueles que estão fora da religião, mas exatamente aqueles que estão
dentro da religião que não irão aceitar essa novidade.
No
entanto, Jesus é aquele Deus que veio para fazer novas todas as coisas. Quem está parado no passado nunca poderá
entender a novidade que o Espírito propõe.
* ALBERTO MAGGI
(Ancona, 1945) é um teólogo, estudioso da Bíblia e religioso da Ordem dos
Servos de Maria italiano. Estudou na Pontifícia
Faculdade Teológica "Marianum"
e "Gregoriana" em Roma e na
''Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém''. Desde 1995 dirige o Centro de
Estudos de ''Giovanni Vannucci'' bíblica em Montefano (MC), onde, juntamente
com o confrade Ricardo Perez Marquez, dedica-se à divulgação de estudos
bíblicos através de reuniões, publicações e transmissões. Ele escreve para a
revista "Rocca" e coordenou na Rádio Vaticano a transmissão de
"A Boa Nova é para todos." A partir do site do Centro de Estudos
Bíblicos transmite ao vivo, através da plataforma Livestream, os encontros do
primeiro e do segundo domingo do mês sobre o Evangelho de João, e quinta-feira à
noite a leitura e comentário do Evangelho de domingo seguinte. Para saber mais,
clique aqui; a
versão em português deste mesmo site está acessível aqui.
Traduzido
do italiano e adaptado por Pe.
Bartolomeo Bergese, diocese de Pesqueira (PE), no Brasil.
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