A maior derrota dos Jogos do Rio
Friedel Taube
Deutsche
Welle
02-08-2016
Evento começa com uma de suas principais promessas nem
perto de ser cumprida: o saneamento da Baía de Guanabara. Atletas competirão
num local infestado de lixo, como num símbolo do ocaso da cidade.
BAÍA DE GUANABARA - VISTA A PARTIR DE BOTAFOGO De longe, é um dos mais belos e famosos cartões postais do mundo! Mas de perto... |
Alex Sandro dos Santos está de pé sobre um velho
cais de madeira que leva até os barcos dos pescadores, a partir do bairro de
Tubiacanga, na Ilha do Governador, na zona norte do Rio de Janeiro. Com 48 anos
de idade, ele pesca na Baía de Guanabara desde que tinha dez anos:
"Aqui ainda tem uns 20 mil pescadores, cada um com três ou quatro filhos
para criar. Mas com a queda da população de peixes, nem todos conseguem viver
da pesca. Muitos trabalham como garçom para ganhar um extra",
queixa-se Alex Sandro, que
complementa o orçamento construindo caixas de madeira.
O
motivo para o desaparecimento dos peixes fica claro assim que se dá uns poucos
passos pelo cais: o cheiro é de fezes e
lixo, na água há garrafas plásticas,
sapatos, até móveis inteiros flutuando;
o lodo nas margens é uma massa
mal-cheirosa e imunda.
Nessa
área próxima ao Aeroporto Internacional
do Galeão, a vista para o mar é dominada pelas chaminés das refinarias de
petróleo e pelo mar de casas do Rio, a cidade
de 6 milhões de habitantes que lança seus esgotos não tratados na Baía de
Guanabara, como se fosse a coisa mais normal do mundo: 18 mil litros de água
por segundo. [Vergonha, crime!!!]
A indústria pesada
igualmente deposita há décadas os seus dejetos altamente tóxicos na baía
oceânica. A
32 metros de profundidade, o lodo do
fundo está fortemente contaminado com metais pesados, e a água pulula de bactérias
multirresistentes.
Além
disso, em janeiro de 2000 a ruptura de uma tubulação resultou no vazamento de
mais de 1 milhão de litros de petróleo para dentro da baía e para a reserva
ecológica dos manguezais costeiros. Muitos moradores estão esperando até hoje
para receber as indenizações devidas da semiestatal Petrobras.
Milhares de peixes mortos nas águas podres da Baía de Guanabara |
Ignorando
as bactérias
Enfim:
a baía – cujo belo nome em tupi significa "mar do seio", provavelmente
devido à antiga abundância de peixes – serve ao Rio de Janeiro, ao mesmo tempo,
como cloaca, lixão e depósito para restos de óleo mineral. Fato que não impediu
o Comitê Olímpico Internacional (COI) de escolhê-la como local para as
competições de vela dos Jogos Olímpicos de verão.
Depois
participar de um teste de regata em 2015, o velejador alemão Erik Heil contraiu
infecções nas pernas e quadris, que só cederam após o retorno a Berlim, com a
ministração de um antibiótico de amplo espectro.
Diversos
atletas dizem ter receio de entrar na Baía de Guanabara, e pretendem evitar
todo contato da água com a pele. O alemão Heiko Kröger, medalha de ouro de vela
nos Paraolímpicos de 2000, escreveu para Thomas Bach, presidente do COI:
"Se eu fosse o senhor, não conseguiria mais dormir de noite."
Especialistas
confirmam que as bactérias das águas do Rio podem desencadear doenças bem
piores que a de Erik Heil. "Os esportistas devem, de todo modo, se vacinar
contra hepatite A, antes de começar no Rio", aconselha o biólogo marinho
Mario Moscatelli. Com a densidade bacteriológica que ele constatou, tampouco
estão descartadas doenças como a meningite.
Lixo e todo tipo de imundícies flutuam livremente e abundantemente por toda a Baía de Guanabara! |
Medidas
vãs de saneamento
Fundador
do Movimento Baía Viva, o ecologista Sérgio Ricardo se ocupa há anos do escândalo
ecológico da enseada carioca. "Nós chamamos isso de 'o milagre da
Guanabara': aqui se encontram todas as espécies, fora baleias." De fato,
se ainda há alguma vida no local, é graças a um pequeno afluxo de água fresca
do Oceano Atlântico. Por outro lado, esgotos e cerca de 100 toneladas diárias
de lixo continuam sistematicamente destruindo vidas.
Ele
entra com o barco na baía, para mostrar as dimensões do desastre ecológico,
provando como fracassaram todos os diversos esforços para sanear o corpo d'água
– os quais COI gosta muito de mencionar, sempre que há críticas à escolha do
Rio como cidade-sede.
Entre
1994 e 2006, o estado do Rio de Janeiro investiu o equivalente a mais de 1
bilhão de euros na construção de estações de tratamento de água, com apoio do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Agência para Cooperação
Internacional, do Japão. O problema é que até hoje a maioria das tubulações
necessárias não foi instalada, e a maior parte do esgoto continua caindo
diretamente no mar, sem qualquer tratamento. Enquanto isso, as seis estações
construídas vão se arruinando. "O programa quase não teve efeito",
acusa Sérgio Ricardo. "Em vez disso, o governo aposta em medidas
cosméticas: por exemplo, barcos para pescar o lixo da água."
Apesar de receber mais de 1 bilhão de dólares para investir no saneamento da Baía de Guanabara, quase nada foi feito e esgoto continua a poluir! |
Extração
de petróleo, outro vilão
Em
2013 foi iniciado um segundo projeto de saneamento, com custo superior a 200
milhões de euros. No entanto, também aqui o vazamento de verbas foi grande,
como ao se conectarem várias casas ao sistema de canalização, sem que este desembocasse
na estação de tratamento d'água. Havia diversas instituições envolvidas, em
nível municipal, estadual e federal, e muito dinheiro se perdeu com a
burocracia e corrupção.
Assim
como outros peritos, Sérgio Ricardo tem certeza que o saneamento da Baía de
Guanabara é um projeto de longo prazo, sendo necessários, no mínimo, 20 anos
até se começarem a ver os primeiros efeitos. Já a "limpeza expressa"
para as Olimpíadas não serviu para nada.
É
preciso construir canais e lagunas e tem que ser eliminado o aterro sanitário
desativado nas proximidades das águas, reivindica o ecologista: "Combinado
com o lixo que é lançado do Rio, o aterro é o coquetel molotov da Baía."
Para culminar, não se pode excluir que nos próximos anos a indústria petroleira
continue a perfurar no local: a cerca de 7 mil metros de profundidade ainda se
encontram grandes jazidas, e a economia brasileira segue dependente do
combustível fóssil. Aí é questionável se a técnica de filtragem bastará para
compensar a utilização industrial intensiva.
18.000 litros de água podre e suja originária dos esgotos da cidade são lançados por segundo na Baia de Guanabara, como se fosse a coisa mais normal do mundo!!! |
Peixe
continua chegando às mesas
A
conclusão do pescador Alex Sandro dos Santos é desoladora: "A gente tinha
a esperança de que alguma coisa fosse melhorar com as Olimpíadas, mas nada
aconteceu: a esperança é zero." Por isso é importante seus colegas de
profissão que ainda restam tomarem o destino nas próprias mãos.
Isso
não o impediu de participar da fundação do Observatório Pesqueiro da Baía de
Guanabara, que aponta irregularidades na área e promove programas alternativos
para os pescadores – como, por exemplo, a criação de peixes em antigos tanques
de petróleo.
Apesar
do lixo, óleo e metais pesados, Santos não esconde seu orgulho e determinação
ao afirmar que "o peixe da Baía continua chegando às mesas, apesar dos
debates". Ele mesmo ainda não ficou doente por isso: "Tenho uma saúde
de aço", assegura, sorrindo. E, ao se despedir, ainda dá um dica sobre a
melhor forma de degustar o peixe da Guanabara: acompanhado por um chope bem
gelado.
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