Zika continua a danificar o cérebro de bebês após o nascimento
Ricardo
Zorzetto
Pesquisa
FAPESP
O Zika vírus pode provocar mais danos que a
microcefalia,
reproduzindo-se e lesando o cérebro da criança,
mesmo após o seu nascimento.
Em
meio à relativa calmaria que o inverno impôs à epidemia de Zika, uma notícia grave surge para deixar todos
em alerta: o vírus pode continuar danificando o cérebro dos bebês por semanas
após o nascimento. Ainda não se sabe durante quanto tempo o Zika permanece
ativo no organismo das crianças, mas, em 24 de agosto, foi apresentada uma das
primeiras evidências de que isso pode ocorrer por tempo suficiente para agravar as lesões formadas durante a
gestação.
Um
grupo de 20 pesquisadores de São Paulo publicou na sessão de correspondências
do New England Journal of Medicine,
uma das mais prestigiadas revistas médicas do mundo, a descrição do caso de um bebê do sexo masculino que foi infectado
pelo vírus ainda durante a gestação e que manteve o Zika ativo no organismo por
ao menos 67 dias após o parto. “Ainda não se havia descrito uma infecção
tão prolongada após o nascimento”, afirma o virologista Edison Durigon, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores
do estudo.
O menino nasceu no dia 2 de
janeiro deste ano em um hospital da capital paulista, ao final de uma gravidez de 40
semanas. Pesava 3.095 gramas e media 48
centímetros (cm) de comprimento.
O tamanho de seu crânio, porém, era limítrofe para microcefalia: tinha um perímetro de 32,5 cm – até
março o Ministério da Saúde considerava suspeitos os casos de crianças com
igual ou inferior a 32 cm. Mas o que chamou a atenção dos médicos foi a testa, mais estreita que o normal,
algo comum entre os bebês com microcefalia. Exames de imagem identificaram
pequenas lesões (calcificações) no tecido cerebral características de infecções
adquiridas durante a gestação.
O bebê foi encaminhado para
a Santa Casa de São Paulo, onde passou a ser acompanhado pela equipe do pediatra Eitan Berezin. No final de fevereiro,
por iniciativa de Berezin, amostras de sangue do garotinho foram enviadas para
o grupo de Durigon na USP. Exames anteriores haviam dado resultado negativo
para citomegalovírus, toxoplasmose e rubéola, infecções congênitas que também
podem causar lesões cerebrais. Mas faltavam
os testes para Zika, que são mais complexos e demorados e ainda não estão
disponíveis no sistema público de saúde.
Um teste molecular confirmou
que o menino tinha o vírus ativo no organismo e exames sorológicos indicaram
que a infecção havia ocorrido ainda durante a gestação. Por volta da 26ª semana de
gravidez, a mãe apresentou febre, dores de cabeça e manchas vermelhas pelo
corpo, menos de um mês depois de seu marido ter retornado de uma viagem ao
Nordeste, durante a qual desenvolveu sintomas semelhantes. “Existe a ideia de
que as infecções congênitas são mais graves quando ocorrem no início da
gestação”, diz Berezin. “Mas, nesse caso, a
infecção por Zika aparentemente ocorreu mais tarde e também causou danos.”
Como
a primeira análise mostrou quantidades elevadas de vírus no sangue, Durigon
decidiu procurar por sua presença na saliva e na urina. “Naquela época, por volta do 54º dia após o nascimento, o vírus
continuava se reproduzindo e sendo eliminado na urina”, conta o
virologista, que integra a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika), apoiada pela FAPESP. Testes repetidos ao longo das semanas
seguintes detectaram a presença de Zika até o 67º dia de vida da criança. O
aumento na concentração de alguns anticorpos, porém, indicava que, à medida que
amadurecia, o sistema imunológico se tornava capaz de combater o vírus.
Os pesquisadores não sabem
dizer por quanto tempo o Zika continuou ativo. Por volta de meados de março, os pais da
criança tiveram dificuldade de seguir com as consultas no hospital e o
acompanhamento passou a ser a distância. Mas um exame de ressonância magnética realizado no final de fevereiro
indicava que as lesões no cérebro ainda continuavam ativas. “O vírus continuou a se reproduzir e a lesar
o tecido cerebral mesmo após o nascimento”, afirma Durigon.
Em
agosto, a pedido dos editores do New
England, a equipe médica voltou a avaliar o garoto. Ele já estava livre do
vírus, mas o exame clínico mostrou que apresentava algumas restrições de
movimento: tinha algum grau de paralisia em um dos lados do corpo e dificuldade
para segurar objetos. “Esses efeitos só são percebidos à medida que a criança
se desenvolve porque é quando deveria começar a adquirir certas habilidades”,
explica Berezin. “Para esse garoto, em particular, acho que a fisioterapia pode
ajudar a melhorar os movimentos para que ele venha a ter um bom padrão de
independência.”
Edison Durigon vê no caso um sinal de
alerta. “Não sabemos nada sobre o que
ocorre com as crianças que adquirem o vírus após o nascimento”, explica. E
conclui: “Estamos em uma espécie de
entressafra da epidemia, com o risco de enfrentar em breve uma segunda onda de Zika. Deveríamos estar preparados
para iniciar o acompanhamento dessas crianças.”
O
artigo científico de Oliveira, D. B. L. e outros, Prolonged shedding of Zika virus associated with congenital infection,
publicado no New England Journal of
Medicine em 24 agosto de 2016, pode ser lido, baixando o arquivo, clicando aqui.
No vídeo do Núcleo de Divulgação Científica da USP, pesquisadores da USP e da
Santa Casa de Misericórdia relatam o caso
do recém-nascido que permaneceu infectado pelo vírus da Zika até os 67 dias de
idade. A reportagem é de Tabita Said, Fabiana Mariz e Caio Antonio; a
edição é de Tabita Said e Alan Petrillo e a direção de Mônica Teixeira.
Não deixe de assistir a este instrutivo vídeo sobre o
assunto,
clicando sobre a imagem abaixo:
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