Zika: epidemia pode ser maior!
Tamanho da epidemia de Zika é subestimado,
indica estudo
Karina Toledo
Os testes sorológicos disponíveis nas unidades públicas
de saúde
e nas clínicas privadas não são tão eficientes a ponto
de fornecer um diagnóstico exato, podendo haver
confusão
entre Zika e dengue
Um
estudo apoiado pela FAPESP [acesse-o, clicando aqui]
e coordenado por pesquisadores da Faculdade
de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) sugere que o tamanho da epidemia causada pelo vírus
Zika no Brasil pode estar sendo subestimado nas estatísticas oficiais – e
parte dos casos confundida com dengue.
A
equipe, coordenada pelo professor
Maurício Lacerda Nogueira, integrante da Rede Zika, analisou por meio de testes moleculares amostras
sanguíneas de 800 pacientes com suspeita de dengue atendidos entre janeiro e
agosto de 2016. O material foi fornecido pelo Hospital de Base, ligado à
Famerp, e pela Secretaria Municipal de Saúde de São José do Rio Preto (SP).
O
diagnóstico inicial – feito com base nos sintomas clínicos e em testes
sorológicos – foi confirmado em apenas 400 amostras. Mais de 100 dos casos analisados deram positivo para o vírus Zika e, em
uma das amostras, foi identificado o vírus causador da febre chikungunya.
Nas
outras quase 300 amostras restantes não foi encontrado nenhum dos três
arbovírus transmitidos pelo mosquito Aedes
aegypti e os pesquisadores suspeitam que, na realidade, pode se tratar de
casos de gripe ou de outras viroses.
Parte
dos dados foi publicada este mês no Journal
of Clinical Virology [acesse, clicando aqui].
“Esses
resultados indicam que aquela divisão
clássica que se costuma fazer entre os sintomas – associar conjuntivite ao Zika
e dor nas articulações ao chikungunya, por exemplo – serve apenas para dar
aulas. Na prática, os sintomas se
confundem. E também se confundem os
resultados dos testes sorológicos atualmente usados na rotina dos
laboratórios e serviços de emergência”, afirmou Nogueira. [Isto é muito sério!]
Embora
já tenham sido desenvolvidos novos
métodos sorológicos capazes de diferenciar com precisão os anticorpos contra o
vírus da Zika e da dengue (leia mais clicando aqui),
ponderou o pesquisador, eles ainda estão
restritos ao âmbito da pesquisa acadêmica.
MAURÍCIO LACERDA NOGUEIRA é o professor da Famerp responsável pela pesquisa aqui divulgada |
As metodologias hoje
disponíveis tanto na rede pública de saúde como nos laboratórios e hospitais
particulares, segundo Nogueira, ainda podem dar um resultado falso-positivo de
dengue nos casos de pacientes com Zika – uma vez que os dois vírus são muito semelhantes.
“A única forma de ter certeza é por meio de
testes moleculares, como o PCR em tempo real – bem mais caro que a sorologia.
Os laboratórios de saúde pública, como o Instituto Adolfo Lutz, não conseguem
oferecer esse tipo de exame para toda a população e acabam priorizando mulheres
grávidas e pessoas com suspeita de Guillain-Barré (uma das complicações
neurológicas da infecção pelo Zika)”, acrescentou o pesquisador.
Implicações
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que todos os casos em que, por
algum motivo, não se tem certeza do diagnóstico devem ser tratados como se
fossem dengue, pois dentre as doenças transmitidas pelo Aedes ela é a que oferece maior risco de morte.
Na
avaliação de Nogueira, um resultado
falso-positivo de dengue não traz prejuízos para o tratamento dos pacientes,
mas gera custos desnecessários para o sistema de saúde.
“Para uma pessoa com Zika, desde de que não
esteja grávida, você recomenda apenas repouso e hidratação em casa. Já um
paciente com dengue precisa retornar ao serviço de saúde para tomar soro e
fazer exames mais complexos, bem como um acompanhamento do nível das plaquetas,
pois há risco de hemorragia”, comentou Nogueira.
Para
o pesquisador, contudo, um dos problemas
principais é a incerteza que resultados falso-positivos geram em relação aos
dados epidemiológicos oficiais.
“Em 2015, o Estado de São Paulo bateu
recorde no número de casos de dengue [foram
mais de 650 mil casos segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde]. Agora eu me pergunto: quantos desses não
eram na verdade de Zika? Os dados epidemiológicos de dengue no Brasil dos
últimos 20 anos eram considerados bastante sólidos. Mas os dos últimos dois
anos começamos a questionar se eram reais”, disse.
Segundo
o pesquisador, tal incerteza pode
prejudicar no longo prazo o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção
e tratamento de doenças, bem como os estudos de custo-efetividade da vacina
contra a dengue e, futuramente, contra Zika.
“Se a estimativa do número
de casos está errada, a avaliação de custo-efetividade da vacina também será
equivocada”,
alertou.
Microcefalia
Ao
contrário do que foi observado em estados como Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro, o avanço no número de casos de
Zika em São Paulo não tem sido acompanhado por uma explosão no número de
crianças nascidas com microcefalia.
Na
avaliação de Nogueira, é possível que na
Região Nordeste e no Rio de Janeiro existam outros fatores – ambientais ou
genéticos – que ajudem a explicar o grande número de complicações neonatais.
“Uma das hipóteses aventadas recentemente é
que a vacinação contra febre amarela poderia proteger contra o desenvolvimento
de microcefalia. No interior de São Paulo esse imunizante faz parte do
calendário vacinal e, no litoral, ocorreu uma campanha há poucos anos”,
comentou Nogueira.
Comentários
Postar um comentário