Qual é a nova divisão do mundo hoje?
A nova linha divisória da política
The Economist
Disputa agora ocorre entre os que defendem fronteiras
abertas e
os que pretendem fechá-las
DONALD TRUMP & VLADIMIR PUTIN O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos tem muito em comum com o Presidente russo! |
Adeus esquerda e direita. A
briga que importa agora é entre os que defendem fronteiras abertas e os que
querem fechá-las. Em se tratando de teatro político, as convenções dos partidos
americanos são insuperáveis. Este ano, porém, foi diferente. As convenções
realçaram uma nova linha de clivagem política: não mais entre direita e
esquerda, mas entre “abertos” e
“fechados”.
Com
seu estilo rispidamente telegráfico, o candidato republicano Donald Trump
sintetizou um dos lados dessa divisão: “Americanismo,
e não globalismo, será o nosso credo”, declarou. Seus vitupérios contra o
livre-comércio encontravam eco entre os democratas que defendiam a candidatura
de Bernie Sanders.
Os
EUA não estão sozinhos nessa. Por toda a Europa, os políticos cuja popularidade
está em alta pintam o mundo como um
lugar hostil e dizem que as nações que sabem onde têm o nariz devem erguer
muros para se proteger. Argumentos desse tipo ajudaram a levar os
ultranacionalistas ao poder na Hungria e na Polônia, onde o governo age com um misto de
xenofobia e desdém por preceitos constitucionais digno de um Trump.
Os
partidos europeus de viés populista e autoritário têm hoje o dobro da
preferência que tinham entre os eleitores em 2000 e estão no governo, ou fazem
parte de coalizões governamentais, em nove países do continente.
O adeus que os britânicos
resolveram dar à União Europeia (UE) é o maior troféu conquistado até agora
pelos antiglobalistas: para convencer os eleitores a pedir a desfiliação do mais
bem-sucedido clube de livre-comércio do mundo, apelou-se cinicamente a seus
instintos insulares, rachando os principais partidos do país ao meio.
Padrões
Comecemos
relembrando o que está em jogo. O sistema multilateral de instituições, regras
e alianças, liderado pelos EUA, há sete décadas, oferece sustentação à
prosperidade mundial. Foi esse sistema que viabilizou a reconstrução da Europa
no pós-guerra, derrotou o mundo fechado do comunismo soviético e, integrando a
China à economia global, produziu a maior redução de pobreza da história da
humanidade.
Um mundo de países murados
será mais pobre e perigoso. Se a Europa se desintegrar, dando lugar a uma
colcha de retalhos pirracentos, e os EUA se voltarem para seu próprio umbigo
isolacionista, potências menos benignas ocuparão o vácuo. Ao declarar que talvez não
se disponha a defender os aliados bálticos dos EUA, caso eles se vejam
ameaçados pela Rússia, Trump foi de uma irresponsabilidade estarrecedora.
Muro que separa o sul dos Estados Unidos (Texas) e o México para impedir a entrada de imigrantes clandestinos |
Os
americanos assumiram o compromisso de tratar eventuais ataques a qualquer membro
da Otan como uma agressão a todos os integrantes da aliança. Se Trump se der ao desplante de, sem mais
nem menos, descumprir um tratado internacional, por que algum aliado voltaria a
confiar nos EUA?
Sem
nem sequer ter sido eleito, o candidato
republicano conseguiu deixar os arruaceiros do mundo assanhados. Não admira que
Vladimir Putin o apoie. De qualquer forma,
é revoltante que Trump tenha incitado os russos a continuar hackeando os
e-mails dos democratas.
Cerca que separa as fronteiras da Arábia Saudita e Iêmen. Ao todo, a Arábia Saudita encomendou a construção de fronteiras protegidas por muros na fronteira com o Iraque, em uma extensão de 900 km |
Abertura
Os
agorafóbicos já estão causando grandes problemas. O Reino Unido parece caminhar
para uma recessão, graças à perspectiva do Brexit. A União Europeia está
balançando: se, no ano que vem, os eleitores franceses colocarem a nacionalista
Marine Le Pen na presidência do país, e em seguida imitarem os britânicos e
buscarem a porta de saída, a UE corre o risco de entrar em colapso. Trump minou a confiança das instituições
globais como faz com o dinheiro dos que arriscam a sorte em seus cassinos.
Para
enfrentar os adoradores de muros será preciso reforçar a retórica, adotar
políticas mais ousadas e empregar estratégias mais inteligentes. Primeiro, a
retórica. Os defensores de uma ordem mundial aberta precisam perder o medo de
lutar por aquilo em que acreditam. Têm de lembrar aos eleitores por que a Otan
é importante para os EUA e por que a UE é importante para a Europa.
Soluções
São
excessivamente numerosos os que, mesmo acreditando na globalização, começam a
recuar, balbuciando tolices sobre um tal de “nacionalismo responsável”.
Atualmente, só alguns políticos - Justin Trudeau, no Canadá; Emmanuel Macron,
na França - têm coragem de defender francamente a abertura. É preciso que
outros se mirem em seus exemplos.
Por
outro lado, é importante reconhecer que,
em alguns pontos, a globalização precisa de reparos.
O comércio internacional cria muitos perdedores e os fluxos muito intensos de
imigração podem destruir o tecido social de certas comunidades. Mas erguer barreiras não é a melhor maneira
de lidar com esses problemas.
Trata-se,
isso sim, de elaborar políticas arrojadas, que preservem os benefícios da
abertura, ao mesmo tempo em que aliviam seus efeitos colaterais. Deixemos que
os bens e os investimentos fluam livremente, mas fortaleçamos as redes de
segurança social que oferecem apoio e novas oportunidades para aqueles cujos
empregos são destruídos.
Para lidar melhor com os
fluxos de imigração, é fundamental investir em infraestrutura, garantir que os
imigrantes tenham trabalho e aceitar regras que limitem a entrada de pessoas
quando o movimento imigratório se torna excessivo (do mesmo modo que as
regras do comércio internacional permitem aos países limitar altas
extraordinárias nas importações). O que não se pode fazer é igualar a tarefa de
administrar a globalização com seu abandono.
Quanto
à estratégia, para os que querem manter as pontes levadiças abaixadas, dos
quais há representantes em ambos os lados da tradicional divisão entre esquerda
e direita, a questão é como vencer. As abordagens mais eficazes variam de país
para país. Na Holanda
e na Suécia, os partidos moderados se uniram
para manter os nacionalistas fora do governo. Aliança semelhante derrotou
Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional, no segundo turno da eleição presidencial
francesa de 2002, e talvez tenha de ser reeditada no ano que vem para impedir
que sua filha chegue ao Eliseu. No Reino Unido, talvez venha a ser necessária a formação
de um novo partido de centro.
Nos
EUA, onde as consequências de uma vitória dos fanáticos por muros seriam ainda
mais graves, a resposta tem de vir do interior das estruturas partidárias
existentes. Para os republicanos que
falam a sério quando dizem que é preciso resistir aos antiglobalistas, o jeito
é tapar o nariz e apoiar Hillary.
E a
própria candidata, agora que obteve a indicação democrata, precisa defender a
abertura de fronteiras com todas as letras, em vez de fazer declarações
evasivas e ambíguas. A escolha de Tim Kaine, um globalista que fala espanhol
fluentemente, como companheiro de chapa, é um bom sinal. Mas as pesquisas
indicam uma disputa apertada e isso é inquietante. O futuro da ordem mundial liberal depende da vitória de Hillary.
Traduzido do inglês por Alexandre Hubner.
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