Lei da Ficha Limpa pode ser esvaziada
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral tenta
impedir esvaziamento da Ficha Limpa
Patrícia Cagni
Decisão do Supremo Tribunal Federal torna possível que
vários prefeitos municipais que tiveram suas contas
desaprovadas por Tribunais de Conta possam ser
candidatos nestas próximas eleições
PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) Brasília - Distrito Federal |
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), responsável pela criação da Lei da Ficha Limpa, afirmou nesta
quarta-feira (17 de agosto) que vai realizar uma reunião extraordinária na
quinta-feira, dia 18, a fim de buscar
formas de recorrer à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciada
em plenário no último dia 10 de agosto, na qual os ministros entenderam que é exclusividade da Câmara Municipal a
competência para julgar as contas de governo e da gestão de prefeitos.
Dessa
forma, caberá aos tribunais de contas apenas auxiliar o Poder Legislativo
municipal, emitindo parecer prévio e opinativo. E a palavra final sobre a inelegibilidade dos gestores com contas rejeitadas
será responsabilidade dos vereadores. O resultado disso é a liberação da
candidatura de ao menos 80% dos políticos tornados inelegíveis pela Ficha Limpa
para concorrer nas eleições de 2016.
“O
MCCE está se articulando para buscar a alteração do julgamento realizado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), que favoreceu
a participação eleitoral de candidatos que tiveram contas públicas rejeitadas.
O Movimento se reunirá para discutir medidas e adotar posições que assegurem o
cumprimento integral da Lei da Ficha Limpa. O MCCE entende que o STF sempre
valorizou e fortaleceu a lei da Ficha Limpa, por isso acredita que o equívoco
presente no julgamento, flexibilizando os termos da lei no tocante às contas
públicas, poderá ser facilmente superado”, diz nota enviada pelo movimento.
Em
junho deste ano, o Tribunal de Contas da
União (TCU) encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cerca de 6.700 nomes de gestores públicos que
tiveram as contas rejeitadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais.
A rejeição, de acordo com a Lei Orgânica do TCU, é aplicada quando são
constatadas:
* omissão de dever de prestar
contas;
* gestão ilegal, ilegítima ou
antieconômica, ou ainda
* infração à norma legal de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
* dano ao erário, desfalque
ou desvio de dinheiro público.
“Essa é de longe a causa de inelegibilidade
que mais impede candidaturas de agentes ímprobos. Segundo dados da
Faculdade de Direito da USP, 86% dos
casos de inelegibilidade se referem a rejeição de contas públicas. Se o STF
atribuir a palavra final às Câmaras de Vereadores, esse dispositivo da Lei da
Ficha Limpa ficará sem qualquer eficácia”, detalha o MCCE.
MÁRLON REIS Advogado e ex-juiz e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) |
DESCONTROLE
No
recurso (848826), o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, enfatizou que, pela
Constituição, a atribuição para julgar as contas do chefe do Executivo
municipal são os vereadores, já que são eles os representantes dos cidadãos. No
segundo recurso (729744), o ministro-relator, Gilmar Mendes, decidiu ainda que
nos casos de omissão da Câmara Municipal, o parecer emitido pelo tribunal de
contas em questão não poderá ser utilizado para gerar a inelegibilidade do
político nos próximos pleitos eleitorais.
O
advogado e ex-juiz Márlon Reis, que
integra o MCCE, contestou a decisão do Supremo. Para ele, enquanto a análise dos tribunais é técnica, o julgamento feito por
vereadores será apenas político. Ao conversar com o Congresso em Foco, o especialista explicou que a decisão foi tomada em uma ação individual, e que o STF pode ser
chamado a falar no Controle Concreto de Constitucionalidade.
Márlon
também alertou para a abrangência da norma que trata da inelegibilidade dos
políticos que tiveram as contas rejeitadas: “É a que tem mais ampla utilização
dentre todas as da Lei da Ficha Limpa. Por isso, vimos com grande pesar a decisão tomada. Essa decisão amplia o descontrole. É obvio que vereadores não vão
julgar tecnicamente as contas. As contas
de gestão são contas técnicas, não políticas. Um vereador não pode aprovar
contas de um prefeito que não fez licitação quando deveria fazer, por exemplo.
Mas o Tribunal de Contas pode dizer: ‘Não, a lei mandava fazer licitação nesse
caso’”, detalhou à reportagem. “Foi um
grave equívoco cometido pelo STF”, acrescentou.
RODRIGO JANOT Procurador-Geral da República |
ABUSO
DE PODER
Essa
não foi a primeira deliberação do Supremo a beneficiar candidatos com problemas
na Justiça Eleitoral. Como este site mostrou em 3 de agosto, o ministro Luís
Roberto Barroso rejeitou, em julho, reclamação em que o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot,
questionava a decisão da Justiça sobre um pedido de “quitação eleitoral” –
documento que confirma que o eleitor está em dia com as leis pertinentes. O
pedido havia sido aceito e beneficiado o político sul-mato-grossense Nelson Cintra Ribeiro, sem levar em
consideração a Lei da Ficha Limpa.
Na
reclamação (RCL 24224), o procurador argumenta que Nelson foi condenado a
inelegibilidade de três anos pelo Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do
Sul (TRE-MS) por abuso de poder político. Entretanto, apesar de os fatos serem
referentes ao pleito de 2008, conforme a redação anterior da Lei 64/1990,
alterada posteriormente pela Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade atribuída
deveria ser de oito anos, e não três, como acatado pelo tribunal.
À
época, Márlon disse à esta reportagem que o próprio Supremo acompanhou o voto
do relator sobre a inelegibilidade retroativa, ou seja, referentes a acusações
anteriores à validação da lei. Ele enfatizou esperar “que a rigidez inerente à
Lei da Ficha Limpa seja preservada” pelos ministros quando a matéria for
julgada pelo plenário da Corte. Para Márlon, a reclamação apresentada por
Rodrigo Janot é “completamente válida”.
Para ver a lista dos políticos que tiveram as contas
rejeitadas pelos
tribunais de contas estaduais e municipais, clique aqui
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