Precisamos urgentemente de mais democracia
Abaixo essas instituições!
Fernão Lara
Mesquita
Jornalista
A corrupção não é “causa” de nada. É só a pior
consequência da falta de democracia. Puni-la, APENAS, não resolve coisa alguma.
MANIFESTANTES TENTAM INVADIR O CONGRESSO NACIONAL EM BRASÍLIA (DF): eles ocupam o teto do Congresso em manifestação ocorrida no dia 17 de junho de 2013. Foto: André Coelho / Agência O Globo |
Morre-se
sem hospital, o desemprego engata meio milhão por semestre, a quebradeira está
só começando, mas tudo o que o “governo
de salvação nacional” salvou foi o funcionalismo por mais quatro anos. “A condição para estabelecer um teto”,
diz ele, é arrombar o teto que há:
* R$ 60 bilhões pros
federais,
* R$ 50 bilhões pros
estaduais, nada de contrapartidas.
* E ainda faltam os
municipais.
Como em Brasília todos os
passarinhos são verdes e no Brasil quem elege é “a máquina”, não o eleitor, a
dança de acasalamento é a única que se dança por lá. O País que coma bolos...
Há algo de muito torto na
lente com que o Brasil se vê. As reações não combinam com as ações. É preciso
empurrar o pânico que grassa aqui fora pra dentro daquele mundinho sem pressa
que fabrica as crises, mas está dispensado de vivê-las. Nossa pauta política é
estranhamente colonizada. Não discutimos
nossos problemas, nossas urgências, nossas prioridades. Compramos as dos
americanos, dos alemães, dos dinamarqueses, muito mais “modernas” e
“progressistas”. Vivemos aos
trambolhões, mas só falamos dos mais refinados passos de balé. Não nos
decidimos nunca a bater a água e a farinha do bolo, mas temos tudo a dizer
sobre as coberturas que ele poderia ter se existisse. Não temos a comida e a integridade física garantidas, mas baixamos uma
lei por minuto para prevenir que quem venha a sobreviver a este nosso
olímpico descaso para com o principal incorra no risco de pensar ou sentir
“incorretamente”. O massacre é amplo,
geral e irrestrito, maior que o de todas as sírias, mas “indignação” mesmo
só com os pedacinhos dele que alimentem considerações “modernas” sobre a raça
ou o gênero das minorias identificáveis na pilha
dos 57 mil assassinados de cada ano.
Segurança
pública pra valer (e mobilidade, transporte, acesso e o mais...) só quando
inglês vier. Depois, de volta ao dilúvio... [Veja o
caso do Rio de Janeiro que estava um caos antes dos
jogos olímpicos e voltará a sê-lo após o seu término!]
FORÇAS ARMADAS PATRULHAM RUAS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: tudo isso por causa da Olimpíada, porque depois que ela acabar... |
Nós copiamos o “jeitão” das
democracias e trabalhamos feito loucos pelo aplauso de quem a pratica. Mas pra
brasileiro mesmo, nada. A Constituição americana, com 227 anos de idade, tem 7 artigos e 27
emendas. A nossa última, com 28 anos, nasceu com 250 artigos e já tem mais de
80 emendas. A deles define os sete pilares da democracia, quantos bastam para o
povo mandar nos seus governantes e não mais se deixar roubar. A nossa também os
inclui, mas soterrados em 330 exceções que garantem que fique afastado das
“excelências” o cálice da submissão à lei.
A função da Corte Suprema
deles é garantir as 7 regras, a da nossa é impor as 330 exceções. E isso faz de tudo o mais
o inverso do que parece. Consagramos o
“federalismo”, mas vivemos a ditadura tributária centralizadora do Executivo.
Instituímos “Poderes independentes”, mas, com tudo e mais alguma coisa
transformado em “norma constitucional”, base por definição de qualquer
pretensão exigível nos tribunais, o Judiciário e, no fim, o Supremo, tudo pode
decidir ou “desdecidir”. Tudo acaba sempre nos 11 e dos 11 bastam 6...
“As instituições estão
funcionando”?
Sim! Desgraçadamente!
Enquanto forem as que são, “abandonai toda a esperança, ó vós que estais dentro”. É claro que fora do rito
institucional é a selva e é dentro dele que temos de desmanchar essa confusão
fabricada. Essa história de que é
inconstitucional desconstitucionalizar o que quer que tenha sido
constitucionalizado um dia é um truque barato. Até burro dá marcha à ré
para não despencar no abismo. Para além
do rito tudo tem de ser refeito. E o caminho para isso, testado e aprovado,
existe. [Mais do que nunca, se faz necessária uma
Constituinte específica, ao menos, para mudar o nosso sistema político e
eleitoral!]
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL APROVADA EM 1988: já nasceu remendada!!! Ela tem 250 artigos, 80 emendas e 330 exceções!!! |
A raiz do câncer é a
“representação” subornada imposta à sociedade. Desde Getúlio come solta a metástase sindical. Desde 1988 come também a partidária. Continuam “deles” as estatais, estoque de
feudos a serem distribuídos aos barões que sustentarão o rei da vez. É isso
que garante que tudo apodreça antes de amadurecer. Não há quem não saiba, não
há quem não veja. Mas é proibido dizer. Vamos
em frente esmurrando a faca, “proibindo” no papel que se produzam na vida real
as consequências obrigatórias das causas que nos recusamos a remover.
Não
dá mais. Batemos no osso. Agora é física a impossibilidade de levar a vida “arrecadando”.
A alternativa para o certo é o errado. Não há meias medidas. Ou mudamos pra valer, na raiz, ou nos
arrebentamos todos. A corrupção não é “causa” de nada.
É só a pior consequência da falta de democracia.
Puni-la, apenas, não resolve coisa alguma. O
que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia.
O
Brasil não é imune à democracia. Apenas não tem ideia do que ela é. Desenhar
instituições – democráticas ou antidemocráticas – é encadear dependências. É
isso que determina o jogo. O nosso é mais explícito a cada ato. Na ordem institucional, como na vida, manda
quem tem o poder de demitir. Você
está sendo demitido, mesmo fazendo tudo certo, porque “eles” não podem ser
demitidos mesmo fazendo tudo errado. Nem quando a República sucedeu ao
Império, nem nas idas e voltas das ditaduras, jamais mudou a nossa maneira antidemocrática de encadear dependências.
Descartem-se
os bandidos para efeito de raciocínio. Democracia é o povo no poder, nem mais nem menos.
Mas nem os nossos “liberais” nem os nossos “desenvolvimentistas” mais
bem-intencionados contemplam a sério a ideia de pôr o povo no poder e
submeter-se à vontade dele. Criticam-se
mutuamente as “intenções”, mas só reivindicam uns o lugar dos outros no
controle das mesmas alavancas.
É
isso que tem de mudar. Revoluções só
acontecem de baixo para cima e, no limite em que estamos, nós vamos ter uma
logo, controlada ou não. O “recall” é a chave comutadora. Dá ao povo o poder de demitir e reformar
Estado adentro e o voto distrital permite que
essa revolução aconteça com segurança e sem dor. Plantadas nos municípios
essas sementes da saúde já invertem irreversivelmente a cadeia das dependências
e, com ela, a das lealdades. Daí em diante o desmonte da doença acontece
sozinho, pedaço por pedaço.
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