Shopping é um lugar bem triste
Tati Bernardi
Escritora,
redatora, roteirista de cinema e televisão
O shopping é um lugar muito triste, mas nós também
somos. Por isso lotamos nosso templo, ainda que, se perguntados, vamos dizer
que estamos com pressa.
O
shopping existe desde antes de eu nascer, mas nem por isso deixo de me
maravilhar, semanalmente, com sua existência. Claro que eu falo pras pessoas
que acho um troço deprê, que evito ao máximo. Pega bem odiar o shopping.
"Deus me livre ir ao shopping" pode ser entendido também como "gosto
mesmo é de um bom sebo".
Mas
a verdade é que, por dentro, estou sempre pensando: então existe mesmo esse
lugar em que você pode comer no Ráscal
(apesar de achar que só vale a pena pra quem come muito), comprar mais uma
sandália na Arezzo (não vou usar, mas
eles vivem em promoção e são os únicos com bastante opção no 33) e pagar por
uma tela decente de cinema (mesmo não curtindo a maioria dos filmes que passam
no shopping e detestando os adolescentes que não calam a boca atrás de você)?
Sim!
O
shopping é um lugar mágico em que todas as ruas são retas e lisas e limpas e
bem iluminadas. Talvez paulistano goste
de shopping apenas porque odeia suas ruas. Cinco minutos andando em
Perdizes, onde moro, é a certeza de dores, suores, poeiras, bostas nos sapatos
e tem um mendigo na esquina da João Ramalho com a Ministro Godói que cisma em
cuspir em mim.
Cada
uma daquelas casinhas perfumadas e cheias de pessoas sorridentes é um convite
delicioso a melhorar seu dia. Mais uma almofada pra quê? Mais uma camisa branca
pra quê? Mais uma bota preta pra quê? Eu não sei, mas essas mesmas coisas que continuo comprando e essas mesmas casinhas
perfumadas e essas pessoas que me adoram falsamente naquele curto espaço de
tempo perdido pra sempre são como uma repetição nervosa e solitária e
compulsiva que me possibilita não assassinar humanos ou me fazer pequenos
cortes. Obrigada, shopping!
O
shopping é um lugar muito triste, mas nós também somos. Por isso lotamos nosso
templo, ainda que, se perguntados, vamos dizer que estamos com pressa. Que foi
um sacrifício aquela paradinha naquele lugar terrível. Vim só resolver uma
chatice de um presente. Ai, que saco, tenho que ir ao shopping! Mentira,
estamos maravilhados. Estamos no castelo
erguido para celebrar nossa solidão e tristeza e medo e compulsão.
TATI BERNARDI Autora deste artigo |
Lembro
quando a Vivenda do Camarão chegou ao
Center Norte. Eu me achava tão rica e tão fina e tão vivendo a vida loucamente
quando pedia arroz à grega com camarão. E não parava por aí, não! Depois eu ia
na Le Postiche e ficava louca com
aquelas bolsas. Eu já amava shopping mesmo quando ainda era só um ensaio.
Tento
lutar contra esse amor há anos, sempre que posso o desmereço com impropérios do
tipo "lugar de gente idiota".
Sou gente idiota! Corto o cabelo, almoço, compro sem parar, vejo todos os
filmes, tenho enjoo com aquela pipoca amanteigada, passeio com minha cachorra,
faço meus xixis, conheço vendedoras pelo nome, adoro a palavra
"boulevard" apesar de não saber o que é isso. Estou velha demais pra fazer de conta que prefiro coxinha a céu aberto
em boteco hypado de bairro violento. Eu gosto mesmo é do Higienópolis. Ele
consegue ser Pátio e Boulevard ao mesmo tempo, ainda que eu não tenha a menor
ideia do que isso significa.
Ontem
tirei dinheiro, fiz design de sobrancelhas, comprei 11 pares de meias, comprei
dois pares de palmilhas siliconadas, comprei um negócio que você enche de água
e liga na tomada e a água ferve em segundos, almocei em um restaurante japonês,
comprei uma escumadeira, comprei chocolate, comprei Tramal (ópio, meus amigos!). Tudo isso em quantos lugares? Apenas
em um. Sem suar, sem sorrir. Culpada e
maravilhada.
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