Índios reagem ao aumento da violência contra seus direitos
Povos e comunidades tradicionais ocupam auditório da
Câmara e presidente Rodrigo Maia afirma que não colocará PEC 215 para votação
Conselho
Indigenista Missionário – CIMI
Em reunião com lideranças de povos indígenas,
quilombolas e pescadores e pescadoras artesanais na manhã desta quarta-feira
(10 de agosto), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
afirmou que não pretende colocar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215
em votação e comprometeu-se a não prorrogar a Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) contra a Funai e do Incra.
ÍNDIOS PROTESTAM E OCUPAM AUDITÓRIO "NEREU RAMOS" DA CÂMARA DOS DEPUTADOS na celebração no Dia Internacional dos Povos Indígenas Terça-feira, 9 de agosto de 2016 |
A
reunião foi parte do acordo para a desocupação
do auditório Nereu Ramos, no anexo II da Câmara, que foi ocupado na noite de
terça (9 de agosto), ao término da audiência em homenagem ao Dia Internacional dos Povos Indígenas,
por cerca de 200 lideranças e representantes de povos e comunidades
tradicionais.
Parlamentares
aliados dos povos indígenas e o presidente da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias (CDHM), Padre João (PT-MG), acompanharam a reunião. Além de cobrarem a
posição do presidente da casa em relação à Proposta
de Emenda à Constiuição 215 [PEC 215], que pretende inviabilizar as demarcações de terras indígenas, e à Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] contra a Funai e o Incra, os povos e
comunidades tradicionais entregaram a Maia um documento contendo reivindicações
acerca de projetos que tramitam na Câmara e dizem respeito aos seus direitos.
“Quando disputei a
presidência da Câmara, eu me comprometi a não pautar projetos polêmicos”, afirmou o deputado Rodrigo
Maia (DEM). “O meu compromisso é ter uma casa com mais harmonia. Isso também se
refere à PEC 215, que tem muita gente que defende, mas ela certamente gera um
ambiente de radicalismo na casa. A minha
pretensão nesses meses, até fevereiro, é que esses projetos não cheguem ao
plenário, para que possamos ter uma pauta consensual”.
RODRIGO MAIA RECEBE REIVINDICAÇÕES DAS MÃOS DO CACIQUE NAILTON PATAXÓ HÃ HÁ HÃE da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, na Bahia |
CPI
sem prorrogação
Outra
ação da bancada ruralista na Câmara dos Deputados que preocupa os povos
originários e comunidades tradicionais é a prorrogação
ao infinito da CPI contra a Funai e o Incra, que já se arrasta por dez meses.
Questionado,
o presidente da Câmara também afirmou às lideranças que não prorrogará nenhuma
CPI, pois esta é uma decisão que cabe ao plenário da casa. “Me comprometi que eu não tomaria nunca mais
uma decisão de prorrogação de CPI sozinho”, disse Maia. “Não haverá, por
parte do presidente, nessa e nas outras CPIs, uma decisão monocrática, que eu
acho que é um poder muito grande e acho que não é o correto. O correto é que o plenário decida”.
O
presidente anterior da Câmara, Eduardo
Cunha, prorrogou a CPI da Funai e do Incra “ad referendum”, ou seja, sem a decisão do plenário, o que fere o
regimento da casa. Além dela, outras
duas comissões parlamentares de inquérito estão chegando ao seu prazo final e
sua prorrogação deve ser colocada em breve na pauta do plenário, onde os
deputados financiados pelas grandes empresas do agronegócio são maioria.
Além
de comprometer-se com as lideranças e assinar o documento que lhe foi entregue
com reivindicações, Rodrigo Maia afirmou que foi importante ouvir o “outro
lado”. “Para mim é muito importante ter essa oportunidade de conhecer melhor a
realidade de nosso país, de conflitos. Quando
vocês quiserem, a Casa está aberta para que todos possam dar a sua opinião,
debater e discutir todos os temas de interesse da sociedade brasileira”,
concluiu.
Maia
assumiu a presidência da Câmara após a renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ao
cargo, em julho, em mais uma das manobras do parlamentar para salvar o seu
mandato. Em maio, Cunha havia sido afastado do mandato e da presidência da casa
por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), após sucessivas manobras para
evitar o andamento de um processo contra ele no Conselho de Ética - o qual, em
junho, acabou aprovando um relatório recomendando sua cassação, que ainda
aguarda votação do plenário.
Os compromissos assumidos
por Maia com os povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais
devem valer até fevereiro de 2017, quando ocorrerão novas eleições para a mesa
diretora da casa.
RITUAL COM CANÇÕES E DANÇAS INDÍGENAS marcou a ocupação do Auditório "Nereu Ramos" pelos indígenas, quilombolas e pescadores |
Ritual
na Câmara
“Hoje esse auditório Nereu Ramos virou uma
cabana de ritual”, afirmou o cacique Nailton
Pataxó Hã Hã Hãe, anunciando a ocupação do auditório no encerramento da
audiência promovida pela Comissão de
Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
Vindos
de Maranhão, Bahia, Rio Grande do Sul, Pará, Tocantins, entre outros, participaram da audiência indígenas dos
povos Gavião, Krikati, Gamela, Guajajara, Kaingang, Guarani Mbya, Pataxó Hã Hã
Hãe, Macuxi e Tupinambá, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais e
comunidades extrativistas.
Assim
que a ocupação foi anunciada, todos os acessos ao auditório Nereu Ramos foram
fechados pela segurança legislativa. Povos indígenas e comunidades tradicionais
ficaram isolados e até o acesso aos banheiros foi restrito. Apesar da pressão,
indígenas e quilombolas realizaram rituais com cantos, danças e rezas durante
as cerca de três horas que a ocupação durou.
QUILOMBOLAS E PESCADORES PROFISSIONAIS se uniram para reivindicar seus direitos durante ato no Auditório "Nereu Ramos" da Câmara Federal Terça-feira, 9 de agosto de 2016 |
Além do fim da CPI da Funai
e do Incra e da rejeição da PEC 215, os povos manifestaram-se contra o marco
temporal e pela demarcação e titulação de seus territórios tradicionais. Os indígenas também
rejeitam de forma veemente a nomeação de militares para a presidência da Funai,
como vem sendo cogitado pelo governo interino.
Pescadores e pescadoras
artesanais também reivindicam a regularização de seus territórios pesqueiros, o restabelecimento dos
registros de pescadores que foram cancelados recentemente e o respeito a seus
direitos previdenciários.
Em
um dia de forte repressão no Congresso Nacional, os povos indígenas e
comunidades tradicionais também manifestaram sua solidariedade aos movimentos
populares que foram barrados e agredidos na Câmara e no Senado e sua postura em
defesa da democracia.
ÍNDIOS OCUPAM O AUDITÓRIO "NEREU RAMOS" COM SUAS MÚSICAS E DANÇAS durante protesto contra projetos de lei que destroem direitos indígenas adquiridos |
Contra
os projetos de morte
No
documento entregue ao presidente da Câmara, os indígenas, quilombolas,
pescadores e extrativistas pedem a rejeição da PEC 215, que pretende transferir a
competência das demarcações e titulações de terras indígenas e quilombolas do
Executivo para o Congresso Nacional. Os povos afirmam que, além de ser
inconstitucional, a PEC “agride frontalmente nosso direito originário sobre as
terras que tradicionalmente ocupamos, pois abre margem para que terceiros
possam vir a explorá-las”.
Os
povos ainda afirmam, em seu documento, que a
CPI da Funai e do Incra, na prática, “vem servindo para estimular, nas mais
diversas regiões do Brasil, ações políticas e a prática de violências contra
nossos povos e comunidades”.
Além
destas duas questões, os povos e comunidades tradicionais também
manifestaram-se contra a aprovação do
Projeto de Lei (PL) 4059/2012, que tramita em
regime de urgência e pretende avalizar a
compra de terras, inclusive as públicas, por empresas estrangeiras. “Esse
projeto constitui-se numa violação à soberania de nosso país”, afirmam no
documento, pedindo a retirada da urgência na tramitação do PL 4059.
“Os
fazendeiros contam com a PEC 215”
A
audiência pública em homenagem ao Dia
Internacional dos Povos Indígenas realizada pela CDHM no auditório Nereu
Ramos ocupou praticamente toda a manhã e tarde da terça-feira. À mesa,
representantes de povos indígenas, quilombolas, pescadores e extrativistas
revezaram-se falando sobre as diversas situações que enfrentam Brasil adentro.
Esta
mesma indignação foi apresentada ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelas
lideranças que participaram da reunião ocorrida na manhã desta quarta (10 de
agosto).
“Eu entrei na liderança em
1975, tenho 70 anos de vida e 41 de liderança e te garanto que o pior tempo que estou atravessando, dentro
de nossas comunidades, na nossa caminhada, é esse de hoje”, afirmou Nailton Pataxó Hã
Hã Hãe, cacique da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, na Bahia.
“A
PEC 215 é uma PEC que apareceu há 16 anos na vida dos índios, e já foi
engavetada diversas vezes. Os
fazendeiros da região contam com a aprovação da PEC para dar continuidade à
expulsão dos índios. Eles têm os seus matadores de aluguel para insultar e
assassinar o nosso povo”, relatou Nailton.
Proposta
por Almir Sá no ano de 2000, a PEC
215 foi aprovada em outubro de 2015 na Comissão Especial criada para analisá-la
na Câmara dos Deputados e, agora, estaria pronta para ir à votação no plenário,
onde os ruralistas - principais
inimigos dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e demais comunidades
tradicionais - detêm a maior bancada. Se já era inconstitucional, por ferir a
separação entre os poderes da República, a
PEC ficou ainda mais agressiva no relatório do ruralista Osmar Serraglio
(PMDB-PR) que foi aprovado na comissão em 2015. Como foi aprovada, a PEC inviabiliza novas demarcações e titulações de
terras e cria insegurança para as áreas já demarcadas e tituladas.
A
liderança Pataxó Hã Hã Hãe também citou os
ataques que têm ocorrido contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, “às
claras do dia”, explicando que as iniciativas da bancada ruralista no
Congresso Nacional acabam respaldando e incitando à violência contra os povos
indígenas. “Hoje, todas as comunidades
indígenas do Brasil clamam pelo fim dessa situação sangrenta que está
acontecendo contra nosso povo”, concluiu Nailton.
Fátima Barros, da Articulação Nacional de
Quilombos, criticou a invisibilidade dos povos e comunidades tradicionais e a
instabilidade que foi recentemente instaurada em relação ao processo de
titulação dos territórios quilombolas – cuja competência, com o afastamento de
Dilma Rousseff e o início do governo interino, chegou a ser transferida para o
Ministério da Educação e Cultura, em seguida para Ministério do Desenvolvimento
Social e Agrário e finalmente para a Casa Civil.
“Nós
somos cerca de cinco mil territórios quilombolas e temos apenas 158 que são
titulados. Só esse ano, na mudança do governo interino, nós tivemos três
mudanças em relação à titulação das nossas terras. Isso cria uma barreira,
inclusive, de diálogo entre as comunidades e esse setor de demarcação
territorial. Cada vez são colocadas mais barreiras para que esses territórios
não sejam devolvidos para nós”, afirmou Fátima.
“Trazemos
aqui a nossa indignação, e não estou falando de uma indignação de hoje, mas de
séculos de exclusão. Não aceitamos essa invisibilidade em que colocam nossas
comunidades. O legislativo nos trata de
forma diferente, quando dificulta nosso acesso a esta casa. Reconhecemos a
importância desse momento, de poder dialogar minimamente. Mas, é mínimo, porque
concretamente, não temos avançado. Nossos direitos originários estão sendo
negados, e isso nós vamos exigir sempre”, concluiu a liderança quilombola.
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