Falácias sobre o ajuste fiscal
Fernando de
Aquino Fonseca Neto
Doutor
em Economia pela UnB (Universidade de Brasília),
e
conselheiro do Conselho Federal de Economia - Cofecon
Num país com tamanhas injustiças sociais e
desigualdades de oportunidades, os próprios benefícios previdenciários precisam
ser entendidos de modo mais amplo, similar à ideia de imposto de renda
negativo, por isso com fontes de financiamento adicionais.
FERNANDO DE AQUINO FONSECA NETO |
Nestes
tempos de aguda polarização política, o elevado valor alcançado pelo deficit
público é irrefletidamente, ou maliciosamente, denunciado como culpa,
unicamente, do governo afastado (falácia 1).
O ajuste fiscal é uma necessidade que se
autoalimenta – quanto mais é alardeado, menos os agentes econômicos
compram, menos é produzido, mais trabalhadores são demitidos, menos é
arrecadado e mais o deficit aumenta.
Na
realidade, antes de todo esse alarde por parte dos opositores ao governo
eleito, o deficit mantinha-se em magnitudes controláveis, sem maiores
transtornos.
Atualmente,
quando medidas mais fortes se tornaram necessárias, insiste-se em outras
falácias. Por exemplo: é mais justo e
benéfico para a economia que o Estado "corte na própria carne",
pois foi ele quem gastou o que não tinha, por isso não deve mandar a conta para
a população (falácia 2).
O Estado nada mais é do que
uma ficção jurídica. Não tem "carne para
cortar", apenas transfere recursos, para realizar serviços e
investimentos públicos ou para agentes econômicos. Assim, importa avaliar quem
o ajuste fiscal irá afetar.
Nesse
contexto, nada tem sido mais odioso nas
discussões de possíveis ajustes previdenciários no Brasil do que o argumento de
que os benefícios precisam ser totalmente
financiados pelas contribuições dos trabalhadores e empregadores (falácia 3).
Não
importa se tal critério possa ser pertinente em economias mais avançadas. Num
país com tamanhas injustiças sociais e desigualdades de oportunidades, os próprios benefícios previdenciários
precisam ser entendidos de modo mais amplo, similar à ideia de imposto de renda
negativo, por isso com fontes de financiamento adicionais.
A
propósito, o próprio sistema tributário
nacional vigente já contempla outras fontes de financiamento dos benefícios
previdenciários, como a Cofins e
a CSLL.
Elevação
na idade mínima para aposentadoria seria equivalente a postergar e, portanto,
diminuir o tempo de recebimento de um bônus destinado aos que recebem as
menores rendas, disfarçado de sustentabilidade do sistema previdenciário
público.
E o que dizer do aumento de
impostos? A
opinião mais difundida é que o contribuinte, no Brasil, não aguenta mais tantos
impostos, a maior carga tributária entre os países emergentes, superando a de
vários países desenvolvidos, e ainda assim os serviços públicos prestados pelo
Estado são ruins (falácia 4).
Claro
que é uma opinião bastante sedutora, dado que ninguém gosta de gastar seu
dinheiro com impostos. Diversos estudos, porém, mostram que a carga tributária no Brasil é menor entre
os mais ricos, o que é mascarado pela carga média geral, utilizada nos
argumentos contrários a qualquer aumento de tributos. [Da
forma que está, é verdade que a classe média e a baixa pagam, em proporção,
mais impostos que a classe rica!]
A
forma com que venha a ser implementado não é menos importante que o próprio
ajuste. Nesse sentido, dois fatores precisam ser considerados: a regressividade e a recessividade das medidas escolhidas.
Medidas
que venham a onerar os pobres e a classe
média são desfavoráveis tanto em termos de justiça e bem-estar,
considerando que eles dependem mais de suas rendas disponíveis, quanto do ponto
de vista da sustentação da demanda agregada, pois os mais ricos não precisarão reduzir seus gastos para pagarem mais
tributos, uma vez que os recursos podem vir de suas poupanças.
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