Egito: ''O Ocidente não entendeu nada, o Exército defende o povo''
Andrea Purgatori
jornal Huffington Post
18-08-2013
Apoiadores de Morsi, presidente egípcio deposto, protestam no Cairo |
Um país que corre o risco da guerra civil, uma minoria violenta que não aceita ter perdido o poder, grupos armados prontos para toda devastação, e o Ocidente que, como de costume, não entende e não se inclina do lado da maioria pacífica da população que quer uma transição para a democracia. Essa é a análise contracorrente, do Cairo, do padre X, especializado em Islã e profundo conhecedor da realidade egípcia (não divulgamos o seu nome por motivos de segurança pessoal).
Eis a entrevista.
O que está acontecendo no Egito, padre?
Padre "X": O que a informação ocidental desviada não conta.
Em que sentido?
Padre "X": Só se fala da Irmandade Muçulmana e não todo o resto. Do que aconteceu antes e depois.
No Cairo, e não só, está em curso um confronto armado entre a Irmandade e o Exército. É disso que se trata agora.
Padre "X": Desejado por quem? Vocês não se perguntaram isso? Vocês escrevem sobre golpe militar de uma forma muito superficial. Vocês não viram que 30 milhões de egípcios saíram três vezes às ruas para exigir a mudança? O Exército está fazendo a sua parte para salvar o país da devastação. E a legitimidade está com esse povo, pacífico.
Também não era legítima a vitória de Morsi?
Padre "X": Foram 51% muito discutíveis. No entanto, quando um presidente se torna um ditador, de acordo com vocês, ele continua sendo legítimo?
Você fala da Irmandade Muçulmana como de uma minoria.
Padre "X": Mas é óbvio. Eles venceram, depois tomaram medidas que subverteram tudo. Uma Constituição aprovada por 16% da população é ridícula. Na verdade, o país estava caminhando para uma ditadura que tinha apagado completamente qualquer possibilidade de oposição.
Ilegítima do ponto de vista dos números, é isso que você está dizendo?
Padre "X": Do ponto de vista de qualquer lei internacional. O Ocidente está demonstrando que não têm nenhum senso de democracia, começando pelos Estados Unidos. Porque é evidente que, quando um presidente se torna um ditador, ele está deslegitimado.
Portanto, as posições tomadas em favor da Irmandade Muçulmana por Obama, pela União Europeia e pelas monarquias do Golfo, a seu ver, são medidas superficiais?
Padre "X": Eu não sei o que está por trás disso. Talvez grandes interesses. Todo mundo diz isso.
Ou o medo de se inimizar com aqueles que poderiam vencer?
Padre "X": Eu não sei. Não me interessa. Eu valorizo o que eu vejo. E aqueles 30 milhões de egípcios nas ruas por três vezes contra um presidente que havia tomado para si todos os poderes são um fato indelével. Então, honra àquele povo que soube demonstrar a sua própria discordância sem qualquer forma de violência.
Corre-se o risco de uma guerra civil?
Padre "X": Claro, eles puxaram a corda de propósito, com o objetivo de ir para o confronto nas ruas. A violência só veio do outro lado.
Da Irmandade Muçulmana.
Padre "X": Eu leio os jornais, e parece que aqui o Exército se diverte massacrando as pessoas. É uma descrição da situação absolutamente anormal. Na ponte aqui perto, estão tentando detê-los porque são devastadores. Queimaram casas, bibliotecas, ministérios... Mas vocês não veem?
Os cristãos correm muitos riscos neste momento?
Padre "X": Esse não é um movimento pacífico, mas sabíamos disso. E também se sabia que havia grupos prontos para tudo. Que, como no tempo das nossas ditaduras, agora espalham o terror entre as pessoas. Igrejas ou mesquitas, não faz diferença [leia matéria abaixo].
Existe uma saída?
Padre "X": Eu espero que sim. Espero que ainda haja pessoas de boa vontade que tenham a coragem de tomar nas mãos as rédeas do país. Civis, técnicos, homens e mulheres que tragam no coração o destino deste país maravilhoso. Os sinais existem, e o racha interno da Irmandade que gerou o movimento da Irmandade sem violência demonstra isso.
Mas por que El Baradei não conseguiu?
Padre "X": Ah, isso eu não sei. Coisas suas.
Quantos são os Irmãos Muçulmanos?
Padre "X": É difícil dizer. Quando eles venceram as eleições políticas, eram 60%; agora eu posso responder que, com a sua política ditatorial, eles foram capazes de fazer com que 30 milhões de opositores saíssem às ruas.
Existem forças externas que querem o caos?
Padre "X": Existem, aqui e em todo o Oriente Médio.
Alguns dizem que o que está acontecendo é o triunfo de Mubarak.
Padre "X": Os ditadores sempre dizem isso.
Você consegue caminhar tranquilamente pelo Cairo, padre?
Padre "X": Não, agora não. Mas as pessoas precisam trabalhar, e o tráfego de manhã retoma por força das circunstâncias. Há dois anos este país está de joelhos.
Até que ponto os estrangeiros podem ficar tranquilos?
Padre "X": Ah, bem... Ainda estamos à mercê desses bandos armados que podem fazer o que quiserem.
Existe alguma coisa que você deseja acrescentar, padre?
Padre "X": Não a você. É a [Emma] Bonino [ministra das Relações Exteriores da Itália] que eu gostaria de dizer algumas palavras...
Tradução do inglês por Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 21 de agosto de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522905-egito-o-ocidente-nao-entendeu-nada-o-exercito-defende-o-povo
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''Estamos sob ataque, 70 igrejas incendiadas'':
os cristãos coptas no terror
Pietro Del Re
La Repubblica (Roma - Itália)
21-08-2013
Igrejas cristãs incendiadas e destruídas no Egito |
Nos dias em que o Exército desocupa as praças e as mesquitas do Cairo ocupadas pela Irmandade Muçulmana, em Fayoun, Suez, Gizé, Minya e na própria capital, outros coirmãos queimam as igrejas coptas, agridem bispos e monges, sequestram os fiéis depois de destruir suas casas.
Essa onda de violência, que os islâmicos justificam pelo fato de que a Igreja copta apoia os protagonistas do golpe de Estado do dia 30 de junho, aterroriza a minoria cristã do Egito (10% de uma população de cerca de 84 milhões), já provada pelas vexações sofridas durante a presidência de Mohammed Morsi.
"Estamos sob ataque. A cada hora recebemos notícias de um convento, de uma igreja ou de uma casa pertencente a um cristão em chamas", explica o sacerdote copta Bola Morkos, que encontramos na Igreja de Santa Maria do Cairo. "Até hoje, as igrejas atacadas, católicas, ortodoxas ou evangélicas, são mais de 70".
O bispo de Giza, Antonius Aziz Muna, aponta o dedo contra a Irmandade, que diz estar ligada à Al-Qaeda e ao Hamas. "O seu objetivo? Propagar as desordens em todo o país". Enquanto isso, o bispo copta católico de Luxor, Dom Youhannes Zakaria, vive há dias segregado em casa porque está sitiado pelos islamitas: "Os manifestantes pró-Morsi chegaram ao bispado gritando 'Morte aos cristãos'. Fomos salvos pela polícia, e agora o exército patrulha o edifício com dois veículos blindados".
Dom Younannes Zakaria - bispo copta-católico de Luxor |
Mas soldados e policiais não conseguiram impedir que as chamas destruíssem muitas outras igrejas, incluindo as de São Jorge, em Arish, de Santa Maria, em El Naziah, de Santa Damiana, em Fayoum, de Santo Antônio, em Gizé.
A raiva islâmica não poupou os bens dos cristãos, porque, nestas horas, também foram destruídas e saqueadas 85 lojas, 58 casas, 16 farmácias e três hotéis. Segundo o balanço fornecido pela Asia News, contam-se entre os cristãos sete mortos e centenas de feridos. A região mais atingida é a do Alto Egito, onde, com medo de novas violências, os coptas se entrincheiraram em suas casas.
Como explica Viviane Fouad, ativista pelos direitos humanos e muito próxima do papa copta, o patriarca de Alexandria, Teodoro II, nos últimos dias, os islamitas sequestraram vários comerciantes cristãos na esperança de obter um resgate.
"Durante a presidência Morsi, tínhamos perdido a nossa identidade: não só não éramos representados por nenhum político, mas também a Irmandade tinha tentado até nos impedir de celebrar o Natal e a Páscoa. Vivemos a revolução do dia 30 de junho passado como uma libertação do opressor", acrescenta Fouad.
Talvez seja por isso que, no dia 3 de julho passado, depois da destituição de Morsi, Teodoro II apareceu na TV ao lado do general Abdel Fattah Al-Sisi, o novo rais do Cairo. "E seria essa a nossa culpa? Seria esse o motivo de tanto ódio contra nós?", exalta-se o sacerdote de Santa Maria. "Não, o rancor que a Irmandade Muçulmana alimenta por nós é mais antigo, tem raízes mais profundas. São pessoas sanguinárias, intolerantes, que amam a violência".
São tão violentos a ponto de merecer a sanguinária repressão do exército?, perguntamos. "Sim, porque são terroristas", responde o sacerdote Bola Morkos. "Quando saem às ruas, duas em cada dez pessoas estão armadas. Mas as outras oito as protegem, as escondem, se preciso, as ajudam a fugir quando a polícia chega".
Recém-eleito presidente, Morsi havia se declarado o defensor dos coptas, mas, pouco depois, aprovou uma Constituição que, embora defendendo a liberdade de culto, estabelecia que o Islã era a religião de Estado. Para eles, que se consideram os primeiros egípcios – porque a palavra "copta" vem do grego aigyptios (que se tornou primeiro gipt e depois qibt) e cujas origens remontam à pregação de São Marcos no ano 42 d.C. –, é um banho de água fria.
Para a maior comunidade cristã do Oriente Médio, o presidente depois deposto se tornou um inimigo. Foi assim que os coptas decidiram apoiar o exército do general Al-Sisi, que os retribui como pode, mas não o suficiente. A não ser instrumentalizando as violências contra os coptas para justificar o tacão de ferro debaixo do qual está esmagando os "terroristas".
Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta-feira, 22 de agosto de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522956-estamos-sob-ataque-70-igrejas-incendiadas-os-cristaos-coptas-no-terror
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