«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 31 de dezembro de 2017

APLICATIVO AJUDA A PREPARAR HOMILIAS

Vaticano lança um app para preparar as
homilias dominicais

Agências
Religión Digital

Iniciativa é da Congregação para o Clero e da Secretaria para a Comunicação
Responsável é o padre jesuíta Marko Ivan Rupnik

A Congregação para o Clero e a Secretaria para a Comunicação do Vaticano lançaram o aplicativo «Clerus-App» (para baixá-lo e conhecê-lo, clique aqui) para ajudar párocos e sacerdotes a preparar as homilias dominicais, informou o diário vaticano, L’Osservatore Romano.

O aplicativo é um «instrumento ágil» destinado «principalmente aos párocos e sacerdotes, porém também àqueles que desejam ter um comentário semanal sobre a Palavra de Deus».

Supervisionado pelo técnico informático do dicastério, Alessandro Haag, atualiza-se a cada quinta-feira com a inclusão da homilia do domingo seguinte.

Por ora, a preparação das homilias foi confiada ao jesuíta Marko Ivan Rupnik.

Por enquanto, os textos estão disponíveis somente em italiano, porém a intenção é oferece-los proximamente em outros idiomas, segundo o diário vaticano.

O aplicativo é gratuito e oferece a possibilidade de escutar a leitura da homilia, escrever notas no texto, arquivar comentários e descarregar conteúdos sem conexão com internet.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Religión Digital – Vaticano – Sábado, 30 de dezembro de 2017 – 17h44 (Horário Centro Europeu) – Internet: clique aqui.

Uma Igreja sem a Eucaristia!

A imensa maioria da população da Amazônia não
tem possibilidade de participar da Eucaristia

Entrevista com Dom Erwin Kräutler
Bispo emérito da Prelazia do Xingu

Luis Miguel Modino
Religión Digital

Sínodo da Pan-Amazônia buscará escutar a voz dos povos indígenas:
«O objetivo é buscar novos caminhos de evangelização e
preservação da natureza»
DOM ERWIM KRÄUTLER

A vida e missão de Dom Erwin Kräutler estão profundamente unidas à Amazônia brasileira. Nascido na Áustria, o religioso da Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, chegou à Prelazia do Xingu em 1965. Depois de trabalhar como sacerdote na região, foi ordenado bispo em janeiro de 1981, sendo bispo titular da maior circunscrição eclesiástica do Brasil, com uma extensão de 311.000 quilômetros quadrados, até 2016.

Ao longo de seu ministério episcopal, desempenhou e continua desempenhando diferentes trabalhos a serviço da Igreja do Brasil e dos povos da Amazônia. Foi por muitos anos presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Missionária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), participou como delegado das Conferências do CELAM em Santo Domingo e Aparecida, assim como do Sínodo da Igreja na América.

Atualmente, é Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia (entidade que faz parte da CNBB), assim como Presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) no Brasil.

Para além desses serviços, o que sempre prevaleceu na vida de Dom Kräutler, é seu compromisso profético na luta pelos direitos das comunidade camponesas e indígenas e pela preservação ambiental na região amazônica, campo em que atuou junto a uma das mártires da Amazônia, a irmã Dorothy Stang, brutalmente assassinada em fevereiro de 2005.

O bispo emérito do Xingu, tampouco, calou-se diante do abuso sexual de meninas e adolescentes por parte de alguns políticos, da execução de menores, das práticas dos grandes proprietários de terra que incluíam trabalho escravo, assim como, contra a construção de um dos mega projetos com maior impacto ambiental na região amazônica, como é a hidrelétrica de Belo Monte, que acabou com a vida de muitas comunidades indígenas e camponesas.

Tudo isso provocou ameaças contra sua vida, que se concretizaram em uma tentativa de assassinato em 1987, em uma das estradas da região, onde morreu um sacerdote que o acompanhava, e no fato de viver durante muitos anos sob proteção policial.
Dom Kräutler com indígenas de sua região na Amazônia

A partir de tudo isso, podemos afirmar que Dom Kräutler terá um papel destacado no Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia, que o Papa Francisco convocou para outubro de 2019 e que já está em fase de preparação. O prelado considera o Sínodo como «algo inédito», com o qual «sonhávamos», algo que nasce de «uma profunda admiração, um profundo carinho pela Amazônia» por parte do Papa Francisco.

Em sua opinião, o Sínodo será um momento para refletir sobre alguns assuntos cada vez mais presentes na vida da Igreja da Amazônia. Um deles é a celebração da Eucaristia nas comunidades, aspectos sobre o qual falou em uma entrevista com o Papa Francisco em abril de 2014.

Dom Kräutler afirma na entrevista que «para essa gente a Eucaristia converte-se em algo estranho, que não conhecem, não tem uma relação íntima com a Eucaristia», o que não é muito consequente levando em conta que «o específico de nossa fé católica é a Eucaristia, e uma comunidade que não tem Eucaristia, até nos documentos conciliares, nos documentos dos papas, se diz que não existe comunidade cristã, a não ser ao redor da mesa da Eucaristia».

Nesse sentido, o bispo assinala que «não se trata de celibato sim ou celibato não, o problema não está nesse ponto. O problema é que temos uma Igreja na qual a imensa maioria da população da Amazônia não tem possibilidade de participar da Eucaristia». Por isso, esta será uma das questões  que, com grande certeza, deverá fazer parte das discussões sinodais, assim como de sua preparação.

Ao mesmo tempo, a entrevista manifesta o destacado papel que os povos indígenas terão no Sínodo, a quem «vamos escutá-los, como temos escutado a quem participou dos seminários da REPAM» [Rede Eclesial Pan-Amazônica]. Não podemos esquecer que o Sínodo será um novo passo numa dinâmica iniciada com o Concílio Vaticano II e que se acentuou com a Laudato Si’ [Carta Encíclica de Papa Francisco].

Eis a entrevista:
Dom Erwin Kräutler de barco pelo rio Amazonas

O que se pode supor do Sínodo para a Igreja da Amazônia?

Dom Erwin Kräutler: Em primeiro lugar, que o Papa tomasse a iniciativa de convocar o Sínodo, para nós é algo inédito. De fato, sonhávamos com isso, pois sabemos que a Amazônia é algo especial, que não se pode comparar com nada em todo o mundo. Sabemos também que os problemas da Amazônia e a caminhada da Igreja na Amazônia têm algo de especial. Hoje, nós enfrentamos grandes desafios.
Descobrimos que o Papa, desde o princípio, tem uma profunda admiração, um profundo carinho pela Amazônia. Eu estive com o Papa em 4 de abril de 2014, e nesse momento eu mudei. Fui como Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia (entidade que integra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e falamos sobre a Amazônia, sobre os povos indígenas, sobre todos os assuntos que se referem a essa macro região.

E nessa entrevista, o senhor falou com o Papa sobre como resolver o problema da celebração eucarística nas comunidades. Pode ser esse um dos temas do Sínodo?

Dom Erwin Kräutler: Pode ser. Quando o Papa convocou o Sínodo, disse que o objetivo do Sínodo seria buscar novos caminhos de evangelização, com um enfoque especial para os povos indígenas, e a preservação da Amazônia com respeito à natureza, à criação. Nesse ponto, a Amazônia tem uma função específica e peculiar para o Planeta Terra, tem uma função reguladora do clima planetário. Dentro desse contexto, para mim existem três pontos importantes.
Naquele dia em que estive com ele, falei-lhe com clareza sobre a escassez de clero, que na Amazônia 70% das comunidades têm Eucaristia três ou quatro vezes por ano, ou talvez menos. Quando se fala de novos caminhos de evangelização, essa será uma das perguntas, como podemos resolver essa situação, pois para essa gente, a Eucaristia converte-se em algo estranho, que não conhecem, não tem uma relação íntima com a Eucaristia, não sabem mais qual é a diferença entre o culto dominical da Igreja Católica e o culto da Igreja evangélica.
O específico de nossa fé católica é a Eucaristia, e uma comunidade que não tem Eucaristia, até nos documentos conciliares, nos documentos dos Papas, se diz que não existe comunidade cristã a não ser ao redor da mesa da Eucaristia. Como ficará isso, esse é o ponto de partida, não se trata de celibato sim ou celibato não, o problema não está nesse ponto. O problema é que temos uma Igreja na qual a imensa maioria da população da Amazônia não tem possibilidade de participar da Eucaristia.
Isso é o que eu disse ao Papa, diante do que ele me perguntou qual seria minha solução. Eu lhe disse, Santo Padre, não teria agora uma opinião a respeito, e tampouco estou aqui para fazer propostas. Ele disse que existem algumas ideias interessantes, porém que está esperando propostas corajosas dos bispos. Ela já havia falado sobre isso aos bispos no Brasil e disse-o novamente a mim. 
Dom Erwin Kräutler com Papa Francisco
Alguns bispos já estão fazendo essas propostas. Em uma recente entrevista com Dom Pedro Conti, bispo de Macapá, ele me dizia que está esperando um sinal positivo para começar esta experiência.

Dom Erwin Kräutler: De fato existem. Essa não é uma ideia minha. Às vezes pensam que é algo meu, pois estive com o Papa e estou aqui na Comissão Episcopal para a Amazônia, onde sou Secretário, assim como responsável pela REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) aqui no Brasil. Muitos bispos falam sobre isso, mesmo que seja verdade que o modo de levá-lo a cabo mude. Como vamos concretizar isso, é algo que fica para o Sínodo.

Isso poderia levar-nos a reconhecer que a Eucaristia tem uma dimensão comunitária, que forma parte da própria comunidade e não é algo exclusivo do ministério ordenado?

Dom Erwin Kräutler: Não, o ministério ordenado [o padre] está em função da comunidade, e não podemos separar as duas coisas. Isso quer dizer que eu não sou padre ou bispo para mim, eu sou bispo em função do Povo de Deus, ou a favor do Povo de Deus. Fui ordenado padre para poder presidir a Eucaristia, e a Eucaristia é o momento mais alto, o cume, o centro de nossa fé, o momento mais elevado de toda a vida da comunidade.

Neste Sínodo, qual é o papel que a REPAM pode ter?

Dom Erwin Kräutler: Por aquilo que eu saiba, o próprio Secretário dos Sínodos, que é o ex-núncio apostólico aqui no Brasil, o cardeal Baldisseri, espera que ajudemos na preparação do Sínodo.

E qual pode ser o papel dos povos indígenas?

Dom Erwin Kräutler: Como já disse, o Sínodo pretende buscar novos caminhos de evangelização com enfoque específico para os povos indígenas, e nós não vamos fazer nada para os povos indígenas sem escutá-los.

Haverá essa possibilidade?

Dom Erwin Kräutler: Claro que haverá.

Na preparação prévia?

Dom Erwin Kräutler: Eu estou pensando na preparação prévia, vamos escutá-los, como temos escutado a quem participou dos seminários da REPAM, por isso é algo somente preliminar, é o início das discussões, logicamente, vamos ouvir os povos indígenas.
Porém, temos de pensar que não são apenas os povos indígenas do Brasil, aí incluem-se os povos indígenas do Peru, do Equador, onde são maioria, Bolívia, Colômbia, Venezuela, as três Guianas, que formam parte da Amazônia, aí também há povos indígenas. Talvez estejam em outra situação, porém os povos indígenas serão ouvidos.

Do mesmo modo que o Documento de Santarém marcou um antes e um depois na evangelização da Amazônia brasileira, o Sínodo pode marcar um antes e um depois na vida da Igreja da Amazônia?

Dom Erwin Kräutler: Santarém é algo que não se pode entender sem o contexto anterior, que era o Concílio Vaticano II e Medellín. Depois, os bispos da Amazônia se reuniram e disseram, a partir de agora, apostar em uma evangelização encarnada, na perspectiva da libertação do Povo de Deus, com quatro prioridades.
A primeira prioridade foi as comunidades, naquele tempo, chamadas de comunidades eclesiais de base, depois, a formação dos leigos e leigas. A terceira prioridade, naquele tempo, já foi a questão indígena, recordando que em 1972, naquele mesmo ano, foi fundado o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), e o quarto ponto foi o dos mega projetos. Imaginemos que, em 1972, já se falava de mega projetos, que começaram com a rodovia Transamazônica e a Perimetral Norte.
Hoje, estamos em um momento de auge dos mega projetos, que são um insulto à Amazônia, um golpe no coração da Amazônia e, logicamente, também um golpe para os povos da Amazônia, indígenas, ribeirinhos, pescadores, coletores de látex, todos os povos tradicionais, porém, sobretudo, para os povos indígenas, parte dos quais, todavia, vivem sem contato voluntário.
Dom Erwin Kräutler na Amazônia ferida pela destruição e ganância

O Sínodo será um bom momento para concretizar ainda mais a Laudato Si’ na Amazônia?

Dom Erwin Kräutler: Sem dúvida, não podemos entender o Sínodo sem a Laudato Si’, pois tem um enfoque para a Amazônia. Os parágrafos 37 a 38 falam da Amazônia, assim como os 145 a 146 que falam sobre os povos indígenas. Foi, em parte, consequência de minha conversa com o Papa.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Religión Digital – América – Quinta-feira, 28 de dezembro de 2017 – 22h37 (Horário Centro Europeu) – Internet: clique aqui.

A Amazônia está em disputa em uma batalha covarde e desonesta

Carta aberta da Rede Eclesial Pan-Amazônica

2017 encerra-se com um saldo sem precedentes de mortes de
camponeses, homens, mulheres e crianças

Tanta violência na Amazônia, mas a Vida, Dom de Deus, é mais forte!

Gritos de dores do meu povo quebram o silêncio da floresta. O sangue derramado do meu povo é semente que fecunda o chão da Amazônia, e faz ressurgir a esperança em meio à luta e ao sofrimento.
Padre Cláudio Perani, SJ
Profeta da Amazônia (1932-2008)

Há um massacre sistemático de indígenas na Amazônia brasileira

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) anuncia com esperança a encarnação de Deus nas terras Amazônicas e denuncia com indignação os sinais de morte e opressão do Povo de Deus que impedem o nascimento do Menino Jesus na Amazônia.

A atual conjuntura política da região revela o distanciamento de muitas lideranças políticas dos ensinamentos e preceitos do Deus da justiça. Muitos mergulharam na lama da corrupção e se esqueceram do povo e das suas expectativas. Permitem que a Amazônia seja uma moeda de troca nas tramas políticas enquanto engordam seus bolsos às custas dos recursos públicos, de propinas e subornos traindo a confiança do povo que os elegeu.

A Amazônia está em disputa numa batalha covarde e desonesta. Enquanto os gananciosos das empresas nacionais e multinacionais, disputam suas terras e suas riquezas naturais, os povos da Amazônia tombam sob o jugo da injustiça. Índios, camponeses, seringueiros, quilombolas, os povos da floresta reagem e colocam-se diante dos grilhões da destruição da sua nhandereko-há, sua casa comum. Com coragem e distinção, enfrentam os exploradores da madeira, da mineração, do agronegócio e dos recursos naturais. É exemplar e paradigmática a resistência frente a projetos públicos e privados de mineração na Amazônia. Temos os frutos desta luta como a vitória da sociedade civil organizada no caso da Reserva de Cobre e Associados (Renca), no Amapá e Pará, ou a suspensão pela Justiça Federal da licença de instalação para a mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu, no Pará.

Em muitos casos, porém, os povos da Amazônia enfrentam aqueles que destroem as florestas e envenenam os rios e se opõem aos grandes latifundiários apenas com seus corpos que trazem na pele as marcas da violência. A cada dia, representantes dos povos da floresta estão tombando numa luta desigual.

Está em curso uma ofensiva anti-indígena, comandada pela bancada ruralista com apoio contundente da parte dos poderes Executivo e Judiciário que se concretiza no não cumprimento dos direitos constitucionais a demarcação de seus territórios e a possível liberação de arrendamento de suas terras para o agronegócio, inviabilizando seu modo de vida tradicional.

Preocupa-nos a realidade dos povos que vivem em situação de isolamento e risco nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso. Os cortes orçamentários do governo federal comprometeram as ações de fiscalização e proteção dos seus territórios, impondo-lhes à condição de vítimas de um provável processo de genocídio. Neste ano, circularam informações e denúncias de um provável massacre de indígenas no estado do Amazonas e que este foi praticado por garimpeiros, caçadores e madeireiros. Os fatos precisam ser investigados. Urge sustar o processo de expropriação territorial e dizimação dos habitantes originários deste país.

Dados do Relatório «Violência Contra Povos Indígenas do Brasil» coletados no ano de 2016 e lançado neste ano pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta que a violência contra povos indígenas aumentou. Cresceram os casos de homicídio, suicídio e mortalidade infantil.

O ano de 2017 encerra-se com um saldo sem precedentes de mortes de camponeses, homens, mulheres e crianças. Os conflitos acirraram-se e se espalharam por todos os cantos da Amazônia.
Prefeito de Colniza (MT), Esvandir Antônio Mendes (PSB), é assassinado no interior de seu veículo
15 de dezembro de 2017

No mês de março foi morto o ex-vereador Elpídio, no município de Colniza (MT). Até hoje sem resposta da justiça. No dia 19 de abril, jagunços encapuzados, contratados por fazendeiros, atacaram o assentamento da gleba Taquaruçu do Norte no município de Colniza, resultando em pelo menos nove mortes de camponeses. Colniza encerra o ano com o assassinato de seu prefeito. «A democracia foi ferida de morte», comenta o bispo da Diocese de Juína, dom Neri José Tondello. «Colniza continua nas manchetes entre os municípios mais violentos do país. Parecemos terra de ninguém. Terra sem Lei. Terra sem Estado de Direito», denuncia o bispo.

No mês de maio, o acampamento Padre Josimo, na Comunidade Tauá - município de Carrasco (TO), foi queimado numa reintegração de posse movida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), contra 500 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em 24 de maio, os acampados na Fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’Arco, no Estado do Pará, foram surpreendidos na madrugada por uma operação policial de despejo envolvendo pistoleiros e agentes da segurança privada que torturaram e mataram dez camponeses de forma brutal. Dezessete policiais responsabilizados pelo massacre chegaram a ser presos, mas o Tribunal de Justiça do Pará concedeu liberdade a nove policiais dos presos no último dia 18 de dezembro.
Corrida pelo ouro no coração da Amazônia - destruição e desequilíbrio!

Os conflitos socioambientais espalharam-se por outros municípios do Amapá, onde camponeses e indígenas sofrem com o envenenamento de roças agroecológicas na região do Maruanum em Calçoene, município controlado por empresa madeireira que tem promovido a destruição de ramais de acesso às propriedades, queima de casas e roças.

No dia 14 de novembro, vinte e um camponeses da Comunidade Gostoso, município de Aldeias Altas, no Maranhão, foram detidos pela polícia militar e levados para a delegacia porque resistiram à ação do fazendeiro e de uma empresa que atuam no setor sucroalcooleiro. Trata-se de área de terra devoluta ameaçada pela grilagem que se espalha por outras regiões como na comunidade sertaneja de Bem Feito, município de Formosa da Serra Negra, onde as famílias vêm sofrendo ações de grilagem. Parte da terra, com mais de 970 hectares, vem sendo apropriada por grileiros da região que contam com a colaboração de jagunços e pistoleiros. No dia 19 de agosto, uma emboscada frustrada foi armada contra 4 agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Na ilha de São Luís, a comunidade tradicional de pescadores e marisqueiros de Cajueiro está sendo ameaçada de expulsão e foi intimidada por milícias armadas, a fim de beneficiar o projeto de instalação de mais um terminal portuário privado. O projeto faz parte da região do Matopiba, que pretende destinar ao cultivo extensivo da soja, 73 milhões de hectares distribuídos pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Na manhã do dia 1º de dezembro, um grupo de cerca de 40 pessoas, liderado por um deputado estadual e pelo prefeito do município paraense Senador José Porfírio, impediu a realização do seminário «Veias Abertas da Volta Grande do Xingu» que acontecia no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). O seminário apresentava pesquisas e debates sobre os impactos socioambientais das atividades da mineradora canadense Belo Sun, na região já afetada pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Em 7 de dezembro, pistoleiros armados feriram diversas pessoas e mataram uma das lideranças do Acampamento Boa Sorte, localizado na Linha Dois da área do Assentamento Flor do Amazonas, em Candeias do Jamari, município próximo a Porto Velho, em Rondônia.

No dia 14 de dezembro, 300 famílias do acampamento Hugo Chavez em Marabá (PA) foram despejadas violentamente, cumprindo decisão do juiz da Vara Agrária da cidade. Há temores que estejam sendo planejados outros 20 despejos desse tipo, numa região que há muito tempo é palco de graves conflitos gerados pela grilagem e a concentração de terras nas mãos de latifundiários e da empresa mineradora Vale.

O ano encerra-se com o desaparecimento, desde o dia 13 de dezembro, de três lideranças camponesas, dois homens e uma mulher, da ocupação Igarapé Araras, localizada no quilômetro 56 da BR-319, em Canutama, no Sul do estado do Amazonas, prelazia de Lábrea. Eles haviam recebido ameaças de morte por parte de requerentes, uma madeireira processada por grilagem de terra e destruição da floresta.

Frente a todos esses fatos, houve manifestações públicas dos diversos movimentos sociais e socioambientais que atuam em defesa dos camponeses e dos povos indígenas da região, de instituições como o Ministério Público ou algumas universidades, de pastorais e organismos da Igreja Católica. Apesar de tanta violência e numerosas denúncias, ainda se constata uma imperdoável negligência por parte do Estado, que nesses conflitos não defendeu suficientemente as vítimas e, em alguns casos, assumiu até o papel de agressor, a favor da concentração de terras ou da instalação de grandes projetos com irreversíveis e desastrosas consequências para o tecido social da região e o meio ambiente.

A falta de investigações e a impunidade na maioria dos crimes cometidos na Amazônia confirmam essa hipótese e reforçam novas perspectivas de violência e agressão.

A Rede Eclesial Pan-Amazônica continua atuando ao lado das igrejas locais e da sociedade civil, fortemente preocupada com o cenário de crescente violação dos direitos e da grande casa comum, do lar que Deus em seu infinito amor criou para todos nós.

A fé profética de muitas testemunhas da Amazônia soma-se à certeza da encarnação de Deus no meio dos pobres. O nascimento de Jesus num estábulo, fora da cidade, na extrema pobreza, já é a opção silenciosa de Deus pelos pobres e excluídos, pelos que o mundo considera supérfluos e descartáveis (cf. DAp 65).  Os pobres na sua condição de banidos do «banquete da vida» se tornam os prediletos de Deus.

A Esperança nunca morreu nem morrerá no coração dos povos da Amazônia. «O povo que andava em trevas viu uma grande luz; e sobre os que habitavam na terra de profunda escuridão resplandeceu a luz» (Is 9, 2). Todos os mártires da Amazônia e todas as testemunhas da Esperança vivas que continuam lutando por justiça, pelo respeito aos direitos humanos e pela defesa da casa comum são reflexo dessa luz que no menino nascido em Belém começou a iluminar o mundo.

«Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes»
(Provérbio mexicano)

Dom Cláudio Cardeal Hummes
Presidente da Repam e da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB

Dom Erwin Kräutler
Presidente da Repam-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB

Fonte: Repam-Brasil – Notícias/Geral – Sexta-feira, 29 de dezembro de 2017 – Internet: clique aqui.

S.O.S. INTERNET ! ! !

Fim da neutralidade da rede rompe com a democratização dos direitos digitais e favorece disputas econômicas e políticas

Entrevista com Marcelo Barreira*

Patricia Fachin

A decisão da agência norte-americana Federal Communications Commission - FCC, de pôr fim à neutralidade da rede, que evitava que interesses econômicos determinassem o tráfego de pacotes de dados pela internet, demonstra que “há uma disputa política e econômica na esfera pública conforme grupos de interesse”
AJIT PAI
Membro da Federal Communications Commission (FCC) dos Estados Unidos

Explicando o que está acontecendo...

O diretor da Federal Communications Commission (FCC), equivalente americano à Anatel, liderou ontem [14 de dezembro] uma votação que desregulamentou o serviço de provimento de internet. A partir do projeto de Ajit Pai, que venceu no conselho da agência por 3 votos a 2, empresas que vendem acesso a banda larga poderão bloquear sites online se o desejarem e cobrar a mais por determinados serviços. Pacotes que levam umas coisas, mas não outras, tão comuns na TV paga, passam a ser legais. É o fim, nos Estados Unidos, do que se convencionou chamar neutralidade de rede. Ou seja, deixa de ser obrigatório vender acesso a toda internet. Na prática, a internet de banda larga deixa de ser tratada como um serviço essencial aos cidadãos e passa a merecer o mesmo tratamento das TVs a cabo. A decisão é, no mínimo, polêmica!

Segundo Barreira, a decisão “foi mais política e ideológica do que técnica” e a “visão política vencedora na FCC foi a narrativa em defesa de que as regras de 2015, e implementadas pelo ex-presidente Obama, seriam pesadas para o investimento em banda larga”. O professor explica ainda que, de acordo com a legislação que garantia a neutralidade da rede, “a banda larga era vista como um serviço essencial e, portanto, de utilidade pública, como água e energia elétrica; assim, independentemente do poder financeiro, todos os consumidores deveriam ser tratados igualmente”.

Com o fim da neutralidade, o serviço de internet passa a ser visto como “um serviço não essencial de informação”, e “a regulação específica passa a deixar de ser do tipo Title II Order e passa a ser Title I Order. Com essa alteração, retoma-se a Lei de Telecomunicações, de 1996. Lei aprovada por um congresso de maioria conservadora e republicana e promulgada pelo ex-presidente Clinton. Tal Restoring Internet Freedom Order é uma regulação leve (light touch), mas de tão leve acaba se aproximando de uma autorregulação, mesmo que exija, em tese, maior transparência e mais competitividade”.

A iniciativa, afirma, “funcionará como um elemento político-ideológico de pressão para que outros países adotem as mesmas regulamentações”. Na entrevista a seguir, Barreira também comenta quais serão as implicações da decisão da agência norte-americana para o usuário. “Com a quebra de neutralidade da rede haverá mudanças significativas. A principal é a mudança de eixo, da centralidade no usuário, em sintonia com a origem da internet, gira-se agora para a centralidade do mercado, por meio das grandes operadoras como a AT&T, a Verizon e a Comcast, aumentando sua margem de lucro. Além de romper com a democratização dos direitos digitais, o sinal mais eloquente dessa mudança será o encarecimento do acesso à internet pelo usuário-cidadão”, adverte.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o significado da decisão do governo dos Estados Unidos de pôr fim à neutralidade da rede?

Marcelo Barreira: Embora o conceito de “neutralidade da rede” (network neutrality) seja uma elaboração feita em 2003 por Tim Wu, da Universidade de Colúmbia (EUA), seu princípio advém desde a lei federal chamada Pacific Telegraph Act, de 1860. Diante do monopólio de telefonia pela American Bell - que incorporou a AT&T em 1885 como subsidiária -, essa lei determinava uma isonomia na transmissão de mensagens nas linhas telegráficas por cidadãos e empresas, apenas despachos governamentais teriam a prerrogativa de furar a fila. Em resumo: manter a isonomia perante a diversidade de mensagens sintetiza a definição do conceito de neutralidade.

Retomando a posição de Locke em sua “Carta sobre a Tolerância”, de 1689, o princípio da neutralidade axiológica do magistrado civil se configurou numa eficaz garantia da diversidade religiosa num contexto europeu de conflitos neste campo. Até hoje, a laicidade do Estado democrático de Direito significa a tentativa de impedir o privilégio de um grupo em detrimento de outros, minoritários ou menos poderosos economicamente. Do mesmo modo, além de a filosofia expressar a cultura democrática liberal estadunidense, a neutralidade da rede contribui para evitar interesses econômicos no tráfego de pacotes de dados pela internet.

Em específico, o mercado, por meio de gigantes comerciais da indústria de tecnologia de telecomunicações, especialmente prestadores de serviço de internet (ISPs) e provedores de banda larga (IBPs), precisa ser domesticado para não inviabilizar pequenas empresas de tecnologia como as startups. A justiça pressupõe neutralidade diante de concepções morais e religiosas, mas pressupõe sobretudo o rompimento com a desigualdade socioeconômica

IHU On-Line - Em que contexto político essa decisão foi tomada? O que acha que deve ter motivado a decisão?

Marcelo Barreira: O contexto político por trás dessa tomada de decisão foi a eleição de Trump, que nomeou Ajit Pai como chefe da Federal Communications Commission - FCC, a agência que regula o mercado de telecomunicações. Logo, embora a decisão tenha acontecido na FCC e não monocraticamente por Trump, o presidente dos Estados Unidos contribuiu, mesmo indiretamente, para que ela acontecesse. O voto de Pai, republicano sênior na FCC (participa dela desde 2012), foi o último e decisivo voto para que, no último dia 14 de dezembro e por 3 a 2, a Comissão decidisse em favor de uma nova compreensão do serviço de telecomunicações em banda larga. Muitos interesses acarretaram essa decisão. Decisão que foi mais política e ideológica do que técnica. A internet, além de seu óbvio aspecto técnico, também envolve questões jurídicas, políticas e socioeconômicas.

Assim, a visão política vencedora na FCC foi a narrativa em defesa de que as regras de 2015, e implementadas pelo ex-presidente Obama, seriam pesadas para o investimento em banda larga. Eis o principal argumento de Ajit Pai, ex-advogado da operadora Verizon [uma das gigantes norte-americanas de telecomunicações], cujo pressuposto ideológico é o intrínseco dano do Estado para o “livre mercado”. 

IHU On-Line - O que muda no funcionamento da internet a partir dessa medida?

Marcelo Barreira: Com a quebra de neutralidade da rede haverá mudanças significativas. A principal é a mudança de eixo, da centralidade no usuário, em sintonia com a origem da internet, gira-se agora para a centralidade do mercado, por meio das grandes operadoras como a AT&T, a Verizon e a Comcast, aumentando sua margem de lucro. Além de romper com a democratização dos direitos digitais, o sinal mais eloquente dessa mudança será o encarecimento do acesso à internet pelo usuário-cidadão. Com o traffic shaping abandona-se seu oposto, o zero rating, isto é, a gratuidade no acesso a produtos on-line e no tráfego end-to-end de dados, que garante a transmissão de pacotes de dados entre origem e destino sem qualquer manipulação ou diferenciação.

O rompimento com o princípio end-to-end é o principal fator de ruptura com a neutralidade da rede, pois quanto mais fácil o acesso aos produtos na rede, melhor será para a popularidade e o retorno financeiro desses produtos. O traffic shaping não só diferenciará planos por velocidade de transferência (como hoje), mas também possibilitará “bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados”, nos termos em que nosso Marco Civil da Internet proíbe essas ações em seu § 3º, do art. 9º. Na medida em que produtores de conteúdo firmem contratos comerciais com as operadoras de telecomunicações, eles obterão preferência na disponibilidade de seus produtos na rede - como vídeos (YouTube), streaming (Netflix) e Voip (como Skype e WhatsApp). Um exemplo disso é o anúncio de “WhatsApp ilimitado” por operadoras de telefonia. Esses produtores de conteúdo exigirão, por conseguinte, uma cobrança pelo uso de seus serviços. Haverá, então, faixas de preços e categorias de usuários de acordo com quem pode ou não pagar

IHU On-Line - Qual deve ser o impacto dessa decisão em termos mundiais?

Marcelo Barreira: A mudança na regulação funcionará como um elemento político-ideológico de pressão para que outros países adotem as mesmas regulamentações. Isso ocorre por dois motivos: no caso brasileiro, como vemos com a Lava Jato, nosso sistema de justiça tem sido crescentemente influenciado pela hermenêutica e jurisprudência estadunidense. Outro motivo é o fato de os Estados Unidos serem referência mundial em tecnologia de telecomunicações, tornando, por sua vez, paradigmática a sua legislação sobre o tema
Somente as operadoras de telefonia e banda larga ganham com a decisão da FCC dos Estados Unidos!!!

IHU On-Line - Em que consistiam as medidas estabelecidas em 2015 para proteger a equidade na internet?

Marcelo Barreira: Nas regras de 2015 a banda larga era vista como um serviço essencial e, portanto, de utilidade pública, como água e energia elétrica; assim, independentemente do poder financeiro, todos os consumidores deveriam ser tratados igualmente. Ao alterar para um serviço não essencial de informação, a regulação específica passa a deixar de ser do tipo Title II Order e passa a ser Title I Order. Com essa alteração, retoma-se a Lei de Telecomunicações, de 1996. Lei aprovada por um congresso de maioria conservadora e republicana e promulgada pelo ex-presidente Clinton. Tal Restoring Internet Freedom Order é uma regulação leve (light touch), mas de tão leve acaba se aproximando de uma autorregulação, mesmo que exija, em tese, maior transparência e mais competitividade.

Ademais, com tal decisão, a supervisão de serviços de banda larga passou a ser da esfera comercial; logo, suas demandas versam da ordem econômica. Será outra autarquia, a Federal Trade Commision - FTC, a agência reguladora de comércio, que sanará demandas acerca dos direitos digitais, interpretadas agora como violação da livre concorrência. De qualquer modo, essa decisão será questionada nos tribunais. Procuradores-gerais de Nova Iorque e deputados do Partido Democrata pretendem restabelecer o Title II Order, de 2015. O Congresso pode ainda apresentar um Congressional Review Act - CRA, ou seja, um recurso para invalidar a decisão da FCC. Junto a essas estratégias, algumas entidades da sociedade civil organizada, como a American Civil Liberties Union e o movimento People Power, proporão a legislativos estaduais projetos de lei que assegurem regionalmente a neutralidade da rede. 

IHU On-Line - Alguns pesquisadores têm dito que a neutralidade garantirá a competitividade na internet, mas que agora a competitividade está ameaçada. O senhor concorda?

Marcelo Barreira: A conjuntura aqui e nos EUA é de crise do sistema político e de desilusão com a democracia formal. Do mesmo modo que a decisão tomada pela FCC não foi apenas técnica, suas consequências também são políticas e talvez o maior peso neste sentido seja a falência do princípio liberal e democrático à liberdade de informação e à diversidade de opiniões. Mesmo o processo que culminou na decisão da FCC expressou uma ausência de debate público ou seu arremedo – afinal, conforme Jeff Kao, engenheiro de software no site Hackernoon, grande parte dos e-mails favoráveis à quebra da neutralidade teriam como origem a Rússia e eram robôs de spam

IHU On-Line - Qual deve ser o impacto dessa medida para o consumidor?

Marcelo Barreira: A variação no preço das franquias de pacotes de dados, colocando como paradigma de preço a telefonia móvel, seja na velocidade seja no acesso aos conteúdos, fará o consumidor, de um lado e de outro, pagar mais caro. Embora a narrativa em defesa do traffic shaping é de que pagará mais quem usar mais pacotes de dados e pagará menos quem usar menos, temos um frustrante exemplo recente quanto à desilusão desse discurso, especialmente em nossas terras. As franquias de bagagens para voos, além de não baratearem os preços das passagens aéreas, aumentaram a margem de lucro das empresas aéreas.

Em nosso país, os MONOPÓLIOS e a INEFICIENTE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR fazem os custos dos serviços aumentarem sem uma contrapartida em sua qualidade. O mesmo acontece com a notória e ilegal venda casada de serviço de banda larga com telefone fixo pelas operadoras de telefonia. Uma maneira de contornar essa venda casada tem sido o compartilhamento de redes sem fio entre vizinhos, ou as chamadas telefônicas pela internet por aplicativos, possibilidades atuais que seriam provavelmente muito dificultadas, ou até impedidas, com a quebra da neutralidade da rede. 

IHU On-Line - Por que há uma disputa entre aqueles que defendem e aqueles que são contrários à neutralidade da rede? Quais são os grupos que hoje defendem e aqueles que são contrários à neutralidade da rede?

Marcelo Barreira: Há uma disputa política e econômica na esfera pública conforme grupos de interesse. Grupos contrários à neutralidade da rede afirmam, de modo geral, que se deve tratar de modo diferente os diversos tipos de uso da rede, com preços diferenciados segundo a sua finalidade, por exemplo, de acordo com interesses de nível de segurança; se é para uso comercial ou governamental; etc. Neste grupo se encontram as grandes operadoras, tais como a AT&T, a Verizon e a Comcast. Os partidários dessa narrativa defendem que mesmo antes da mudança de posição pela FCC já não havia propriamente uma neutralidade da rede, mas uma broadband neutrality. Ao replicarem pacotes de dados entre si, servidores de hospedagem de arquivos já conseguem uma ampliação diferenciada na largura da banda, o que cria uma maior disponibilidade de transferência de dados e estabelece uma saudável variação de planos e preços de acordo com a maior capacidade de oferecer uma mais ampla disponibilidade de banda.

Outro argumento contrário à neutralidade da rede é que a maior oferta de tráfego de dados na rede tem acarretado um enorme lucro aos produtores de conteúdo. O YouTube exemplifica bem essa tese. Sua maciça oferta de conteúdo – em um mês produz o equivalente a um ano de conteúdo produzido por rádios e televisões – não se traduz em recursos financeiros para os provedores de banda larga, mesmo assim, esses provedores ficam obrigados a defenderem a rede de ameaças, como a prevenção contra vírus e seus ataques DoS (Denial of Service), o que onera as operadoras. Junto a isso, a decisão de 2015 do ex-presidente Obama gerou uma queda de arrecadação nos últimos dois anos, conforme preconiza Ajit Pai.

Os grupos favoráveis à neutralidade da rede polarizam em cada um dos pontos acima. Um importante grupo que saiu em defesa da neutralidade é formado pelas produtoras de conteúdo para a internet e startups, como Netflix, Apple, Google, Twitter, Twitch, Spotify, Airbnb e Snap, Microsoft, Amazon e Facebook. Nesse caso, como teriam de estabelecer acordos com provedores de acesso para que usuários acessem seus produtos, tal situação, mais do que liberdade, geraria uma submissão dessas empresas de conteúdo aos interesses de negócio das operadoras. As operadoras de banda larga, além da receita de acesso à rede, querem um compartilhamento da receita dos serviços que nela acontecem.

Numa analogia, por mais absurda que pareça, seria como se um serviço de delivery tivesse de estabelecer um contrato com montadoras de automóveis por estas fornecerem uma tecnologia de ponta, seus automóveis; isso se assemelharia ao que pleiteiam as OPERADORAS. Por terem montado uma rede de banda larga, elas querem cobrar pelo seu uso. Além do grupo acima de empresas de conteúdo, mais visível, há outros. Dentre estes, há ativistas de direitos digitais, pequenas empresas de tecnologia, além de acadêmicos que conceberam a rede, como Tim Berners-Lee e Vint Cerf, além de outros que produziram tecnologias para a rede, como Steve Wozniak, cofundador da Apple. Em geral, eles entendem que, ao inverso da posição anterior, foi a crescente relevância social da internet no cotidiano do cidadão comum, sobretudo graças à neutralidade da rede, que acarretou o seu valor econômico na economia de mercado.

Um grupo de ativistas, a Free Press, criou a plataforma Save The internet [clique aqui para acessá-la], exatamente para mostrar o equívoco da visão de que são as grandes indústrias de tecnologia que protagonizam necessariamente a inovação na internet. Desde a sua fundação, a internet se desenvolveu e foi inovadora pela descentralização de sua infraestrutura de cabos e fibras óticas que permitiram e permitem a conexão de banda larga fixa. Essa descentralização se deu, porém, por uma centralidade no usuário-cidadão e não pela ênfase no mercado e sua cumplicidade com o negócio das grandes operadoras e empresas de telecomunicações. A liberdade de tráfego de dados permitiu, então, o mais importante: a conexão colaborativa entre usuários, como no modelo P2P, além do crescimento de pequenas empresas de conteúdo. Mais do que um espírito comercial e mercadológico, a liberdade não vem do mercado, mas por um processo de interconexões e compartilhamentos. Assim, repetimos: o valor econômico da rede segue esse tipo de liberdade, marcada pela RELEVÂNCIA SOCIAL.

A democratização do acesso é o melhor meio de se incentivar a busca pela qualidade e inovação na rede, fazendo o usuário escolher o que melhor lhe convier, numa saudável e equitativa concorrência entre produtos e conteúdo. Embora financiamentos sejam sempre bem-vindos, o argumento de que a inovação pressupõe necessariamente altos investimentos “esquece” as ferramentas, aplicativos e sites surgidos em garagens, como a HP, a Sony, a Microsoft, a Apple, o YouTube, a Amazon e o Google. Tal “esquecimento” compromete o lançamento de novos produtos como esses, pois dificultaria a entrada no mercado de novas e pequenas empresas; empresas que teriam pouca força na negociação com operadoras que privilegiariam empresas mais populares de conteúdo. 
MARCELO BARREIRA

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Marcelo Barreira: As operadoras precisam diminuir sua interferência no tráfego de dados em banda larga, e não o contrário. A centralidade está no direito digital do usuário, consumidor e cidadão. No Brasil, o Marco Civil da Internet, promulgado em 2014, foi o primeiro passo, mas precisamos de muitos outros passos na busca de uma cidadania digital plena. O Estado democrático de Direito há de neutralizar efetivamente a ganância das operadoras e garantir uma liberdade bem diferente da oferecida pelo mercado. A manifestação de pensamento e de informação como expressões dos Direitos Humanos, tornam o serviço de banda larga essencial para a democracia e, por isso, o Estado precisa intensificar políticas públicas de disseminação gratuita de internet banda larga em espaços públicos, sobretudo ante o crescimento da Internet of Things.

* MARCELO BARREIRA é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre na mesma área pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ e doutor também em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. É professor do Departamento de Filosofia e do PPGFil da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 20 de dezembro de 2017 – Internet: clique aqui.

sábado, 23 de dezembro de 2017

INDIGNAÇÕES DE UM BIBLISTA...

Caras amigas, caros amigos,
Johan Konings

Ao enviar a minha saudação natalina, sei que, durante os últimos tempos, fiquei em dívida para com muitos de vocês, mas isso é, em grande parte, porque dez anos atrás tomei a decisão de priorizar incondicionalmente a nova tradução da Bíblia da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Igreja Católica] dedicando-lhe todo o meu tempo que sobrava das aulas, atividades pastorais e sociais. Claro, com a ajuda do coordenador e dos outros colaboradores. Eu assumi o papel de ser o arquivo vivo do projeto, tendo tudo na cabeça e no computador, para ligar tudo com tudo, o texto material, a interpretação, o projeto de edição... Acabou (quase). Agora posso pensar em mensagens para meus amigos...

E minha preocupação política, social, cultural? Não neguei. Somente, fui para a retaguarda, para poder terminar o trabalho de que falei acima. Meu pensamento não abandonou o povo brasileiro, muito amado e muito abandonado. Decerto, há ainda uma aparência de bem-estar material, até de progresso... Mas que progresso? Venda de automóveis, aumento da violência e competição para um lugar debaixo das pontes...

Minhas preocupações

Estou preocupado, sobretudo, com o que se chama de EDUCAÇÃO. Os brasileiros, em geral, são agradáveis, amáveis, corteses, têm boas maneiras. São simpáticos e comunicativos. Alegres até, pois riem para não chorar. Mas muitos chegam ao fim do ensino fundamental sem domínio da língua pátria, da matemática e das ciências. Sem compreensão da história, da sociedade e da própria pessoa. Nas escolas públicas é comum encontrar no oitavo ou nono ano pessoas “normais” que não sabem ler, por falta de método educativo coerente e/ou de atenção psicopedagógica. Perde-se muito tempo na aula. Não se aprende a aprender – coisa que exige disciplina. Professores e direções se veem impotentes diante de fatores estranhos à educação. Atmosfera generalizada de imediatismo, de consumismo, até na sala de aula. Substituição da recepção auditiva (ouvir e refletir) pela meramente visual (ver e crer que as coisas são assim mesmo...). E os profissionais da educação cruzando os braços ou levando as mãos à cabeça...

As crianças e adolescentes não aprendem a observar e a compreender o mundo em que vivem. Com isso viram vítimas de todo tipo de manipulação: comercial, política, religiosa. Falava-se em Paulo Freire, mas agora está sendo demonizado, seu nome tirado de praças e ruas... Fala-se ainda, às vezes, em Piaget. Mas o que queriam esses educadores? Que os jovens, e também os adultos, observassem o mundo em que vivem e a partir daí construíssem um saber que lhes servisse. Entretanto, muitos nem sabem o nome da rua vizinha ou até da sua própria. Não aprendem a agarrar o boi pelos chifres para os afazeres de cada dia. Muita alienação.

Estou preocupado também com o CRISTIANISMO, a tradição religiosa na qual me insiro. Digo “cristianismo”, porque muitas coisas são comuns à igreja católica e às protestantes. Estou preocupado com o fundamentalismo, o recorrer a frases bíblicas absolutizadas ou a dogmas e tradições inquestionáveis para não ter de refletir sobre a realidade vivida. E no meio disso, as inclarezas do ensino religioso na escola pública. Catecismo é questão de comunidade, mas na escola pode-se aprender a observar, estudar a fé das pessoas como elemento do mundo em que se vive. Como formação humana integral, respeitosa, aberta. Como saber viver. Se “a graça supõe e eleva a natureza”, como dizem os teólogos, comecemos enobrecendo a natureza...

Quem viveu com todo o entusiasmo os anos do Concílio Vaticano II não pode ficar quieto diante da onda de neoconservadorismo que sopra na Igreja. Claro, não da parte do Papa Francisco – embora seja teologicamente mais prudente do que dizem seus adversários! Eu mesmo me considero como “tradicional”, acredite ou não. Dediquei tempo imenso à organização de grandes obras que representam a tradição cristã (a Bíblia) e católica (o Compêndio de Dogmas e Declarações de fé e moral).

No seio da CNBB estou articulando um ambiente para os biblistas católicos de nível acadêmico superior, porque eles e seus bispos têm questões e projetos específicos a serem contemplados. Amo nossa tradição, mas não o neoconservadorismo. A Idade Média passou. O Concílio de Trento foi atualizado no Concílio Vaticano II, que, por sua vez, precisa ser atualizado em cada parte do mundo, na África, na América Latina, e também na velha Europa.

E há um neoconservadorismo que não o parece: escondido atrás do som de guitarras elétricas, com melodias incantáveis que os fãs procuram impingir nas comunidades paroquiais, transformando a missa em show, tudo para curtir um Jesus "espiritual", que não mexe com os conflitos do mundo. 

Perdeu-se a consciência de que a missa é a memória viva de Jesus, o qual, por amor e fidelidade até o fim, enfrentou a morte. Tremenda superficialidade que invadiu o mundo, no qual vale a nova máxima: “Eu posto, logo sou”.

Estamos vivenciando o FIM DE UMA CIVILIZAÇÃO. O Papa Francisco o diz abertamente: no caminho em que estamos não há mais como continuar. Por um lado, o esgotamento do habitat humano. Por outro, a morte do ser humano pessoal. O ser humano acoplado à eletrônica, se não se cuidar, poderá acabar anencéfalo, reduzido a registrar e reagir, sem saber o que está fazendo. O “sistema” é que vai mandar.

Não podemos ficar assistindo passivamente a uma política econômica e social suicida e ao esvaziamento da humanidade dos indivíduos. Inundados por informação, perdemos a capacidade de pensar e agir.

É isso aí, gente. Mas, ao recordar que alguém que nasceu numa estrebaria virou o profeta que mais mexeu com o mundo, creio que haja esperança.

Desde já, feliz Natal e Ano Novo.

Johan Konings*, novembro 2017.


* Johan Konings é padre jesuíta nascido na Bélgica, professor titular da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Participou como perito na XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em Roma, em 2008, com o tema «A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja». Filósofo e filólogo, concluiu o doutorado em Teologia na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, sócio-fundador da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Entre suas muitas obras, coordenou a tradução da «Bíblia Ecumênica» – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" da CNBB.