CELULARES VICIAM E ADOECEM!
Viciados em telas
André Lopes
Cientistas atestam que a dependência
de smartphones afeta a química do cérebro, levando ao desenvolvimento de
transtornos como déficit de atenção
DETOX: Centro de tratamento na Califórnia (Estados Unidos): é preciso desconectar-se na entrada da clínica |
Se você não estiver lendo
esta reportagem no celular, uma pergunta: onde está ele agora? A questão fez
com que o procurasse? Se respondeu “sim”, é provável que, nos próximos minutos,
você não consiga se concentrar neste texto. Quando o aparelho fica fora de alcance, um sentimento de ansiedade
costuma tomar conta do usuário, bastando porém tê-lo em mãos para o alívio
ressurgir. Se isso é comum no seu dia a
dia, deve-se acender o sinal amarelo. De acordo com um estudo liderado por
pesquisadores da Universidade de Seul, na Coreia do Sul, divulgado no último
dia 30 de novembro, a dependência de
smartphones já pode ser, sim, chamada de vício. Isso porque seu uso excessivo produz alterações químicas no
cérebro, com reações e síndrome de abstinência em moldes semelhantes ao que
acontece com dependentes de drogas.
No trabalho sul-coreano, os
cientistas usaram um tipo particular de ressonância magnética que analisa a
composição química do cérebro para observar hábitos de dezenove adolescentes
clinicamente diagnosticados como viciados em celular. Depois, compararam os
resultados com os de grupos de jovens que usam o dispositivo mas não eram tidos
como dependentes. No estudo também se levou em conta quanto o convívio com a tecnologia
afetava o contato com familiares, a produtividade e a forma de lidar com
emoções. Num resultado previsível, os
adictos apresentaram maiores níveis de depressão, ansiedade, insônia e
impulsividade. Mas novidade maior, mesmo, foi a descoberta de como a NOMOFOBIA
— eis o termo que descreve a dependência de smartphones — afeta a química cerebral.
Os jovens dependentes
apresentaram oscilações na presença dos
ácidos gama-aminobutírico, glutamato e glutamina, todos ligados a dois
neurotransmissores responsáveis pelo funcionamento da atividade cerebral.
Quanto maior o nível de alteração deles, mais grave era o quadro de
dependência. Pode-se ter uma sólida dimensão do problema quando se considera
que, em países desenvolvidos, 92% dos adolescentes acessam a internet todos os
dias, em geral por meio de telefones móveis. Um típico usuário costuma tocar mais de 2 600 vezes na tela do celular por dia.
REMBRANDT??? Estudantes parecem preferir a tecnologia à clássica pintura |
Esse dispositivo pode dominar
a atenção de jovens e crianças mesmo diante das maiores maravilhas do mundo
real — a exemplo de obras-primas como A
Ronda Noturna, que o holandês Rembrandt
(1606-1669) pintou em homenagem aos civis que fiscalizavam as ruas de
Amsterdã. Entre 2015 e 2016, viralizou
na internet um meme no qual um grupo de estudantes virou as costas para o
quadro clássico e ficou fascinado com outra tela — a do próprio celular.
Depois que a imagem se espalhou, descobriu-se que o grupo, na verdade,
realizava pesquisas ligadas a um trabalho escolar. Mas a cena acabou ficando
como o emblema de uma realidade: a
capacidade quase infinita dos smartphones de atrair a atenção juvenil mesmo
quando os adolescentes estão diante de outras maravilhas do engenho humano.
O uso constante do aparelho prejudica especialmente os
jovens, membros de uma geração que
nasceu conectada, cuja mente e hábitos ainda estão em formação — podendo influir nos processos de
aprendizagem. Adolescentes que usam o aparelho em excesso apresentam
tendências maiores a desenvolver:
*
déficit de atenção,
*
fobia social,
*
depressão e
*
compulsão para acessar redes sociais.
No ano passado, pesquisadores
da Universidade de Kaohsiung, em
Taiwan, publicaram um trabalho no qual relacionaram a dependência com
transtornos mentais. Pela análise do
comportamento de 2 300
adolescentes, concluiu-se que 10% deles possuíam algum
tipo de alteração cognitiva
ligada à nomofobia [= vício em smartphones].
ESTÁ NA MENTE: Jovem chinês, considerado viciado no dispositivo, tem o cérebro analisado em uma clínica de Pequim |
Estudos como esse procuram
confirmar uma suspeita deste século: será
que a ascensão das redes sociais e dos smartphones tem relação direta com o
aumento dos casos de depressão e ansiedade entre jovens? Ao longo da última
década, o número de crianças e adolescentes americanos internados em hospitais
por suspeita de quadros depressivos mais do que dobrou. Em paralelo, a taxa de suicídio entre os indivíduos da
mesma geração também cresceu com igual intensidade. Suspeita-se que o isolamento proporcionado pelas novas tecnologias
tenha influência no aumento dos índices. Nos Estados Unidos, o tempo médio
que os jovens dedicam diariamente ao celular passou de uma hora e meia, em
2012, para duas horas e meia, no ano passado. A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, órgão ligado à ONU, considera que a Inglaterra apresenta o cenário mais grave:
um em cada três adolescentes já pode ser considerado viciado por ficar on-line
mais de seis horas diariamente.
Como saber se um filho
ultrapassou os limites? Uma das
diferenças entre o uso saudável e a dependência está no nível de inquietação
quando o dispositivo não está por perto. “Para os viciados, as
manifestações emocionais decorrentes de não poder acessar o aparelho, como
quando acaba a bateria, são semelhantes às apresentadas durante casos de
abstinência de drogas como álcool. O indivíduo costuma exibir alterações como
sudorese, ansiedade, irritabilidade e comportamento agressivo”, explica a
psicóloga Sylvia van Enck,
pesquisadora do Grupo de Dependências
Tecnológicas da Universidade de São Paulo.
EXTREMO: O inglês Danny Bowman: a selfie e a tentativa de suicídio |
Um caso extremo, e hoje
referência para estudos, ocorreu em 2012. O inglês Danny Bowman, então com 16 anos, tentou se matar, segundo ele próprio, por não ter conseguido tirar uma
“selfie perfeita”. O rapaz dedicava, à época, dez horas de seu dia em busca
das melhores fotos de seu rosto. Durante esse período, ele abandonou a escola,
perdeu peso e desfez amizades. A cura só
veio com a abstinência forçada: Bowman passou por um duro tratamento que consistia
em deixá-lo longe do smartphone.
No Brasil, existem clínicas,
como o Instituto Delete, no Rio de
Janeiro, que promovem esse tipo de tratamento. A iniciativa segue os passos de
países como Estados Unidos, Inglaterra, Japão e China, as principais
referências nesse campo de trabalho e onde a nomofobia é tratada como um
problema de saúde pública. Na
Califórnia, as clínicas especializadas no tratamento contra a nomofobia são
cada vez mais populares. No Japão, o Ministério da Educação lançou um
projeto nas escolas para oferecer psicoterapia
a jovens que se sentem dependentes do celular.
Um aviso, contudo, deve ser feito para todas as idades: é difícil ter
noção, sozinho, de quando se está dependente dessas novas tecnologias. Os
especialistas indicam uma forma de acender o alerta: note se o uso demasiado do smartphone está interferindo em sua
produtividade no trabalho ou no tempo dedicado à família e aos amigos. Se
isso estiver acontecendo, é um sinal de que, talvez, as coisas não estejam indo
de modo satisfatório. Como em tudo na vida, também para o celular vale o
conselho de ouro: use com moderação.
LIBERADO: Em São Paulo, uso autorizado de celular em sala de aula - funciona? |
O celular é posto à prova
Em
2016, a Universidade de Singapura
realizou um estudo para avaliar se a inclusão de aparelhos tecnológicos na sala
de aula ajudaria ou prejudicaria o desempenho dos estudantes. Os pesquisadores
monitoraram o comportamento de cerca de 100 alunos, com idade entre 18 e 29
anos, quando estavam com e sem o smartphone dentro da classe. Aqueles que tiveram o celular removido
apresentaram, em testes acadêmicos, notas 17% menores do que os que foram
autorizados a portar o dispositivo.
A
conclusão dos especialistas: os jovens,
hoje, estão tão conectados que forçar um hábito diferente, como ficar off-line,
deixa-os demasiadamente ansiosos, a ponto de afetar sua capacidade cognitiva.
Como Singapura costuma figurar entre os líderes mundiais em educação, o que só
aumenta a credibilidade do trabalho realizado no ano passado, talvez seja
realmente positiva a decisão do Estado de São Paulo de liberar o uso de
celulares nas salas das escolas públicas.
Os
aparelhos estavam proibidos nos colégios paulistas desde 2007. Segundo o
governo, decidiu-se reverter a ordem porque a aprendizagem “deve acompanhar o
uso de novas tecnologias”. A medida
adapta o ensino ao século XXI, tempo em que 95% dos adolescentes levam seus
smartphones para a escola e 92% admitem trocar mensagens mesmo durante as aulas.
Apenas dar aval às
“novas tecnologias”, no entanto, pode ser uma má escolha. Uma pesquisa da London School of Economics, realizada
com 130 000 estudantes, descobriu que o
uso de celular sem monitoramento faz com que a nota dos jovens que recorrem ao
gadget seja até 14% mais baixa. Outro estudo, desta vez da Universidade Stanford, nos Estados
Unidos, mostrou que a solução para modernizar o ensino, sem fazer com que
professores disputem a atenção com os smartphones, pode ser o meio-termo: permiti-los, mas com fiscalização. Uma
sugestão é a criação de aplicativos que possibilitem o acesso só para estudar o
conteúdo apresentado em classe, e nada mais. Assim, os jovens poderão usar o
celular, tal como desejam, mas com objetivo apenas pedagógico.
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