«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Não existem mais as religiões de antigamente

Giancarlo Bosetti
Jornal “La Repubblica” – Roma (Itália)
24-02-2017

A modernidade pluralista obriga a religião a não ser mais “naturalmente”
aquela do lugar e da família onde se nasceu, mas o resultado de uma escolha
entre as muitas possíveis, incluindo a de não ter nenhuma fé, mas de se
considerar agnóstico ou ateu
PETER L. BERGER

O pluralismo não é um dos muitos elementos da modernidade secular. A convivência aproximada de diferentes visões de mundo, de diferentes escalas de valores na mesma sociedade, no mesmo vilarejo, no mesmo andar, no mesmo vídeo ou smartphone, na mesma família e também na mente do mesmo indivíduo em momentos diferentes do dia, tudo isso é a mudança que abalou a compacidade e a ordem “natural” da sociedade tradicional. É uma mudança que diz respeito tanto à consciência individual quanto à ordem das instituições. E propõe àqueles que creem um desafio duplo, o de conviver com realidades seculares e, ao mesmo tempo, o desafio diferente e ainda mais comprometedor de conviver com a multiplicação da oferta religiosa no mercado das fés.

Peter L. Berger, aos 87 anos, volta à tona com um livro – I molti altari della modernità. Le religioni al tempo del pluralismo [Os muitos altares da modernidade. As religiões no tempo do pluralismo] (Ed. Emi) – que fala não só para a comunidade acadêmica da sociologia, mas também, com a vivacidade que lhe é própria, ao grande público.

O pluralismo produz uma situação em que a relativização torna-se uma experiência permanente, enquanto muitas perguntas da nossa sociedade:
* o que é um casamento?
* Em que você crê?
* Em que valores se deve educar as crianças?
– saem da esfera das respostas automaticamente, aquelas que começam com “obviamente” e entrar na fileira daquelas às quais se deve acrescentar “talvez” e “até novo aviso”.

Para se fazer entender, Berger gosta da história dos “três Cristos” de Ypsilanti (uma cidade de Michigan), onde se encontra um hospital psiquiátrico, no qual, a dois internados que acreditavam ser Jesus e que se davam bem, acrescentou-se um terceiro. Lá, foram postos juntos e, depois do choque, eles negociaram uma engenhosa teologia segundo a qual todos os três podiam manter o título de Cristo.

Longe de considerar blasfema a comparação entre a religião e a loucura, Berger utiliza esse exemplo clássico, estudado por Milton Rokeach, como um paradigma do “compromisso cognitivo” ao qual o fiel de qualquer confissão deve se preparar, diante do desafio dos “outros Cristos”.

Um tipo de contaminação que, evidentemente, relativiza qualquer absoluto e que se torna exercício permanente para qualquer forte convicção, não só religiosa. Os fundamentalistas, que são os portadores de um projeto de eliminação total da dúvida, isentam-se dela, mas podem fazer isso com a condição de suprimir o contato com as “outras” versões do mundo com ditaduras de tipo norte-coreano em escala estatal, ou em um segmento da sociedade, em uma subcultura, em uma seita. A censura das dissonâncias cognitivas ocorre mediante atos de autoridade (fatwa, acusações de blasfêmia, prisões, chicotadas), mas também com operações mentais que atuam censurando informações contraditórias, assim como os fumantes simplesmente omitem ler artigos sobre os dano do fumo e de “ver” os textos aterrorizantes nos maços de cigarro.

O pluralismo de qualquer tipo era incompatível com a autocompreensão católica pré-moderna; o Sílabo de Pio IX é um documento exemplar disso. A Igreja possuía a plenitude da verdade e, em princípio, os “erros” (as outras fés) não tinham direitos. O “erro LXXVII” sancionava a proibição da tese de que, “nesta nossa idade, não convém mais que a religião católica se considere como a única religião do Estado”. A própria liberdade religiosa é teologicamente problemática para a Igreja Romana, assim como para todas as confissões, começando pelo Islã. Apesar do Concílio Vaticano II, o documento Dominus Iesus do ano 2000, do cardeal Ratzinger, ainda representava uma tentativa de resistir ao “compromisso cognitivo”; em outras palavras, condenava as teologias pluralistas.

Berger, nascido em Viena, assim como muitos grandes intelectuais da diáspora austríaca (de Schumpeter a Popper), ligou o seu nome, desde 1966, a A construção social da realidade (Editora Vozes, 26ª edição, 2006), um dos textos mais influentes da sociologia do século XX, que ele escreveu junto com Thomas Luckman e que basta para lhe atribuir um lugar de grande destaque na história das ciências humanas.

A tese é de que a linguagem, as instituições, os papéis sociais adquirem, na vida cotidiana, na qual crescemos e somos educados, uma objetividade que encontra uma confirmação na mente. Em outras palavras, nós aceitamos grande parte daquilo que encontramos como “nomos”, como um dado que damos por descontado: não precisamos reinventar ou redescobrir o sistema ferroviário todas as vezes em que tomamos um trem.

A objetividade tem uma legitimidade estável própria, ela o tem no mundo que nos rodeia e também, por assim dizer, nas prateleiras da nossa mente, mas, atenção, apenas “até prova em contrário”: isto é, até que um serviço para de funcionar, quando os eventos forçam a reexaminar o “nomos”. Nesse ponto, tiramos a coisa das prateleiras das coisas óbvias e a deslocamos para a prateleira dos problemas a serem resolvidos.

É um processo que Berger define como “desinstitucionalização” e é tão desgastante quanto a comodidade de encontrar o problema resolvido na rotina. A modernidade pluralista também obriga a religião a passar por aqui, ao não ser mais “naturalmente” aquela do lugar e da família onde se nasceu, mas o resultado de uma escolha entre as muitas possíveis, incluindo a de não ter nenhuma fé, mas de se considerar agnóstico ou ateu, que teve os seus maiores sucessos na Europa.

Nas últimas décadas, a análise de Berger se voltou para a religião por vários motivos. O primeiro é que ele, assim como muitos outros sociólogos, inspirados em Max Weber, estava convencido, até perto do fim do século passado, da tese da secularização e “desencantamento” do mundo: o declínio da religião e das crenças na transcendência. E isso mesmo que ele, luterano, nunca tivesse dúvidas sobre a coexistência da modernidade com as crenças no sobrenatural: já era de 1969 o livro “Rumor de anjos”.

Mas, em 1999, com “A dessecularização do mundo”, a clássica tese weberiana lhe parece empiricamente insustentável. Com algumas exceções, que são a Europa e a comunidade intelectual internacional, o mundo é religioso como sempre.

Tudo isso para Berger não está, por si só, em contraste com a separação das instituições políticas das religiosas. Ao contrário, a dessecularização (fenômeno social, não jurídico) é perfeitamente compatível com aquela que nós chamamos de laicidade do Estado e que, em inglês, soa como “secularismo institucional”. É compatível mesmo que isso não signifique que a laicidade se realize na terra, como bem se vê nos países islâmicos e não só.

E, a propósito dessa separação ou “diferenciação”, Berger ressalta, na sua visão original, como ela deve passar não só pela Igreja, pelas mesquitas, pelo clero e pela política, mas também pela consciência, ou seja, deve se afirmar como “nomos”. Não basta traduzir em lei o equivalente da primeira emenda da Constituição estadunidense. Deve haver, deve se formar uma primeira emenda em miniatura na mente dos cidadãos individuais, razão pela qual nenhuma pessoa terá a ideia de colocar no governo um bispo ou um mulá.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. A versão original é acessível, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de fevereiro de 2017 – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Governo quer convencer o povo que é bom perder direitos!

Enrolando o povo para que ele tome o veneno

Eduardo Maretti

Ao dizer que a recessão terminou, ministro da Fazenda usa estratégia
midiática, em momento de fragilidade das pessoas.
“Com argumento calculado e repetição, você convence pessoas
que tomar veneno é bom”
GUILHERME MELLO
Economista - Unicamp

A fala do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ontem (21 de fevereiro), segundo a qual a recessão brasileira acabou, “é o tipo de declaração para vender otimismo e um resultado que ainda não veio”. Mais do que isso, para o economista Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a declaração de Meirelles faz parte de uma estratégia midiática que envolve milhões de pessoas, muitas das quais acabam sendo convencidas de que o país e a economia vão bem e que reformas contra seus próprios direitos são positivas para elas e para a nação.

“Você consegue, com a:
* propaganda certa,
* o argumento calculado e
* a repetição, convencer pessoas que tomar veneno é bom.

Por mais que a realidade diga que a coisa vai muito mal, exatamente por isso as pessoas querem e precisam acreditar que vai melhorar. Então, se usa esse momento de fragilidade das pessoas para bombardear uma mensagem de otimismo através da imprensa, repetidamente, para ver se a coisa cola”, diz Guilherme.

Com base nessa estratégia, o economista prevê que, para emplacar a reforma da Previdência, os atuais governantes vão tentar convencer as pessoas de que elas ganharão com as mudanças, que, na verdade, significarão a retirada de grande parte da chamada rede de proteção social que o povo brasileiro ainda tem. [Na prática, se a reforma da Previdência for realizada como quer o governo de Michel Temer, quase ninguém conseguirá mais se aposentar no Brasil com dignidade e um estipêndio suficiente para manter uma pessoa na velhice! Exceto aqueles que conseguirem pagar uma previdência privada!]

“Explora-se o medo, as necessidades e os desejos das pessoas para convencê-las de que coisas que as prejudicam, na verdade, são para o bem delas, que é muito bom para elas perderem o direito de se aposentar, e parte das pessoas vai acreditar. Isso é grave.”

O Brasil hoje já está crescendo e essa recessão já terminou. É uma recuperação sólida, impulsionada por medidas fundamentais. A PEC do Teto foi impulsionadora desse crescimento, e a (reforma) da Previdência, além de ser fundamental, está no centro desse processo”, disse Meirelles, na companhia do presidente Michel Temer, em reunião da comissão especial da reforma da Previdência, no Palácio do Planalto. “A mensagem é de que é mais importante ter a segurança de que vão receber a aposentadoria do que a expectativa de que vão se aposentar um pouquinho mais cedo ou tarde, gerando insegurança no futuro”, acrescentou. 
HENRIQUE MEIRELLES
Age como encantador de serpentes: fala mansa, demonstração de otimismo para poder
"vender" ao povo que as reformas da Previdência e trabalhista são as únicas e necessárias
para tirar o Brasil da crise!
SINAIS

Segundo Meirelles, “sinais sólidos de recuperação” da economia são a valorização da Bolsa de Valores, ganhos de valores relacionados ao Banco do Brasil, à Petrobras e à Vale, além da queda do risco Brasil e do dólar.

Porém, para “decretar” o fim da recessão, seria preciso de pelo menos um trimestre de crescimento positivo. Segundo Mello, os dados em que alguns analistas se baseiam para dizer que a economia está se recuperando “são muito questionáveis quanto à amplitude”. Por exemplo, a informação de que a indústria paulista voltou a contratar. Segundo o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp/Ciesp, a indústria paulista teve saldo positivo de 6,5 mil vagas em janeiro. Mas, na comparação com janeiro de 2016, o saldo é negativo em 5,73%.

O número de desempregados é de cerca de 12 milhões de pessoas. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, a taxa média de desemprego em 2016 chegou a 11,5%. As projeções do mercado para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017 são de 0,5%.

“Se o país crescer 0,5% este ano, o desemprego aumenta. Precisa crescer 2%, 3% para ter uma queda de desemprego razoável”, disse a economista Esther Dweck à RBA na semana passada. [Em outras palavras: o desemprego não só não cairá em 2017 como, certamente, aumentará!]

Divulgados na semana passada, dados relativos ao comércio varejista indicam que, em 2016, foram fechadas 108 mil lojas em todo o país, pior resultado da série histórica desde 2005.

Todos esses dados, em conjunto, mostram uma situação que não se supera por decreto ou pela vontade de um ministro. “Quando Meirelles fala que a recessão acabou, está olhando para onde sempre olhou, para os que ele sempre representou, os investidores financeiros. Mas existe um descompasso entre o Brasil dos rentistas, que teve ganhos patrimoniais, porque a Bolsa subiu, e o Brasil verdadeiro, dos 99% dos brasileiros, que continua em uma situação de crise profunda”, diz Guilherme Mello.

Fonte: RBA – Rede Brasil Atual – Economia – Quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017 – 18h40 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

É isto que a crise econômica representa!

Número de pobres no Brasil terá aumento de
no mínimo 2,5 milhões em 2017

ONU Brasil

Até o final de 2017, o Brasil deverá testemunhar um aumento de 2,5 milhões
até 3,6 milhões no número de pessoas vivendo na miséria 
O Programa Bolsa Família terá de ser ampliado para atender aos "novos pobres" vítimas
da prolongada recessão em que o Brasil se encontra

Resultado da prolongada crise econômica, a estimativa foi divulgada neste mês pelo Banco Mundial, que sugeriu um aumento do orçamento do Bolsa Família para atender os “novos pobres”.

O organismo financeiro traça um perfil desses “novos pobres” — em média, brasileiros com menos de 40 anos, moradores de zonas urbanas, que concluíram pelo menos o Ensino Médio e estavam empregados em 2015, sobretudo no setor de serviços.

Para mitigar os impactos da recessão sobre a população, o Banco Mundial recomenda a expansão do Bolsa Família, que deverá ter seu orçamento ampliado para 30,7 bilhões de reais em 2017, caso o governo queira cobrir os “novos pobres” com a proteção social. [É triste constatar que uma multidão de brasileiros somente sobrevive devido às “esmolas” do governo federal!]

Isso evitaria que a miséria atingisse valores acima do patamar de 2015, quando a tendência decrescente da pobreza foi revertida após uma década de queda ininterrupta. Em 2014, a pobreza e a pobreza extrema no Brasil eram estimadas em 7,4% e 2,8%, respectivamente. No ano seguinte, os valores registraram um salto para 8,7% e 3,4%.

O incremento no Bolsa Família sugerido pelo Banco Mundial representa um acréscimo de cerca de 900 milhões de reais na verba prevista para o programa pela lei orçamentária de 2017.

O aumento na pobreza para este ano foi calculado com base em variações distintas de índices macroeconômicos. No cenário mais otimista, o Banco Mundial estima uma retomada do crescimento econômico, com um modesto saldo positivo — de 0,5% — para o Produto Interno Bruto (PIB). O desemprego continuaria em ascensão, chegando aos 11,8%, valor 0,6% mais alto do que a taxa de desocupação no ano passado.

Na previsão mais pessimista, o Brasil continuará em recessão, com o PIB registrando contração de 1%. O desemprego alcançaria os 13,3%.

Nas melhores circunstâncias:
* o número de pessoas moderadamente pobres atingirá os 19,8 milhões (9,8% da população),
* incluindo os que viverão na miséria extrema — cerca de 8,5 milhões de indivíduos (4,2%) em 2017.

A linha de pobreza utilizada para os cálculos foi estipulada como 140 reais per capita por mês.

No pior cenário:
* a pobreza chega a 10,3% — 20,8 milhões de brasileiros — e
* a pobreza extrema alcançará os 4,6% — 9,3 milhões. Em 2016, a miséria extrema havia sido calculada em 3,4%.

Caso os investimentos no Bolsa Família sejam realizados, a proteção social poderia frear o crescimento da miséria extrema, que alcançaria 3,5% e 3,6% nas simulações mais otimista e mais pessimista, respectivamente. Os valores ficariam bem próximos aos verificados em 2015.
Cresce o número de trabalhadores informais (fazendo "bico") na economia brasileira:
é o único jeito para sobreviver!

Desemprego, pobreza e redistribuição de renda

O Banco Mundial lembra que mais de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. O número representa quase metade da redução da miséria na América Latina e Caribe verificada no mesmo período. Os avanços foram possíveis pelo crescimento econômico, que gerou novas oportunidades de emprego, sobretudo no setor de serviços, e também por programas como o Bolsa Família.

Segundo o organismo financeiro, o Brasil se assemelha a outros países de renda média, onde os rendimentos do trabalho representam a maior fatia da renda para os 40% mais pobres da população. Para a maior parte desse segmento, a prosperidade depende do trabalho formal. Isso significa que o aumento do desemprego por conta da recessão põe em risco as conquistas do país no combate à miséria.

Em 2015, a recessão provocou o fechamento de 1,6 milhão de postos formais, causando um aumento no nível de desemprego, que saltou de 4,3% em dezembro de 2014 para 11,8% em outubro de 2016. O Banco Mundial aponta ainda que os salários reais também vêm sofrendo contração, com queda de 4,2% em 2015. Neste ano, o PIB registrou uma contração de 5,8%.

Para a fatia da população vivendo em pobreza extrema, porém, foram os programas de transferência de renda que reduziram o nível de miséria. Cinquenta e oito por cento da queda na pobreza extrema no Brasil registrada entre 2004 e 2014 está associada a mudanças nos rendimentos de fontes que não incluíam o trabalho, como o Bolsa Família.
Pessoas que tinham trabalho e, ao menos, o ensino médio até 2015, agora, fazem parte
do contingente dos "novos pobres" do Brasil devido o desemprego!

Quem são os "novos pobres"?

Mapeando o perfil dos chefes das famílias de “novos pobres”, o Banco Mundial aponta que esses brasileiros não eram miseráveis em 2015. Eles têm nível de qualificação — 38,2% concluíram pelo menos o Ensino Médio — muito próximo ao da camada de não pobres, dos quais 41,3% têm, no mínimo, escolaridade média. Os “novos pobres” tinham trabalho dois anos atrás, mas entraram para as estatísticas dos desempregados.

O nível da formação revelado pelo Banco Mundial distancia os dois segmentos dos considerados estruturalmente pobres, brasileiros que já eram pobres em 2015 e continuarão vivendo na miséria. Entre esses, apenas 17,5% terminou o Ensino Médio e 63,7% vivem no campo. Quase 90% dos “novos pobres” vivem em zonas urbanas.

Dos que chegarão à linha da pobreza em 2017, 33,5% são brancos, em comparação aos 24,2% dos brancos descritos como vítimas estruturais da desigualdade.

Outra informação calculada pelo organismo financeiro é a faixa etária dos chefes das famílias dos “novos pobres”. Eles têm em média 37,9 anos, enquanto, entre os estruturalmente pobres, a média sobre para 41 anos. No grupo de não pobres, a idade chega a 50,4.

De acordo com o organismo financeiro, a profundidade e duração da atual crise econômica no Brasil podem ser vistos como uma oportunidade para que o governo amplie o papel do Bolsa Família — que passaria de um eficaz programa de redistribuição de renda para uma verdadeira rede de proteção, flexível o suficiente para expandir a cobertura aos domicílios dos “novos pobres”.

Acesse a avaliação do Banco Mundial na íntegra, clicando aqui.

Fonte: Organização das Nações Unidas no Brasil (ONU Brasil) – Desenvolvimento Sustentável – Segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017 – Internet: clique aqui.

Falta trabalho no país para mais de 24 milhões
de pessoas, aponta IBGE

Redação

Pesquisa do instituto mostra ainda que aumentou o tempo de busca por
emprego. Taxa de desemprego é maior para negros e diferença de
rendimentos revela um “abismo”, diz coordenador
Cresceu o número de trabalhadores desempregados em busca de novo trabalho há mais de um ou dois anos!

Além dos 12,3 milhões de pessoas consideradas desempregadas no Brasil, há outras 12 milhões que gostariam de estar trabalhando ou têm jornada considerada insuficiente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada hoje (23) pelo IBGE. A chamada taxa de subocupação, que agrega esses dois grupos, atingiu 22,2% no último trimestre de 2016, ante 17,3% em igual período do ano anterior. São 5,8 milhões de pessoas a mais nessa condição.

Os dados do instituto mostram também que o tempo de busca por emprego tem aumentado. "Está mais difícil encontrar trabalho", diz o coordenador de Trabalho e Rendimento do instituto, Cimar Azeredo. Para metade das pessoas, o tempo de duração de procura varia de um mês a um ano, mas a parcela que mais cresce é a dos que procuram há mais de um ano ou mais de dois anos – nesse segundo caso, é um contingente superior a 2 milhões de desempregados.

A taxa média de desemprego no país foi estimada em 12% ao final do quarto trimestre do ano passado, estável frente ao terceiro (11,8%) e maior que no final de 2015 (9%). Entre as regiões, as taxas ficam acima da média no Nordeste (14,4%), no Norte (12,7%) e no Sudeste (12,3%). E abaixo no Centro-Oeste (10,9%) e no Sul (7,7%).

Se o recorte for pelo número de desempregados, o país "ganhou" 3,269 milhões em um ano, para um total de 12,342 milhões, crescimento de 36%. Na região Centro-Oeste, essa alta chegou a 52,7%, com acréscimo de 309 mil. No Norte, aumentou 48,8%, com mais 333 mil desempregados. Na região mais populosa, o Sudeste, esse aumento foi de 31,8%: acréscimo de 1,364 milhão, totalizando 5,654 milhões.

O IBGE aponta diferenças significativas nas taxas de desemprego entre homens (10,7%) e mulheres (13,8%), comportamento verificado em todas as regiões. As mulheres representam 52,2% da população em idade de trabalhar (a partir de 14 anos), mas são apenas 43% dos ocupados.

Entre os jovens de 18 a 24 anos, o desemprego chega a 25,9%. Cai para 11,2% na faixa entre 25 e 39 anos e para 6,9% entre trabalhadores de 40 a 59 anos.

A diferença também é grande quando se compara dados de:
* trabalhadores brancos (taxa de desemprego de 9,5%),
* pessoas de cor preta (14,4%) e
* parda (14,1%), conforme a classificação do IBGE.

Há um "abismo" no rendimento, afirma o coordenador do IBGE: o rendimento médio dos brancos foi estimado em R$ 2.660, acima da média nacional, no quarto trimestre (R$ 2.043). O do pardos cai para R$ 1.480 e o dos pretos, para R$ 1.461.

Fonte: RBA – Rede Brasil Atual – Economia – Quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017 – 18h19 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que é decoro?

Indecoro

Roberto Romano
Professor de Filosofia e Ética

Se as mãos de muitos políticos estão sujas, ao menos limpem a língua.
Com muito sabão!

Quando a realidade política e social se degrada e atinge o insuportável, o discurso apodrece, evidencia sinais de morte. As formas administrativas do Brasil agonizam. Contra o que dizem muitos colegas da universidade, seguidos por inúmeros jornalistas, discordo da tese segundo a qual as nossas instituições “funcionam normalmente”. A menos, claro, que o critério da normalidade seja o hábito de formar quadrilhas para o roubo das riquezas físicas ou espirituais de um povo.

Mesmo em situações de crise a instituição e os indivíduos que a manejam devem manter o decoro. Esse é um cálculo difícil. Um gramático inglês do século 16 exemplifica: se a duquesa vai à corte, ela não pode usar roupas mais brilhantes do que a rainha. Mas se a mesma pessoa usa vestimentas inferiores às de suas iguais, é indecorosa. No cálculo do aceitável em sociedade, consideram-se o corpo próprio e os demais. E cada um merece tratamento relativo à sua dignidade.

O decoro surgiu na Grécia e recebeu um nome: Aidós. Trata-se da vergonha imposta a quem não se comporta em público. Penas severas eram aplicadas aos que, por educação falha ou vício de caráter, desrespeitavam os cidadãos de Atenas. Sem a vergonha os valores democráticos empalidecem porque o corpo e a língua indecorosos mostram que a lei foi corroída pela selvageria.
PÁRTENON - ATENAS (GRÉCIA)
Este templo dedicado à Atenas foi construído entre 480 e 323 a.C.

Na Idade Média o decoro foi retomado pelos monges. A roupa e os gestos não poderiam depor contra um religioso que, supostamente, tinha optado pela pobreza. Frades vestidos como barões eram a prova de que os votos sagrados haviam sido desobedecidos. Daí o uniforme das ordens, sem enfeites de prata, ouro, pedras preciosas. A “dama pobreza”, segundo Francisco de Assis, exige que seus pretendentes vivam como ela, vestida apenas pela graça divina. A língua deveria seguir a mesma regra.

Da Renascença em diante, o decoro passou a nortear as palavras, as roupas, os gestos dos reis, dos nobres, dos burgueses. Ele é um exercício de respeito aos outros e meio de garantir o respeito a si mesmo. Quem não tem prerrogativas, mas quer exercê-las, é indecoroso. Um hóspede que toma o papel da dona da casa, indicando aos demais o lugar onde devem tomar assento, é indecoroso. E se a anfitriã deixa o indiscreto fazer o gesto inconveniente, ela é indecorosa. Sua prerrogativa não deve ser negada sequer pelo marido, pelos filhos, pais, etc. Se um bispo comum, numa visita papal, ousa dar a bênção Urbi et Orbi... ele não apenas enlouqueceu, mas seu ato é indecoroso.

Uma regra que ajuda a decidir as inclinações à moda chinesa, quando pessoas estão diante da porta: não é a mais jovem, mais bonita, mais velha a ceder a passagem. Dá o lugar quem o possui. Se o mais jovem é presidente da República, ele cede a passagem, primeiro aos velhos, depois às mulheres, depois aos demais. Não é falta de respeito um inferior na escala governamental passar primeiro.  É indecoro do que detém o mais alto cargo não ceder a passagem, mostra que ele ignora a etiqueta e as verdadeiras prerrogativas do seu posto.

Assim, na escrita, diz o citado gramático inglês do século 16: se um autor não usa imagens no texto, é indecoroso por desprezar a fantasia e o gosto do leitor. Se as usa aos borbotões, é indecoroso, pois despreza inteligências e culturas. O poeta decoroso jamais dirá algo como “a face rosada e fina do general”. É indecente um general ter faces que só cabem às crianças e às raparigas em flor.

Se uma autoridade quer ser respeitada, deve respeitar o povo (que fica chocado com palavrões e outras marcas de indecoro). Certas falas devem ser evitadas. Não por causa do hipócrita “politicamente correto”. Trata-se de algo sério. Os reitores são “magníficos”, mesmo se não ostentam magnificência. A comunidade acadêmica é a proprietária do título, usado em seu nome. Deputados, senadores, edis são “excelentíssimos” não porque sejam dotados de excelência. O título pertence ao soberano, o que possui a maiestas, termo latino para designar o ente mais elevado no coletivo. Na monarquia, a maiestas é apanágio do rei, que usa o título em nome do povo. Na democracia é o próprio povo que a empresta, a cada eleição, aos representantes. É assim que o decorum exige tratar o povo com respeito. Não por “boa educação”, mas por subordinação da “autoridade” diante de quem a “autoriza”. E a regra funciona para todos os Poderes, incluindo o Judiciário e o militar. Sem tal respeito, temos larápios da soberania, não representantes. 
CONGRESSO NACIONAL - BRASÍLIA (DF)
Sede da Câmara dos Deputados e do Senado Federal

A expressão “soberania popular” e o termo “majestade” incomodam ouvidos indecentes. Mas eles permitem reconhecer a força das normas democráticas. Somos herdeiros do mundo grego e latino em práticas e valores. O Direito e a política não fogem à regra. No Estado moderno as ideias de soberania e majestade, contra o exercício ditatorial ou aristocrático do mando, aplicam-se à totalidade dos cidadãos (Thomas, Y., L’Institution de la Majesté, em Revue de Synthèse, julho/dezembro de 1991).

Faltar com o decoro diante da maiestas é destruir a fé pública. Um político não tem o direito de ser leviano. Seu ofício exige ponderação, a gravitas. Para os romanos, a gravitas comanda uma atitude “que não se curva em proveito do sucesso político passageiro" (Yavetz, Z., La Plèbe et le Prince).

O representante não pode tratar os cidadãos como crianças. Ele deve ser o portador de uma gravitas dicendi. “Suruba”, “canalha” e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas na língua de quem decide sobre os bens públicos, com repercussões vitais sobre o País, semelhantes vocábulos indicam apenas... levitas indigna de qualquer democracia.

Se as mãos de muitos políticos brasileiros estão sujas, que eles pelo menos limpem a língua. De preferência com muito sabão.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 21 de fevereiro de 2017 –Pág. A2 – Internet: clique aqui.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

CARNAVAL

Dom Helder Câmara
(1909 –1999)
Foi bispo auxiliar do Rio de Janeiro (1952-1964)
Arcebispo de Olinda e Recife (1964-1985)
Participou do Concílio Vaticano II, sendo um dos
fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

«Carnaval é a alegria popular.
Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida.
Peca-se muito no carnaval?
Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval.
Estive recordando sambas e frevos, do disco do Baile da Saudade:
ô jardineira por que estas tão triste? Mas o que foi que aconteceu...
Tú és muito mais bonita que a camélia que morreu...
Brinque meu povo querido!
Minha gente queridíssima.
É verdade que quarta-feira a luta recomeça.
Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!»

(Fonte: trecho de sua crônica radiofônica “Um olhar sobre a cidade” da Rádio Olinda AM
Recife [PE], 1 de fevereiro de 1975)

Como melhorar a formação de professores

O cubo mágico da formação de professores

Priscila Cruz* e Olavo Nogueira Filho**

Ações pontuais não vão resolver a questão, mudanças em várias frentes
são necessárias

Você já tentou resolver um cubo mágico? Se já conseguiu fazê-lo, sabe que pouco adianta resolver uma face toda e partir para as seguintes. É preciso ir resolvendo todas ao mesmo tempo, porque cada face, cada peça está relacionada com as demais e as influencia. Essa é uma boa imagem para ilustrar e ajudar a entender o desafio da estrutura de formação de professores no Brasil.

Ainda que haja enorme convergência em torno do papel central do professor para mudarmos de patamar na educação, ações pontuais não vão resolver a questão. Serão necessárias mudanças em várias frentes, progressivas, simultâneas e articuladas, para de fato elevarmos a profissão docente ao patamar que lhe cabe, como a principal e mais importante do País. Como as seis faces do cubo mágico, destacamos aqui seis frentes – identificadas a partir da contribuição de dezenas de especialistas – que precisam ser destravadas.

1º) O potencial de impacto de uma agenda de mudança que objetiva aproximar a estrutura de formação docente dos desafios da prática em sala de aula está altamente relacionado à capacidade do País de tornar a carreira docente muito mais desejada e atrativa para os jovens. Até hoje nenhum país no mundo – nenhum! – conseguiu constituir um conjunto de professores de excelência partindo de um cenário em que a maioria dos que optam pela carreira são alunos egressos do ensino médio com desempenho escolar abaixo de uma média nacional já muito baixa, como no Brasil. Isso tem que ver, é claro, com a valorização da carreira como um todo, desde a remuneração até o respeito pela sociedade.

2º) Ainda há um tímido entendimento (ou falta de priorização) por parte dos gestores estaduais e municipais de que o debate sobre formação de professores tem nos critérios de INGRESSO e PROGRESSÃO na carreira importantes indutores de mudanças. No que diz respeito ao ingresso, é ali que, em tese, se devem estabelecer o perfil docente desejável e os critérios para contratação, e também o momento em que se desenvolve o estágio probatório de três anos. Já no âmbito da progressão é que está um dos principais mecanismos de incentivo e, portanto, a oportunidade de reconhecer a busca do desenvolvimento profissional como parte essencial da evolução na carreira.

3º) O marco regulatório brasileiro recente que rege a temática é genérico e pouco indutor. Assim, na prática, observa-se que os cursos de pedagogia e licenciatura (seja em universidades públicas ou particulares) e os programas de formação continuada nas redes de ensino que quiserem avançar no sentido proposto podem fazê-lo. Mas se não quiserem, seja por que motivo for, conseguem navegar sem dificuldade no campo da subjetividade para cumprir as regras, em especial na formação inicial.

4º) Encarar a complexidade inerente da formação inicial e continuada dos professores. Uma boa atuação docente depende muito menos de vocação e muito mais de uma estrutura de formação que, prioritariamente, saiba como promover a articulação entre teoria e prática e o efetivo ensino da didática. A falta de prestígio da temática nas universidades, o alto número de formadores dos futuros professores que não têm a experiência de atuação em sala de aula na educação básica e a ainda pouca indução do governo federal para estimular o desenvolvimento e a ampliação da capacidade instalada nessa área de conhecimento são algumas das explicações para o baixo número de experiências de sucesso no Brasil.
Reunião pedagógica de professores da mesma unidade escolar

5º) A refratária dinâmica escolar ao desenvolvimento da escola também como lugar da formação docente. O processo de implantação de políticas e programas de formação continuada – estratégia-chave para o curto prazo, já que são mais de 2 milhões de professores na ativa – muitas vezes esbarra na falta de condições adequadas na escola. Por exemplo: é sabida a ampla relevância da troca de experiências entre os professores de uma mesma unidade escolar sobre sua prática pedagógica, porém são poucas as redes de ensino que estabelecem políticas consistentes para criar tais condições, em especial no que tange à atuação do coordenador pedagógico e ao uso efetivo de um terço da carga horária, assegurado por lei nacional, para atividades fora da sala de aula.

6º) Não há uma definição clara, em âmbito nacional, do que se espera da atuação docente em sala de aula, o que dificulta o avanço de um debate mais objetivo e preciso sobre o que especificamente precisa ser alterado ou mantido na estrutura de formação. É como perguntar que caminho se deve seguir sem saber aonde exatamente se quer chegar. A experiência internacional mostra que a definição colaborativa, envolvendo os professores, de parâmetros da prática docente para nortear os programas de formação inicial e continuada, numa perspectiva referencial, e não focada em responsabilização, é uma política-chave para impulsionar melhoras relevantes e, inclusive, maior valorização da carreira.

Assim como no cubo mágico, a inter-relação dessas diferentes faces ou dos desafios da formação de professores é clara e elevada. Ou seja, mudanças transformadoras na formação de professores – e, consequentemente, nos resultados de aprendizagem dos alunos – só serão concretizadas se a abordagem for coordenada e norteada por uma visão sistêmica. Com a nova estrutura curricular proposta para o ensino médio, recém-aprovada pelo Congresso Nacional, e o avanço da Base Nacional Comum Curricular, ambas em discussão há anos no País, o momento é agora. Caso contrário, a maioria das promessas – positivas e desejáveis – de melhora da educação básica pública brasileira não passará disso: serão apenas promessas.

* Priscila Cruz é mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School, é fundadora e presidente do Movimento Todos Pela Educação.
** Olavo Nogueira Filho é pós-Graduado em Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública, é gerente-geral do Movimento Todos Pela Educação.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 21 de fevereiro de 2017 –Pág. A2 – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A perigosa febre Bolsonaro

Bolsonaro: de acusado de terrorismo
a fenômeno da internet

Thaís Oyama
Jornalista

O deserto político é tão devastador que até o deputado Jair Bolsonaro, antes
mero peão da direita baixo clero, é estrela da internet e saudado como “mito” 
JAIR BOLSONARO
Deputado Federal pelo PSC do Rio de Janeiro

“Mito, mito, mito!”, gritam em coro cerca de 1000 pessoas assim que o deputado Jair Bolsonaro desponta no saguão do aeroporto de Campina Grande, na Paraíba. Ele ergue os braços. As palmas aumentam: “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos Bolsonaro presidente do Brasil!”. Abraçado, apalpado, fotografado, beijado e empurrado, o capitão da reserva do Exército, já sem conseguir pôr os pés no chão, vai sendo arrastado pela multidão até o estacionamento do aeroporto. Lá, erguido e carregado nos ombros, termina em cima de um carro de som, microfone na mão. Camisetas visíveis na plateia indicam a presença de alguns grupos: Direita Paraíba, Direita Ceará, Ordem dos Conservadores, Academia de Krav Magá de Campina Grande. Jovens compõem a maioria do público. Muitos são estudantes universitários. Acenam para o visitante e levantam cartazes com os dizeres “Bolsonaro 2018”. Alguns batem continência para o deputado-capitão. [Que diferença dos universitários dos anos 1960 e 1970 no Brasil e no mundo!!!]

De pé no capô do carro, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) lança seus gritos de guerra. Abre com refrãos patrióticos: “Este é um brasileiro com o coração verde e amarelo. Se estou aqui é porque acredito no Brasil!”. Ovações. Critica o Estatuto do Desarmamento: “Nós vamos devolver o fuzil para o produtor rural. Cartão de visita para o MST é cartucho 762!”. Mais aplausos. A plateia reproduz o gesto do deputado, que imita um fuzil com as mãos. Bolsonaro prossegue elogiando os militares: “Acabou o discurso da esquerda querendo extinguir a Polícia Militar. E é bom irem se acostumando com um capitão no Planalto”. “Presidente! Presidente!”, responde a multidão. Encerra a fala com seu bordão: “Brasil acima de tudo! Deus acima de todos”. Palmas, gritos, pedidos de selfie (ele atende a todos). Enquanto isso, assume o microfone Eduardo Bolsonaro, também deputado pelo PSC e o terceiro dos cinco filhos de Jair Bolsonaro (motivo pelo qual é chamado pelo pais de “Zero Três”). Aplausos efusivos para ele também. 
JAIR BOLSONARO
Na Paraíba: o deputado imita um fuzil com as mãos, gesto copiado nas ruas e nas redes sociais pelos bolsonaristas
Foto: Jonne Roriz/VEJA

Cenas como a do aeroporto se repetirão ao longo de todo o dia. Na caminhada que Bolsonaro faz pelo centro de Campina Grande e na porta das emissoras de rádio e TV em que dá entrevistas, dezenas de fãs o aguardam, celular em punho, prontos para as fotos. Numa praça, diante de uma passante que chama o deputado de fascista, bolsonaristas aglomerados em torno dela gritam: “Maconheira, maconheira!”. Da mesma forma, o homem que levanta o punho para o grupo dizendo “Não passarão!” ouve de volta: “Comunista, comunista!”. Assessores tentam controlar o assédio ao chefe, que chamam “JB”.

A popularidade de JB é um fenômeno novo até para ele. Em 2010, Jair Messias Bolsonaro era um mero peão do baixo clero na Câmara. O termo define os parlamentares esnobados pelos colegas mais famosos, esquecidos pela imprensa, excluídos das comissões mais importantes da Casa e com nenhum ou quase nenhum projeto aprovado – precisamente o caso de Bolsonaro. Em seu sétimo mandato como deputado federal, ele pôs sua assinatura em pelo menos 180 projetos, mas apenas três viraram lei. Recentemente, conseguiu aprovar sua primeira Emenda Constitucional – a que torna obrigatório o recibo impresso do voto digital (Bolsonaro nunca confiou em urnas eletrônicas). A única marca extraordinária que obteve ao longo de seus mandatos foi a de representações contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados: quatro, um recorde no órgão. Bolsonaro, até há pouco tempo, era apenas um tipo folclórico no Congresso, um excelentíssimo zé-ninguém.

As coisas começaram a mudar no fim de 2010. Naquele último ano do governo Lula, o Ministério da Educação propôs distribuir nas escolas públicas um conjunto de panfletos e DVDs destinado a combater a homofobia. Críticos apelidaram o material de “kit gay”. Diziam que “estimulava o homossexualismo e a promiscuidade”. Bolsonaro assumiu a frente do ataque. Com sua fala peculiar – quanto mais exaltado fica, mais pontua os discursos com impropérios de arquibancada de futebol –, afirmou no Congresso que os autores da ideia eram “mil vezes canalhas”, deveriam deixar as crianças em paz e “queimar suas rosquinhas onde bem entendessem”.

É o deputado quem situa o episódio como ponto de virada na sua carreira política. “A partir daí começou a juntar gente no aeroporto para me ver”. Em poucos anos, ele se tornou um fenômeno na internet. Hoje tem 3,8 milhões de seguidores no Facebook. É um dos políticos mais populares na rede. No ano passado, um único post seu, acompanhado de um vídeo em que ataca o PT, teve 8,2 milhões de acessos e 963.503 comentários e compartilhamentos. A título de comparação, o vídeo mais visto do ex-presidente Lula teve a metade desses acessos e 124.060 compartilhamentos. Outras dezenas de gravações sobre o deputado, essas postadas por seus seguidores, trazem títulos como “Bolsonaro enfrenta sete comunistas e oprime cada um deles”. “Bolsonaro esculacha defensores dos direitos humanos” ou “Os top 10 momentos do Mito” (Bolsonaro diz que o termo com que apoiadores se referem a ele vem de um apelido seu de infância – por ser comprido e ter canelas brancas, diz, era chamado de “Palmito”, ou “parmito”, no sotaque do Vale do Ribeira). Algumas das gravações que circulam na fede mostram discursos, entrevistas e bate-bocas do deputado com colegas. De Jean Wyllys (PSOL-RJ), por exemplo, levou uma cusparada durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff na qual elogiou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi na época da ditadura e torturador catalogado. De Maria do Rosário (PT-RS), tomou um processo no STF pela frase “não te estupro porque você não merece”. No ano passado, como saldo do seu rosário de provocações, tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal por injúria e incitação ao crime.

Na palestra que fez em João Pessoa (Paraíba) no último dia 9, os 900 ingressos disponíveis esgotaram-se meia hora antes de sua chegada. Como em Campina Grande, os jovens dominavam a plateia. A eles, Bolsonaro apresentou seu discurso que mistura fantasias nostálgicas (“no meu tempo, o professor tinha autoridade, as pessoas podiam andar na rua sem ser assaltadas e a família era respeitada”) com opiniões conservadoras banhadas no verniz populista: para toda questão complexa, o deputado tem na ponta da língua uma solução simplista:

* Situação carcerária? Ele resolve o problema com uma cacetada só: “A cadeia está cheia, mas pior que quem está lá dentro é quem está debaixo da terra. Direito do preso é não ter direito”.
* Crise econômica? Fácil. “O Brasil é cheio de riquezas naturais! Basta explorá-las direito”. As reservas de nióbio e o suposto olho grande dos chineses em cima delas é, ultimamente, um dos temas preferidos do deputado.
* Outro, perene, é a defesa da ditadura militar. “Não teve ditadura no regime militar. Ditadura teve só para quem era criminoso, sequestrador, assaltante de banco e terrorista”. Exclui, convenientemente, quem apenas cometeu o crime de pensar diferente. [Não é o primeiro fascista que surge negando aquilo que se passou na história! Há muitos que negam ter havido, por exemplo, o Holocausto, o assassinato em massa de judeus por parte de Hitler!]
Reportagem da revista VEJA de novembro de 1987
na qual aparecem os detalhes de pequenos atentados à bomba planejados, entre outros,
pelo então capitão do Exército, Jair Bolsonaro!
[Clique sobre a imagem para ampliá-la]

Ironicamente, foi uma acusação de terrorismo, em 1987, que catapultou à política o então jovem e desconhecido capitão do Exército Jair Bolsonaro. Em outubro daquele ano, a revista VEJA publicou um relato feito por ele em que confirmava a preparação de um plano batizado de “Beco sem saída”, cujo objetivo era protestar contra os baixos soldos militares por meio da explosão de bombas de baixa potência em banheiros de quartéis. Depois da divulgação da reportagem, Bolsonaro negou a existência do plano, mas um croqui com o planejamento de um dos atentados, feito de próprio punho por ele foi periciado e comprovou sua autoria. O caso foi entregue ao Superior Tribunal Militar, que, contra todas as provas, considerou os testes grafotécnicos inconclusivos e o absolveu. No ano seguinte, Bolsonaro se elegeu vereador pelo Rio. Dois anos depois, tornou-se deputado federal pela primeira vez.

Ao longo de seus 26 anos na Câmara, relatou basicamente matérias sobre porte de arma e direitos de militares. Passou esse período almoçando em restaurantes por quilo, faltando pouco ao trabalho – compareceu a 89 das 94 sessões em plenário em 2016, com duas ausências justificadas – e guardando distância dos colegas de partido. Um vídeo em que o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do mensalão, menciona seu nome como o único deputado do PP a não votar com o governo num projeto que sabidamente envolveu compra de votos é brandido por bolsonaristas como “atestado de idoneidade” de seu líder. O parlamentar saiu do PP em 2015.

Jair Bolsonaro cresceu no vácuo deixado por políticos tradicionais tragados pela Lava-Jato ou simplesmente vitimados pela desmoralização crescente e aparentemente sem fim da categoria. É nesse deserto político que até um aventureiro como ele consegue se destacar. Na semana passada, seu nome apareceu em uma pesquisa de intenção de voto para presidente da República à frente do senador tucano Aécio Neves. Curiosamente, Bolsonaro nunca saiu do lugar onde sempre esteve e segue dizendo as mesmíssimas coisas que dizia quando quase ninguém prestava atenção nele. Não mudou, portanto. Mudaram os brasileiros? Diz ele: “Sinto que as pessoas estão precisando acreditar em alguém”. Sua ascensão mostra como as opções estão ficando precárias. [A descrença e decepção com a classe política favorece políticos do tipo Bolsonaro! É preciso a sociedade reagir e aparecer candidatos mais aceitáveis ao povo!]

OS ABSURDOS DITOS POR JAIR BOLSONARO
(Bolsonaro comenta cinco afirmações atribuídas a ele)

“A PM DEVERIA TER MATADO 1000, E NÃO 111 PRESOS” – sobre o massacre de 1992 no presídio do Carandiru, em outubro de 1997.
“Primeiro, não considero aquilo um massacre, para mim foi legítima defesa. No meu entender, preso só tem um direito, o de não ter direito. Proferi isso, sim, da tribuna da Câmara. Não tenho nenhuma piedade de quem está encarcerado e cometeu todo tipo de abuso e atrocidade contra um cidadão de bem. Não desejo que eles morram. Mas, se morreram 111 ou se viessem a morrer 1000, para mim é a mesma coisa.”

“DEVERIAM SER FUZILADOS UNS 30.000 CORRUPTOS, A COMEÇAR PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO” – dito na TV Bandeirantes, em maio de 1999.
“Foi num momento em que ele – não ‘privatizou’, porque eu sou favorável à privatização – entregou a Vale do Rio Doce. Falei que isso foi um crime de lesa-pátria. Falei isso, sim. Mas quantas vezes até uma mãe fala pro filho: ‘Eu vou te matar’. Força de expressão.”

 “NÃO VOU COMBATER NEM DISCRIMINAR, MAS, SE EU VIR DOIS HOMENS SE BEIJANDO NA RUA, VOU BATER” – comentando a aprovação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, em maio de 2002.
“Isso não existe. Logicamente, há um constrangimento se você vai a um restaurante e acontece um fato semelhante a esse. É inadmissível num restaurante que um casal de namorados, mesmo heterossexual, pratique certo tipo de intimidade. Agora, falar que eu vou dar pancada, vou dar porrada, eu duvido que alguém apresente um áudio meu falando isso.”

“NÃO TE ESTUPRO PORQUE VOCÊ NÃO MERECE” – para a deputada Maria do Rosário, do PT, em novembro de 2003.
“Estava debatendo o caso Champinha. Eu defendia a redução da maioridade penal e a Maria do Rosário defendia o contrário. Ela não aguentou os meus argumentos, me interrompeu e no fragor do debate falou que eu era estuprador. Daí, virei para ela e proferi essa frase, sim. Eu estava defendendo as mulheres do estupro. Ela, o contrário. Ela defende a ideia de que um estuprador seja punido à luz do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que a gente sabe que não é punição.”

“MULHER DEVE GANHAR SALÁRIO MENOR PORQUE ENGRAVIDA” – em entrevista ao jornal Zero Hora (Porto Alegre), em dezembro de 2014.
“Dei uma entrevista ao Zero Hora, que me pediu para falar por que a mulher ganhava menos que o homem. Pesquisei e a conclusão foi a seguinte: a mulher ganha menos do que o homem tendo em vista um direito trabalhista que ela tem a mais – no caso, a licença-gestante. Então, prefere-se empregar mais o homem ou pagar menos à mulher. Essa não é a minha opinião. É o que dizem as pesquisas e a classe dos empresários. Mas o jornal resolveu pôr isso na minha conta.”

Fonte: Revista VEJA – Edição 2518 – Ano 50 – Número 8 – 22 de fevereiro de 2017 – Págs. 54-59 – Edição impressa.