«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 29 de junho de 2013

Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos - Homilia

Evangelho: Mateus 16,13-19

Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”
14 Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
15 Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.
17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 
18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 
19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

FELIZ

Frequentemente pensamos que seremos mais felizes no dia em que mudar o ambiente que nos rodeia, quando as pessoas nos tratarem melhor ou quando nos acontecer coisas boas. No fundo, buscamos que a vida se adapte aos nossos desejos. Cremos que assim seremos felizes.

Entretanto, há uma pergunta que não podemos nem devemos evitar. Para conhecer a felicidade, deve acontecer algo fora de mim ou, justamente, dentro de mim mesmo? Os outros é que devem mudar ou sou eu que devo mudar? Deve melhorar o mundo que me rodeia ou sou eu que me transformarei?

No relato que nos oferece o evangelista Mateus, Jesus declara Pedro feliz por algo que ocorreu em seu interior: o Pai do céu lhe revelou que Jesus não é um profeta a mais, mas "o Messias, o Filho do Deus vivo". Não é difícil detectar dois matizes nas palavras de Cristo: "Que sorte tens, Simão, filho de Jonas, porque o Pai te desvelou uma verdade tão decisiva." Porém, ao mesmo tempo: "Como tu és feliz por haver-te aberto a essa luz que o Pai colocou em ti."

Para nós pode parecer estranho que uma "revelação interior" possa converter-se em fonte de felicidade. No entanto, poucas coisas podem desencadear uma experiência tão feliz e estável quanto descobrir, com luz nova, as convicções fundamentais que sustentam a vida da pessoa.

Os cristãos se esquecem, com frequência, um aspecto elementar. O que encontramos no começo do cristianismo não é uma doutrina, mas uma experiência vivida com fé pelos primeiros discípulos. A fé cristã nasceu quando, alguns homens e mulheres, se encontraram com Cristo e experimentaram nela a proximidade de Deus. Este encontro deu um sentido novo às suas vidas; descobriram Deus como Pai próximo e bom; depositaram em Cristo todas as suas esperanças de salvação.

Pois bem, o que para eles foi uma experiência viva, chega até nós como uma tradição religiosa que foi formulada numa linguagem concreta e cristalizada ao longo dos séculos num determinado corpo doutrinal. Porém, evidentemente, ser crente é muito mais que aceitar docilmente essa doutrina. Temos de viver nossa própria experiência e fazer nossa a fé primeira daqueles discípulos.

Não basta afirmar, teoricamente, que Cristo é o Filho de Deus encarnado e atribuir-lhe títulos tão solenes como Salvador do Mundo ou Redentor da Humanidade. É preciso, além disso, crer nele, aderirmos à sua pessoa, abrir-nos à sua ação salvadora, acolhermos sua palavra, deixar-nos trabalhar por seu Espírito. Por isso, é feliz, também hoje, o crente que, ao confessar Cristo como "Messias, Filho do Deus vivo", não somente afirmar uma verdade doutrinal do Credo, mas se deixar iluminar interiormente pelo Pai.

CONSTRUIR A IGREJA DE JESUS

A Igreja que conhecemos hoje, entre nós, apresenta-se como uma organização sociológica que abrange todos os cidadãos que são registrados como batizados com poucos dias de nascimento. Não é fácil ver nela a comunidade dos que descobriram o evangelho, acreditaram com alegria em Jesus Cristo salvador e pretendem viver segundo as exigências e a esperança da mensagem de Jesus.

A Igreja acabou sendo, em nossa sociedade, uma instituição da qual não se pode dizer que seja o conjunto de homens e mulheres que se esforçam por viver de acordo com o Evangelho.

A pertença à Igreja não se deve ao fato de uma pessoa ter descoberto Jesus Cristo e se convertido à fé, mas, simplesmente, porque nasceu numa família de batizados. Consequentemente, os membros da Igreja não são, necessariamente, os convertidos ao evangelho, mas os nascidos em determinados países "cristãos" ou em determinados grupos sociológicos. Desta maneira, a Igreja deixa de ser a comunidade dos convertidos a Jesus e se configura como a massa de batizados que solicitam, com maior ou menor frequência, uns serviços religiosos.

Necessitamos caminhar de uma Igreja entendida como um mero fato sociológico, para uma Igreja compreendida como a comunidade dos que vivem se esforçando para seguir Jesus Cristo.

Necessitamos de comunidades cristãs nas quais as exigências do evangelho sejam bem conhecidas e claramente propostas. Comunidades de homens e mulheres que saibam, muito bem, com o que se comprometem quando decidem, livremente, entrar e tomar parte da comunidade cristã.

Comunidades nas quais todos se sintam responsáveis e protagonistas da missão evangelizadora da Igreja. Comunidades não separadas nem dissociadas umas das outras, mas estreitamente relacionadas e unidas para tornar presente, também hoje, a força do evangelho em nossa sociedade.

Não são estas algumas de nossas necessidades mais urgentes nestes momentos? 
[...]

Um sinal modesto de uma Igreja que busca renovar-se e converter-se na comunidade que Jesus queria construir sobre Pedro, portador fiel de seu evangelho.

Tradução do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Blog da Sopelako San Pedro Apostol Parrokia - Sopelana - Bizkaia (Espanha) - J. A. Pagola - Ciclo A - 29 de junho de 2011 - Internet: https://docs.google.com/document/d/1phmgfcs07wo3rs0q7LWqkWg7J58ZvJYdYkAdxqG6ppU/edit?hl=es

sexta-feira, 28 de junho de 2013

"Onde estão as vozes da rua, que não estou ouvindo?", ironiza deputado

[A atitude deste deputado estadual, 
Campos Machado do PTB de São Paulo, 
bem como, a dos deputados paulistas que estavam e estão favoráveis a esta PEC 01/2013
é vergonhosa e revela bem a quais interesses 
a maioria da classe política serve.
Leia com atenção esta matéria...]

Fernando Gallo e Fausto Macedo

Autor da proposta que limita ação do Ministério Público, Campos Machado fez pronunciamento da tribuna da Assembleia
Deputado Estadual CAMPOS MACHADO - autor da PEC 01/2013

"Onde estão as vozes da rua, que não estou ouvindo?", indagou o líder do PTB na Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Campos Machado, autor da PEC 01/13 - a emenda que atormenta os promotores de Justiça porque lhes tira o poder de investigar prefeitos, secretários de Estado e deputados estaduais por improbidade.

Campos fez um pronunciamento irado da tribuna do grande plenário da Casa, na noite de quarta-feira. Àquela hora discutia-se a possibilidade de entrar em votação sua proposta, ideia que não o agradava porque menos de 24 horas antes, na Câmara, caiu a PEC 37 - outra emenda que enfraquecia o Ministério Público e acabou fulminada pelo grito das ruas.

Antes da explosão social os líderes do Legislativo paulista fecharam pacto para votar a PEC 01 só no dia 14 de agosto. Nessa ocasião, avalia Campos Machado, o clima era bastante propício para que sua emenda fosse aprovada. Até mesmo os promotores já previam o pior cenário.

[De autoria do deputado Campos Machado (PTB), a PEC 01 pretende tirar dos promotores estaduais o poder de investigar prefeitos, secretários de Estado e deputados estaduais por improbidade administrativa, e concentrar essas investigações nas mãos do procurador-geral, que é o chefe do Ministério Público. Integrantes da Promotoria, contraria ao projeto, apelidaram a proposta de "PEC estadual da impunidade".]

Na sessão extraordinária de quarta-feira, ainda no calor da derrubada da PEC 37, o petebista temia que o acordo com seus pares ruísse e a Assembleia, afinal, se curvasse à voz das ruas. Desconfiado de que poderia sofrer revés contundente, pediu a palavra e, então, indagou. "Onde estão as vozes da rua, que não estou ouvindo?" "E as vozes dos prefeitos, dos ex-prefeitos, dos vereadores, onde estão?", emendou, em referência aos políticos que o têm procurado para declarar apoio à sua PEC e se queixar de "abusos" das promotorias.

Tucanos

Campos mirou o PSDB. "Em 20 anos de Assembleia jamais pensei que viveria um momento como esse, rebelião tucana", disse. "A Assembleia não se chama Assembleia Legislativa do PSDB. Não posso aceitar que ameacem até obstrução de projetos do governo para quebrar acordo no Colégio de Líderes." "Acordo é flecha lançada, não volta mais. Há aqui uniões estranhas", provocou. "Tudo está acontecendo esta noite. Mas não aceito pressões. Pressão é boa em panela. Não adianta arroubos, não adianta falarem que vão ser radicais. Radicalidade é assunto que também me pertence. Palavra é uma questão de caráter. Se rompermos o acordo, se cedermos à posição autoritária e mesquinha do PSDB, é melhor procurarmos outro caminho."

Ontem, o líder petebista explicou. "O que eu quis dizer é que não ouço na rua gente atacando a nossa 'PEC da Dignidade'. Quem ganha com a PEC é a sociedade e o próprio Ministério Público. Eu respeito as manifestações das ruas, mas sou contra vândalos. Quando todos os ventos eram favoráveis à PEC eu atendi o acordo de líderes para adiar a votação. Agora que a PEC 37 foi derrubada os oportunistas vêm falar das ruas." A Casa ouviu a voz de Campos e a PEC não foi à votação.


Se você for contra a aprovação desta lei vergonhosa
por parte da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,
pronuncie-se, divulgue esta notícia e escreva ou telefone
para o Gabinete do Dep. Est. Campos Machado,
pois ele afirma não estar "ouvindo" o povo ser contra este
projeto de lei que ele criou!!!
Eis os dados para fazer contato com este deputado:
e-mail: cmachado@al.sp.gov.br 
Telefones: (11) 3886-6636 e 3886-6664
Fax: (11) 3052-1957
Sala na Assembleia Legislativa: 3029/3030 - 3º andar

Fonte: O Estado de S. Paulo - Política - Sexta-feira, 28 de junho de 2013 - Pg. A8 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,onde-estao-as-vozes-da-rua-que-nao-estou-ouvindo-ironiza-deputado-,1047838,0.htm

A doença de ser normal [Muito interessante!]

Carolina Bergier

A humanidade pode estar sendo acometida por uma epidemia global:
a NORMOSE, uma obsessão doentia por ser normal
Você tem normose?
Normose é um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade,
são patogênicos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida

Já foi normal duas pessoas se digladiarem até a morte para entreter a multidão. Também já foi normal queimar mulheres na fogueira por bruxaria e fazer pessoas trabalharem sem remuneração com direito a castigos físicos só pela cor da pele. Era normal também humanos se alimentarem de sua própria espécie e casarem sem amor. Já foi normal passar 40 horas da semana fazendo algo que se detesta, mentir para ganhar dinheiro e devastar florestas inteiras em busca de um suposto desenvolvimento.

Peraí, este último ainda é normal. Afinal, será que ser normal - e achar normais coisas que não deveriam ser - pode ser uma doença?

Segundo alguns psicólogos, sim. A doença de ser normal chama-se, segundo eles, normose: um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida.

O conceito foi cunhado quase que simultaneamente pelo psicólogo e antropólogo brasileiro Roberto Crema e pelo filósofo, psicólogo e teólogo francês Jean-Yves Leloup, na década de 1980. Eles vinham trabalhando o tema separadamente até que um terceiro psicólogo, o francês Pierre Weil, se deu conta da coincidência. Perplexo, Weil conectou os dois, e os três juntos organizaram um simpósio sobre o tema em Brasília, uma década atrás. Do encontro, nasceu uma parceria e o livro Normose: A patologia da normalidade.
Roberto Crema
Psicólogo e Antropólogo brasileiro

No fim dos anos 70, Crema estava encucado com o fato de muitos autores apontarem uma "patologia da pequenez": o medo de se deixar ser em sua totalidade. Ele deparou-se com muitos pensadores, entre eles o alemão Erich Fromm (1900-1980), que falava do medo da liberdade, e o suíço Carl Jung (1875-1961), que afirmava que só os medíocres aspiram à normalidade. Crema misturou ao caldo a célebre declaração do escritor britânico G. K. Chesterton (1874-1936), que disse que "louco é quem perdeu tudo, exceto a razão", e acrescentou os anos de observação e prática em sua clínica pedagógica.

Assim nasceu o conceito de normose, que, segundo ele, "ocorre quando o contexto social que nos envolve caracteriza-se por um desequilíbrio crônico e predominante". A normose torna-se epidêmica em períodos históricos de grandes transições  culturais - quando o que era normal subitamente passa a parecer absurdo, ou até desumano. Foi o que aconteceu no final do período romano, em relação à perseguição de cristãos, ou no início da Idade Moderna, com o fim da legitimidade da Santa Inquisição, ou no século 19, com a perda de sustentação moral da escravidão. E, segundo Crema, Leloup e Weil, é o que está acontecendo de novo, com a crise dos nossos sistemas de produção, trabalho e valores.

"O novo modelo é ainda embrionário, e os visionários dessa possibilidade de sociedade não-normótica ainda são minoria", diz Crema. Enquanto a maioria de nós se adapta a um ambiente social doente, quem resiste à normose acaba considerado desajustado, por não obedecer ao estado "normal" das coisas.

Como aquele cara que, mesmo ganhando o suficiente para fornecer educação, moradia e alimentação para si e seus filhos, é considerado vagabundo e louco por, em plena quarta-feira ensolarada, liberar as crianças da aula e levá-las à praia. Mas como? Em dia de semana? As crianças vão faltar à aula? Pois é. De repente, ele acha que um dia na natureza vai fazer mais bem a seus filhos do que horas sentados em sala de aula. Será que ele não é saudável, e doentes estão os outros?
Jean-Yves Leloup
Psicólogo, Filósofo e Teólogo francês
 

DESNORMOTIZAÇÃO

Para a filósofa Dulce Magalhães, que escreve sobre mudanças de paradigmas, o normótico acredita que geração de renda e falta de tempo para si ou para a família são indissociáveis. "As pessoas consideram que trabalhar muitas horas, colocar em risco sua saúde e suas relações é normal", diz ela. "Mas isso tem um custo pessoal e social alto demais, que acabam levando a problemas de saúde pública e violência, por exemplo."

Dulce acha que a cura para a normose está em mudarmos de modo mental, abandonando o modelo da escassez, que hoje rege o mundo, e abraçando o da abundância. Ela explica: "desde a infância, aprendemos que o que vem fácil vai fácil e que, se a vida não for difícil, não é digna. Precisamos mudar isso e entender que o esforço não é tarefa." Quantos de nós chegamos em casa reclamando para mostrarmos (a nós mesmos e aos outros) que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso trouxesse algum tipo de mérito?

Segundo Crema, cada um de nós tem talentos diversos, mas "o normótico padece de falta de empenho em fazer florescer seus dons e enterra seus talentos com medo da própria grandeza, fugindo da sua missão individual e intransferível." "Quando temos necessidade de, a todo custo, ser como os outros, não escutamos nossa própria vocação", acredita.

O carioca Eduardo Marinho, hoje com 50 anos, percebeu cedo que não queria ser como os outros. Filho de militar, abriu mão de sua condição financeira e de sua faculdade ao se dar conta, aos 18 anos, que não queria olhar para sua vida quando velho e pensar que não tinha feito nada relevante. "Não queria ser bem-sucedido e me sentir fracassado". Eduardo saiu pelo País pedindo abrigo e comida em troca de favores e buscando algo que o preenchesse. Depois de passar por poucas e não tão boas pelo Brasil, deu voz à sua vocação. Hoje é artista plástico. 

Ele acredita que a desnormotização se inicia dentro de cada um: "Que tal olhar para dentro de si mesmo? É aí que começa a revolução", sugere. Claro que, para isso, não é mandatório dormir nas ruas. Fazer o trajeto que Eduardo escolheu para si pode ser perigoso e não há nenhuma garantia de sucesso.

BUG CEREBRAL
Pierre Weil - psicólogo francês


A cura da normose é trabalho individual, mas alguns esforços sociais podem ajudar. Para começar, seria um adianto se tivéssemos um novo modelo educacional. A escola poderia ser o lugar onde as crianças descobrem  suas verdadeiras vocações - em vez de tentar padronizar os alunos e convencê-los a serem normais.

Mundo afora, estão surgindo escolas com uma nova lógica, como a Escola da Ponte, em Portugal. A instituição não segue um sistema baseado em séries, e os professores não são responsáveis por uma disciplina ou por turmas específicas. As crianças e os adolescentes que lá estudam definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem seus próprios projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais.

Algo similar parece estar acontecendo no mundo empresarial, onde mais e mais empreendimentos estão dando voz à liberdade individual. O caso clássico, sempre citado, é o do Google, cuja sede, em Mountain View, na Califórnia, conta com salas de jogos, videogames, espaços ao ar livre e tempo reservado para que o funcionário desenvolva seus próprios projetos para a empresa, com total autonomia.

Claro que não há vagas para todos nós no Google nem para todos os nossos filhos na Escola da Ponte. A cura da normose não vai ser resultado de uma ou outra iniciativa isolada - ela só vai ser possível quando houver no mundo gente disposta o  suficiente para questionar tudo o que achamos normal. 

E, talvez, isso demore anos para acontecer. A explicação para isso pode estar num bug que todos carregamos no cérebro, que tem uma tendência de recusar sempre novos jeitos de olhar o mundo. É o que explica o psicólogo israelense Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002, em seu livro Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Segundo ele, nosso cérebro confunde o que é familiar com o que é correto: ao ver ou sentir algo que desperta alguma memória, o cérebro define aquele "familiar" como "correto", da mesma maneira que o novo é decodificado como passível de desconfiança.
Ambiente de estudo da ESCOLA DA PONTE - Vila das Aves - Portugal
Esse sistema foi muito útil para nossos antepassados homens das cavernas, que não podiam, mesmo, sair comendo qualquer frutinha nova que aparecesse à sua frente. Mas, nos dias de hoje, que exigem novas ideias para lidar com um mundo em mudança constante, esse mecanismo cerebral virou um entrave à inovação. Segundo essa tese, a normose não é uma doença: é uma característica humana, moldada pela evolução. Ou seja, talvez ser normótico seja normal.

Para saber mais

1. Perre Weil, Jean-Yves Leloup e Roberto Crema. Normose: A patologia da normalidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. 240 p.
2. Daniel Kahneman. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012. 624 p.

Fonte: Revista Superinteressante - Edição 320 - Julho/2013 - Páginas 76-79 - Edição impressa.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Marcado o "Dia Nacional de Lutas"

Centrais sindicais e MST marcam ato unitário
para 11 de julho em todo o país

Brasil de Fato
26-06-2013
Dilma Rousseff se reúne com os dirigentes das Centrais Sindicais
Brasília (DF), 26 de junho de 2013

Em reunião realizada nessa terça-feira (25), as centrais sindicais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) marcaram para 11 de julho o Dia Nacional de Lutas, com o lema “Pelas liberdades democráticas e pelos direitos dos trabalhadores”. As paralisações, greves e manifestações terão como objetivo destravar a pauta da classe trabalhadora no Congresso Nacional e nos gabinetes dos ministérios, além de construir e impulsionar a pauta que veio das ruas nas manifestações realizadas em todo o país nos últimos dias.

Vão participar da mobilização nacional: 
  • a Central Única dos Trabalhadores (CUT), 
  • a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), 
  • a Força Sindical
  • a União Geral dos Trabalhadores (UGT), 
  • a Central Sindical e Popular (CSP), 
  • Conlutas
  • a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), 
  • a Central dos Sindicatos do Brasil (CSB) e 
  • a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), além 
  • do MST.
Na reunião dessa terça-feira, as centrais sindicais e o MST estabeleceram uma plataforma unitária de lutas, com os seguintes pontos:

1) Educação: pelos 10% do PIB [Produto Interno Bruto], melhoria da qualidade, ciranda infantil nas cidades, etc.;

2) Saúde: garantia de investimentos conforme a Constituição, melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS), apoio à vinda dos médicos cubanos, etc.;

3) Redução da jornada de trabalho para 40 horas: aprovação do projeto que está na Câmara;

4) Transporte público de qualidade: proposta de tarifa zero em todas as grandes cidades;

5) Contra a PEC 4330: projeto do governo que institucionaliza o trabalho terceirizado sem nenhum direito, como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e férias;

6) Contra os leilões do petróleo;

7) Pela Reforma Agrária: solução dos problemas dos acampados, desapropriações, recursos para produção de alimentos sadios, legalização das áreas de quilombolas, entre outras reivindicações;

8) Pelo fim do fator previdenciário, que afeta a classe trabalhadora ao se aposentar.

Além disso, os movimentos sociais defendem como bandeiras da mobilização: 
  • a reforma política e do plebiscito popular sobre o tema
  • a reforma urbana para enfrentar a crise das grandes cidades e a especulação imobiliária; e 
  • a democratização dos meios de comunicação, com o encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei de Iniciativa Popular construído pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) e em fase de coleta de assinaturas.
A mobilização nacional também denunciará o genocídio da juventude negra e dos povos indígenas; a repressão e a criminalização das lutas e dos movimentos sociais; e a impunidade dos torturadores da ditadura civil-militar. Além disso, as centrais sindicais e os movimentos demonstrarão repúdio à aprovação do estatuto do nascituro e à redução da maioridade penal.

Nesta quarta-feira (26), os itens da pauta foram apresentados à presidente Dilma Rousseff, em audiência realizada no Palácio do Planalto, em Brasília (DF).

Fonte: Jornal BRASIL DE FATO - 26 de junho de 2013 - Internet: http://www.brasildefato.com.br/node/13356

REFORMA POLÍTICA: UMA MUDANÇA SÓ

Denis Russo Burgierman*
Denis Russo Burgierman - jornalista

O Brasil precisa mudar – isso todo mundo percebeu, depois desta semana que passou, quando milhões de pessoas saíram às ruas para afirmar que não estão satisfeitas com as coisas do jeito que são. Mas, afinal de contas, mudar como? Mudar o quê? O que as pessoas querem? As reivindicações são tantas e tão diversas que não dá nem para saber por onde começar. Parece que cada uma das pessoas que foi para a rua estava lá por um motivo diferente.

Pois então, permitam-me meter minha colher nesse angu.

Tem um assunto que quase ninguém está discutindo, mas que é absolutamente crucial nessa história toda. Se o Brasil pudesse fazer uma mudança só, deveria ser essa: alterar os mecanismos de financiamento de campanha eleitoral. Essa única mudança afetaria tudo, transformaria tudo.

O grande problema do Brasil hoje é que os políticos não trabalham para nós, como deveria ser. O patrão deles não é o povo: é o sujeito que assina o cheque que banca sua campanha eleitoral. Essa questão está na raiz de praticamente todas as bobagens que os governos municipais, estaduais e federal têm cometido nos últimos anos (usinas gigantescas feitas mais para agradar construtoras que para gerar energia; regras que prejudicam empreendedorismo, saúde pública, meio ambiente, para beneficiar alguém grandão; cidades que só cuidam do setor imobiliário e esquecem das pessoas; saúde, educação, transporte entregues aos tubarões etc.).

Campanhas eleitorais são caríssimas e, quase sempre, quem tem mais dinheiro ganha. Os eleitores vão às urnas escolher se preferem o PT, o PSDB, o PMDB, o DEM, o PSD, o PQP. O que eles não sabem é que, no fundo, essa escolha não tem muita importância, porque quem banca cada um desses partidos são sempre os mesmos: 
  • grandes construtoras, 
  • incorporadoras, 
  • bancos, 
  • gigantes do agronegócios, 
  • dos alimentos, 
  • das bebidas alcoólicas
São eles que pagam as contas das campanhas eleitorais.
E por que eles pagam? Só para ser legal? Nananina. Eles pagam porque é esse o modelo de negócio deles. É um investimento, não uma doação. Eles pagam X na campanha porque sabem que, depois, durante o governo, essa ajudinha vai se transformar num contrato lucrativo de 10X, ou 100X.

Político que não topa esse trato simplesmente não é eleito. Político que aceita o dinheiro desses caras e depois não retribui com um contrato gordo não recebe doação na eleição seguinte. Resultado: os políticos trabalham para os financiadores, não para nós. Veja bem, não estou falando de corrupção, de bandidagem, de dinheiro na cueca: estou falando inclusive dos políticos corretos, aqueles que seguem as regras. Mesmo esses precisam se curvar à vontade dos financiadores, se quiserem ser eleitos.

Pois então, existe uma solução para esse problema. O jurista Lawrence Lessig, professor de Harvard, propôs um novo sistema de financiamento de campanha para os Estados Unidos que poderia facilmente ser adaptado para o Brasil e mudaria tudo na política.
Lawrence Lessig - jurista

A ideia de Lessig é criar o “vale-democracia”. Adaptado para o Brasil, seria mais ou menos assim: cada eleitor brasileiro que paga imposto de renda receberia do governo um vale de R$ 100, que seria descontado do seu IR. Caberia ao eleitor decidir a quem dar o seu vale-democracia – você poderia, por exemplo, doar R$ 50 para o candidato a deputado do seu bairro, R$ 30 para seu candidato preferido a presidente e dividir os outros R$ 20 entre seu partido favorito e um senador que você admira.

Esse dinheiro financiaria a campanha – só ele. Pessoas jurídicas seriam proibidas de doar. Claro, haveria fraudes, caixa 2 e tal, mas, para coibir isso, todos os candidatos seriam obrigados a ser totalmente transparentes com cada mínimo gasto de campanha e qualquer eleitor poderia fiscalizar pela internet (e teria motivação para fazer isso, já que estaria pagando a conta).

Com esse sistema, uma coisa fundamental mudaria na nossa democracia: cada eleitor iria valer o mesmo que os outros. Hoje não é assim: eu e você valemos 1, o dono de um banco ou de uma construtora vale milhões. Implantar essa ideia custaria 10 bilhões de reais – já que há 100 milhões de eleitores no Brasil, e cada um deles teria um desconto de R$ 100 no Imposto de Renda [Obs.: apesar que nem todos declaram ou pagam o imposto de renda]. É dinheiro suficiente para bancar as campanhas, e fica uma pechincha para o contribuinte brasileiro, que hoje gasta muito mais que isso com os tais contratos gordos para agradar financiadores.

Como diz Lessig, mudando isso estaríamos mexendo na raiz de praticamente todos os grandes problemas do país. Nas palavras dele: “A ‘raiz’: não a causa única de tudo que nos prejudica, mas aquela coisa que alimenta os outros problemas, aquela que precisamos matar primeiro”. É por aí que começamos a mudar o Brasil.

* Denis Russo Burgierman é diretor de redação da revista Superinteressante. Escreveu o livro O Fim da Guerra, sobre o futuro das políticas de drogas, participa da comunidade TED, dá aulas na Eise (Escola de Inovação em Serviços) e é membro da Rede Pense Livre – Por Uma Política de Drogas que Funcione. Pedala entre uma coisa e outra.

Fonte: Superinteressante - Blogs -  24 de junho de 2013 - Internet: http://super.abril.com.br/blogs/mundo-novo/2013/06/24/uma-mudanca-so/

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Mais da metade dos alunos do 3º ano não sabe o adequado

Paulo Saldaña

Prova ABC revela que uma em cada 3 crianças não sabe o adequado em matemática para o 3º ano; 
55,5% leem mal e 69,9% têm desempenho abaixo do esperado em escrita
Mais da metade das crianças brasileiras do 3º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas não aprendeu os conteúdos esperados para esse nível de ensino. Uma em cada 3 crianças não sabe o adequado em matemática para o 3º ano, 55,5% leem mal e 69,9% têm desempenho abaixo do esperado na escrita. Se estiverem na série adequada, esses alunos têm 8 anos.

Os dados são da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) e foram divulgados nesta terça-feira, dia 25, pela ONG Todos Pela Educação. Também participam dessa prova a Fundação Cesgranrio, o Instituto Paulo Montenegro e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Se considerar apenas as escolas públicas, a situação é pior: 
  • Em matemática, 70,8% dos alunos não sabem o adequado para a série
  • Em leitura, esse porcentual é de 60,3%
  • em escrita, de 74,1%.
Segundo os coordenadores da avaliação, os resultados mostram que as crianças escrevem pior do que leem e indicam certo abandono do ensino de matemática. Segundo a diretora executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, a Prova ABC adota como modelo de adequação a autonomia do aluno. “Nosso entendimento de alfabetização vai além de aprender a ler. Precisamos que as crianças tenham condições necessárias para ler para aprender”, diz ela.

Priscila lembra que os resultados desses primeiros anos revelam o “berço da desigualdade educacional”. “Sem resolvermos esse problema não conseguiremos alcançar as outras metas de educação.” A ONG estipulou como meta que toda criança de até 8 anos esteja plenamente alfabetizada até 2022.

Os resultados mostram um abismo entre regiões e Estados: 
  • Enquanto a Região Sudeste tem 57% dos alunos de 3º ano sem o aprendizado considerado adequado em matemática, o melhor resultado, 
  • o Nordeste aparece na outra ponta, com 86,4%.
Considerando os Estados, a distância é ainda maior: 
  • Santa Catarina tem o melhor resultado, com 53,5% dos alunos sem o conhecimento adequado em matemática, por exemplo. 
  • o pior Estado é Alagoas, com 92,1% com aprendizado fora das expectativas
  • Alagoas também é o pior em leitura e escrita.
Foi considerado na Prova ABC como desempenho adequado em matemática e leitura a nota mínima de 175 na escala no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), elaborado pelo Ministério da Educação. Em Leitura, os alunos conseguem, entre outras habilidades, identificar temas de uma narrativa e perceber relações de causa. Em matemática, o nível permite distinguir quem os alunos têm, por exemplo, domínio da adição e subtração e conseguem resolver problemas envolvendo notas e moedas. Na redação, a avaliação adotou uma escala que vai de 0 a 100 e o desempenho esperado era de pelo menos 75. A nota representa bom desempenho na adequação ao tema, gênero, coesão e coerência, além de boa grafia, normas gramaticais e pontuação.

A avaliação foi aplicada em áreas urbanas das capitais e também de cidades do interior, em escolas públicas (estaduais e municipais) e privadas. Aplicada no final de 2012, foram avaliados 54 mil alunos de 1,2 mil escolas distribuídas em 600 municípios brasileiros. Esses resultados não são comparáveis com os da edição anterior, pois as prova foi realizada em momentos diferentes da trajetória dos alunos.

Esta será a última edição, uma vez que o Ministério da Educação já anunciou um instrumento próprio de avaliação do desempenho dos alunos, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) a ser aplicada ainda neste ano pelo Inep. A prova já estava prevista nos termos do Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), lançado em dezembro de 2012.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR - Educação - 25 de junho de 2013 - 17h53 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,mais-da-metade-dos-alunos-do-3-ano-nao-sabe-o-adequado,1046863,0.htm
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NORDESTE FICA ATRÁS EM 2 DAS 3 AVALIAÇÕES


Paulo Saldaña
Nenhum Estado brasileiro registrou mais da metade dos alunos com ensino adequado em matemática no 3.º ano do ensino fundamental. Como o desempenho na disciplina é atribuído em maior medida à escola (se comparada com leitura e escrita), o dado revela que os desafios são generalizados. Entretanto, os resultados por região e mais detalhadamente por unidade da federação revelam um abismo considerável.

Enquanto a Região Sudeste tem 57% dos alunos de 3.º ano sem o aprendizado considerado adequado em matemática, representando o melhor resultado, o Nordeste aparece na outra ponta, com 86,4% das crianças abaixo do esperado.

A coordenadora da Prova ABC, Nilma Fontanive, lembra o quanto isso é preocupante. "A gente tem tendência de naturalizar a desigualdade. Mas essa diferença não é natural", diz ela, que integra a comissão técnica do Todos pela Educação.

O Nordeste também fica na lanterna nos resultados de escrita: 86,8% não conseguiram resultados esperados na redação. O exercício pedia que o aluno escrevesse uma carta convidando um colega para brincar nas férias. Nessa competência, o melhor resultado também foi registrado no Sudeste, onde 35,2% dos alunos conseguiram atender o que se esperava. Os critérios avaliados vão de coerência à adequação ao tema.

Desigualdade

Considerando os Estados, a distância é ainda maior. Santa Catarina tem o melhor resultado, com 53,5% dos alunos sem o conhecimento adequado em matemática, por exemplo. Já o pior Estado é Alagoas, com 92,1% com aprendizado fora das expectativas. O Estado do Nordeste aparece com os piores resultados nos outros dois itens: em leitura, apenas 13,7% sabiam o adequado - contra São Paulo, com 57,1%, o melhor resultado. Em escrita, Alagoas teve 8,3% dos alunos dentro do adequado. Minas Gerais, o melhor nesse quesito, teve 37,2%.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Quarta-feira, 26 de junho de 2013 - Pg. A18 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nordeste-fica-atras-em-2-das-3-avaliacoes-,1046961,0.htm

DO CAIRO A SÃO PAULO, O MEDO ACABOU

ROGER COHEN
THE NEW YORK TIMES


Fidel Castro passou anos preparando sua revolução; como se vê na Turquia e no Brasil, 
o Twitter dispensou isso
Protestos na Turquia
Os brasileiros têm uma expressão política corriqueira: "Vai acabar em pizza". Uma coisa que acaba em pizza é uma coisa que não dá em nada, nadinha, coisa nenhuma. A expressão é habitualmente usada para a conclusão previsível de investigações judiciais de crimes do colarinho branco praticados com impunidade pela gente poderosa do Brasil.

A impunidade é uma das questões que estão animando os protestos de massa por todo o Brasil, que começaram com a ira contra a elevação do preço dos transportes. Um padrão emergiu. De Sidi Bouzid, na Tunísia, onde um bate-boca sobre um carrinho de frutas desencadeou a Primavera Árabe, a Istambul, onde um sublevação teve origem nos planos de construir um shopping num parque, essas erupções animadas por hashtags do Twitter têm traços em comum:

  • Pequena faísca, grande conflagração
  • líder desorientado, movimento sem liderança
  • poder estatal verticalizado e rígido, protestos horizontais ágeis
  • autoridade severa, juventude endiabrada
  • força do Estado, flexibilidade do Facebook
  • repressões policiais, reagrupamentos ágeis
  • acusações de conspiração, respostas irônicas.

Basta é basta

Fidel Castro passou anos em Sierra Maestra preparando sua revolução. O Twitter dispensou isso. Ou não? Uma questão central desses movimentos movidos a mídia social é, nas palavras de Zeynep Tufekci, professor da Universidade da Carolina do Norte, "como se vai de um 'não' para um 'vão'?"

Em outras palavras, as erupções cujo slogan comum poderia ser "basta é basta!" são boas como protesto e resistência, mas não tão boas para definir objetivos - sejam eles políticos, sociais ou econômicos - e se organizar para alcançá-los.

Sua empolgação é negativa. Elas tendem a fracassar no afirmativo. Elas não têm líderes. Não há um carro de som. As agendas mais parecem uma linha de tempo do Twitter - fascinante, mas difusa - do que expressões coerentes de um objetivo. Não há um Martin Luther King ou um Nelson Mandela - ou Tancredo Neves e Lula (entre outros) - liderando a luta pela democracia brasileira há três décadas.

Como disse Wael Ghonim, ex-executivo do Google, sobre a revolução egípcia: "Nossa revolução é como a Wikipédia. Todos contribuem para o conteúdo, mas você não sabe o nome de ninguém."
Manifestações na Av. Paulista - São Paulo

Da Tunísia ao Cairo houve um objetivo nítido: a deposição de um déspota. Foi só depois que esse objetivo foi concretizado é que a fraqueza de um movimento sem líderes tornou-se visível e grupos que alardeavam sua organização preencheram o vazio. Eles não foram capazes, contudo, de saciar a sede de renovação de suas nações.

Na Turquia, o movimento contra a construção do shopping transformou-se numa porção de coisas quando a polícia expulsou os ocupantes do Parque Gezi. Ele passou a ser sobre a guinada autocrática de um líder conservador no poder há 11 anos, sobre a invasão das vida privadas pelo Estado, sobre o controle que enfraquece a mídia e a maneira como o partido governista, o da Justiça e Desenvolvimento (AKP), vê inimigos por toda parte.

O movimento passou a ser também sobre como a investida do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan contra a Turquia secular de Mustafá Kemal Ataturk errou o alvo: se não havia razão para uma jovem religiosa não frequentar a universidade usando um véu, não havia razão para políticos do AKP vociferarem contra muçulmanas de biquíni.

Basta é basta. No Brasil, a ira se volta mais contra toda a classe política do que contra a presidente Dilma Rousseff. Ela tem a ver com a maneira como os políticos vivem como mandarins, com privilégios, escândalos de compra de votos e impunidade. Tem a ver com o desvio de recursos: mais de US$ 13 bilhões em novos estádios e preparativos para a Copa de 2014, enquanto necessidades básicas de saúde, educação e transporte continuam não atendidas. Tem a ver com a violência policial quando acaba a tolerância com a injustiça.

Mudança no jogo

Esses movimentos irromperam em duas das principais potências emergentes do século 21, cujas economias vêm crescendo em ritmo acelerado. Não pensem que isso é coincidência. Turcos e brasileiros, particularmente os jovens, reagem a um senso de forças globais além de seu controle; eles estão lembrando os líderes de consultar e prestar contas e dizendo aos financistas que justiça social importa.

Quando eles se juntam, afirmam uma humanidade comum contra o desenvolvimento atomizador e o shopping center globalizado. Será que conseguirão passar do "não" ao "vão"? Isso demandará uma organização numa escala jamais vista, decisões sobre objetivos e líderes. Eu não vejo isso tudo terminando em pizza. De Túnis a Istambul, do Cairo a São Paulo, alguma coisa está ocorrendo. O medo acabou. Isso já é, em si, uma mudança do jogo.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Internacional/VISÃO GLOBAL - Quarta-feira, 26 de junho de 2013 - Pg. A15 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-protestos--no-seculo-21--,1047041,0.htm

REFORMA POLÍTICA, "PRIORIDADE" HÁ 19 ANOS

DANIEL BRAMATTI

Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva defenderam convocação de Constituintes para vencer resistências do Congresso

Já faz quase duas décadas que a reforma política é uma "prioridade" no País, a julgar pelo que dizem presidentes, ministros e parlamentares desde 1994. Mas, como demonstram os fatos, o tema nunca esteve no topo da agenda legislativa.

Em agosto de 1994, ainda durante a campanha que levaria Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planalto, o então presidente do PSDB, Pimenta da Veiga, anunciava que uma reforma política seria votada no primeiro ano do governo tucano. Apenas a reeleição foi aprovada, em 1997.

No ano seguinte [1995], prestes a iniciar seu segundo mandato, o próprio FHC manifestou apoio à convocação de uma constituinte "restrita" para analisar a reforma política, juntamente com a tributária e a do Poder Judiciário. A chamada era FHC, porém, terminou com reformas apenas nos campos econômico e administrativo.

O senso de "prioridade" se manteve vigente mesmo com a troca de guarda no Palácio do Planalto. No início do governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PMDB, Michel Temer, fazia um alerta: "Ou se faz a reforma política em 2003 ou não se faz mais". Lula preferiu, porém, mobilizar sua base para mexer na Previdência e na estrutura de impostos.

Em 2006, já prestes a ser reeleito, o petista passou a defender a convocação de uma constituinte exclusiva para tratar do assunto. "Quem legisla em causa própria não faz reforma", afirmou. Mas a reação contrária foi forte, e o presidente devolveu a bola para o Congresso.

O tom do discurso governista ainda era de urgência. "Só teremos o primeiro semestre de 2007 para aprovar a reforma", disse, em novembro de 2006, o então ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro.

Missão

Quatro anos depois, no apagar das luzes da gestão Lula, o então presidente anunciou, em uma reunião de seu gabinete, que trabalharia para mudar a situação depois de deixar o Planalto. "Ao sair do governo, ele vai lutar como um leão pela reforma política", disse, em novembro de 2010, o ministro de Relações Institucionais da época, Alexandre Padilha.

Chega o governo Dilma Rousseff e o recado da presidente é dado logo no discurso de posse, em 1.º de janeiro de 2011: "Na política, é tarefa indeclinável e urgente uma reforma com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública."

Menos de um mês depois da posse, o vice de Dilma, Michel Temer, já afirmava publicamente que as chances reais de votar mudanças eram remotas. "Fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados e em pelo menos duas ocasiões tentei fazer a reforma política", disse Temer, em entrevista ao Estado, em 29 de janeiro de 2011. "É muito difícil, porque é uma questão praticamente individual. Cada deputado e senador pensa precisamente, e legitimamente, em seu futuro."

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) trabalhou por quase dois anos em um relatório sobre o assunto, sem obter respaldo algum para votá-lo. No final de 2012, Dilma orientou o PT e os demais partidos da base aliada a tentar aprovar a proposta, sem sucesso.

Em abril deste ano, Fontana tentou novamente levar a reforma ao plenário mesmo sabendo que ela seria derrotada. Nem isso conseguiu. "Por acordo, não votaremos nem em dez gerações", desabafou.

SEM CONSENSO

Financiamento
PT quer campanhas bancadas com recursos públicos, mas partidos como o PMDB e o PSDB são contra.
A proposta do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral proíbe doações de empresas, aceitando somente as de pessoas físicas.

Coligações
O fim de coligações em eleições proporcionais - para vereadores, deputados estaduais e federais - tem simpatia dos grandes partidos, mas assusta os nanicos.

Voto em lista
Proposta é defendida principalmente pelo PT, mas mesmo dentro do partido não é consensual.

Voto distrital
Essa é uma das principais bandeiras do PSDB para as eleições proporcionais.
Estados e cidades seriam divididos por distritos. Os partidos, então, apresentariam seus candidatos e o mais votado em cada distrito seria eleito.
PT e pequenos partidos são contra.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Política - Quarta-feira, 26 de junho de 2013 - Pg. A8 - Internet: http://www.territorioeldorado.limao.com.br/noticias/not276093.shtm

O despreparo confirmado

Editorial: O Estado de S. Paulo
Presidente Dilma Rousseff com representantes do Movimento Passe Livre
Brasília (DF), 24 de junho de 2013

Custa crer que a presidente Dilma Rousseff tenha falado sério quando propôs um "plebiscito popular" - existe outro? - para a convocação de uma Assembleia Constituinte, sem a participação dos atuais legisladores, com a incumbência exclusiva de fazer a reforma política. Essa foi a principal enormidade que apresentou na reunião de emergência da segunda-feira com os 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, convocada para a presidente mostrar serviço à rua. Ela também pediu pactos nacionais para, entre outras coisas, tipificar a "corrupção dolosa" - existe outra? - como crime hediondo e pela responsabilidade fiscal para conter a inflação. Eis um faz de conta: ninguém contribuiu tanto para desmoralizar esse princípio do que o atual governo com a "contabilidade criativa" a que recorre para tapar os seus desmandos fiscais.

A ideia da Constituinte exclusiva - que teria sido soprada para a presidente pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o governador do Ceará, Cid Gomes - foi defendida pelo então presidente Lula na campanha reeleitoral de 2006, para exorcizar o mensalão denunciado no ano anterior. É um delírio político e jurídico. Chegue como chegar a respectiva proposta ao Legislativo, são remotas as chances de ser aprovada. É mais fácil Dilma se transformar da noite para o dia numa chefe de governo afável, pronta a ouvir e a respeitar os seus subordinados do que os congressistas entregarem de mão beijada a terceiras pessoas a atribuição, esta sim de sua alçada exclusiva, de aprovar mudanças na legislação eleitoral e partidária. E, raciocinando por absurdo, se o fizerem, a lei que vier a ser sancionada pela presidente deverá ser abatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Plebiscitos e referendos o Congresso tem a prerrogativa de convocar - desde que os seus propósitos não colidam com a Constituição. O conceito de Constituinte exclusiva simplesmente inexiste na Carta de 1988. Uma assembleia do gênero não poderia ter o seu âmbito circunscrito de antemão. Nomeado por Dilma, o novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que toma posse hoje, escreveu em 2010 que "ninguém pode convocar um Poder Constituinte e estabelecer previamente a (sua) agenda". De resto, "não há absolutamente nada" na Constituição que impeça a reforma política. No mínimo, portanto, a Constituinte dilmista é uma falsa solução para um problema verdadeiro - a crônica relutância dos políticos em mexer nas regras sob as quais fizeram carreira.

O debate sobre o assunto data de 1993. Mas só na legislatura iniciada 10 anos depois a questão avançou. Uma comissão especial aprovou, com o endosso do PT, a proposta de seu relator, deputado Ronaldo Caiado, do então PFL, pelo financiamento público exclusivo das campanhas e o voto em listas fechadas para deputados e vereadores. A proposta, afinal, não vingou. Hoje, o que se tem é o projeto do deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho. O texto conserva o financiamento público e o voto em lista, porém "flexível" em vez de fechada. O que tem de melhor é a extinção das coligações partidárias em eleições proporcionais, o que permite aos partidos nanicos vender aos maiores o seu tempo no horário de propaganda em troca de vagas na chapa comum. O ponto é que a reforma política não é um antídoto contra a corrupção.

Aplica-se, a respeito, o comentário do criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira sobre o segundo desatino da presidente - o de querer enquadrar a corrupção como crime hediondo. "A lei penal não inibe a prática de qualquer crime, especialmente de corrupção", observa Mariz. "Acabar com a corrupção ou reduzi-la depende de mudança ética. Depende da classe política e da própria sociedade." O pretendido enquadramento, para ele, é "medida demagógica, sem nenhum alcance prático". A verdade, ao fim e ao cabo, é que seria ingênuo esperar de Dilma que tivesse chamado governadores e prefeitos para uma conversa objetiva e consequente - em vez de brindá-los com "qualquer nota". Pouco antes, Dilma havia recebido os líderes do MPL, que pregam o transporte gratuito. À saída, uma deles, Mayara Vivian, foi ao nervo do problema. "A Presidência", resumiu, "é completamente despreparada."

Fonte: O Estado de S. Paulo - Notas e Informações - Quarta-feira, 26 de junho de 2013 - Pg. A3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-despreparo-confirmado-,1047091,0.htm

terça-feira, 25 de junho de 2013

BRASIL VIRA O EMERGENTE COM MAIOR DÍVIDA

Fernando Nakagawa
LONDRES

Em 2012, amargou a maior alta do endividamento entre os grandes países em desenvolvimento

O Banco de Compensações Internacionais (BIS, o Banco Central dos bancos centrais) revelou que o Brasil ultrapassou a Índia e passou a carregar o título de grande emergente com a maior dívida bruta. Dados do Fundo Monetário Internacional indicam que o País passou a liderar o incômodo ranking porque, em 2012, amargou a maior alta do endividamento entre os grandes países em desenvolvimento. No ano passado, o País terminou com dívida bruta equivalente a 68,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Dados do FMI mostram que a dívida bruta brasileira cresceu em 2012 o equivalente a 3,52 pontos porcentuais do PIB na comparação com o ano anterior. O número equivale a R$ 323,7 bilhões. Com esse desempenho, o Brasil terminou o ano passado com dívida bruta de R$ 3,014 trilhões.

Em relação ao PIB, o aumento da dívida brasileira foi o maior entre todos os emergentes do G20: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia. Nesse grupo, os sul-africanos ficaram em segundo no aumento da dívida bruta, com 2,6 pontos no ano. Lá, porém, a dívida bruta é bem menor: 42,3% do PIB. Entre os demais países, a China diminuiu a cifra em 2,6 pontos do PIB, a Rússia em 0,8 ponto e a Índia aumentou em 0,5 ponto.

Mesmo com esse aumento observado na Índia, o salto visto no Brasil foi maior e, por isso, os brasileiros tomaram dos indianos o título de emergente com a maior dívida bruta. Na Índia, o indicador terminou 2012 em 66,8% do PIB. Desde 2006, a Índia liderava o ranking. Antes, a Argentina ocupava o posto.

No domingo, o BIS citou em relatório que o Brasil opera a dívida bruta em um campo considerado inseguro. Mesmo com a ressalva que "não existe uma regra exata para definir metas para dívida", "cálculos supõem um nível seguro para a dívida de 60% do PIB para economias avançadas e de 40% do PIB para economias emergentes".

Fonte: O Estado de S. Paulo - Economia - Terça-feira, 25 de junho de 2013 - Pg. B5 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-vira-o-emergente-com-maior-divida-,1046632,0.htm

CABOCLO ATIVISTA [Chamada de atenção!]

XICO GRAZIANO *
Gado morto em região do semiárido nordestino (2013)

José Batistela, octogenário, personagem famoso em Araras (SP), minha terra natal, me escreveu dias atrás, logo após a primeira das manifestações de rua. Gente simples do interior, roceiro ainda por cima, o sitiante não conseguia entender direito a confusão existente na metrópole. "Contra o que, afinal, lutam esses jovens?"

Senti-me, de cara, impotente para explicar o porquê daqueles acontecimentos. Eu próprio, temperado há tempos na selva de pedra, mal compreendia o sentido daquilo que testemunhara no centro de São Paulo. As ruas pareciam demonstrar uma complexa mistura de rebeldia, ideologia, oportunismo, esperança e temor sobre o futuro. Não tive como responder, naquele momento, ao meu matuto conterrâneo.

Na sequência, conforme todos vimos, cresceram as passeatas, ganhando o apoio popular, espalhando-se pelo País. Surgida na reivindicação do transporte, aos poucos seu propósito mais amplo e difuso se delineou. As manifestações, embora contaminadas por grupelhos bandidos, carregavam uma forte negação do sistema político. Os jovens, ficou claro, gritam por uma sociedade decente. Acorda, Brasil.

Mais esclarecido sobre o rumo do movimento, tomei coragem para retornar ao seu Zé Batistela. Remeti a ele, em meu amparo, um apanhado de opiniões. 
  • Ignácio de Loyola Brandão, escritor dos melhores, disse que nos ônibus as pessoas viajam qual "gado amontoado", mas os protestos eram "contra a vida miserável, expressam o saco cheio". 
  • Fernando Henrique Cardoso argumentou que as razões se encontram "na carestia, na má qualidade dos serviços públicos, na corrupção, no desencanto da juventude frente ao futuro"
  • Demétrio Magnoli, sociólogo da USP, concluiu que as pessoas estão "fartas do governo e da oposição, da corrupção e da impunidade, da soberba e do descaso". Opiniões abalizadas.
Traduzi assim essa gritaria que anda assustando a Nação. Na briga contra o valor da passagem dos ônibus, claramente se encontra a frustração da juventude acerca dos destinos políticos no Brasil, a insatisfação contra a podridão do poder. Os jovens parecem se sentir desdenhados, esquecidos e humilhados pela política degradante, corrupta e falsa, que abominam. No país do futebol, dos estádios que custam os olhos da cara, nunca sobra recurso para melhorar a vergonha da saúde, a tristeza do ensino fundamental, a tragédia da segurança pública.
Xico Graziano - agrônomo

Calejado no trato da terra desde quando os colonos italianos para cá vieram cuidar de cafezal, por mais que eu me esforçasse para explicar as coisas, seu Zé Batistela mostrava-se ainda ensimesmado. Compreensivelmente, me retrucou. Ele sente lá na roça o desencanto da sociedade brasileira com a política velhaca instalada na República, as promessas mentirosas, a lambança. Mas por que, de repente, a boiada estourou?

Não é fácil explicar a profunda transformação, global, que tem sofrido a democracia representativa na era da comunicação digital. À margem dos partidos, até mesmo contra eles, as redes sociais geram uma sociedade articulada, cheia de comunidades virtuais, mas, contraditoriamente, efêmera e anárquica. No passado, as massas revoltosas precisavam do discurso inflamado nas tribunas; agora, os sonhos da mudança se alimentam do computador. Ou no celular.

Reminiscências me tomaram a mente. Nos anos 70, estudantes de Agronomia em Piracicaba, nós enfrentamos a prepotência da polícia nas passeatas contra a ditadura militar. Jogamos bolinhas de gude para atrapalhar o passo dos cavalos, atiramos pedras nos escudos, nos esgoelamos pela democracia, todos unidos pelo utópico socialismo. Mais tarde, maduro na vida, acompanhei satisfeito a geração de meus filhos se pintar de verde e amarelo e exigir a derrubada de um mandatário desonroso.

A simpatia pelo protesto juvenil me desafia a convencer o conservador Zé Batistela a aceitar o processo de mudança delineado nas ruas. Mas ele permanece reticente. Quando, na televisão, viu os governantes, do Rio de Janeiro e de São Paulo, felizes anunciarem a redução do preço das passagens, me telefonou: decepcionado, queria agora saber de onde sairia o dinheiro para cobrir a diferença da passagem. Embora caipira, ele sabe que inexiste mágica na administração pública.

Governar se resume a estabelecer prioridades no gasto orçamentário. Por exemplo: 
  • apenas metade de um estádio Mané Garrincha evitaria que 500 mil cabeças de gado, um quarto do rebanho, morressem esqueléticas pela seca do Semiárido; 
  • com a outra metade se construiriam cisternas e açudes, se protegeriam inúmeras áreas fragilizadas pela desertificação e ampliaria a irrigação dos pequenos agricultores. A tragédia da seca nordestina, a maior dos últimos 50 anos, passou quase despercebida na sociedade urbana que se rebela nesses dias. Ninguém gritou, o campo ficou esquecido.
  • O dinheiro de uma reforma do Maracanã, se aplicado na construção de armazéns, no seguro de renda agrícola, na pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na defesa agropecuária, ajudaria de forma duradoura, não apenas durante um campeonato, no desenvolvimento nacional. 
  • Um pedaço da grana consumida na Copa, se investida na estrutura da logística nacional, facilitaria o escoamento da safra, consertaria a buraqueira das rodovias, reduziria as perdas, diminuiria o frete. Sem roubalheira.
Moral da história para José Batistela: os caboclos, como ele, em vez de ficarem omissos, eternamente chorosos nos rincões, que abram os olhos, aprendam a se organizar, participar da sociedade de massas, defendendo suas demandas. Tornou-se o velho, em duas semanas, um aprendiz de ativista, com uma marca de origem: pacato como sempre foi, abomina atos de violência. Vandalismo, jamais.

* XICO GRAZIANO É AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. 

Fonte: O Estado de S. Paulo - Espaço aberto - Terça-feira, 25 de junho de 2013 - Pg. A2 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,caboclo--ativista-,1046555,0.htm