REFORMA POLÍTICA: UMA MUDANÇA SÓ

Denis Russo Burgierman*
Denis Russo Burgierman - jornalista

O Brasil precisa mudar – isso todo mundo percebeu, depois desta semana que passou, quando milhões de pessoas saíram às ruas para afirmar que não estão satisfeitas com as coisas do jeito que são. Mas, afinal de contas, mudar como? Mudar o quê? O que as pessoas querem? As reivindicações são tantas e tão diversas que não dá nem para saber por onde começar. Parece que cada uma das pessoas que foi para a rua estava lá por um motivo diferente.

Pois então, permitam-me meter minha colher nesse angu.

Tem um assunto que quase ninguém está discutindo, mas que é absolutamente crucial nessa história toda. Se o Brasil pudesse fazer uma mudança só, deveria ser essa: alterar os mecanismos de financiamento de campanha eleitoral. Essa única mudança afetaria tudo, transformaria tudo.

O grande problema do Brasil hoje é que os políticos não trabalham para nós, como deveria ser. O patrão deles não é o povo: é o sujeito que assina o cheque que banca sua campanha eleitoral. Essa questão está na raiz de praticamente todas as bobagens que os governos municipais, estaduais e federal têm cometido nos últimos anos (usinas gigantescas feitas mais para agradar construtoras que para gerar energia; regras que prejudicam empreendedorismo, saúde pública, meio ambiente, para beneficiar alguém grandão; cidades que só cuidam do setor imobiliário e esquecem das pessoas; saúde, educação, transporte entregues aos tubarões etc.).

Campanhas eleitorais são caríssimas e, quase sempre, quem tem mais dinheiro ganha. Os eleitores vão às urnas escolher se preferem o PT, o PSDB, o PMDB, o DEM, o PSD, o PQP. O que eles não sabem é que, no fundo, essa escolha não tem muita importância, porque quem banca cada um desses partidos são sempre os mesmos: 
  • grandes construtoras, 
  • incorporadoras, 
  • bancos, 
  • gigantes do agronegócios, 
  • dos alimentos, 
  • das bebidas alcoólicas
São eles que pagam as contas das campanhas eleitorais.
E por que eles pagam? Só para ser legal? Nananina. Eles pagam porque é esse o modelo de negócio deles. É um investimento, não uma doação. Eles pagam X na campanha porque sabem que, depois, durante o governo, essa ajudinha vai se transformar num contrato lucrativo de 10X, ou 100X.

Político que não topa esse trato simplesmente não é eleito. Político que aceita o dinheiro desses caras e depois não retribui com um contrato gordo não recebe doação na eleição seguinte. Resultado: os políticos trabalham para os financiadores, não para nós. Veja bem, não estou falando de corrupção, de bandidagem, de dinheiro na cueca: estou falando inclusive dos políticos corretos, aqueles que seguem as regras. Mesmo esses precisam se curvar à vontade dos financiadores, se quiserem ser eleitos.

Pois então, existe uma solução para esse problema. O jurista Lawrence Lessig, professor de Harvard, propôs um novo sistema de financiamento de campanha para os Estados Unidos que poderia facilmente ser adaptado para o Brasil e mudaria tudo na política.
Lawrence Lessig - jurista

A ideia de Lessig é criar o “vale-democracia”. Adaptado para o Brasil, seria mais ou menos assim: cada eleitor brasileiro que paga imposto de renda receberia do governo um vale de R$ 100, que seria descontado do seu IR. Caberia ao eleitor decidir a quem dar o seu vale-democracia – você poderia, por exemplo, doar R$ 50 para o candidato a deputado do seu bairro, R$ 30 para seu candidato preferido a presidente e dividir os outros R$ 20 entre seu partido favorito e um senador que você admira.

Esse dinheiro financiaria a campanha – só ele. Pessoas jurídicas seriam proibidas de doar. Claro, haveria fraudes, caixa 2 e tal, mas, para coibir isso, todos os candidatos seriam obrigados a ser totalmente transparentes com cada mínimo gasto de campanha e qualquer eleitor poderia fiscalizar pela internet (e teria motivação para fazer isso, já que estaria pagando a conta).

Com esse sistema, uma coisa fundamental mudaria na nossa democracia: cada eleitor iria valer o mesmo que os outros. Hoje não é assim: eu e você valemos 1, o dono de um banco ou de uma construtora vale milhões. Implantar essa ideia custaria 10 bilhões de reais – já que há 100 milhões de eleitores no Brasil, e cada um deles teria um desconto de R$ 100 no Imposto de Renda [Obs.: apesar que nem todos declaram ou pagam o imposto de renda]. É dinheiro suficiente para bancar as campanhas, e fica uma pechincha para o contribuinte brasileiro, que hoje gasta muito mais que isso com os tais contratos gordos para agradar financiadores.

Como diz Lessig, mudando isso estaríamos mexendo na raiz de praticamente todos os grandes problemas do país. Nas palavras dele: “A ‘raiz’: não a causa única de tudo que nos prejudica, mas aquela coisa que alimenta os outros problemas, aquela que precisamos matar primeiro”. É por aí que começamos a mudar o Brasil.

* Denis Russo Burgierman é diretor de redação da revista Superinteressante. Escreveu o livro O Fim da Guerra, sobre o futuro das políticas de drogas, participa da comunidade TED, dá aulas na Eise (Escola de Inovação em Serviços) e é membro da Rede Pense Livre – Por Uma Política de Drogas que Funcione. Pedala entre uma coisa e outra.

Fonte: Superinteressante - Blogs -  24 de junho de 2013 - Internet: http://super.abril.com.br/blogs/mundo-novo/2013/06/24/uma-mudanca-so/

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