A crise econômica brasileira - compreendendo melhor!
O PIB EM CRISE, O MUNDO EM CRISE
WASHINGTON NOVAES
Washington Novaes - jornalista |
É discutível.
- As faixas mais pobres no País cortaram em 11% suas compras de produtos básicos no primeiro bimestre do ano (Estado, 25/4).
- A inadimplência no País passou de 5,1%, no ano passado, para 6,49%, em abril deste ano (19/5);
- 18 milhões de pessoas trabalham sem carteira assinada e 15 milhões, por conta própria (IBGE, 1/5);
- 90 mil crianças de 5 anos a 9 anos trabalham, 1,1 milhão entre 9 anos e 14 anos também.
- Se forem adotados os critérios da ONU, praticamente todas as pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família vivem "abaixo da linha da pobreza" (que é de US$ 2, ou pouco mais de R$ 4, por dia).
- pois chegaremos a um "rombo" nas contas externas equivalente a 3% do PIB (23/5).
- As estimativas para a dívida pública estão em R$ 1,95 trilhão, e
- ela exige juros de 9,74% ao ano (Agência Estado, 26/4), muitas vezes o gasto com todo o programa Bolsa Família.
Praticamente não teríamos caminhado nada, apesar dos enormes incentivos fiscais e de outros tipos. E ainda hoje estaríamos patinando sem sair do lugar, ocupando o 22.º lugar no mundo entre os países exportadores. Mesmo com a Europa em recessão - PIB de menos 0,2% no primeiro trimestre, desemprego médio de 12,2%, mas de até 27% na Grécia e perto disso na Espanha, situação brutal entre os jovens (16/5).
Não bastasse tudo isso, muitos economistas - como já se tem comentado em outros artigos neste espaço - tratam, cada vez com mais frequência, da chamada "crise da finitude de recursos", o consumo global de materiais (7 toneladas por habitante/ano) acima da capacidade de reposição do planeta. E tende a se agravar, porque, com o incremento já previsto de pelo menos 2 milhões de pessoas até 2050, esse consumo, nos níveis atuais, chegaria a 65 bilhões de toneladas/ano. "O atual sistema no mundo está falido", já se manifestou há uns dois ano o Blue Planet, que reúne 20 cientistas ganhadores do Prêmio Nobel Alternativo. Na conferência Rio +20, o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, falou em "exaustão do sistema econômico e social" planetário.
E onde fica a saída? A própria Universidade da ONU apresentou, na Rio +20, seu estudo sobre um novo índice para calcular a situação de cada país, cada região: o Índice de Riqueza Inclusiva (Inclusive Wealth Report - IWR). Ele acrescenta aos fatores já avaliados pelo PIB e pelo Índice de Desenvolvimento Humano da própria ONU, por meio do Pnud - que inclui saneamento, expectativa de vida, educação e outros fatores -, a saúde, a segurança ambiental e os ganhos e perdas de recursos naturais nos ecossistemas. Por esse caminho, no estudo feito pela universidade para o período 1990/2008, a China, que teve crescimento econômico de 422%, o veria reduzido para 37% com as perdas de recursos naturais; o Brasil, em vez de crescimento de 37%, teria 13% no mesmo período. Se a questão central, como dizem economistas, está na crise de recursos materiais, o índice vem para o centro do palco. E a avaliação da situação brasileira não deve ficar restrita ao crescimento econômico. Tem de se deslocar para uma estratégia que leve em consideração o privilégio brasileiro em matéria de insolação permanente, recursos hídricos, biodiversidade e possibilidade de matriz energética "limpa" e renovável, com energia de hidrelétricas, eólica, solar, de marés, geotérmica e de biomassas (cana, dendê, pinhão manso e outras). É um alto privilégio e o será cada vez mais nos tempos difíceis em que navegamos no mundo.
Discute-se cada vez mais, entretanto, como mudar os modos de viver no mundo, torná-los compatíveis com os recursos disponíveis. E como fazer isso, se cada país encara a questão de uma forma diferente, cada empresa tem sua estratégia própria e diferenciada e até cada pessoa comporta-se de forma a atender a seus interesses específicos. Como chegar a uma estratégia global adequada, sem a adesão geral?
Como observa o respeitado Edgar Morin, "há alguns processos positivos, mas eles permanecem invisíveis ou são pontuais (...) O provável não é definido, permanece incerto (...) É preciso resistir e construir o improvável (...) O que é preciso reformar? As estruturas sociais e econômicas? Ou as pessoas e a moral? (...) Esses processos têm de vir juntos (...) A metamorfose é possível e torna possível criar um novo modo de desenvolvimento e um novo tipo de sociedade, que não podemos prever, mas que ultrapassa a expectativa dos indivíduos e da sociedade atual" (Le Monde Diplomatique, dezembro de 2012). Por isso tudo, Morin recomenda a todas as pessoas, estejam onde estiverem, que lutem "pelas mutações, quer elas tenham dimensão global ou local".
A briga não está confinada, portanto, ao crescimento econômico, ao PIB - embora suas múltiplas dimensões tenham de ser consideradas. Mas é preciso pensar muito além.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Espaço aberto/Opinião - Sexta-feira, 7 de junho de 2013 - Pg. A2 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-pib-em-crise-o-mundo-em-crise,1039756,0.htm
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