«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Ei, veja só isto...

E se o candidato que você detesta ganhar
a eleição?

Frei Betto
Frade dominicano, teólogo, escritor e ativista de movimentos populares

O fato é que lidamos mal com a democracia. 
Exceto quando seus ventos sopram a favor de nossos interesses
ELEIÇÕES:
dependendo do resultado, vamos da alegria e exultação ao ódio, à raiva, ao desencanto!!!

Praticar a democracia não é nada fácil. Uma roda de amigos conversava sobre preferências eleitorais. Fiz a pergunta: E se Bolsonaro for eleito presidente? Houve repúdio geral: “Saio do país”, disse um; “Ditadura de novo, nem pensar!”, reagiu outro. Um terceiro surpreendeu a todos ao declarar que talvez vote nele.

E se Lula for candidato e ganhar? Novas reações de apoio e rejeição. “Nenhum governo fez tanto para o povo brasileiro como o PT”; “Seria legitimar a corrupção”, falou outro.

O fato é que lidamos mal com a democracia. Exceto quando seus ventos sopram a favor de nossos interesses. Se o candidato que odeio for eleito cubro a democracia de maldições. Malditos eleitores que não sabem votar! Com certeza as urnas foram manipuladas! Ah, quem dera um novo golpe derrube o eleito!

Porém, se o candidato de minha preferência for eleito presidente da República, viva o povo brasileiro! Afinal, predominou o bom senso! Os oportunistas foram derrotados!

“Tudo em um Estado democrático deve ser um meio para atingir a democracia, mas a única coisa que não pode, nunca, tornar-se um meio é a própria democracia. Uma concepção meramente instrumental da democracia é a negação, cedo ou tarde, de uma sociedade democrática. Quem se vale da democracia para alcançar os próprios objetivos políticos acabará, em um momento ou outro, sufocando-a”, escreveu Norberto Bobbio (Entre duas Repúblicas - as origens da democracia italiana, Brasília/São Paulo, editora UnB/Imprensa Oficial de São Paulo, 2001).

É equivocado, nas eleições deste ano, centrar o foco apenas em candidatos a presidente. Qualquer um que for eleito terá que se submeter às decisões do Congresso Nacional. Por isso é de suma importância votar bem para eleger deputados federais e senadores. Renovar o parlamento. Evitar que sejam eleitos ou reeleitos candidatos lobistas, interessados apenas em defender interesses corporativos, em geral por meios escusos.

Na roda de amigos todos concordamos que é preciso pôr fim à carreira política daqueles que sempre defenderam os privilégios da minoria contra os direitos da maioria.

Pelo nosso voto podemos fechar as portas do Congresso Nacional
aos corruptos, oportunistas e nepotistas.

O Brasil merece sair do atraso:
* ampliar suas políticas de proteção social,
* aumentar os recursos na saúde e na educação,
* reduzir drasticamente a desigualdade social,
* fonte da violência que assola o país.

Menos cadeias e mais escolas.
Menos agrotóxicos e mais agricultura orgânica.
Menos veículos particulares e mais transportes coletivos.
Menos especulação financeira e mais produtividade.
Menos criminalização dos movimentos sociais e mais respeito à diversidade.
Menos maracutaias e mais transparência.
Menos autocracia e mais democracia.

Vote no projeto Brasil. E eleja quem é capaz de aglutinar forças sociais capaz de torná-lo realidade.

Fonte: Dom Total – Análise e informação atualizadas a cada instante – Belo Horizonte (MG) – Internet: clique aqui.

O que Jesus diria ? ? ?

O que diria hoje Jesus aos candidatos e
eleitores brasileiros?

JUAN ARIAS
Jornalista

Os políticos que hoje buscam apoio de pastores e padres poderiam
se enquadrar no perfil dos “falsos profetas”
"Cristo retirando os vendilhões do Templo" - Pintor: El Greco
Pintura a óleo em tela de 1600 - National Portrait Gallery - Londres

Mais de 80% dos brasileiros que irão em outubro às urnas são de fé cristã, entre católicos e evangélicos. Os ateus quase não existem neste país. Os candidatos às eleições presidenciais ou são de origem cristã ou fingem, pois todos eles procuram igualmente neste momento as bênçãos de bispos e pastores, prostrando-se em templos e catedrais, já que um punhado de votos bem vale uma missa.

Mas esses mesmos políticos que procuram proteção sob os altares talvez não gostassem de escutar algumas frases, duras como pedras, pronunciadas há quase 2.000 anos por Jesus Cristo contra “os falsos profetas”, de quem dizia: “Vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores”. Como reconhecê-los? Não só por suas promessas que podem ser vazias ou repletas de hipocrisia, mas por seus feitos. “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos?” (Mt 7,16)

O cristianismo primitivo se inspirava nas atitudes que haviam guiado a pregação do Mestre, sobretudo em sua insistência contra o farisaísmo, a hipocrisia e os que enganam as pessoas simples. Jesus gostava do sim ou do não. “Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te”, recorda o Apocalipse (3,15).

Se analisássemos essas afirmações taxativas das Escrituras e as aplicássemos a muitos dos candidatos que se dirigem às pessoas em busca de seu voto, veríamos que continuam atuais. Continuam vigentes os disfarces, por exemplo, de candidatos que cresceram e prosperaram na velha guarda do conservadorismo, do patrimonialismo, do caciquismo, e hoje se apresentam disfarçados de “políticos renovados”, de novos redentores. Acaso os espinheiros podem dar uvas?

Candidatos que se apresentam como os paladinos da moral e dos bons costumes e não têm vergonha de confessar que o dinheiro do auxílio-moradia do qual desfrutaram durante anos em Brasília sem dele precisar foi usado “para comer gente”, eufemismo para pagar prostitutas.

Candidatos incapazes de serem frios ou quentes para conseguirem agradar a todos, e que acabam provocando vômito, na gráfica expressão da Escritura. Candidatos que, como canta Gilberto Gil, com palavras dizem sim e com os fatos dizem não. Melhor os que são capazes de confessar que ninguém tem a pedra filosofal para resolver todos os problemas acumulados em anos de governos incompetentes ou ambiciosos, e que não oferecem mais do que acreditam que poderão realizar.

Os representantes das igrejas católicas e evangélicas deveriam estar atentos ao oferecerem acolhida e apoio em seus templos, às vezes no anonimato da noite, àqueles políticos que em vez de irem se inspirar na fonte dos Livros Sagrados comparecem como mercadores de votos. Para eles há também uma passagem dura do Evangelho: quando Jesus, ao entrar no Templo de Jerusalém e ver os vendedores fazendo comércio com os fiéis pobres, depois de ter jogado as mesas no chão os repreendeu e lhes disse: “Minha casa é uma casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mt 21,12ss). Os estudiosos das escrituras, tanto católicos como protestantes, concordam que foi aquele gesto contra o comércio do sagrado a gota d’água que levou as autoridades do Templo, em conivência com as autoridades civis romanas, a acabarem com a vida do profeta incômodo.

Às massas de cristãos que vão aos templos e escutarão neste período de seus pastores religiosos os chamados para votar nos políticos, a essas massas de gente pobre sempre à espera de um milagre que redima suas penas, a elas é preciso recordar que nessa Bíblia que está nas mãos de seus guias espirituais há uma passagem do profeta Ezequiel, dirigida aos governantes e que hoje parece de uma pungente atualidade. Sobre eles, diz:

«Vós não fortaleceis as ovelhas fracas; a doente, não a tratais; a ferida, não a curais;
a transviada, não a reconduzis; a perdida, não a procurais;
a todas tratais com violência e dureza.
Assim, por falta de pastor, e em sua dispersão foram expostas
a tornarem-se presa de todas as feras.» (Ez 34,4ss)

O Brasil precisa com urgência encontrar alguém capaz de sentir o clamor dos que procuram quem possa reconciliar o país, que seja guia sobretudo dos que sofrem o abandono, dos mais expostos aos perigos de serem devorados por uma política capaz de olhar só para o próprio umbigo, esquecendo-se do que realmente esta sociedade, embora irada e dividida, parece estar procurando em vão.

Fonte: EL PAÍS / Brasil – Eleições Brasil 2018 – Segunda-feira, 30 de julho de 2018 – 18h29 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Que crise é esta? Como sair dela?

BRASILIO SALLUM JR.
Professor titular do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo

Seguramente, há que reduzir o arbítrio das instituições judiciais e
transformar o vigor republicano que delas provém
em reformismo democrático
LUIZ WERNECK VIANNA

Como responder a isso? As crises políticas são muito difíceis de analisar, mesmo quando encerradas. Que dizer, então, quando ainda estão em curso?

Nas crises se quebram as hierarquias que estruturam a vida política. Os atores – chefes de poder, lideranças, partidos, movimentos sociais, etc. – não conseguem ter uma razoável antevisão de como cada um vai agir e reagir diante dos posicionamentos dos outros. Aumenta muito a incerteza, já presente nos momentos normais da política.

E quanto à crise política atual? Acho que não há dúvida de que ela está pondo em jogo a democracia de 1988. Mas de que maneira, se todos a defendem? Alguma força maléfica a está atacando desde fora? Ou o funcionamento de suas próprias instituições acabou por levar ao evidente desequilíbrio que precisamos superar? Mas como?

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, no livro de entrevistas Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual [Verbena Editora e Fundação Astrojildo Pereira/FAP, 2018], lança luzes fortes sobre o período difícil que atravessamos. As entrevistas cobrem um período que começa em 2007 e vai até final de 2017. Surpreendentemente, para análises feitas ao longo de dez anos, há no livro notável consistência. Com efeito, há que reconhecer que o livro mantém uma perspectiva analítica e acaba por gerar interpretações agudas do processo que vivemos. Em vez de resumi-las – desmanchando o prazer dos que quiserem conhecê-las por si mesmos – destacarei apenas duas delas, especialmente relevantes para a análise e superação do presente.

Corrupção, moralismo e instituições judiciais

Desde as primeiras entrevistas do livro – de meados de 2008 –, Werneck Vianna chama nossa atenção, a propósito das acusações de corrupção contra Daniel Dantas e Eike Batista, para a forma espetaculosa e a índole messiânica das intervenções da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário. Longe está o entrevistado de desqualificar o combate à corrupção. O problema está em converter esse combate em centro dos problemas nacionais, exacerbando o moralismo da classe média. Com isso, as questões centrais da política ficariam relegadas a segundo plano:
* a mediocridade de nosso crescimento econômico,
* a concentração extrema da propriedade,
* a desigualdade social e
* a má representação política.

Claro que o julgamento do mensalão e, especialmente, a Operação Lava Jato, revelando o alto grau de corrupção vinculada ao financiamento das campanhas eleitorais, exacerbaram o ativismo judicial, acabando por produzir um desequilíbrio institucional entre os poderes da República, em favor do Ministério Público e do Judiciário. O moralismo tem levado a desqualificar os poderes que devem sua legitimidade ao voto popular e, portanto, estão no cerne da democracia. Este ativismo – e os abusos que ocasiona – não se dá conta de que, apesar dos pesares, é a política que pode superar nossas deficiências, acentuando a dimensão democrática e republicana do regime de 1988.

O problema não está, pois, na Lava Jato. Ela tem função republicana, de denúncia do imbricamento espúrio entre a ordem pública e a esfera privada brasileira. Procuradores e juízes querem romper tal esbórnia, retomando – agora em nome da moralidade – o impulso reformista dos antigos tenentes. Tornaram-se “tenentes de toga”, que veem no Direito uma forma de transformar a vida social, de purificá-la, de construir uma verdadeira República. Não se dão conta de que é a política que, apesar dos pesares, pode reorganizar o Estado, acentuando sua dimensão democrática e republicana.

O ativismo judicial moralista não deve – em nome da ética da convicção – menosprezar as consequências mais amplas de suas decisões, deixando de lado a ética da responsabilidade. Conduzir coercitivamente para interrogatório um ex-presidente da República, tentar denunciar outro, recém-empossado, com base em denúncias pouco investigadas, bloquear com sucesso uma nomeação de ministro sem amparo constitucional e permitir o “vazamento” de denúncias e tantas outras manifestações contra políticos ajudam a desqualificá-los, produzem resistências, mas não estimulam a reforma das instituições políticas. A crítica não atinge o conjunto dos magistrados e dos procuradores nem descrê de sua capacidade de mudar, como atesta a substituição de Rodrigo Janot por Raquel Dodge – saudada como uma lufada de ar fresco.

A democratização, a esquerda e o Estado

Mas quais forças podem transformar a política brasileira? Certamente, as esperanças de Werneck estão na atuação das forças de esquerda. Tais esperanças, porém, têm sido frustradas porque: a) elas abandonaram o caminho e as tarefas de organização e mobilização autônoma das classes subalternas. Este caminho que empolgou os que aderiram ao Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980 foi, aos poucos, abandonado em favor da b) composição com as forças políticas tradicionais, patrimonialistas. Depois, com a ocupação do poder central pelo PT, houve composição não só com as forças tradicionais – sem as quais não se governaria –, mas também c) se estimulou a absorção dos movimentos sociais e associações autônomas no Estado. Eles tornaram-se penduricalhos, dependentes do poder e dos seus recursos. d) Enterrou-se no governo Lula a reforma da legislação varguista, que eliminaria o imposto e a unicidade sindical. Foram mantidas as mesmas regras que perpetuam a dependência do Estado. E ainda se deu uma fatia do imposto sindical para as centrais sindicais. e) Retomou-se, assim, a idolatria do Estado, nascida da experiência fascista e da crença soviética no Estado libertador. A esquerda só retomará seu vigor se escapar ao estatismo e se orientar para a autonomia.

Por fim, como sairemos desta crise? Seguramente, há que reduzir o arbítrio das instituições judiciais e transformar o vigor republicano que delas provém em reformismo democrático. Estas são algumas das muitas observações com que o sociólogo Werneck Vianna nos ajuda a ver luzes no fim do túnel.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto / Opinião – Domingo, 29 de julho de 2018 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

Eleições 2018 – tudo velho, tudo na mesma!

João Domingos

Não há novidade entre os candidatos. Os “novos” preferiram ficar fora
 
A velha polarização entre candidatos do PT versus PSDB poderá ser repetir,
novamente, nestas eleições de 2018 - Será o "sujo falando do mal lavado!"
As convenções partidárias mal começaram, o candidato favorito está preso e inelegível [por enquanto...], a novela da definição dos vices encontra-se em sua fase mais aguda. Mas, diante do quadro que se apresenta neste instante na política brasileira, pode-se dizer que a tendência da disputa presidencial é um repeteco da final PT versus PSDB.

Arriscar a previsão com base em quê? Em pelo menos três dados atuais. O primeiro deles é que Geraldo Alckmin conseguiu reunir em torno de si o conjunto partidário dos sonhos de qualquer candidato que pense em ganhar competitividade. Os partidos que compõem o Centrão juntaram-se a PSD, PTB, PV, PPS e ao PSDB de Alckmin. Juntos, eles vão garantir cerca de 42,5% do tempo de propaganda na TV para o tucano.

Pelo tempo de propaganda que Alckmin terá, é possível dizer – com risco de erro, é claro, pois nem a política nem a cabeça do eleitor são ciência exata – que o candidato tucano tem certa vantagem sobre os concorrentes. De acordo com projeção do Estadão Dados:
* Alckmin terá nos 35 dias de propaganda nada menos do que 318 inserções de 30 segundos cada, ou 9 por dia, na programação normal das emissoras abertas;
* o candidato do PT contará com 122 inserções, 3,5 por dia;
* Ciro Gomes, 40 inserções, 1,1 por dia;
* Marina Silva (Rede), 20 inserções, 0,6 por dia;
* Álvaro Dias (Podemos), 18 inserções, 0,5 por dia; e
* Jair Bolsonaro (PSL), 14 inserções, 0,4 por dia,
para ficar nos candidatos mais bem situados nas pesquisas.

As inserções são muito mais importantes do que o horário eleitoral propriamente dito. Elas entram durante a programação normal. No horário eleitoral às vezes o eleitor vai fazer um lanche.

Pesquisa do Ibope identificou a TV como fonte de informação de cerca de 70% dos brasileiros. Não há como negar a importância dela na campanha. Leve-se em conta ainda que o Brasil tem cerca de 206 milhões de habitantes. Destes, 130 milhões (63% da população, segundo a última Pnad) pertencem às classes C, D e E, em que também está o maior acesso à TV aberta. É um público gigantesco e decisivo.

O segundo dado a ser destacado é que todas as pesquisas feitas nos últimos meses mostram Lula na frente. No Nordeste, em quase todos os Estados, o petista alcança mais do que 50% dos votos. Como o PT conseguiu êxito em sua estratégia de manter o nome de Lula vivo, e identificado ao partido, se ele não puder ser candidato, o que é quase certo, não há dúvidas de que transferirá muitos votos para o herdeiro. Não se pode esquecer ainda que o PT terá 3,5 inserções por dia na TV, mesmo que não faça aliança com nenhum outro partido, e que a militância petista costuma arrastar votos atrás de si, principalmente na reta final da campanha.

O terceiro ponto que chama a atenção é que Jair Bolsonaro, que aparece na frente nos cenários sem Lula, está no mesmo patamar, em torno de 20% das intenções de voto, desde o início do ano. Sem tempo de TV, com um mote de campanha que parece já ter conquistado o eleitor que deveria conquistar, não há nenhum indicativo hoje de que o candidato do PSL possa mudar esse quadro.

Deve ser observado ainda que, mesmo com o País virado de cabeça para baixo com o impeachment de Dilma Rousseff e por operações como a Lava Jato, que levaram políticos e empresários poderosos para a cadeia – um deles, Lula –, nenhum novo apareceu na política brasileira. Os esperados candidatos outsiders [fora esquema] não vingaram. Os que apareceram – Luciano Huck, Joaquim Barbosa, Roberto Justus – preferiram ouvir o conselho de suas famílias e evitar a política.

Desse modo, a eleição de 2018 está sendo feita com o que se tinha, o antigo. Então, só para lembrar que neste ano teve Copa do Mundo, a decisão poderá ser de novo o velho Fla x Flu da política.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Sábado, 28 de julho de 2018 – 03h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

E o candidato de Lula?

Haddad, o educador

Demétrio Magnoli
Doutor em geografia humana pela USP

O que é um Bolsonaro desarmado perto de um Ortega armado?
FERNANDO HADDAD - PT/SP

Calculadamente, Fernando Haddad posiciona-se para assumir a condição de avatar de Lula na campanha presidencial. Na entrevista concedida à Folha de S. Paulo (23/7), celebra o líder onipresente (“as pessoas sentem Lula”) e fala da economia como se nada de especialmente relevante tivesse acontecido no governo Dilma.

Mas, sobretudo, critica Alckmin por ter o aval do centrão (“o que tem de mais fisiológico no país, um atraso”), exibe o PT como farol da “modernidade” e afirma que os empresários “precisam ser educados para a democracia”. Arrogância é pouco. O potencial avatar envereda pelo caminho do autoritarismo, vestindo-o com uma fantasia iluminista.

O centrão, certamente fisiológico e atrasado, ofereceu sustentação aos dois mandatos de Lula e, até as vésperas do impeachment, ao governo Dilma.
[Que moral o PT tem para falar de aliança com o Centrão?]
GERALDO ALCKMIN - no centro, ao microfone
recebe apoio o tal "Centrão", conjunto de partidos menores, mas muito influentes no Congresso

Foto: Ailton de Freitas / O Globo

Lula e seu candidato a prefeito paulistano, um certo Haddad, peregrinaram à Canossa de Maluf, trocando a humilhante foto do abraço pelo apoio eleitoral. Antes de “educar” os empresários, Haddad precisa educar-nos a todos na arte de apagar a história recente.

“Modernidade” versus “atraso”. A polaridade inspirou a primeira sociologia brasileira, até que se compreendessem os mecanismos pelos quais o atraso se moderniza e, por essa via, se reitera. A história do PT ilustra, melhor que tudo, o processo.

De um Lula a outro, no trajeto de São Bernardo ao Planalto, o Brasil aprendeu com quantos mensalões se faz uma maioria parlamentar e com quantos petrolões se assina um pacto com as empreiteiras. Haddad precisa reeducar-se a si mesmo fora do pensamento dualista.

O apoio de parcela do empresariado a Bolsonaro provoca a santa indignação de Haddad. Mas qual é a surpresa na informação de que não poucos empresários transitam de um amor louco pelo lulismo para uma arrebatadora paixão pelo bolsonarismo?

O mesmo empresário que escolhia vendar seus próprios olhos para capturar as rendas fáceis presenteadas pelo BNDES de Mantega[1] está disposto a conservar sua cegueira política voluntária para coletar as 30 moedas que a farra ultraliberal de Paulo Guedes[2] promete distribuir.

Não sei qual seria o método pedagógico de Haddad para “educar” os empresários, mas nenhum é mais eficaz do que o utilizado pelo governo Lula, “o mais responsável de todos os governos da história”, com figuras como Marcelo Odebrecht e Eike Batista.

De fato, o “Estado mínimo” de Bolsonaro e seu guru econômico[3] não combinam com a democracia. Os eleitores bolsonaristas, empresários ou outros, talvez não compreendam isso — ou, talvez, simplesmente não gostem da democracia.

Mas a ambição de um partido de “educar” a sociedade expõe sua alma autoritária. Mussolini queria educar os italianos. Fidel Castro almejava educar os cubanos. Pol Pot resolveu educar os cambojanos. Já os partidos democráticos nutrem esperanças mais modestas: como admitem que não são portadores da verdade histórica, e que podem estar errados, desejam apenas persuadir os eleitores.

“Devem ser educados para a democracia.” Haddad usa a palavra “democracia” para expressar sua repulsa a Bolsonaro. Nisso, tem razão. Mas o que é um Bolsonaro desarmado diante de um Ortega armado?

Nosso “clown” da extrema direita [Bolsonaro] mata imaginariamente seus adversários, sonhando restaurar a ditadura que perdeu os dentes quando ele não passava de um mero cadete. Já Ortega[4], a quem o PT oferece o mesmo apoio incondicional que presta a Maduro, mata realmente, dia sim e dia também, sustentando seu poder à base de selvagem repressão.

A jornalista Catia Seabra esqueceu-se de confrontar Haddad com perguntas sobre a Nicarágua ou a Venezuela. Deixou-me curioso. Por que o partido que representa a “modernidade” e fala em nome da “democracia” defende fanaticamente os governos Ortega e Maduro?

Por que Haddad não se ocupa, antes de tudo, em educar o próprio PT? Quem educa o educador?

NOTAS

[1] Guido Mantega foi ministro da Fazenda (2006-2011) e ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Lula (1 de janeiro de 2003
até 18 de novembro de 2004). Foi o ministro da Fazenda no primeiro Governo Dilma Rousseff (2011-2015), sucedido no cargo pelo ex-secretário do tesouro. É formado em economia pela Universidade de São Paulo, com doutorado e especialização em sociologia. Foi professor de economia no curso de mestrado e doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de 1982 a 1987. É professor licenciado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Foi assessor de Paul Singer na Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo durante a administração da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). Como ex-membro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), teve o prefácio de seu primeiro livro, Acumulação Monopolista e Crise no Brasil, assinado por Fernando Henrique Cardoso. Seu livro com José Márcio Rego Conversas com Economistas Brasileiros II teve prefácio do economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
[2] Paulo Guedes é um dos fundadores do Banco Pactual e também fundador e sócio majoritário do grupo BR Investimentos, hoje parte da Bozano Investimentos. Economista com Doutorado em economia pela Universidade de Chicago, considerada uma referência do pensamento econômico liberal, Guedes também já foi integrante do conselho de administração de diversas companhias, como PDG Realty, Localiza e Anima Educação. Guedes também fundou o Instituto Millenium, um 'think tank' que dissemina o pensamento econômico liberal, e foi professor de macroeconomia na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e também já foi sócio majoritário do Ibmec (atualmente chamado de Insper). Está altamente cotado para ser o Ministro da Fazenda de um pretenso governo de Bolsonaro.
[3] – O economista Paulo Guedes, conferir a nota anterior.
[4] Daniel Ortega foi presidente da Nicarágua entre 1985 e 1990 e voltou ao cargo em 2006, tendo sido reeleito em 2011 e 2016. É membro da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) desde 1962. No país, não há limite de mandatos. Atualmente, ainda como Presidente da Nicarágua, conduz uma violenta e sanguinária perseguição aos seus opositores, estudantes, Igreja Católica e outras forças da sociedade civil.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunas e blog – Sábado, 28 de julho de 2018 – 02h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

sábado, 28 de julho de 2018

17º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia

Evangelho: João 6,1-15

Naquele tempo:
1 Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, também chamado de Tiberíades.
2 Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes.
3 Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos.
4 Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
5 Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: «Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?»
6 Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer.
7 Filipe respondeu: «Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um».
8 Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse:
9 «Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?»
10 Jesus disse: «Fazei sentar as pessoas». Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens.
11 Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes.
12 Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!»
13 Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido.
14 Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: «Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo».
15 Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

Dai-lhes vós de comer

O fato ficou muito gravado entre os seguidores de Jesus. Todos os evangelistas narram o fato: em certa ocasião, Jesus se preocupou de alimentar uma multidão necessitada em um lugar despovoado. O relato foi muito trabalhado teologicamente e não é mais possível reconstruir o que possa ter acontecido.

Para alguns cristãos, a cena lhes recordava Jesus alimentando o novo povo de Deus no meio do deserto. Para outros, era um convite a deixar-se alimentar por ele na Eucaristia. Marcos, o evangelista mais antigo, parece estar pensando em um chamado a viver de maneira mais responsável a solidariedade com os necessitados.

Segundo este evangelista, os discípulos se desinteressam daquele povo necessitado e dizem a Jesus duas palavras que mostram sua falta de solidariedade e seu individualismo: «Despeça-os», que vão às aldeias, e «comprem algo para comer». A fome não é problema deles. Que cada um se arranje com o seu sustento.

Jesus lhes responde com palavras surpreendentes: «Dai-lhes vós de comer». Não se deve «despedir» a ninguém nessas condições. É o grupo de discípulos que tem de se preocupar desta gente necessitada. A solução não está no dinheiro, mas na solidariedade. Com dinheiro, somente comem os que têm. Para que todos comam, é necessário compartilhar o que há.

O grupo de discípulos reage. Um garoto tem «cinco pães de cevada e dois peixes». Não é muito, porém ali estão à disposição de todos. Jesus pronuncia a «ação de graças» a Deus e os põe em uma nova dimensão. Não mais pertencem, exclusivamente, nem ao garoto nem aos discípulos. São um presente de Deus. Ninguém tem direito de acumulá-los enquanto há alguém passando fome.

* Há algo no mundo mais escandaloso e absurdo que a fome e a miséria de tantos seres humanos?
* Há algo mais injusto e desumano que nossa indiferença a isso?
* Há algo mais contrário ao Evangelho que ignorarmos aqueles que morrem de fome?

A religião não é um seguro

O evangelista João termina seu relato da multiplicação dos pães com um detalhe ao qual não se costuma dar importância, no entanto, ele oferece uma chave para evitar uma interpretação equivocada da missão de Jesus.

As pessoas que comeram pão até saciar-se, ao descobrirem que Jesus pode resolver suas necessidades sem esforço algum de sua parte, vão à sua busca para que isso não se acabe. Querem que Jesus seja o rei, que continue solucionando seus problemas. E é, então, que Jesus precisamente desaparece.

A missão de Cristo não é solucionar, de maneira imediata, os problemas de manutenção, bem-estar ou progresso, que os homens têm de resolver utilizando sua inteligência e suas forças. O que Jesus oferece não são soluções mágicas para os problemas, mas um sentido último e uma esperança que podem orientar o esforço e a vida inteira do ser humano.

Por isso, é um erro esperar de Cristo uma solução mais fácil para os problemas. É uma maneira falsa de «fazê-lo rei». É desse modo que, precisamente, o verdadeiro Cristo desaparece de nossa vida, pois sempre que procuramos manipulá-lo para alcançar um nível de vida mais cômodo, estamos pervertendo o cristianismo.

Poucas coisas estão mais distantes do evangelho que essas grosseiras orações ao Espírito Santo, à Virgem Maria ou a algum santo concreto que, repetidas um determinado número de vezes ou publicadas na imprensa, asseguram de modo quase automático um prêmio importante da loteria, uma boa colocação e toda uma sorte de felicidade.

Há, claramente, modos mais sutis de manipular a religião. Durante estes últimos anos, vai se estendendo no Ocidente o recurso a certas experiência religiosas como meio para assegurar o equilíbrio psíquico da pessoa. Certamente, a fé contém uma força curadora para o indivíduo e a sociedade, porém não podemos confundir a religião com medicina. Seria degradar a religião utilizá-la com fins terapêuticos como se fosse um dentre tantos remédios úteis.

Como disse muito bem o prestigioso fundador da logoterapia, Viktor Frankl, «a religião não é nenhum seguro com vistas a uma vida tranquila, a uma máxima ausência de conflitos ou qualquer outra finalidade psico-higiênica. A religião dá ao homem mais que a psicoterapia e exige também mais dele».

A religião traz sentido, libera do vazio interior e da desorientação existencial, ajuda a viver na verdade consigo mesmo e com os demais, permite integrar a vida a partir de uma esperança última. Porém, essa mesma fé exige do homem assumir sua própria responsabilidade e lutar por uma vida mais humana, sem deixar a solução dos problemas nas mãos de Deus.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B (Homilías) – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Agora, entendo o Brasil!

A pauta do Brasil é rediscutir o Estado brasileiro
&
2019, a crise que agrupará todas as crises

Entrevista com Rudá Ricci*
Cientista Social e Político

Patricia Fachin e Ricardo Machado

Os principais temas da vida política, social e econômica brasileira
analisados por um dos melhores cientistas políticos da atualidade
RUDÁ RICCI

Elaborar um projeto de Estado é a principal pauta política a ser discutida no Brasil daqui para frente, defende o cientista político Rudá Ricci na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line na semana passada, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, no Campus Unisinos Porto Alegre (RS).

Na avaliação dele, “no Brasil nós nunca tivemos uma noção muito clara do papel do Estado”, e com exceção do governo Getúlio Vargas, do embate entre direita e esquerda nos anos 60 e do regime militar, nunca se discutiu a República no país. “O que estou tentando dizer é que, fora aqueles três períodos, não discutimos mais o Estado brasileiro, discutimos a desconstrução do Estado brasileiro e das políticas de proteção social”, resume. E adverte: “O Brasil é um dos países que tem o menor número de funcionários públicos por mil habitantes no mundo, um país que tem pouquíssimos cargos comissionados — 16% do total dos servidores públicos são comissionados; isso é nada. Mas em contrapartida existe uma elite no funcionalismo público, principalmente no Judiciário, que comanda a República brasileira junto com os deputados federais e que recebe como o topo da elite brasileira. Esses estão incluídos no 1% dos mais ricos do Brasil; isso é inadmissível em um país com alta desigualdade como o nosso.

O fato é que precisamos rediscutir o Estado brasileiro:
* onde ele está,
* quais funcionários precisamos ter,
* quais os serviços que necessitamos, e
* parar com a terceirização, porque nenhum país consegue se desenvolver sem uma inteligência pública.
Nós estamos destruindo a inteligência pública e jogando-a para as consultorias, para empresas que são trampolim na carreira individual das pessoas que prestam consultoria para o Estado”.

Confira a entrevista.
VARGUISMO

IHU On-Line — Quais são os temas centrais que deveriam estar em pauta da discussão eleitoral deste ano, pensando um projeto de país para o Brasil?

Rudá Ricci — A questão central, mas que, evidentemente, acredito que não entrará na pauta política pela polarização ideológica, é o projeto de Estado. No Brasil nós nunca tivemos uma noção muito clara do papel do Estado. Mas o Varguismo, o Getulismo, o embate da esquerda e da direita nos anos 1960 e o regime militar foram os três grandes períodos em que tivemos uma discussão sobre a República. A reflexão da Constituinte de 1987 foi muito fechada em cúpulas de organizações sociais e de representações de classe, e contou com a participação de algumas organizações religiosas — principalmente católicas — e juristas, mas ela não chegou a dominar o debate nacional, de fato, nos “grotões”.

Mas nesses três períodos que citei tivemos uma discussão muito importante sobre o Estado, porque isso mexia demais com a vida das pessoas. Discutiu-se a implantação da Carteira de Trabalho, criou-se a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Mais tarde, nos anos 1960, criou-se a possibilidade da representação de sindicatos no meio rural, que era tardia e só nasceu em 1961. No regime militar se discutiu sobre o papel do Estado, a relação dele com as empresas, as empresas estratégicas. Em seguida tivemos um governo como o de [José] Sarney, que foi muito frágil e que fez a política de governo pelos “escaninhos” do Legislativo e com muitas ameaças de parte a parte. Por exemplo, o General Leônidas [Pires Gonçalves] na época criou ameaças com deputados que presidiam Comissões Técnicas da Constituinte para impor o papel do Exército como garantidor da segurança interna. Sarney fez uma série de intervenções: lembro que quando fiz parte da implantação do Plano Nacional de Reforma Agrária, ele fez intervenções por meio de alguns políticos para mudar completamente a lei e o percurso das políticas públicas.

A partir daí se tem a ascensão de uma visão ultraliberal que vem com [Fernando] Collor. Itamar [Franco] foi um interregno nessa história, mas, depois, com Fernando Henrique Cardoso se retomou um discurso de destruição do Estado Nacional. Posteriormente, com Lula e Dilma, apesar da imagem de eles terem conseguido, de fato, alterar duas questões centrais, como o diálogo com as forças políticas sociais organizadas no Brasil para tentar reorganizar as políticas públicas — ou pelo menos convencer — e as políticas sociais de aumento da renda, ocorreram situações, na política, de muito retrocesso. Destruímos, dentro do PT, todas aquelas inovações que se chamavam, até certo tempo, de “modo petista de governar”:
* o Orçamento Participativo,
* os Conselhos de Gestão Pública,
* a forma de gerir com transparência,
* a inversão de prioridades,
* as estruturas de controle de políticas públicas e não só conselhos, como a criação de comitês dos beneficiários de uma política para eles fiscalizarem a execução e a metodologia no emprego daquelas políticas, equipes avançadas de atendimento, com o Estado indo ao cidadão, como é o caso do Programa de Saúde da Família - PSF, entre outras.
Consumismo na "Black Friday" - São Paulo - SP

CLASSE C

Nós fomos retrocedendo no governo Lula, porque esse era um governo altamente centralizador e que induzia tanto o empresariado a fazer investimentos, como o consumo das classes trabalhadoras. Não se teve nesse período a emergência da Classe C. O conceito de Classe C é um conceito mercadológico de consumo; Classe C de Consumo é o conceito certo. A classe trabalhadora aumentou sua renda média, mas continuava, do ponto de vista sociológico, classe trabalhadora; não era, digamos, uma classe proprietária. O fato é que essa indução do consumo gerou um conservadorismo popular muito forte porque não fez a inclusão pelo direito. A inclusão foi feita pelo consumo e quando isso acontece é possível perceber que o prestígio pessoal se dá por aquilo que é consumido, ou seja, aquilo que se mostra para o vizinho ou a família no Natal, como a compra de um carro novo.

Desta forma, a pessoa tenta garantir o status que recebeu e por isso ingressa em cursos noturnos universitários para conseguir ter um título, fazer um concurso e continuar progredindo. Isso gerou um conservadorismo e um hedonismo popular que não conhecíamos até então e, a partir daí, um ultraindividualismo que toma parte do país. Com o governo Dilma Rousseff isso piorou.

O que estou tentando dizer é que, fora aqueles três períodos, não discutimos mais o Estado brasileiro, discutimos a desconstrução do Estado brasileiro e das políticas de proteção social. Este é o grande tema no Brasil: para que serve o Estado?

O Brasil é um dos países que tem o menor número de funcionários públicos por mil habitantes no mundo, um país que tem pouquíssimos cargos comissionados — 16% do total dos servidores públicos são comissionados; isso é nada.

Mas em contrapartida existe uma elite no funcionalismo público, principalmente no Judiciário, que comanda a República brasileira junto com os deputados federais e que recebe como o topo da elite brasileira. Esses estão incluídos no 1% dos mais ricos do Brasil; isso é inadmissível em um país com alta desigualdade como o nosso. O fato é que precisamos rediscutir o Estado brasileiro, onde ele está, quais funcionários precisamos ter, quais os serviços que necessitamos, e parar com a terceirização, porque nenhum país consegue se desenvolver sem uma inteligência pública. Nós estamos destruindo a inteligência pública e jogando-a para as consultorias, para empresas que são trampolim na carreira individual das pessoas que prestam consultoria para o Estado.

IHU On-Line — O senhor está fazendo uma leitura crítica do tipo de intervenção estatal feito especialmente nos governos petistas. Entretanto, à época parecia haver um apoio grande de muitas instituições e intelectuais às políticas de Estado adotadas pelo governo Lula em várias áreas, como na área de educação, com os financiamentos favorecidos pelo Estado para o ingresso de estudantes nas universidades, na área de habitação com a formulação do Programa Minha Casa Minha Vida, na criação do Bolsa Família, na própria ideia de novo desenvolvimentismo, tendo o Estado como indutor de muitos investimentos econômicos, inclusive escolhendo quem seriam as empresas tidas como “campeões nacionais”, como foi o caso das empresas alimentícias etc. Que leitura faz, retrospectivamente, de como esse modelo estatal lulista foi compreendido à época? Durante o lulismo era feita essa leitura crítica acerca do modo como os governos petistas estavam estruturando o Estado ou não? Por que as críticas que o senhor aponta hoje eram tímidas naquela época?

Rudá Ricci — Existe uma diferença entre ter uma concepção de Estado e de Nação e ter uma concepção do papel do Estado para desenvolver certas políticas; é diferente. Uma questão é estrutural, isto é, nosso país se desenvolve a partir de que estruturas públicas? No Brasil o empresariado é absolutamente dependente do Estado brasileiro; não que em outros países ele seja muito autônomo, mas aqui é absolutamente dependente. Por exemplo, a imprensa brasileira não existe sem o Estado: ela não sobrevive da venda de produtos. A própria Rede Globo só existe porque foi criada pelo Estado militar com financiamento público e com uma intervenção junto à maior rede de televisão e telecomunicações dos Estados Unidos à época, que fez consultoria no Brasil porque o governo militar queria uma rede de comunicação de integração nacional.
PREFEITOS EM BRASÍLIA (DF) RECEBIDOS POR DEPUTADOS E SENADORES
A "romaria" de prefeitos é algo comum aos gabinetes da capital federal

Política pública sem concepção estrutural de Estado

Nós não tínhamos exatamente, no governo Lula, uma concepção estrutural do Estado e de organização da sociedade; tinha-se uma ideia de como se poderia fazer um arranjo, um pacto desenvolvimentista. Tratava-se de uma visão mais conjuntural, de momento, em função da entrada de recursos externos que estava ocorrendo naquele momento, em especial da China. Eu fazia parte da executiva nacional do Fórum Brasil de Orçamento e nós tivemos algumas conversas com membros do governo federal e com ministros, porque estávamos muitos preocupados com a forma como o orçamento público federal estava sendo enxugado dos recursos e investimentos dos municípios por meio da inanição do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, e concentrando na União entre 65% e 70% dos recursos públicos. O Fundo de Participação dos Municípios alimenta 80% das cidades brasileiras; sem ele, os municípios entram em colapso. Mas o FPM foi enxugado durante o governo Lula, porque a maior fonte de recurso passou a ser o Imposto de Produtos Industriais - IPI. O IPI foi zerado no governo Lula para gerar emprego na indústria metalúrgica, e não foi apenas por causa disso, foi algo deliberado do governo. Conversamos muito com representantes do governo à época e o que se dizia era o seguinte: precisamos induzir os municípios a fazer convênios com as agências federais do Estado para que consigamos implantar programas de infraestrutura e políticas sociais no país inteiro. Nós ficamos horrorizados. Sabe qual foi a consequência disso? Sabe o que acontece hoje nos municípios? Vamos a qualquer prefeitura e ela está destruída: não existem mais pensadores e formuladores de políticas porque, por mais de uma década, técnicos foram contratados pela prefeitura para que pudessem entrar nos programas da internet do governo federal para conseguir políticas públicas para o município, mas só isso não bastava.

Por esse motivo que surgiu o Eduardo Cunha, porque os deputados federais, durante as gestões lulistas, passaram a ter um papel fundamental na negociação entre prefeito e ministério, e com isso ele ganhava do prefeito, mesmo sendo de partido adversário, um cabo eleitoral. É a partir disso que nasce o reinado dos deputados federais em todos os partidos políticos do país hoje. Quem manda são os deputados federais e não mais os militantes de base, os professores, os funcionários públicos.

Do ponto de vista de uma discussão sobre o Estado Nacional e o desenvolvimento estratégico e estrutural, o governo Lula não avançou em quase nada, pelo contrário, em algumas políticas públicas, como EDUCAÇÃO, foi um atraso estrondoso no Brasil.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
Sociólogo português

IHU On-Line — Como essa desestruturação do Estado gera impactos na democracia como modelo político?

Rudá Ricci — O que um autor recente chama de “democracia monitória”, de monitoramento, alguns autores chamam de “democracia deliberativa”, mas acredito que essa concepção de “democracia monitória” tem um avanço, que é a ideia de que a sociedade civil continua exercendo sua cidadania e o controle sobre as políticas de Estado depois do período eleitoral. Então, ter câmaras de negociação temáticas cria uma politização da sociedade civil e cria também uma ideia que o Boaventura de Sousa Santos deu muito tempo atrás — foi poética, mas acredito ser interessante e vou explicar por que —, de construir um Estado como um novíssimo movimento social. Essa ideia do Estado como um movimento social é a ideia de a sociedade civil, com suas diferenças e disputas, ingressar no Estado. Isso é o inverso da noção liberal do Estado ou a radicalização de uma visão liberal mais politizada do Estado. Trata-se de ter o Estado sob o domínio da sociedade civil, com ela sendo cada vez mais politizada — poderia dizer até que isso parece muito com a lógica marxista clássica de ir diluindo a estrutura de Estado na medida em que a sociedade vai se auto-organizando. Isso tem a ver com a discussão sobre a política no século XXI, porque as redes sociais conformam essa possibilidade de insinuação sobre as estruturas públicas e de autogestão.

Desde a origem, antes da internet surgir, na época em que se falava de cibernética, era feita uma discussão — que continua até hoje — entre a ideia dessas estruturas da informática serem uma espécie de Big Brother controlando a todos nós e a ideia da autogestão e do autocontrole. O fenômeno da internet e dos computadores pessoais, nos anos 1990, foi dominado por ex-hippies — [Steve] Jobs era de uma comunidade hippie que chegou a falar da antipolítica. Então, essa tensão dentro das redes sociais sempre ocorreu e, talvez, aí esteja um desenho novo que Boaventura chamava de “Estado como novíssimo movimento social”. É uma hiperpolitização da sociedade controlando cada vez mais os Estados, as decisões, a fiscalização, o planejamento e a avaliação dos serviços públicos. A democracia avançaria um pouco mais nesse sentido que, de certa maneira, foi apontado pelo PT nos anos 1980 e 1990, mas do qual o partido recuou na metade dos anos 1990 e passou a ter uma visão mais empresarial da política, mais tecnicista e focalizada, portanto, mais pós-moderna. É isto que tem de relação direta hoje, no século XXI, entre democracia e uma visão de Estado: é um Estado mais poroso, disputado e mais contratualista.

IHU On-Line — Nessa perspectiva que o senhor aponta, o que seria um projeto de Estado para o Brasil? Alguns sociólogos defendem que o Estado deveria se preocupar com a questão social relacionada à educação e à segurança, sem ser ele próprio um promotor do crescimento econômico, enquanto outros argumentam que o Estado deve ter um papel central como motor de desenvolvimento da economia. Que linhas centrais deveriam estar presentes numa visão de Estado para o Brasil?

Rudá Ricci — Na área em que a população decidir. Quem decide isso? Os tecnocratas? Os liberais? Os empresários? Um intelectual como Jessé [de Souza]? É uma contradição teórica: como alguém diz que o Estado tem que ser democrático e tem que fazer isso sem consultar a população? O problema é que o Brasil é formado por elites, e mesmo aqueles autores que criticam a elitização do Brasil se consideram uma elite e não consultam ninguém, eles falam o que o Estado tem que ter.

Estamos tendo um debate hoje na, sociologia brasileira, de vaidades, ou seja, não se criticam exatamente teorias, se criticam pessoas. Eu estou falando do caminho inverso, de um projeto coletivo. Vamos lembrar que lá na origem o conceito de cidadania se divide entre o conceito dos gregos da antiguidade e dos romanos: os romanos priorizavam a concepção de direito civil e os gregos priorizavam a concepção de direito coletivo. Estou nesta fatia dos gregos que vai dar em socialistas etc. Além disso, temos a franja muito interessante de diálogo com autores que se dizem liberais, mas que têm uma concepção coletiva, como é o caso de Amartya Sen, economista e prêmio Nobel de 1990.

O que quero saber é: quem decide qual é a política de Estado? Qual elite? De qual universidade? De qual empresa? Nós perdemos a noção de democracia e de Estado no Brasil. Estado é um contrato, não é uma coisa, é um contrato da sociedade dizendo “é isso que nós queremos”. E o que as pesquisas indicam, que talvez fosse um caminho, é que o problema no Brasil é segurança e saúde, não é corrupção.
FERNANDO HADDAD (PT-SP)
Foi Ministro da Educação de 29/07/2005 a 24/01/2012

IHU On-Line — Uma agenda estatal coletiva iria por esta via, ou seja, investiria inicialmente em saúde e segurança?

Rudá Ricci — Se eu for pensar política pública, talvez, mas a questão é a seguinte: ao saber qual é o problema a ser resolvido, eu quero saber como se faz para resolvê-lo, e nós não discutimos o método. Como é possível perceber, estou defendendo uma concepção de democracia radicalizada e citei autores no campo de esquerda e vou ficar fazendo a crítica no campo de esquerda mais recente.

Vejamos, por exemplo, a política de educação de [Fernando] Haddad: foi o maior atraso da política educacional do final do regime militar até hoje, porque ele transformou aluno em número. A ideia de ter um sistema de avaliação externa que forma um ranking — embora tenham dito que não seria um ranking, todos sabiam que era —, é um artificialismo, porque o principal fator de desempenho escolar no Brasil hoje, segundo várias pesquisas do IBGE, é a MÃE. Nesse sentido, as realidades são muito distintas, porque existe aquele estudante que tem uma mãe com baixa qualificação, que trabalha o dia inteiro e está sozinha, e um estudante de uma família que tem uma mãe com alta qualificação e que tem tempo para lidar com ele e dá muito carinho. Então, dadas essas realidades, não pode ter ranking em educação. Isso Paulo Freire e Anísio Teixeira já tinham nos ensinado, e não estou citando os dois à toa, porque o país com a melhor educação pública do mundo, a Finlândia, está apoiada em Paulo Freire e Anísio Teixeira.

O fato é que se faz uma reforma curricular sem discuti-la com a sociedade. É esse Estado que sou contra, porque ele impõe o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb e todas as escolas começam a trabalhar o currículo embutido nas questões do Ideb sem nunca ter discutido se as questões são corretas. O Estado impõe o Exame Nacional do Ensino Médio - Enem primeiro nas universidades federais e depois vai expandindo para as públicas, que são, normalmente, muito concorridas, e com isso os cursinhos pré-vestibular começam a fazer a preparação para o Enem. O mesmo acontece com o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - Enade: se formos para o interiorzão deste país, veremos que muitas faculdades particulares fazem cursinho para o Enade. Ou seja, isso é reforma curricular? Algum de nós da área da educação foi consultado sobre isso? Nenhum de nós.

No governo Dilma começaram a discutir a Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Segundo a legislação federal, é obrigado a ter consulta. A consulta foi feita e cerca de dois milhões de pessoas enviaram propostas de mudança da primeira versão. O que aconteceu no período final do governo Dilma? O governo começou a negociar com forças políticas do Congresso — os evangélicos — para tentar segurar Dilma no governo, e alteraram a BNCC. Depois disso, vários coordenadores pediram demissão. Em seguida ela caiu e a situação piorou ainda mais com o governo Temer. Ou seja, isso é projeto de Estado? Isso é projeto privatista, é projeto de um intelectual, no caso o Haddad, que decidiu o que é bom para o país em termos de educação. Temos que acabar com isso. Este país tem 200 milhões de habitantes e não é possível que seja formado por alguns iluminados. [Sejam à direita ou à esquerda da política nacional!]

O conceito de Estado é um conceito democrático de Estado. Evidentemente que temos de ter alguns projetos de desenvolvimento, não tenho dúvida nenhuma, como a questão da matriz energética e o acesso às novas tecnologias, que são fundamentais e isso é papel do Estado. Além disso, pesquisa e ensino são fundamentais no país, assim como a manutenção e a transparência do Sistema Único de Saúde - SUS. Entretanto, é preciso uma discussão pública para se decidir um projeto de Estado, e não um projeto de governo. O que nós temos no Brasil é projeto de governo, e não projeto de Estado, portanto, não é democrático. Essa é minha crítica maior.
MANIFESTAÇÃO NA AVENIDA PAULISTA - SÃO PAULO (SP)
20 de junho de 2013

IHU On-Line — Qual sua avaliação de Junho de 2013, cinco anos depois? Alguns avaliam que o espírito de Junho gerou outras mobilizações no país, como a recente greve dos caminhoneiros. Outros avaliam que aquelas manifestações representaram a insatisfação da população com o governo. Junho foi o último grito das ruas não escutado por Dilma e pelo PT?

Rudá Ricci — Em primeiro lugar, está ocorrendo um embate de interpretações sobre Junho de 2013. Vou usar o termo pós-moderno “narrativas” sobre 2013, porque agora na universidade tem que se falar que tudo é “narrativa”: se falarmos “café”, vão perguntar qual é a “narrativa” de café que se quer [risos]. Essa ideia de narrativa é uma visão antropológica da política, não é uma visão nossa, histórica, da sociologia da ciência e da política. Mas esse termo “colou” porque tem gente financiando isso: as fundações norte-americanas financiam essa visão pós-moderna da narrativa. De todo modo, está ocorrendo uma disputa sobre o que foi Junho de 2013, como nós tivemos sobre 1930. Boris Fausto, que veio do Partidão, o Partido Comunista, dizia que tínhamos feito uma revolução em 1930, porque ele estava dentro da visão etapista da Terceira Internacional Comunista. A ideia era mais ou menos a seguinte: nós tínhamos resquícios feudais no país e era preciso fazer uma revolução burguesa para instalar o capitalismo no Brasil. Nós nunca tivemos resquícios feudais no Brasil, mas eles achavam que sim. Com isso, Getúlio Vargas, quando domina a visão agrária-exportadora e impõe a industrialização, teria feito uma revolução. O livro “Revolução de 30”, de Boris Fausto, foi, durante muito tempo, a referência para entender 1930. E essa foi uma visão que veio pela esquerda, não é uma visão de direita.

Nos anos 1980 alguns autores, como Edgar Salvadori de Decca, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, começaram a questionar essa visão, dizendo que não tivemos revolução nenhuma no país, nem mudanças estruturais. O que tivemos foi um rearranjo, um embate das classes dominantes dentro de uma visão de país em desenvolvimento. 2013 é a mesmíssima coisa. Estou dizendo que é a mesmíssima coisa porque é um debate sobre interpretação do que aconteceu na esquerda – a direita não participa desse debate, nem autores liberais e funcionalistas. É a esquerda que está debatendo, de novo, o que aconteceu.

Narrativas de Junho de 2013

A primeira narrativa – uma interpretação que vem do campo lulista – acredita que ali houve um artificialismo, financiado e promovido por agências norte-americanas e pelo empresariado brasileiro de direita, para quebrar a hegemonia do PT. Esse tipo de interpretação é, primeiro, paulista e, segundo, muito apressada. Trata-se de uma interpretação para não ter que admitir que o governo Dilma e o lulismo já tinham perdido as ruas. Trata-se de uma forma muito carregada emocionalmente, impactante e que facilita, na medida em que emociona e comove muitos militantes. O que aconteceu, afinal, foi não ter que refletir sobre os erros. Isso foi muito parecido com o que aconteceu em 1930 e depois de 1930, quando os comunistas entram no governo de Getúlio Vargas e no Estado Novo.

A outra possibilidade de interpretação do que aconteceu em 2013 é quase uma resposta geracional. Existem muitas pesquisas, das universidades públicas em especial, entre elas a UFBA, a UFMG e a USP, mostrando que 2013 foi uma manifestação da juventude que tinha no máximo até 35 anos, e uma fatia razoável era universitária. Os jovens que tinham 20 anos naquele momento estavam com 10 anos quando o PT assumiu o poder. Logo, só viram governos petistas. Se a juventude quer um espaço no mundo dos adultos, evidentemente que tudo aquilo que ocorria no mundo dos adultos tinha relação com o governo que era dominante, que dominava a política. Obviamente que tudo aquilo que a juventude não gostava, que era coisa de velho, era coisa do governo do PT, porque afinal era quem estava no poder, isto é, era a elite. Então, em primeiro lugar, precisamos entender que ali havia uma revolta geracional, que era mais do que natural. Eu fui adolescente e ficava irritado com o meu pai, com o Partido Comunista, porque acreditava que era uma coisa de velho; essa é a primeira questão.

A segunda questão é que temos uma sociedade formada por comunidades e coletivos muito fechados, ao contrário do que as teorias iniciais sugeriam, de que estava se criando uma rede mundial. Na verdade, a internet e as redes sociais criaram comunidades muito autocentradas. O que Durkheim chamou de “solidariedade mecânica”, outros autores chamam de “espelhamento”, ou seja, só nos reunimos na internet com pessoas que pensam como nós. Se a pessoa começa a xingar, a excluímos em dois segundos. Não queremos saber de conversar.
MANIFESTAÇÃO NO CENTRO DO RIO DE JANEIRO (RJ)
20 de junho de 2013

Políticas focalizadas X Políticas sociais

De 2003 a 2005, na primeira gestão do governo Lula, estava se desenhando qual seria a política nacional estratégica dele. Houve um debate dentro do governo e do PT muito forte, que presenciei de longe, mas fui acompanhando – no livro que escrevi sobre o lulismo trabalho um pouco mais essa questão –, acerca de um texto escrito por professores economistas liberais do Rio de Janeiro, da PUC-Rio e da FGV do Rio, que se chamava “Agenda perdida”. Esse texto, entre outras coisas, sugeria políticas focalizadas, e não políticas universais para a área social. Lembro muito bem que Maria da Conceição Tavares ficou horrorizada com isso, porque dizia que “política de esquerda é política universal”. Mas eles, como bons liberais e professores de microeconomia, argumentaram que não tínhamos que ter políticas amplas porque não se tinha dinheiro para isso e que o importante era fazer uma política equitativa. Ganhou essa versão e, ao ganhar, eles ingressaram quase todos no Ministério da Fazenda sob a batuta de [Antonio] Palocci. Esse embate continuou até a saída de Frei Betto e de quase todos os colaboradores vinculados à Igreja católica e à Teologia da Libertação, como é o caso de Ivo Poletto. Frei Betto e Ivo Poletto fizeram uma crítica duríssima a Palocci e a essa visão liberal que destruía as políticas mais avançadas e estruturais junto às populações tradicionais e ao controle das políticas públicas. Além disso, eles criticaram a criação do Bolsa Família, especialmente porque o controle do programa deixou de ser dos beneficiários nos municípios e passou a ser dos prefeitos. A partir da criação das políticas focalizadas, a estrutura política de gestão do governo Lula de 2005 até 2010 passou a ser fragmentada por áreas de serviço público ou demandas sociais. Esse aspecto dividiu o movimento social.

Fragmentação dos movimentos sociais

O que é importante entendermos é que essa fragmentação, de certa maneira, criou o que alguns autores chamam de mesocorporativismo. Isto é, tem-se uma visão específica, particular, corporativa de uma demanda social vinculada a uma estrutura pública de discussão e elaboração daquela política pública de resposta. Isso alterou os movimentos sociais dos anos 1980 em duas situações muito nítidas.

A primeira é que eles não conversavam mais entre si, especializaram-se internamente, tanto que os fóruns nacionais foram acabando. O fórum do orçamento, do qual eu fazia parte, foi se esvaziando, porque o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST fazia parte do fórum, mas como tinha as suas preocupações com o Incra, não colocava mais ninguém a participar do fórum.

Assim, a intersetorialidade sumiu das discussões dos movimentos sociais. Isso significa que eles deixaram de discutir o projeto nacional e passaram a discutir políticas específicas, temáticas. Ou seja, os movimentos sociais começaram a ficar com o mesmo desenho da estrutura burocrática pública do Estado brasileiro. Eles foram engolidos pelo Estado, quando queríamos que os movimentos sociais reorganizassem o Estado brasileiro, criassem canais comunicantes entre eles e o interior do Estado. Esse é um problema grave.

A segunda é que os movimentos sociais foram retirados da rua e colocados nas arenas federais superiores. Além disso, as grandes lideranças de referência passaram a ser técnicos. Nesse período ocorreu uma mudança fortíssima no perfil dos líderes dos movimentos sociais: inicialmente as lideranças eram mais carismáticas, tinham o poder da oratória, eram mais irônicas, e passaram para lideranças que falavam mais difícil, faziam um discurso acadêmico, às vezes jurídico; várias delas fizeram faculdade de Direito ou Economia e estavam cada vez mais distantes da base e da linguagem da base. Essa autonomização dos movimentos sociais frente à sua base explodiu em 2013, e é por isso que ninguém entendia.
A pauta das manifestações, ao longo da história, mudaram!!!

Junho de 2013 e a explosão do hiperindividualismo

Houve, inclusive, quem se perguntasse por que, no melhor momento do país, com a renda aumentando, as pessoas estavam saindo para a rua. Mas o fato é que essa é uma questão clássica: os grandes movimentos sociais ocorrem em uma situação de bonança. Quando está desempregada, a pessoa pensa duas vezes antes de se expor. Além disso, o Estado e as políticas de governo tinham se tornado muito autocráticas e avassaladoras sobre a sociedade brasileira. Como disse anteriormente, os prefeitos perderam o papel que tinham e dependiam do deputado federal. Sabe o que significa depender de deputado federal? O deputado federal fala o seguinte: vou trazer para a cidade uma estação de tratamento de esgoto, mas quero saber qual secretaria vou ganhar para fazer campanha para mim como deputado federal. Essa é a conversa rasgada e crua que nunca é divulgada, e essa era a conversa naquele período. Lembremos que de 2012 para 2013 já havia uma discussão na imprensa brasileira sobre o aumento da inflação e os primeiros cortes que o governo Dilma iria fazer. Em maio, um mês antes de Junho de 2013, surgiu um boato de que não se pagaria o Bolsa Família, e 920 mil beneficiários sacaram, em dois dias, todo o dinheiro da Caixa Econômica. Se justamente a base mais fiel ao lulismo achava que isso poderia ocorrer, é porque a situação já estava mal. Portanto, 2013 foi uma explosão muito emocional do hiperindividualismo que nasce nas redes sociais, principalmente envolvendo a juventude.

Escrevi um livro chamado “Nas Ruas - A Outra Política que Emergiu em Junho de 2013” [Ruddá Ricci e Patrick Arley. Letramento: 2014], no qual retrato que muitos participantes de Junho de 2013 chegavam na rua escrevendo o seu cartaz. Eles compravam uma cartolina na papelaria e escreviam sua demanda na hora. Entrevistei algumas pessoas e elas diziam: “Só vim aqui porque um amigo meu veio e está participando, porque se fosse partido, sindicato ou igreja, eu não viria. Mas como sei que meu amigo não vai me usar, é uma boa”. Então, essa era uma mobilização estilhaçada, que alguns autores chamam de “enxaminhamento”, ou seja, um enxame de abelhas que não se sabe de onde veio, que depois vai embora e não se sabe se vai voltar.

Surge uma nova configuração social a partir de 2013, que é esse hiperindividualismo e essa autonomia da decisão profunda, que alguns autores chamam de antipolítica, que é uma política diferente. No entanto, nós, com a cabeça no século XX, não conseguimos entender isso: queríamos saber qual era a agenda dos manifestantes, mas havia uma multiplicidade de agendas. Nós estamos com a cabeça e com conceitos teóricos de análise do século XIX e XX e não estamos conseguindo entender o que é essa nova forma hiperindividualizada de adesão que se faz via mobilização, que é uma adesão provisória, e não uma adesão como antes, de filiação a um conceito ou organização; 2013 foi isso. Aquilo não era movimento social, porque movimento social é mais perene, mas aquilo era mobilização social.

Junho de 2013 no Brasil

Para deixar mais claro, vou lembrar algumas diferenças que ocorreram nessas manifestações em diferentes estados. Primeiro, Porto Alegre e Rio de Janeiro têm as duas maiores federações anarquistas do Brasil ligadas à Federación Anarquista Uruguaya - fAu, hiperpolitizada, que vem do movimento operário no Uruguai. Até hoje existem lideranças do movimento operário anarquista no Uruguai muito fortes, e alguns deles, por incrível pareça, têm uma proximidade com uma visão religiosa — é a partir daí que vem José Mujica, que não é anarquista.

Em Porto Alegre e no Rio de Janeiro houve uma participação dos anarquistas muito importante nessas manifestações. No Rio de Janeiro eles foram essenciais e tinham, inclusive, técnicas de ocupação de rua. Em algumas manifestações, por exemplo, colocavam fogo em ônibus para atrair a Polícia Militar - PM e liberar o espaço do centro. Eles iam fazendo um rastilho e a PM despreparada ia acompanhando para ver onde estavam. Na verdade, isso era parte de uma tática para tirar a PM do centro onde estava tendo a manifestação; isso foi tudo elaborado e pensado.

No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte os anarquistas e os autonomistas tiveram muito êxito. Os autonomistas, grande parte deles universitários, vinham da elaboração de [Antonio] Negri. Os autonomistas têm essa concepção de que não se ocupa um espaço público para então provocar uma negociação; é a ideia do Comum: se ocupa o espaço público para implantar a utopia naquele momento. A lógica é totalmente diferente.

De outro lado, em São Paulo e em Brasília ocorreram manifestações de direita. No restante dos estados as manifestações foram majoritariamente de esquerda. Em Belo Horizonte a manifestação foi totalmente de esquerda, tanto que as forças de esquerda se reuniam num Sindicato chamado Sind-Rede, e a primeira palavra de ordem da primeira grande manifestação foi “somos todos de esquerda”. No entanto, as pessoas não eram petistas ou ligadas a partidos, eram anarquistas e autonomistas. As forças partidárias de esquerda e organizadas em centrais sindicais, que não tinham essas organizações majoritárias, como, por exemplo, em São Paulo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - Apeoesp, deram uma recuada. Eu mesmo não tinha ideia de que os anarquistas estavam tão organizados no Brasil, mas eles estavam.

Acredito que houve um estranhamento da esquerda:
* Se a direita foi tão mobilizada, por que no segundo semestre ela não apareceu?
* Por que quem apareceu foi o PT?
* Porque em outubro de 2013 o então Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convocou uma reunião com duas secretarias de Justiça do Rio e de São Paulo e disse que iriam atacar os radicais.
* Depois ajudou a promover o treinamento da Polícia Federal e de várias PMs nos Estados Unidos, no campo de treinamento do Blackwater, que é um grupo de mercenários acusado do assassinato de famílias e civis.
* Por que, no final do ano, em dezembro, o governo Dilma publicou o manual da garantia da lei e da ordem?
* O que aconteceu foi uma caça avassaladora do governo federal e de alguns governos estaduais contra os líderes de 2013, e isso desmobilizou as manifestações.
* As pessoas esquecem, mas casas foram invadidas.
* Além do mais, no início daquele ano ocorreram os rolezinhos que foram tratados também como arrastão e terroristas.
* Garotos de 15 anos receberam multas de 100 mil reais, tiveram suas casas invadidas e celulares apreendidos.
Sobraram só os Comitês da Copa em várias capitais, nos quais jovens estavam discutindo a Copa das Confederações, os desvios de recursos públicos, que hoje sabemos que ocorreram mesmo. Mas à época eles foram tratados como inimigos da pátria. 
MOVIMENTO BRASIL LIVRE - MBL
Financiado por partidos de políticos como estes da foto - grandes "exemplos" de homens não corruptos!!!
Manifestações de direita

Não vi a direita no segundo semestre de 2013 e no primeiro semestre de 2014; vi um governo desesperado contra os manifestantes de 2013, atacando e desmobilizando. Quando a direita entra? No segundo semestre, no final da eleição. Vamos lembrar que o Movimento Brasil Livre - MBL é fundado em 2014. É naquele momento que ela percebe que o governo não tinha a rua a seu favor, porque até então quando se falava do impeachment de Lula, em 2005, o Lula dizia que sairia na rua junto com as manifestações. Aí o DEM e o PPS recuaram com medo das manifestações da CUT e do MST.

Em 2013 a direita teve o condão de dizer que o PT não estava na rua, e quem estava na rua era ela. Foi aí que começaram a surgir investimentos internacionais para financiar o MBL e outros movimentos, como é o caso do Atlas Network. Um artigo recém publicado pela PUC de Minas Gerais mostra a genealogia de todos esses investimentos para as organizações estudantis a partir de 2014. O que quero dizer é que em 2015 e 2016 aconteceram mobilizações de direita com a forma de 2013, mas era outra coisa, outro público, partidarizado. Matérias da Folha de S. Paulo mostram que essas manifestações receberam investimento do PPS, do DEM, do PSDB e do PMDB.

O que é mais importante é que tanto as manifestações de 2013, quanto as de 2015 e 2016, culminaram no PMDB. Isso é o mais surpreendente. As manifestações não conseguiram ingressar no campo institucional, porque foram bloqueadas pelas grandes bancadas já estruturadas. Quem conseguiu foi quem tinha o controle das instituições, que é o MDB. 
Este é um dos jovens detidos durante as manifestações de junho de 2013 - Rio de Janeiro
IHU On-Line – Nesta semana foram condenados mais de 20 jovens ligados a manifestações de Junho de 2013 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Qual é o peso simbólico disso?

Rudá Ricci — A geração de Junho de 2013 foi destroçada politicamente. Vou exagerar um pouco, mas diria que se trata de algo muito parecido com a Guerra Civil Espanhola, em Barcelona: as forças de esquerda institucionalizadas vieram contra os anarquistas e não tiveram dó. No Brasil se fez um uso político para transformar os manifestantes de junho em terroristas.

O que estamos vendo agora compõe um cenário pior, porque não é só a condenação de 20 jovens de Junho de 2013, mas a condenação de qualquer tipo de espírito que vem dos anos 80, de mobilizações da sociedade civil para enquadrar políticas de Estado. Isso está no campo da prisão de Lula, da ameaça de qualquer candidato do PT que substitua o Lula. Citam o nome de Haddad e já começam a sair manchetes de recursos não declarados na campanha dele. Citam Jacques Wagner, e a Lava Jato vai para cima dele. Ou seja, há uma declarada decisão do poder Judiciário para cercar qualquer tipo de expressão pública da sociedade civil que tente de alguma maneira criar um equilíbrio de forças para abrir negociação com o Estado.

Aquele espírito dos anos 1980, que vai até a Constituinte, está sendo profundamente atacado nos últimos dois anos e se inscreve num âmbito mais geral de ataque à sociedade civil. A judicialização está se impondo não apenas como demanda dos de baixo, mas como um modus operandi da sociedade civil poder acessar suas demandas. É um reenquadramento da sociedade civil dentro de uma lógica mais liberal, mais jurídica, mais burocratizada: não tem que ter rua e multidão; as pessoas coletam assinaturas, fazem um abaixo assinado e o poder Judiciário decide. Essa é a última fase da judicialização que estamos vivendo agora.

2ª PARTE DA ENTREVISTA

O cenário eleitoral deste ano demonstra que “ingressamos no mundo da política de ciclo curto, ou seja, com exceção de Lula, nós não temos, no Brasil, mais nenhum político de grande durabilidade”, afirma o cientista político Rudá Ricci, na segunda parte da entrevista concedida à IHU On-Line pessoalmente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, no Campus Unisinos Porto Alegre.

A “política de ciclo curto”, avalia, é consequência das redes sociais, de Junho de 2013, e do “desmonte do Estado brasileiro feito por Temer, mas que de alguma maneira começou com a política de Dilma em 2015”.
A grande "salada" de candidatos à Presidência da República em 2018

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Na entrevista que nos concedeu sobre o cenário eleitoral, no final do ano passado, avaliava que as eleições seriam fragmentadas pela esquerda se Lula não fosse candidato do PT, e também seriam fragmentadas pela direita com as candidaturas de Bolsonaro e Alckmin. Como analisa o cenário eleitoral hoje, mais próximo do anúncio das candidaturas?

Rudá Ricci — Só em agosto vamos ter certeza de como será o cenário, mas, de qualquer maneira, diria que os nomes talvez tenham se alterado, mas a fragmentação continua. Então, temos, de um lado, a direita fragmentada e abaixo de 8% das intenções de voto. Tem um único nome pela extrema direita, que é o de Bolsonaro, que é um nome folclórico, com 16 a 18% das intenções de voto. No entanto, uma pesquisa recente diz que já caiu o percentual de intenção de voto nesse candidato. Mas se Bolsonaro perder intenções de voto, irá radicalizar o discurso e a disputa com ele ficará mais fácil. Esse é um cenário de muita divisão: [Geraldo] Alckmin está brigando com [João] Doria, e candidatos da direita estão caindo fora, inclusive para o Senado, como é o caso de [José Luiz] Datena. Além disso há uma sucessão de nomes que não vingam.

De outro lado, a esquerda está totalmente fragmentada e o único nome incontestável é Lula. O que temos de notícia é que possivelmente eles irão antecipar a convenção do PT para formatar a chapa – inclusive essa é a decisão de Ciro Gomes também. Isso dá uma luz, porque o vice possivelmente será o sucessor da candidatura de Lula, caso ele seja impedido. Lembrando que 17 de setembro é a data limite para o partido mudar os nomes da chapa que será registrada em 15 de agosto. O tempo está cada vez mais curto, mas ao lançar a chapa, o PT começa a popularizar o vice e vai dizer que não existe plano B, apenas plano A, no qual o plano B está embutido. Essa é uma vantagem. Mas fora o Lula, a esquerda está fragmentada.

Tem um candidato de centro, que é o Ciro, que está tentando trabalhar os dois lados. Mas qual é o problema disso? Ciro se projeta como se fosse realmente o único capaz no embate contra Bolsonaro, mas o problema é que ele não passa de 8% das intenções de voto. Projetar a eleição sem Lula é complicado em termos de pesquisa, porque estamos fazendo projeções sem que se tenha muita clareza do cenário.
CIRO GOMES versus JAIR BOLSONARO
Ambos disputam eleitorados diferentes!!!

Pesquisas

Quando se faz uma pesquisa de intenções de voto incluindo o nome de Lula e depois se faz outra na qual se retira o nome dele e se apresenta o de outro candidato, isso não significa que a pessoa dará voto àquele candidato alternativo, porque ela está escolhendo entre os nomes que constam na pesquisa. Tecnicamente esse tipo de pesquisa não é muito precisa. Nós que somos da área sabemos que esse tipo de pesquisa tem mais marketing do que rigor técnico, tanto que, sem a candidatura de Lula, aumenta o índice de votos nulos e brancos. Então, falar que Ciro, sem o Lula, sobe nas intenções de voto, não está muito claro.

Ciro já se articulou com vários partidos mais do campo de direita e já se articulou com as Forças Armadas. Isso já demonstra a dificuldade de ampliar a candidatura dele pela esquerda. A coordenação da campanha dele tem muita preocupação com o PT, o que é correto. Ele deveria ter atraído o PT, mas não atraiu e por isso acredito que ele tenha uma dificuldade imensa de realmente se projetar. Mas, de qualquer maneira, agosto será o momento em que teremos certeza do cenário. Se Lula não participar das eleições, essa será uma campanha de nanicos, e em campanhas de nanicos basta um cara dar um pulo um pouco maior, que ficará maior do que os outros e poderá vencer.

Pode dar Bolsonaro, assim como ele pode ser destroçado pelo PSDB. Mas eles também podem fazer um acordo de final de campanha para tentar ter espaço, porque Bolsonaro tem eleitorado, mas não tem política nem governabilidade. Estamos num momento muito difícil e o grande problema é a população brasileira: ela não se apaixona por ninguém; está absolutamente individualista e quase sempre tende a falar que não vai votar em ninguém e vai para o voto branco e nulo.

O que o cenário sem Lula mostra é que devemos chegar aos mesmos índices de abstenção ou não voto que os Estados Unidos, onde 50% do eleitorado não vai às urnas, que é o mesmo da Suíça. Em países que não têm voto obrigatório, em grande parte, cerca de 50% da população vota. Mas isso tudo vai depender, sem dúvida nenhuma, de Lula. Se ele indicar alguém e se eles anteciparem a montagem da chapa, acredito que será uma política inteligente que talvez mude esse cenário daqui por diante.
JAIR BOLSONARO
Um folclórico candidato apoiado, sobretudo, pela extrema-direita e jovens até 35 anos

IHU On-Line — Como o senhor compreende a aceitação de uma parcela da população à candidatura de Bolsonaro? O que explica isso?

Rudá Ricci — Bolsonaro é folclórico. Por incrível que pareça, para a grande maioria da população, ele não tem existência política, é um quase não político e trabalha com esse não político, mas ele tem filhos na política, tem história na política, mas fala que é militar. 1º) O primeiro fator que explica essa aceitação é que ele entra nessa faixa do não político, da desilusão e do ressentimento com a política; essa é uma faixa pequena. 2º) Ele tem outra faixa, que também é pequena, mas na soma vai criando essa multidão, que é a extrema direita. Lembrando a diferença entre direita e extrema direita: a extrema direita discursa e usa a violência, enquanto a direita não, mas tem uma visão elitista, individualista, mas trabalha dentro do campo democrático. A extrema direita e certa fatia da direita votou no PSDB contra o PT nos últimos 10 anos, mas na medida em que surge um candidato de extrema direita, eles conseguem se identificar e é por isso que o PSDB tem uma maior desidratação com a figura do Bolsonaro. Portanto, Bolsonaro passa a ganhar uma parte desse eleitorado que é do PSDB. Se o PSDB sempre teve algo próximo do eleitorado de Bolsonaro — e hoje está em 8% —, eles devem ter perdido entre 8% e 10% do eleitorado, ou seja, metade do eleitorado que eles tinham foi para Bolsonaro; isso não é pouco. O que me faz imaginar que ou o PSDB vai fazer um acordo com Bolsonaro ou vão atacá-lo violentamente a partir de julho ou agosto.

IHU On-Line — O PSDB fará a mesma coisa que o PT fez com a Marina?

Rudá Ricci — Sim. É a desconstrução do nome. E é por isso que o PT está um pouco quieto nesse sentido, porque está querendo que o jogo sujo seja feito pelo PSDB e aí ele entra com calma nessa história. Já a estratégia de Ciro Gomes é não deixar Alckmin crescer e por isso enfrentará Bolsonaro. Porém, o eleitorado de Bolsonaro, ao contrário do que acontecia com o PSDB, nunca votou em Ciro e o considera um cara de esquerda. Então, é uma estratégia que, no fundo, pode pegar alguém de esquerda, mas não vai desidratar Bolsonaro.

3º) Bolsonaro tem essas duas fatias que mencionei anteriormente e tem ainda uma fatia muito grande do deboche, que é a fatia do não eleitor, que é um eleitor descompromissado, fluido. A pesquisa da professora Esther Solano mostra isso. Claro que a pesquisa é um estudo de caso de uma escola, numa rede e numa cidade do Brasil, mas é muito interessante ver que os jovens dizem que Bolsonaro é debochado, mas que ele não falará contra as mulheres, porque na verdade ele está contra a vitimização das meninas feministas. Trata-se de um pessoal que tem um discurso jovem meio agressivo e debochado, que é mais contra o establishment do que a favor de Bolsonaro.

Diria que o bloco mais afinado com Bolsonaro é o da extrema direita mesmo, pois estes sabem que o Bolsonaro vai estar na mão deles, pois ele sozinho não faz coisa nenhuma; ele nem entende de economia. Parte dos empresários está tentando ganhar Bolsonaro com dinheiro para puxá-lo para uma política liberal, porque a chance de ele ganhar é real hoje. O empresariado brasileiro sempre agiu dessa forma e por isso sempre deu dinheiro para os dois candidatos que estavam na frente. Hoje vemos isso com a Lava Jato.

Mas Bolsonaro tem dois grandes problemas que, se não fossem problemas, teríamos mais facilidade de degelar a candidatura dele: ele não tem aceitação no Nordeste nem com o público feminino. Aí estão os problemas dele. Ele vai trabalhar com a juventude — 60% dos possíveis eleitores são jovens até 35 anos e 40% até 25 — e, como eu disse, os jovens só viram o governo do PT e agora o do Temer.
LULA É ABRAÇADO POR CRIANÇA

IHU On-Line — O debate eleitoral tem se pautado mais pelo signo da rejeição? Quais são as implicações políticas desse modo de perceber a política?

Rudá Ricci — São vários. O primeiro é que ingressamos no mundo da política de ciclo curto, ou seja, com exceção de Lula nós não temos, no Brasil, mais nenhum político de grande durabilidade. Isso tem a ver com as redes sociais, com 2013, com o desmonte do Estado brasileiro feito por Temer, mas que de alguma maneira começou com a política de Dilma em 2015. Esses eleitores se perguntam: será que acreditei errado? Na hora em que estavam fortes, fizeram o que os outros fazem? É isso o que fica, em parte, para o eleitorado lulista. Existe essa desilusão com a política que faz com que o político de momento seja o mais populista. Na verdade, é um tipo de populista que se chama demagogo, que diz: “sou como você, não sou político profissional”. Com isso, ele ganha a eleição e entra na roda do jogo do parlamento e é destroçado em dois ou três anos. Estamos vendo a política de ciclo curto contaminando a política nacional; isso é o mais importante.

Segundo, como a sociedade é muito fragmentada, se discute mais o método do que o nome. Com isso quero dizer que, de um lado, é o populista do momento, mas que vive dois ou três anos e depois some, como Doria, Fernando Pimentel e ACM Neto. São pouquíssimos os que conseguem durar duas eleições. Marchezan (prefeito de Porto Alegre - PSDB) é uma coisa impressionante, não conseguimos ver ninguém falando bem dele aqui.

Isso está generalizado no país inteiro: não conseguimos ver ninguém, nem em Brasília, nem no Rio de Janeiro. Temos uma crise do sistema da democracia representativa no mundo inteiro. Isto é, estamos vivendo uma cultura antissistêmica. Então, não é verdade que a esquerda está dando lugar para a direita, como alguns apressados dizem. O que acontece é que o governo de plantão perde para a força contrária. Além disso, em Portugal a esquerda está voltando, na Espanha também, mas em outros países, como na Itália, estão agindo as forças contrárias. O governo que está de plantão começa a ser corroído por essa cultura antissistêmica. É nisso que acredito que estamos entrando; será um turbilhão daqui para frente. Em 2019 teremos uma crise muito mais pesada do que vimos até agora, porque ela agrupará todas as crises.

IHU On-Line — Independentemente de quem seja o novo presidente?

Rudá Ricci — Sinceramente dá dó, antecipadamente, do próximo presidente, quem quer que seja. Não teremos mudanças no Congresso do ponto de vista ideológico: deve ter uma composição muito parecida do ponto de vista da representação de classe e de bancada. Acredito que teremos um presidente que estará totalmente dominado, de novo, pelo Congresso, e terá que fazer negociações. Além de uma economia destruída, um Estado deplorável e com uma sociedade muito desanimada, se houver mesmo o não voto próximo a 50%. Quem investirá em um país desses? [Infelizmente, é este, mesmo, o cenário brasileiro de 2019!!!]

IHU On-Line — O que significa a declaração de apoio de Tarso Genro à candidatura de Guilherme Boulos?

Rudá Ricci — Eu ia fugir um pouco dessa questão quando perguntaram sobre a fragmentação... Tarso Genro já vinha falando em “petit comité”. O acordo era que a próxima presidência do PT — nem se falava em Gleisi Hoffmann — seria alguém da Mensagem ao Partido [uma das facções internas do PT]; esse era o acordo que Lula estava fazendo com Tarso. Lula dizia que Tarso não poderia ser esse nome porque havia muita divergência interna. Discutiu-se o nome de [Fernando] Haddad e de Paulo Teixeira, mas Lula não foi nem para um, nem para o outro. A avaliação era a de que esses nomes poderiam amenizar a situação, mas já se sabe há mais de um ano que se o candidato não for Lula, não tem candidato do PT que consiga unidade interna.
MARCIA TIBURI - filósofa e escritora
Candidata do PT ao governo do Rio de Janeiro - ex-PSOL

Acredito que o PT chegou ao limite, assim como essa política social-liberal do PT e o “jeitinho brasileiro” chegaram ao limite. a) Ou ele pode se arriscar e virar de novo um partido de esquerda hegemônico e atrair, inclusive, o PSOL para si. Aliás, é algo que o PT do Rio de Janeiro já está fazendo com a candidatura de Marcia Tiburi para o governo do estado, o que é muito inteligente: ela vem do PSOL, é uma feminista e se candidatará justamente em um estado onde as pautas identitárias são tão fortes. b) Ou o PT vira uma espécie de MDB à esquerda, ou c) um Partido Revolucionário Institucional - PRI mexicano, ou d) ele terá que fazer uma reconversão como o Partido Socialista de Portugal fez ao se juntar com o bloco de esquerda. Ou o PT faz esse caminho — e não é à toa que Tarso está falando que o PT precisa “montar a geringonça”, como se diz em Portugal —, ou vai se tornar de vez um partido social-liberal tradicional, como o Partido Trabalhista inglês — para ficar na analogia — em que as pessoas votam no passado, mas não no presente do partido. Por isso, acredito que o partido está numa encruzilhada, e o Tarso acelerou essa decisão e é por isso que o partido terá que antecipar a chapa.

IHU On-Line — Uma possível união à esquerda não geraria uma disputa de vaidades?

Rudá Ricci — Política é sempre um jogo de vaidades, mas não só. Ainda mais no presidencialismo. Porém, o jogo é mais inteligente quando é pensado como um jogo de xadrez: o jogador mexe algumas peças sem saber onde o outro irá jogar, e esse tipo de previsão, de ginga, é que faz o jogo da política ser tão sofisticado. Ultimamente destruímos isso no Brasil, e a política de Bolsonaro e de Alckmin, cá entre nós, não é muito inteligente. Até Ciro Gomes — falo isso para a equipe dele — parece que faz campanha para reitor, porque é acadêmico, não vai a nenhum lugar que tem povo, não fala a linguagem do povo, não apaixona, fica brigando com todo mundo que é de cúpula. Isso é um candidato a reitor, não um candidato da política nacional. Nós rebaixamos muito esse jogo. Talvez Tarso esteja tentando manejar um “bispo” para ver o que ele consegue colher do outro lado.

[...]

* RUDÁ RICCI é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira/Quarta-feira, 24 e 25 de julho de 2018 – Internet: clique aqui e aqui.