«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Filme imperdível!

 Filme sobre best-seller de Piketty é voo sobre história da desigualdade

 Fernando Canzian 

Baseado em livro do economista francês, documentário é mais uma experiência bem-sucedida de tentar digerir obras econômicas numa linguagem acessível

 

Baseado no livro homônimo do economista francês Thomas Piketty, o documentário “O Capital no Século 21” é mais uma experiência bem-sucedida de tentar digerir obras econômicas importantes numa linguagem acessível e popular, empacotadas para a atual geração Netflix. 

Um dos pioneiros nesse campo foi “A Ascensão do Dinheiro”, inspirado no livro “The Ascent of Money" (2009), do professor de Harvard Niall Ferguson. 

Transformado em série de vários capítulos para contar a peculiar evolução do capitalismo, a maior parte de seu conteúdo está disponível na internet e vale ser vista. 

No caso do livro best-seller de Piketty, de 2013, a edição impressa no Brasil dispõe de 669 páginas e de dezenas de tabelas e gráficos para relatar parte da história do capitalismo global e da concentração de renda que marca os dias atuais. 

Trata-se de uma obra monumental que qualificou muito da discussão sobre a desigualdade de renda que vem dominando a agenda de economistas, políticos e jornalistas. 

Ao lado dos livros “Desigualdade Global” (2016), de Branko Milanovic, e “A Grande Saída” (2013), de Angus Deaton, “O Capital do Século 21” não apenas rendeu fama a Piketty como projetou para o mundo seu trabalho sobre desigualdade na Escola de Economia de Paris —onde uma equipe cria plataformas acessíveis a todos sobre o tema. 

No filme, o diretor Justin Pemberton se vale principalmente de Piketty como guia, mas traz também convidados de peso, como Francis Fukuyama e Joseph Stiglitz, além de jornalistas, para dar um panorama mais “pop" ao assunto. 

Intercalada com imagens históricas de arquivo, trechos de filmes e algumas músicas conhecidas, a narrativa de 1 h0ra e 40 minutos resulta leve e informativa. 

Assim como no livro —e na obra mais recente de Piketty, “Capital e Ideologia” (2019)—, o documentário se vale dos grandes eventos da história e de suas diversas configurações econômicas para mostrar de onde partimos e para onde estamos caminhando. 

Há um voo panorâmico desde a nobreza e o feudalismo até o hiper capitalismo financeirizado dos dias atuais, passando pelos períodos de revoluções e guerras que marcaram os últimos três séculos da humanidade. 

Uma das principais conclusões, já conhecida pelos que acompanham o assunto, é que o mundo tem hoje uma configuração muito semelhante à do início do século 20. A desigualdade de renda entre os países é cada vez menor; mas a interna, dentro de cada país, cada vez mais elevada. 

As razões para isso seriam, de um lado, a ascensão dos países asiáticos, que tornou o mundo mais homogêneo; de outro, as economias voltadas com mais prioridade aos bancos e a produtos financeiros, e não à produção física, o que favorece os detentores do capital.

Estimativas dão conta de que apenas 15% do dinheiro que circula atualmente nos mercados financeiros e nos bancos acaba financiando atividades produtivas. O grosso, portanto, giraria em falso em produtos cada vez mais sofisticados e opacos que favorecem quem participa do jogo. 

Outros aspectos da concentração de renda, bastante abordados no documentário, são a existência de paraísos fiscais cada vez mais utilizados por grandes empresas como sedes para pagar menos impostos e a baixa tributação, na maioria dos países, sobre heranças —o que perpetua a concentração do capital nas mesmas famílias. 

Apenas nos Estados Unidos, estima-se que a chamada geração dos "baby boomers”, nascida após o fim da Segunda Guerra, transferirá cerca de US$ 12 trilhões a seus filhos nos próximos 10 a 15 anos, quando muitos nascidos a partir de 1946 estiverem morrendo. 

Piketty escreveu “O Capital do Século 21” antes da ascensão de políticos populistas como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Boris Johnson, no Reino Unido, entre outros. 

Eles são vistos como produtos de sociedades inconformadas, que há quatro décadas vivenciam estagnação ou perda de renda na base —e concentração no topo. 

No documentário, essa conexão aparece, assim como a apresentação de algumas possíveis soluções contra a desigualdade extrema, como taxação progressiva sobre o capital e heranças e uma regulamentação global, com todos os países envolvidos, para eliminar paraísos fiscais. 

No fechamento do filme, Piketty ressalta que há soluções possíveis, mas que o desafio é tanto político quanto intelectual. Ele se diz otimista. Em sua opinião, a história mostra que o mundo sempre busca sociedades “coerentes, pacíficas e harmoniosas”. 

Infelizmente, como várias das imagens do documentário nos lembram, isso muitas vezes só ocorre após períodos de grande insensatez, traumas e brutal sofrimento. 

F I L M E – D O C U M E N T Á R I O

Título: O Capital no Século 21

Direção: Justin Pemberton & Thomas Piketty

País: França

Onde assistir? – Em São Paulo, capital, há exibição amanhã, dia 1º de dezembro, no Espaço Itaú de Cinema – Pompeia (Festival Varilux de Cinema Francês), às 16h00. Procure em sua cidade e na internet. 

Por falar nisso...

Tributação de renda e patrimônio

 Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ 

Mais importante que imposto sobre herança é o aumento do Imposto de Renda de pessoa física

 

Antes, o ministro da Economia só prometia mandar reformas na semana que vem, sem nunca cumprir a promessa. Mas agora quer barrar qualquer reforma que apareça para melhorar o país. 

A Câmara dos Deputados está acelerando a tramitação da PEC 45 para que seja votada ainda neste ano, contra os desejos do governo. O cerne da proposta é simplificar a estrutura tributária do país, substituindo cinco tributos, como o ICMS, pelo Imposto sobre Bens e Serviços. 

Além da simplificação tributária, a Câmara dos Deputados deve incluir medidas como acabar com a dedução de juros sobre o capital próprio, permitir a tributação sobre dividendos (e não somente sobre o lucro operacional, como é hoje) e aumentar a progressividade dos impostos. 

O objetivo seria atrair os votos da esquerda, para que o governo não possa impedir a votação da reforma. Provavelmente, teremos aumento de alíquotas máximas do Imposto de Renda de pessoa física, hoje em 27,5%, e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), atualmente em 8% e que hoje é de competência dos estados (em muitos, a alíquota efetiva é zero). 

A proposta sobre simplificação tributária é excelente, e tornar os impostos brasileiros mais progressivos é de suma importância, mas o diabo mora nos detalhes. 

Aumentar o imposto sobre herança, por exemplo, não é fácil de fazer. Por exemplo, em 2004, em uma votação unânime, a Suécia acabou com sua versão do ITCMD, que chegou a ter alíquota de 65% nos anos 1970 (as maiores alíquotas desse tipo de imposto vigoraram em 1950 no Japão e na Coreia do Sul: 90%). Lá, extinguiu-se o imposto porque as brechas limitavam sua base, e os custos administrativos eram altos. 

Durante a vigência da alíquota de 65%, as receitas com o tributo foram, em média, de mero 0,1% do PIB. A maior brecha era a isenção na transmissão da propriedade de empresas. 

O governo entendia que não deveria taxar a herança de bens produtivos, para não desestimular o crescimento e a perenidade das empresas familiares. 

E é com o objetivo de estimular o investimento produtivo que a maior parte dos países ricos tem diminuído ou acabado com impostos sobre herança e sobre lucros e dividendos. 

Dez países europeus eliminaram impostos sobre herança nos últimos 20 anos. Em nenhum país da OCDE as receitas com esse imposto passam de 1% do PIB. 

A Bélgica é o país que mais arrecada ao taxar herança: 0,7% do PIB. No Japão, cuja alíquota marginal é de 55%, o recolhimento efetivo não ultrapassa 0,4% do PIB, por ano. 

Na América Latina, as alíquotas no Equador e no Chile são de 35% e 25%, respectivamente. Mas o total arrecadado não passa de 0,1% da renda nacional. 

No Brasil, aqueles que menos ganham, menos renda possuem são os que mais pagam impostos, em proporção aos mais ricos!

Ainda bem que a Câmara deve incluir o assunto na reforma que pode ser votada ainda neste ano. Mas não podemos nos enganar. Impostos sobre herança vão ter pouquíssimo impacto agregado sobre arrecadação e distribuição de renda. 

Muito mais importante é o aumento do Imposto de Renda de pessoa física. Mas esse encontra muita resistência. Afinal, no Brasil, ricos são sempre os outros. Assim, impostos sobre herança ou patrimônio têm apelo, mas sobre renda, mesmo que restritos a ganhos de capital, não. 

Distribuição de renda é uma das maiores doenças brasileiras, e a extrema direita no poder não vai fazer nada sobre isso, mas não há atalhos. Quem dera pudéssemos tornar o país mais justo com uma canetada. Ainda assim, a PEC 45 pode ser um grande passo nessa direção. 

Fontes: Folha de S. Paulo – Cifras & Letras – Sábado, 28 de novembro de 2020 – Pág. A22 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/11/2020); e Folha de S. Paulo – Mercado / Colunas & Blogs – Sábado, 28 de novembro de 2020 – Pág. A26 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/11/2020).

sábado, 28 de novembro de 2020

1º Domingo do Advento – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: Marcos 13,33-37 

Para ouvir a narração deste Evangelho, clique sobre a imagem abaixo: 

José María Castillo

Teólogo espanhol 

Como nos Preparamos para a Vinda de Jesus 

O Advento é o tempo de quatro semanas que dedicamos a preparar o Natal, o dia em que se recorda que Deus, em Jesus, fez-se presente na história. Preparar o Natal é, antes de tudo esperar a vinda de Jesus para acolhê-lo em nossas vidas. O Natal se reproduz e se repete todos os dias. Porque todos os dias Jesus se faz presente em nossa história, na vida de cada um de nós, no que fazemos e no que deixamos de fazer.

Jesus se faz presente na bondade, na amizade, na sinceridade, na honradez, no bem que fazemos e na felicidade que transmitimos àqueles que se sentem mal, tristes e necessitados.

Assim entra Jesus na história de cada pessoa, e na história da sociedade e da Igreja.

Porém, este evangelho nos diz algo muito mais forte. O chamado à vigilância, que aqui nos recorda Jesus, é a conclusão do discurso que, segundo Marcos, Jesus pronunciou antes de sua morte.  Neste discurso, Jesus anunciou duas coisas:

1ª) A destruição total do Templo (Mc 13,1-2).

2ª) A queda do sol, da lua e das estrelas (Mc 13,24-25) que indicam, segundo os profetas (Is 13,34; Jr 4,20-23; Ez 32,7 etc.), a ruína dos grandes impérios, os poderes opressores da humanidade.

Assim, o que o Evangelho nos diz é que a bondade, a honradez, a humanidade e a humildade, tudo isso tem tanta força que pode mais que a religião e a política. Queixamo-nos de quão mal está indo a Igreja, e quanto mal os políticos fazem.

Nossa bondade sem limites é a força que pode acabar com toda essa podridão.

O importante é que nos convençamos disto.

Preparar o Natal é, antes de tudo, reforçar nossa honradez, nossa humanidade, nossa integridade e a sensibilidade perante o sofrimento alheio. Porém, para isso, precisamos orar, ir a Jesus sem jamais nos cansarmos. Somente assim, estaremos vigilantes esperando a incessante entrada de Jesus na história de nossas vidas e das vidas de todos. 

Traduzido do espanhol por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Fonte: CASTILLO, José María. La religión de Jesús: Comentario al evangelio diario – 2020. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2019, páginas 421-422.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Mensagem ao povo de Deus, leia!

              Bispos católicos reforçam a esperança, a              caridade e a missão da Igreja no Brasil no                             contexto da pandemia 

Instituto Humanitas Unisinos On-Line 

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu, como resultado da reunião realizada na quarta-feira, 25 de novembro, uma Mensagem ao Povo Brasileiro em tempo de pandemia

 

O documento foi referendado pelos mais de 200 bispos, num total de 297 pessoas, compreendendo assessores das comissões episcopais e representantes de pastorais e organismos vinculados à CNBB que participaram da reunião. 

A mensagem busca refletir sobre a presença e missão da Igreja na realidade brasileira e expressar uma mensagem de esperança e proximidade no contexto do novo Coronavírus. O documento destaca ainda que a Igreja no Brasil é impelida a perseverar na caridade, dando continuidade, nas paróquias, comunidades eclesiais missionárias e instituições religiosas de todo país, das redes de solidariedade em defesa da vida que se multiplicaram-se neste ano em razão da pandemia. 

Eis a mensagem. 

Mensagem ao Povo de Deus em tempo de pandemia

          Feliz aquele que suporta a provação, porque, uma vez provado, receberá a coroa da                                                    vida, que Deus prometeu aos que o amam (Tg 1,12).

Amado Povo de Deus, nós bispos do Brasil, reunidos num encontro virtual para refletir sobre a atual presença e missão da Igreja, queremos expressar nossa mensagem de esperança e proximidade. 

Neste ano irrompeu inesperadamente a pandemia da COVID-19, alterando nossas rotinas, revelando outras enfermidades de nosso tempo e causando grande impacto num já fragilizado sistema de saúde, na seguridade social, nos sistemas produtivos, na educação, na vida familiar, social e religiosa em geral. O Papa Francisco alerta que “a tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e, sobretudo, o sentido da nossa existência” (Fratelli Tutti, 33). 

Estamos num tempo de muitos questionamentos e cabe-nos escutar o que o Espírito tem a dizer para a Igreja (Ap 2,7) nesse contexto. A provação tem favorecido importantes aprendizados e oportunidades para a vivência e o anúncio do Evangelho. Reconhecemos, com gratidão, o empenho de tantas comunidades cristãs que foram criativas para manter a ação evangelizadora, especialmente pelas mídias sociais, promovendo a transmissão de celebrações litúrgicas, catequeses e aconselhamento aos fiéis. A Igreja doméstica foi fortalecida, em sintonia com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, que promovem a comunidade cristã como Casa da Palavra, do Pão, da Caridade e da Missão. Percebe-se o protagonismo dos leigos e, especialmente, das mulheres na promoção da Igreja nas casas. 

Igualmente somos impelidos pelo Evangelho a perseverar na caridade. Nas paróquias, comunidades eclesiais missionárias e instituições religiosas de todo país, multiplicaram-se as redes de solidariedade em defesa da vida. Por isso, foi coloca em prática a ação solidária É Tempo de Cuidar, voltada a atender demandas de primeira necessidade das pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social no contexto da pandemia. Unidos a outras entidades da sociedade civil, estamos buscando concretizar o Pacto pela Vida e pelo Brasil, conclamando toda a sociedade para que, nesse tempo de pandemia, ninguém seja deixado para trás. 

Como nos tem provocado o Papa Francisco, precisamos escutar o clamor das famílias, trabalhar por uma economia “mais atenta aos princípios éticos” (Fratelli Tutti, 170), oferecer uma política melhor, sem desvios na garantia do bem comum, propor uma educação humanista e solidária, comprometidos na permanente construção da democracia. É urgente combater o racismo que se dissimula, mas não cessa de reaparecer. (Fratelli Tutti, 20) Queremos assegurar a vida desde a concepção até a morte natural, preservar o meio ambiente e trabalhar em defesa das populações vulneráveis, particularmente indígenas e quilombolas. Preocupa-nos o crescimento das várias formas de violência, entre elas, o feminicídio.

“Cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta ‘diminui-nos’ como pessoas” (Fratelli Tutti, 227). 

Como discípulos missionários, queremos crescer nesse tempo difícil, empenhados em remover as desigualdades e sanar a injustiça. A humanidade aguarda uma vacina que, distribuída com equidade, possa ajudar a garantir a vida e a saúde para todos. 

Pedimos que Deus acolha junto a Si os que morreram neste tempo e dê consolação e paz às famílias enlutadas. Abençoamos especialmente os incansáveis profissionais da saúde, os professores, os cuidadores e todos que atuam em serviços essenciais. Nossa prece também pelos presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas, leigos e leigas de nossas igrejas, para que se sintam encorajados. 

O Advento é um tempo de renovar nossa esperança. Confiantes, afirmamos que a fé em Cristo nunca se limitou a olhar só para trás nem só para o alto, mas olhou sempre também para a frente (Spe Salvi, 41). Não desanimemos, não estamos sozinhos: o Senhor está conosco! 

Acompanhe-nos a Santa Mãe de Deus, Senhora Aparecida, consolo dos aflitos, saúde dos enfermos e esperança nossa! Invocamos sobre todos a bênção da Santíssima Trindade, que sua misericórdia continue fortalecendo e animando o povo brasileiro. 

Brasília-DF, 25 de novembro de 2020. 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo de Belo Horizonte-MG

Presidente da CNBB 

Dom Mário Antônio da Silva

Bispo de Roraima-RR

2º Vice-Presidente 

Dom Jaime Spengler

Arcebispo de Porto Alegre-RS

1º Vice-Presidente 

Dom Joel Portella Amado

Bispo auxiliar do Rio de Janeiro-RJ

Secretário-Geral da CNBB 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 27 de novembro de 2020 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/11/2020).

Vidas versus Mercadorias

 O Brasil não é um país seguro para negros e negras nem na hora das compras

 Silvio Almeida

Professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama 

O RACISMO não é uma questão pontual ou um efeito da desorganização social, mas é o próprio modo de ser da sociedade brasileira

SILVIO ALMEIDA
Foto: CHRISTIAN PARENTE/DIVULGAÇÃO

O Brasil é um país que se organizou de forma especialmente hostil contra a população negra. Isso pode ser visto desde a violência presente nas relações cotidianas até no escárnio e negacionismo demonstrado pelas mais altas autoridades da República quando se referem ao tema. O racismo não é uma questão pontual ou um efeito da “desorganização social”, mas é o próprio modo de ser da sociedade brasileira. 

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, nas dependências do supermercado Carrefour no último dia 19 de novembro, não foi o primeiro caso de violência racial em circunstâncias parecidas. Mas o fato de ter ocorrido no Dia da Consciência Negra e no ano marcado pelos protestos contra o assassinato de George Floyd nos EUA permitiu que se pudesse atentar de modo mais detalhado para a repetição de elementos comuns nesses casos de violência, algo que reforça a existência de uma estrutura racista. 

O primeiro dos elementos sempre constantes nesses casos é o envolvimento de agentes de “segurança” privada. A ideia de segurança que norteia a ação de tais agentes tem foco nas mercadorias e não nas pessoas, e resulta de uma sociedade que trata negros como inimigos. Não é por acaso a ligação entre empresas de segurança privada e agentes da segurança pública. A ideia que se tem de segurança não se desvincula do racismo. 

Para os negros tornou-se comum a vida em um mundo em que se casam terror e circulação mercantil. 

Nesse mundo, a humanidade para o negro só dura entre o primeiro e o último produto a passar pelo caixa. Grande parte dos negros sabe a que me refiro: nossa sina é ficar nos corredores dos mercados temerosos e sendo perseguidos, medindo cada gesto, pensando em cada movimento para não parecer “suspeito” e, assim, evitar ser humilhado ou agredido. 

Outro elemento que se repete é a equação entre precarização do trabalho e terceirização. O trabalho precário e a não responsabilização pelos atos cometidos pelos agentes da prestadora de serviço, é um fator que em muito contribui para casos de violência. 

Por esse motivo, é preciso avançar para um sério debate sobre como a terceirização contribui para que o racismo continue a ser um “crime perfeito”, parafraseando o professor Kabengele Munanga. Nesse sentido, acredito que o reconhecimento da responsabilidade jurídica dos tomadores de serviço é um elemento fundamental de práticas antirracistas. 

E se ainda não bastasse, as mais altas autoridades da República resolveram negar a existência de racismo no Brasil. Há mais do que desrespeito nessas afirmações.

Existe a vocalização de um pacto pela morte, uma vez que a negação do racismo é um salvo conduto para que negros e negras continuem sendo assassinados sem que ninguém assuma a responsabilidade. 

O Brasil não é um país seguro para pessoas negras. E é importante não apenas que o mundo saiba disso, mas que sejam criadas estratégias que tratem o racismo em toda a sua complexidade. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder / Colunas e Blogs – Sexta-feira, 27 de novembro de 2020 – Pág. A17 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/11/2020).

Irresponsabilidade!

Piquenique à beira do precipício

 Ricardo Patah

Formado em Direito e Administração, é presidente nacional da UGT (União Geral dos Trabalhadores) 

Não há projeto econômico, o que faz de janeiro um assustador pesadelo

RICARDO PATAH
Foto: Rubens Cavallari/Folhapress

O Brasil já vive uma segunda onda de Covid-19. Ninguém sabe seu tamanho, mas parece assustadora. O governo federal não tem plano nenhum para enfrentá-la —ao menos por enquanto. Jair Bolsonaro disse, recentemente, que a segunda onda é “conversinha”. A primeira, que começou em março e já matou mais de 170 mil brasileiros, era, conforme definiu à época, uma “gripezinha”. 

A segunda onda já chegou à quase toda a Europa, voltou também aos EUA, que nem controlou a primeira ainda, e atingiu a Índia. Alguns países retomaram o “lockdown”. Atividades escolares e profissionais também foram suspensas. Aqui no Brasil o ritmo do contágio passou, nos últimos dias, de 0,68 para 1,1, segundo um instituto médico londrino. 

Isso significa que, para um grupo de 100 pessoas contaminadas, que antes contaminavam 68 indivíduos, agora contaminam 110 pessoas. As internações por Covid-19 em São Paulo deram um salto de 22% em 15 dias, e novos picos de contaminação acontecem em vários locais do país. 

Para complicar a situação, a maioria dos estados está abrindo a guarda dos rígidos esquemas de controle da pandemia. Não há vigilância maior, por exemplo, sobre o transporte público, que anda lotado, e grupos enormes se encontram nas praias. Sem contar que se aproximam as festas de fim de ano, sempre pontuadas por aglomerações. Não bastasse essa grave situação, temos outro problema muito sério: o Brasil fechou 2 de cada 3 leitos de UTI criados desde o começo da crise sanitária. Como desgraça pouca é bobagem, há uma politização em cima da vacina, tendo com pano de fundo as eleições presidenciais de 2022. O perdedor, como sempre, será a população, especialmente as pessoas mais pobres. 

Temos que ficar atentos com a Covid-19, mas não podemos nos esquecer da recessão econômica e do desemprego batendo recordes, que, segundo o IBGE, atinge 13,8 milhões brasileiros. Temos ainda 68 milhões de trabalhadores informais e mais de 5 milhões de desalentados (que deixaram de procurar empregos). Cerca de 10 milhões de brasileiros passam fome, também de acordo com pesquisa do IBGE.

A UGT (União Geral dos Trabalhadores) e as demais cinco centrais sindicais, junto com os partidos da oposição, forçaram o governo a providenciar um auxílio emergencial de R$ 600 para informais e desempregados. Dinheiro este que manteve a economia e especialmente o pequeno comércio em funcionamento. 

Agora, o governo resolveu baixar o valor para R$ 300, grana que não compra uma cesta básica em lugar nenhum do país. Está chegando o fim do ano. Não há nenhum projeto econômico sendo lançado, o que faz de janeiro em diante, se nada mudar, um assustador pesadelo. 

O que vai acontecer? Já temos a pandemia do coronavírus, que está matando gente desde março. Agora, vem a segunda onda. E, pelo jeito, aproxima-se a pandemia do desemprego —e, com ela, a da fome. 

Estamos ou não fazendo um piquenique à beira do precipício? 

Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências / Debates – Sexta-feira, 27 de novembro de 2020 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/11/2020).

Esta é a nossa realidade!

 Brasil tem segunda maior alta de preços no atacado no mundo, mostra estudo

 Thaís Barcellos

Jornalista 

Puxado principalmente pelo dólar, que encareceu insumos usados pela indústria, Índice de Preços ao Consumidor Amplo já subiu 31% nos últimos 12 meses até outubro, só menor do que indicador na Argentina

 

O aumento dos preços no atacado no Brasil é o segundo maior do mundo, atrás apenas da alta de preços na Argentina, mostra um levantamento da economista-chefe da gestora de investimentos Armor Capital, Andrea Damico. A comparação foi feita com base nos índices de preços ao produtor (PPI, na sigla em inglês) de 82 países. 

No caso brasileiro, foi considerado o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que está dentro do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getulio Vargas (FGV). No acumulado em 12 meses até setembro (que é o dado que consta no estudo), o aumento de preços chega a 26,03%. Mas a FGV (FGV) já publicou o resultado de outubro, o que levou o acumulado a 31,05%, não muito distante do resultado da Argentina no mesmo período (39,2%). 

Os índices de preços no atacado captam basicamente o custo dos processos de produção - como os preços das matérias-primas e de produtos intermediários usados pelas indústrias, por exemplo. Esses custos têm subido por vários motivos, sendo um dos principais a desvalorização do real, que torna mais caros os insumos importados. 

Por conta das condições atuais da economia brasileira, principalmente o desemprego em alta, tem sido difícil repassar a totalidade desse aumento de custos aos consumidores. Daí a diferença entre os indicadores: enquanto o IGP-DI acumula mais de 30% de aumento em 12 meses, o IPCA, índice oficial de inflação do País, está em 3,92% nesse mesmo período. A preocupação dos analistas é por quanto tempo será possível segurar esse repasse do atacado para o varejo, se as condições econômicas se mantiverem deterioradas por um período muito longo. 

Em seu levantamento, com dados compilados pela plataforma CEIC, ligada ao grupo ISI Emerging Markets, Andrea só comparou os países que tinham dados para os meses de setembro ou outubro. Isso porque, a depender do local, esse indicador é informado com defasagem. Na União Europeia, por exemplo, o último número disponível é o de setembro. A Venezuela é, disparado, o país com maior alta de preços (258%) - mas o último dado disponível é de janeiro. 

"Na comparação com os PPIs dos países do mundo, o Brasil perde para Venezuela e Argentina. O que a gente tem aqui é diferente do resto do mundo, mesmo dos emergentes. Depois do Brasil, tem a Turquia, com 18%, que subiu praticamente 5 pontos porcentuais de juros na semana passada. A maioria dos emergentes está oscilando entre zero e 5% de PPI. Não existe paralelo do nosso choque de preços do atacado no mundo emergente razoável, retirando Venezuela e Argentina." 

Diante disso, a economista relata preocupação com a dinâmica inflacionária em 2021. Depois do anúncio do reajuste de planos de saúde referente a 2020 (8,14%) pela Agência Nacional de Saúde (ANS), houve revisão na projeção do IPCA do ano que vem, de 3,75% (centro da meta) para 4,0%. Ela espera que o IPCA em 12 meses atinge um pico de 5,75% em maio de 2021. 

Choque do câmbio e do preço das commodities

Andrea Damico afirma que o Brasil vive hoje um choque duplo na inflação, de câmbio e de commodities, pois o aumento desses produtos no mercado internacional não se traduziu, como ocorre historicamente, em valorização do real, sobretudo por conta das preocupações fiscais no Brasil. O choque é quase triplo quando se considera também o aumento das exportações para a China neste ano. 

Ainda há alta da demanda por causa do auxílio emergencial e, principalmente, na visão da economista, da poupança circunstancial de famílias de classe média, que deixaram de consumir serviços durante o período de isolamento social. 

"Tenho muita preocupação com a inflação. O choque ainda não acabou. Se daqui em diante o IGP fosse zero, ainda assim o início de 2021 mostraria os preços de industriais pressionados. Mas o IGP segue elevado", diz, mencionando ainda que o preço do minério de ferro voltou a acelerar. 

Ela aposta que o Banco Central deve começar a elevar a taxa Selic no segundo trimestre do ano que vem, levando os juros no fim do ano a 4,0%. A economista lembra que o BC pode usar o fiscal como álibi, já que muito dificilmente haverá algum avanço nas reformas estruturais no Congresso, mas que a questão da inflação também seria um argumento. Para ela, se a mediana do Boletim Focus - atualmente em 3,40% - chegar a 3,50% para 2021, já estaria próximo o suficiente do centro da meta para o BC retirar a prescrição futura. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Quarta-feira, 25 de novembro de 2020 – 11h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 27/11/2020).

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Atenção, senhores pais!

 O preço da escola aberta

 Renata Cafardo

Jornalista e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (JEDUCA) 

Para que possamos educar nossas crianças, precisamos restringir todo o restante, não há outro jeito

Em 7 de outubro, o governo estadual deu autorização para a volta das aulas regulares, como Português e Matemática, nas escolas estaduais
Foto: Taba Benedicto/Estadão

Já que as crianças estão indo para a escola, então podemos jantar fora, chamar amigos em casa, fazer festões. É assim que boa parte das classes média e alta de São Paulo parece estar raciocinando. Mas o pensamento deveria ser radicalmente oposto. Há um preço alto – e totalmente justificável – para se manter as escolas abertas. 

A Europa entendeu isso depois de passar pela primeira onda sem nenhum ensino presencial. Agora, na segunda, pós-verão de praias e cafés cheios, governos de França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Escócia passaram a decretar novos lockdowns. No fim de outubro começaram a fechar restaurantes, mandar funcionários de volta ao home office, restringir encontros sociais a duas famílias. Mas mantiveram as escolas abertas. O governo de Angela Merkel falou até em usar hotéis e bares, fechados pela pandemia, como alternativa para ter mais espaço para as aulas. A ideia é clara: para que possamos educar as crianças, precisamos restringir ao máximo todo o restante. 

Nova York não conseguiu o mesmo, apesar de forte discussão local. Nesta semana, o prefeito anunciou que o ano letivo presencial, que tinha começado há apenas oito semanas, teria de ser paralisado novamente porque o número de casos estava fora de controle. Poucos dias antes, The New York Times havia feito um editorial intitulado Keep Schools Open, New York (Mantenha as escolas abertas, Nova York). Dizia que a cidade deveria “priorizar a educação das crianças” e fechar bares, academias e cultos religiosos. Depois da medida, um pediatra colunista do jornal escreveu que as evidências já mostraram que as salas de aula, quando seguem os protocolos, não são locais de grande transmissão e que a decisão da cidade era inexplicável. 

No Brasil, quando essa discussão se intensificou em setembro e educadores respeitados foram a público dizer que os bares deveriam fechar e as escolas, abrir, houve todo tipo de argumento contra e pouco convincente. De que as crianças não conseguem usar máscaras, de que ninguém é obrigado a frequentar bares, de que os alunos iriam levar a doença para seus familiares. 

E o que se vê hoje, após mais de um mês de escolas abertas, é o reflexo do que pesquisas científicas em vários países já vinham apontando. Entre os colégios particulares de elite que responderam à enquete do Estadão, houve apenas dois infectados nesse período entre alunos ou entre professores. 

A única escola que teve problemas foi justamente pelo que os estudantes fizeram fora dela. Como o Estadão revelou, a Graded School teve de fechar suas atividades presenciais porque seis alunos testaram positivo e 17 professores estavam com suspeita da doença em uma semana. A direção descobriu que centenas de estudantes da Graded tinham participado de festas nos fins de semana. “O problema não está na escola”, disse David Uip, também ao Estadão.

O perigo é a casa contaminar o colégio, e não o contrário. 

Não dá para desconsiderar o quanto todos, adultos, jovens e crianças, estamos cansados de uma vida há meses cheia de restrições. E ainda, o fator psicológico de ver as escolas abertas. Como disse à revista Science a pesquisadora de Harvard Jennifer Lerner, que estuda a psicologia da tomada de decisões, quando a educação volta passa a impressão de que tudo está ok. Mas,...

... “existe um enorme benefício de termos escolas funcionando” e para mantê-lo “temos de ter certeza de que vamos reduzir riscos em todos os outros lugares”, diz. 

É o preço. Se queremos desenvolver o futuro do nosso país, se entendemos que a escola é essencial na formação das crianças, no contexto social em que vivemos, na alimentação das mais pobres, no emocional dos nossos filhos, precisamos deixá-los ir e continuar nos isolando. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – .Edu – Domingo, 22 de novembro de 2020 – Pág. A20 – Internet: clique aqui (acesso em: 24/11/2020).

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Livro imperdível!

 Em novo livro, Papa Francisco defende reforma política e econômica contra novas crises

 Reinaldo José Lopes 

“Vamos Sonhar Juntos” apresenta visão do pontífice para mundo pós-pandemia

O papa Francisco deixa a Basílica de São Pedro após celebrar missa neste domingo (22)
Foto: Vincenzo Pinto/AFP

Em seu novo livro, escrito em resposta aos desafios da pandemia de Covid-19, o Papa Francisco critica os negacionistas da crise global de saúde pública, defende a criação de uma forma de renda básica universal e afirma que a discriminação contra imigrantes e religiões não cristãs vai contra a mensagem de Jesus. 

Vamos Sonhar Juntos”, obra produzida em colaboração com um de seus biógrafos, o jornalista britânico Austen Ivereigh, apresenta a visão de Francisco para um novo mundo pós-pandêmico. Para o pontífice, sem uma reforma profunda da economia, da participação política e da maneira como a humanidade tem interagido com o ambiente, tragédias ainda piores continuarão a acontecer, ainda que de maneira mais silenciosa. 

Estou convicto de que aquilo que Francisco tem a compartilhar conosco no livro é extraordinariamente importante. É o que o mundo precisa ouvir neste momento”, disse Ivereigh em entrevista coletiva sobre o trabalho, feita por videoconferência. 

O escritor conta que ele e o papa começaram a dar forma ao manuscrito depois de uma entrevista com Francisco que ele tinha publicado em periódicos católicos de língua inglesa, em março. 

“Nós seguimos um modus operandi não muito convencional, sem grande contato direto, mas com um diálogo muito intenso. Para começar, enviei para ele uma série de perguntas por e-mail, que ele respondeu com gravações de voz, com algumas horas de duração”, explica Ivereigh. 

O escritor também levou em conta os escritos de toda a carreira do pontífice argentino, incluindo os feitos quando ele ainda era arcebispo e cardeal, para produzir um esboço que depois foi corrigido e ampliado por Francisco. O resultado é um livro que é dele, em todos os aspectos. A minha contribuição foi encontrar uma estrutura narrativa, que é algo que costuma dar muito trabalho”, resume o jornalista. 

É uma estrutura que, aliás, será bastante familiar aos olhos dos setores mais à esquerda da Igreja Católica no Brasil e na América Latina. Trata-se do chamado método “ver-julgar-agir” (ou, como prefere o papa, “contemplar-discernir-propor”), muito empregado pelos católicos latino-americanos como forma de enfrentar desafios como a desigualdade social, tema também caro a Francisco. 

Do lado do diagnóstico, o líder católico aplica à Covid-19 algumas das linhas mestras de seu pontificado. Para ele, as forças globais do individualismo e do poder econômico deixaram os mais vulneráveis, como os pobres e os idosos, à mercê dos piores efeitos da pandemia. O populismo político, cuja missão supostamente é enfrentar essas forças globais, na verdade transforma o povo de carne e osso numa massa amorfa e só piora a situação, afirma o livro. 

“Alguns protestos durante a crise da Covid-19 suscitaram o espírito indignado do vitimismo, mas dessa vez entre pessoas que são vítimas apenas na própria imaginação. Como as que reclamam que a obrigação de usar máscara é uma imposição injustificada do Estado, mas se esquecem, ou não se importam, de todos os que, por exemplo, não contam com previdência social ou que perderam o emprego. Transformaram em uma batalha cultural o que na realidade se tratava de um esforço para garantir a proteção à vida”, diz o papa.

Os negacionistas da doença também são os que, em geral, afirmam estar tentando salvar a “cultura ocidental”, num movimento que de cristão só tem o nome, afirma Francisco. 

“Pessoas não crentes ou superficialmente religiosas votam para que os populistas protejam sua identidade religiosa, sem levar em conta que o medo e o ódio ao outro são incompatíveis com o Evangelho. Rejeitar um migrante em dificuldade, seja ele da religião que for, por medo de diluir a cultura ‘cristã’ é uma deturpação grotesca tanto do cristianismo como da cultura.” 

Se as frases acima resumem o diagnóstico do papa, o “tratamento” receitado por ele tem três grandes pilares:

1º) é o que ele chama de ecologia integral, um despertar para uma relação mais harmônica entre os seres humanos e o resto da Criação divina capaz de deixar para trás o crescimento econômico como a única meta de empresas e governos. Francisco diz, inclusive, que sua conversão ecológica começou em 2007, no santuário brasileiro de Aparecida, quando se surpreendeu ao ver as muitas referências à Amazônia feitas pelos bispos latino-americanos reunidos lá.

2º) Envolve o apoio de Francisco à renda básica universal e a outras medidas ousadas contra a desigualdade e o desemprego, como a redução da jornada de trabalho e o reconhecimento de que atividades não remuneradas, como o cuidado familiar para com crianças e idosos, também devem ter o mesmo status do trabalho formal, mesmo que não envolvam salário.

3º) Por fim, o pontífice coloca suas fichas no protagonismo dos movimentos populares mundo afora, como o dos “cartoneros” ou catadores de papelão com quem conviveu em Buenos Aires. Para o papa, a capacidade de organização “a partir de baixo” e a solidariedade desses grupos podem ser a semente para relações sociais mais justas e fraternas. 

Em resposta à pergunta da Folha de S. Paulo sobre a aparente oposição de boa parte da hierarquia da Igreja a esse tipo de proposta, Ivereigh disse que, de fato, existe uma oposição feroz a Francisco. “Mas talvez tenhamos uma tendência a superestimar o tamanho dela em termos numéricos. O que este livro tem a dizer pode levar muita gente dentro da Igreja a repensar o significado de comunidade e missão.” 

L I V R O

Título: Vamos sonhar juntos

Autoria: Papa Francisco e Austen Ivereigh

Editora: Intrínseca

Páginas: 144

Preços: R$ 34,90 (impresso) e R$ 20,61 (e-book) 

Fonte: Folha de S. Paulo – Mundo – Segunda-feira, 23 de novembro de 2020 – 15h16 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 23/11/2020).

Oportunidade única para o Brasil

 Nova economia do desenvolvimento sustentável é chance de ouro para o Brasil

 Jorge Caldeira

Historiador e Escritor 

Retomada econômica no pós-pandemia tende a ser orientada pela preservação ambiental e o País estará numa posição privilegiada caso aproveite a oportunidade

Queimada em Santo Antonio do Matupi, sul do Amazonas
Foto: Gabriela Biló/Estadão

O Brasil vai conhecer em 2021 um choque ambiental com a força de um Big Bang, capaz de moldar a nação na História até o último dos alicerces. 

O leitor que me conhece deve estar pensando: o que deu naquele historiador sensato, que tanto se aplicava à disciplina de nunca falar sobre o futuro, para vir agora com previsões em linguagem recendente a apocalipse? 

Boa pergunta. Um bom modo de entender a mudança pode ser começar por mim mesmo. Um ano atrás começava um livro que, no projeto, deveria tratar dos conceitos inovadores trazidos pela questão ambiental. Era uma pretensão intelectual suave, na medida em que falaria mais do longo prazo, daquilo que poderia vir em décadas. 

Formei uma equipe com pessoas mais jovens, a economista e cientista política Júlia Marisa Sekula (curitibana, 27, alfabetizada em mandarim em inglês na China, colegial na Alemanha, faculdade em Londres, profissionalizada em bancos de investimento e a caminho de Stanford), e a Luana Schabib (pantaneira de Corumbá, 33, repórter, MBA em marketing na FGV). Em outubro de 2019 descobrimos gráficos interessantes, produzidos pela Bloomberg New Energy Finance. 

Os gráficos, filhos da era Big Data, são construídos basicamente com uma seção histórica, que acompanha a evolução das fatias de mercado das diversas fontes de energia em muitos países, e uma seção projetiva, que indica mudanças baseadas na evolução de custos relativos – desconsiderando subsídios e ações políticas. 

A tendência dos gráficos de quase todos os países do mundo é a mesma, por causa de um fenômeno universal: as energias renováveis, especialmente solar e eólica, são cada vez mais competitivas, expulsando do mercado os combustíveis fósseis com base em preços e eficiência. Essa tendência permite marcar a data em que cada economia teria as fontes renováveis dominando mais da metade do mercado de energia elétrica.

Tal marcação de um propósito ambiental como guia é a base de um novo modo de encarar desenvolvimento.

Substitui o papel que o indicador crescimento do PIB vem tendo há um século como norteador. 

Mapa distorce tamanho de países para representar visualmente seu potencial em recursos naturais
Foto: Worldmapper.org

Mas essa não era então uma substituição de conhecimento geral. Um ano atrás, o uso da ferramenta era restrito ao ambiente privado, mais precisamente ao nicho dos interessados em economia de carbono neutro. Para falar dos aspectos financeiros das transformações foi preciso apelar para uma métrica de conceituação semelhante, conhecida pela sigla ESG (de Environmental, Social, Governance – Ambiental, Social e Governança). Foi criada nos anos 1990 por pessoas interessadas em ganhar dinheiro com investimentos de capital, mas, ao mesmo tempo, em preservar o meio ambiente. Determina regras para medir quantitativamente o valor ambiental de uma aplicação. Seu emprego começou com retornos inicialmente modestos, mas foi se impondo pelos lucros gerados. As adesões, sempre voluntárias por parte de cada investidor, foram crescendo. 

No que se refere a governos, o primeiro a transformar as métricas de data para carbono neutro e de avaliação ambiental qualitativa em norteadores de planejamento estratégico foi o da União Europeia, em dezembro de 2019. Foi um salto monumental no sentido de firmar a combinação como propósito central de uma grande economia. 

Com o impacto da covid-19, toda a equação entre um longo prazo de equilíbrio ambiental e a vida econômica presente foi sacudida em escala planetária. Uma hipótese corrente no início da pandemia era a de que a recessão violenta poderia romper a tendência de mudança na direção de uma nova economia, gerar uma vitória dos combustíveis fósseis e dos investimentos financeiros tradicionais. 

Mas o livro “Brasil, Paraíso Restaurável” traz os dados que apontam na direção contrária. Em maio de 2020 a União Europeia fez uma aposta do tipo “all in”. Atrelou todo o plano de recuperação econômica a metas ambientais. São Euro 2 trilhões, que só podem ser liberados para empresas que se comprometam com uma economia de carbono neutro em 2050. Quer dinheiro? Pague com ambiente. A ação estatal da maior economia do planeta se transformou em forte indutor da mudança. 

No mundo dos ativos acontecia aceleração paralela. Os investidores de risco, inicialmente assustados com as quedas violentas das bolsas, não demoraram a descobrir que os fundos ESG estavam tendo um desempenho bem melhor que os demais – algo que se relaciona a ativos típicos da nova economia, aquela que liga desenvolvimento econômico a propósitos ambientais: ações da Tesla, em poucos meses, passaram a valer mais que as da Ford, General Motors e Toyota somadas; empresas de energia renovável chegaram a ter valor de mercado maior que a Exxon. 

No mercado de energia foi o mesmo processo. As projeções da Agência Internacional de Energia vêm mostrando 2020 como o ano da maior redução das emissões de carbono desde a primeira guerra mundial. As fontes de energia fóssil tiveram gigantescas quedas de produção, enquanto a energia renovável continuava crescendo em taxas altas. Assim 2020 pode ser o primeiro ano, desde o início do século 19, no qual o carvão mineral não seria a principal fonte de energia da economia mundial. 

Na esteira vieram mais governos. Em setembro deste ano, quando o livro já estava lançado, a China também resolveu aderir à aceleração da mudança, anunciando 2060 como data para o carbono neutro. Em outubro, o Japão cravou 2050. Os Estados Unidos darão uma guinada radical. Eram negacionistas e vão mudar para a aposta ambiental a partir de janeiro de 2021. Uma das primeiras providências de Joe Biden depois da eleição foi vazar a data de 2050 como a meta de uma economia de carbono neutro – com US$ 2 trilhões para induzir seu cumprimento. 

Para resumir: em menos de um ano a economia que organiza o desenvolvimento a partir do ambiente equilibrado deixa de ser nicho, para se tornar objetivo central das quatro maiores economias do planeta – todas empregando a força de seus governos para acelerar as mudanças que nasceram das empresas inovadoras. 

Quanto dinheiro está envolvido nessa mudança? Calcula-se que algo em torno de US$ 45 trilhões, públicos e privados, são atualmente geridos com alguma forma de cláusula ambiental para liberação, seja suave ou estrita. 

E o Brasil? Firmou-se como negacionista convicto, nação que duvidava da existência de problemas ambientais. Que não via necessidade de investir em transição para a economia de carbono neutro. Que enxergava as mudanças como forma de pressão indevida de outros países. 

O que lhe diz a nova realidade? O lanche grátis dos negacionistas acaba dia 20 de janeiro de 2021, data da posse de Joe Biden.  Muda a equação geopolítica: um ano atrás, havia uma nação negacionista ativa (com o país na cola) e três neutras;

a partir de janeiro serão as quatro maiores economias do mundo unidas em torno do imperativo ambiental de desenvolvimento. 

O terremoto da Covid gerou o movimento tectônico. A onda dele resultante é forte: os US$ 45 trilhões com cláusulas ambientais correspondem a 28 vezes o PIB brasileiro. As exportações do agro nacional (US$ 105 bi) representam apenas 0,002% desse montante. 

Essa realidade está dada para 2021. Ao Brasil resta escolher entre bater de frente com ela ou mudar de atitude. O livro “Brasil, Paraíso Restaurável” foi pensado, ainda em 2019, como uma avaliação da nova economia como oportunidade nacional. O ano de 2020 multiplicou essas oportunidades exponencialmente. 


O livro mostra em detalhes que nosso país é aquele que mais rapidamente pode atingir a meta de uma economia de carbono neutro em todo planeta. Com atos simples. O maior atentado que a nação comete em relação ao aquecimento global é a queima de 220 milhões de árvores de florestas nativas anualmente, para produzir carvão vegetal. Com que finalidade? Basicamente, serem juntadas a outros 220 milhões de árvores plantadas por silvicultores, igualmente queimadas, para produzir o carvão vegetal empregado principalmente para processar minério de ferro e criar ferro gusa. 

 As árvores plantadas são carbono neutro ao fim do ciclo: fixaram carbono em seu crescimento, liberam carbono na queima. Já as árvores nativas deixam de fixar carbono quando a floresta desaparece e liberam carbono ao serem queimadas. Um desastre ambiental duplicado – sem contar efeitos econômicos cada vez mais relevantes da perda de biodiversidade. 

Um programa de plantação adicional de 55 milhões de árvores por ano em áreas degradadas permitiria, em apenas e tão somente quatro anos, zerar a conta daninha. Só isso levaria o Brasil para muito perto da meta que as grandes nações fazem força para atingir em 30 anos. 

A onda da economia com propósito ambiental vem aí. O Brasil pode enxergar a realidade futura da mesma forma que os autores do mapa da produtividade natural – mais um produto das ferramentas que guiam a nova economia, escolhido para a capa do livro. Nesse caso, poderia pretender uma posição de liderança planetária e surfar a onda. Se continuar como está... 

Na nova economia, queimar árvores é queimar dinheiro

 André Cáceres 

Autores do livro:
Da esquerda para a direita: Júlia Marisa Sekula, Luana Schabib e Jorge Caldeira

No livro Brasil: Paraíso Restaurável, o historiador Jorge Caldeira se uniu à economista e cientista política Júlia Marisa Sekula e à jornalista e publicitária Luana Schabib para quebrar um dos princípios da historiografia: falar sobre o futuro. 

Nessa obra, eles mostram como a preservação do meio ambiente não é mais uma mera preocupação com a natureza (embora essa questão seja primordial para a sobrevivência da vida na Terra), mas sim um dos princípios da economia para o futuro. 

"O que aconteceu é que o mundo mudou. Antigamente era desenvolvimento ou sustentabilidade. Hoje em dia, graças à mudança de pensamento no campo de energia e às opções mais competitivas, a coisa é: desenvolvimento é meio ambiente", afirma Caldeira ao Estadão. "Se você pega o que está acontecendo com as grandes economias, percebe que o nosso futuro é o meio ambiente, e o Brasil é o país que tem a maior potencialidade nessa nova economia." 

L I V R O

Título: Brasil: Paraíso Restaurável

Autoria: Jorge Caldeira, Júlia Marisa Sekula e Luana Schabib

Editora: Estação Brasil

Páginas: 352

Preços: R$ 70,00 (impresso) e R$ 40,00 (e-book) 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Aliás / Ecologia – Domingo, 22 de novembro de 2020 – Pág. H8 – Internet: clique aqui e aqui (acesso em: 23/11/2020).