Estamos mais pobres!
Pandemia tira R$ 247 bi do consumo da classe média no ano, mostra estudo
Fabrício de Castro e Eduardo Rodrigues
Segundo
levantamento do Instituto Locomotiva, valor que deixará de ser usado na compra
de produtos e serviços supera o PIB de países como Paraguai e Bolívia
No ano passado, a classe média brasileira foi responsável por um consumo de R$ 2,6 trilhões, o que representou 60% do total no País. Em 2020, considerando a retração econômica durante a pandemia e as perspectivas para a renda e o emprego até o fim do ano, o instituto calcula que o gasto dessa classe será R$ 247 bilhões menor.
A estimativa foi feita com base em dados primários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que a pandemia vai tirar do bolso da classe média brasileira supera o PIB de países vizinhos como Uruguai, Paraguai e Bolívia (com base em dados de 2019).
No cálculo, o instituto considerou que a “classe média tradicional” é formada pelas faixas B, C1 e C2, que possuem renda média per capita mensal variando de R$ 667,87 a R$ 3.755,76. Esta fatia das famílias representa 51% da população. Ao todo, são 105 milhões de pessoas.
A diminuição do consumo está diretamente ligada aos efeitos econômicos da pandemia sobre essa parcela da população. “A classe média não recebeu o auxílio emergencial, como a baixa renda, e não tinha poupança, como a alta renda”, explica o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles. “Assim, ela viu uma pressão grande sobre seu orçamento.”
Para qualificar o impacto, o instituto realizou uma pesquisa por telefone com 1.700 brasileiros de classe média com 16 anos ou mais, entre os dias 5 e 9 de outubro. Foram ouvidas pessoas de todo o País. A margem de erro dos resultados é de 2,4 pontos porcentuais, para um intervalo de confiança de 95%.
Desemprego
Mais da metade dos
consultados na pesquisa declarou que sua renda diminuiu durante a pandemia.
Além disso, 35% acreditam que a renda continuará recuando após a enfermidade.
Entre os integrantes da classe média que estão na iniciativa privada –
portanto, que não possuem estabilidade funcional como os servidores públicos –,
64% disseram ter medo de perder o emprego.
[...]
Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 08 de novembro de 2020 – Pág. B1 – Internet: clique aqui (acesso em: 09/11/2020).
QUATRO PERGUNTAS
PARA...
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva
Fabrício de Castro, Eduardo
Rodrigues, Marina Aragão e Maiara Santiago
![]() |
Renato Meirelles |
Meirelles: A classe média não recebeu o auxílio emergencial, como a baixa renda, e não tinha poupança, como a alta renda. Assim, ela viu uma pressão grande sobre seu orçamento. E, como muitos integrantes da classe média trabalham em profissões em que é possível fazer home office, muitos dos gastos da casa também subiram, o que explica haver aumento das contas em atraso.
2. Parte da classe média recebeu o auxílio
dado pelo governo quando houve redução de jornada e salário. Mas o valor não
compensou toda a perda salarial ocorrida?
Meirelles: Se a pessoa está em um emprego formal, sim, ela recebeu. Mas e o advogado? A dentista? O salão de classe B que ficou fechado? O dono de bar? O pequeno empresário sofreu muito. Nós fizemos uma pesquisa sobre financiamento e descobrimos que somente 6% dos empresários conseguiram algum tipo de ajuda, de refinanciamento.
3. Qual a consequência da perda de renda da
classe média para as demais?
Meirelles: A classe média teve menos proteção que a baixa renda, mas qual é a consequência dessa vulnerabilidade? A pessoa manda embora a empregada doméstica. O resultado disso na baixa renda é a perda do emprego. Em um caso, estamos falando de uma situação em que a pessoa terá de comprar menos roupas. Em outro caso, falamos de alguém que vai passar fome. A classe média sofreu um impacto direto no seu consumo e, como é o maior mercado consumidor do Brasil, acabou gerando efeitos nas outras classes, em especial na baixa.
4. A classe média foi uma grande base de
apoio para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Ao avaliar o que
está ocorrendo com ela neste momento, o senhor acredita que o apoio vai mudar?
Meirelles: Temos visto um movimento de mudança gravitacional da base de apoio de Bolsonaro. Do mesmo jeito que o programa Bolsa Família trouxe um conjunto de votos para o presidente Lula no passado, o auxílio emergencial abaixou a renda média do bolsonarista. A classe média tradicional foi a que, no início da pandemia, mais atacou as ações do governo, porque a covid-19 chegou primeiro até ela. O que vimos foi um aumento do descontentamento da classe média em relação às medidas do governo. Esta classe média é mais crítica, por exemplo, quando surge a polêmica em relação às vacinas. Essa mesma classe média tem uma dificuldade enorme de entender o auxílio emergencial para os mais pobres, porque ainda tem uma visão estereotipada das classes baixas.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 08 de novembro de 2020 – Pág. B3 – Internet: clique aqui (acesso em: 09/11/2020).
Comentários
Postar um comentário